28 março 2020

Família, não convento

Peço desculpas, mas tenho dificuldade em aceitar o adjetivo “sagrada” ou “santa” diante do nome da família de Nazaré. Parece-me que seja suficiente – e plenamente expressivo – dizer “a família”. A família por excelência. Dizer “sagrada” ou “santa” parece-me diminuir aquela unicidade e normalidade que constituem sua identidade fascinante, para aplicar nela uma etiqueta devocional.
      Como era, na realidade, “a família”? Não podemos negar que era original, um caso único: dois esposos virgens e o Filho de Deus. Isso nunca se repetiu na história.
      E misteriosa. Pôr juntos termos como “esposos” e “virgens” é uma combinação que nenhum dicionário de nenhuma língua consegue resolver. É como falar de “uno e trino”, de “homem e Deus”. Óbvio, “a família” coloca-se nesse contexto.
      Portanto, é inútil tentar explicar como Maria e José eram “esposos e virgens”. O Evangelho afirma claramente que Maria era esposa de José, e José era esposo de Maria (cf. Mt 1,18-20). Então, Maria e José eram apaixonados, amavam-se realmente (sendo virgens, porém também esposos: eis o mistério). José não era um “para-vento” para proteger a maternidade virginal de Maria. Repito: era um esposo-virgem. E Jesus cresceu e foi criado pelo amor de dois esposos. Senão, que experiência verdadeira de família teria feito?
      Somente nessa luz a Igreja tem o direito de propor “a família” como modelo das famílias. Como estas poderiam inspirar-se numa família “disfarçada”, apresentada como tal, mas que, na realidade, seria um “convento” simulado? Os três de Nazaré se amavam realmente de todo o coração, de toda a mente, de todas as forças, de maneira sobrenatural e natural.
      Diante desse mistério, não adianta deixar-se levar por jogos de fantasia ou fazer elucubrações teológicas; devemos nos tornar verdadeiros e simples. Mergulhar na riqueza de humanidade e divindade que “a família” contém em si, aprender com ela a colocar acima de tudo o relacionamento (humano-divino), redescobrir cada dia que o sonho nunca atingido completamente − e, portanto, sofrido − da unidade começa, porém, a se realizar quando o amor humano consegue fazer nascer entre homem e mulher a presença do Filho de Deus.

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