30 junho 2020

Um longo estudo

       Em 1947, o bispo de Trento, dom Carlo de Ferrari, havia aprovado o nosso Movimento e um pequeno estatuto do mesmo. Ele era favorável a nós e sempre nos defendera. O fato é que, a um certo ponto, em 1956, eram tantas as pessoas que pediam explicações, que ele tomou a decisão de escrever uma declaração dirigida:

       A quem puder interessar!

       O que eu penso dos Focolares é simples. Vi-os nascer na minha diocese e sempre os considerei um excepcional grupo de pessoas maravilhosas que, com sua vida — edificante sob todos os aspectos —, com seu genuíno espírito de caridade e com seu ardoroso apostolado, oferecem a “prova cabal” de que, neste pobre mundo “que caminha para a perdição”, ainda existem cristãos capazes de conquistar os mais árduos cumes da virtude e as mais avançadas trincheiras do bem.      
Há doze anos que eu os acompanho, vigilante e atento, e não só jamais constatei motivo algum de censura, como sempre encontrei o mais amplo e pleno motivo de conforto e alegria, como raramente me aconteceu em mais de cinqüenta anos de ministério pastoral. Já disse e escrevi outras vezes, e repito: oxalá os focolarinos fossem legiões! 
     
De qualquer modo, alguns anos antes, as autoridades da Igreja em Roma também haviam manifestado suas apreensões a respeito de nossa Obra. 
     
E sabemos como essas coisas podem acontecer: alguém, talvez em boa fé, critica atitudes de outros, as quais lhe parecem suspeitas. Zeloso, previne a autoridade, que não pode deixar de intervir. 
     
Pelo seu dever de discernir, a Igreja age. 
     
Assim, começava para nós uma averiguação longa e aprofundada. 
     
Era uma coisa simples e obrigatória para a Igreja, mas para nós queria dizer angústia e insegurança.

29 junho 2020

Somente Deus com Deus faz unidade

Do artigo Solidão e unidade , para Città Nuova Junho de 1975

A nossa solidão com Deus e a nossa vida de unidade com os irmãos são ambas essenciais, justamente para estarmos certos de uma verdadeira solidão com Deus e de uma verdadeira vida de unidade com os irmãos. A solidão, que é dobrar-se sobre si mesmo, embora com as mais santas intenções, não é solidão com Deus. Deus é Pai e ama a você como a todos os outros, e quer ver a Sua família sempre unida.

Solidão com Deus significa deixar que Deus viva em você, de modo que também quando está sozinho com Ele, todos os outros estão presentes no amor que você traz em seu coração. Por outro lado, a vida de unidade entre os cristãos não é verdadeira se não for feita de muitos Jesus, de muitas pessoas que não são mais elas a viverem, mas Cristo nelas, Deus nelas. Não existe unidade de outras maneiras.

Só Deus com Deus faz unidade

28 junho 2020

Não desanime

NÃO desanime, não pare no primeiro degrau da ascensão.
Se a dúvida o assaltar, se a tristeza bater à sua porta, se a calúnia o ferir, erga sua cabeça corajosamente e contemple o céu iluminado e tranquilo.
Embora recoberto de nuvens, você sabe que elas passarão, e o céu voltará a brilhar.
Siga à frente, que todas as nuvens da existência também hão de passar e voltará a brilhar o sol da alegria.

26 junho 2020

Perdoar

SE você não sabe perdoar sem esquecer, é sinal de que não compreendeu ainda a Verdade e o Caminho a seguir.
Procure perdoar e esquecer as mágoas e ofensas, as intrigas e calúnias.
Mantenha-se em tal atitude, que nenhuma calúnia o possa atingir.
Perdoe e siga seu caminho.
Quando o caluniador abrir os olhos, você estará tão distante dele, que não poderá mais ouvir sua voz cheia de veneno.

Seria de enlouquecer

       Seria de enlouquecer se não fixássemos os olhos em ti, que transmudas, como por encanto, toda amargura em doçura; em ti, suspenso na cruz, no teu grito, na mais alta suspensão, na inatividade absoluta, na morte viva, quando, tornando-te frio, lançaste todo o teu fogo sobre a terra e, tornando-te estase infinita, lançaste sobre nós tua vida infinita, aquela que agora vivemos, inebriados.      

Basta-nos que nos vejamos semelhantes a ti, ao menos um pouco, e que unamos nossa dor à tua e a ofereçamos ao Pai. 
     

Para que tivéssemos a Luz, veio-te a faltar a vista. 
     
Para que tivéssemos a união, sentiste a separação do Pai. 
     
Para que possuíssemos a Sabedoria, fizeste-te “ignorância”. 
     
Para que nos revestíssemos da inocência, fizeste-te “pecado”. 
     
Para que Deus estivesse em nós, sentiste-o longe de ti.

25 junho 2020

Se numa cidade se ateasse fogo

       Se numa cidade se ateasse fogo em vários pontos, ainda que um fogo brando, mas que resistisse a todas as intempéries, em pouco tempo a cidade ficaria incendiada.

       Se numa cidade, nos mais diferentes pontos, se acendesse o fogo que Jesus trouxe à terra, e esse fogo, graças à boa vontade dos habitantes, resistisse ao gelo do mundo, teríamos em breve a cidade acesa de amor de Deus.

       O fogo que Jesus trouxe à terra é Ele mesmo, é caridade, aquele amor que não só une a alma a Deus, mas as pessoas entre si.

       De fato, um fogo sobrenatural aceso significa o triunfo contínuo de Deus em almas a Ele doadas e, porque unidas a Ele, unidas entre si.

       Duas ou mais almas, fundidas no nome de Cristo, que não só não têm medo nem vergonha de se comunicarem recíproca e explicitamente o seu desejo de amor a Deus, mas que fazem da unidade entre si em Cristo o seu ideal, são uma potência divina no mundo.

       E, em cada cidade, essas pessoas podem surgir nas famílias: pai e mãe, filho e pai, nora e sogra; podem se achar nas paróquias, nas associações, nas agremiações humanas, nas escolas, nos escritórios, em toda parte.

       Não é necessário que já sejam santas, porque Jesus o teria dito; basta que estejam unidas em nome de Cristo e jamais venham a faltar a essa unidade.

       Naturalmente, estão destinadas a ficar por pouco tempo duas ou três, porque a caridade é difusiva por si mesma e aumenta em proporções desmedidas.

       Cada pequena célula, acesa por Deus num ponto qualquer da Terra, espalhar-se-á necessariamente e a Providência distribuirá essas chamas, essas almas-chamas, onde lhe aprouver, a fim de que o mundo seja restaurado em muitos lugares ao calor do amor de Deus, e recupere a esperança.

       Mas há um segredo para que essa célula abrasada se espalhe até se tornar tecido e vivifique as partes do Corpo Místico: é que aqueles que compõem essa célula se lancem na aventura cristã, que significa: fazer de cada obstáculo um trampolim; não “suportar” a cruz, não importa que faceta tenha, mas aguardá-la e abraçá-la, minuto por minuto, como fazem os santos.

       Quando ela chegar, dizer: “Era esta, Senhor, a que eu queria! Sei que estou na Igreja militante, onde é preciso lutar. Sei que me espera a Igreja triunfante, onde te verei por toda a eternidade. Aqui na terra, prefiro a dor a qualquer outra coisa, porque, com tua vida, Tu me disseste que ali está o verdadeiro valor”.

       E, tendo dito sim ao Senhor, a alma deve viver plenamente o momento que segue, não pensando em si, em seu sofrer, mas no dos outros; ou nas alegrias dos outros, das quais deve partilhar; ou nos fardos dos outros, que deve ajudar a carregar; ou no cumprimento dos seus deveres, aos quais — por vontade de Deus, para que sejam elevados como contínua oração — deve ser dirigida a atenção de toda a mente, o afeto de todo o coração, todo o vigor da própria força.

       É esse o pequeno segredo com que se constrói, pedra sobre pedra, a cidade de Deus em nós e entre nós. E nos insere, ainda na terra, na vontade divina que é Deus, eterno presente.

24 junho 2020

Deus é poderoso, é o Todo-Poderoso

       Deus é poderoso, é o Todo-Poderoso. Maria foi definida “a toda-poderosa por graça”. Ela também é poderosa: pode e obtém. Nós somos miseráveis. E aqueles dentre nós que se julgassem diferentes estariam enfileirados conosco só por esse fato.

       Mas a nossa impotência, a nossa pobreza — se amamos a Deus —, talvez nos possam ser úteis. Elas nos podem fazer obter alguma coisa.

       Se o Pai dos Céus quis que Jesus fosse nosso irmão, se preparou na humanidade uma Imaculada para sua vinda, é porque estávamos em más condições, chagados na alma, pecadores.

       O pecado deve ser odiado. Mas, a vinda de Jesus à terra por Maria, se bem entendida, pode matar-nos de alegria, se Deus não amparar.

       Jesus na terra… irmanado conosco… diz: “Se pedirdes alguma coisa a meu Pai em meu nome, Ele vo-la dará” (Jo 14,13-14), como o bom filho diria ao irmão rebelde de quem tem dó: “Vai lá e pede a papai em meu nome”, é certo que ele conseguirá mais facilmente.

       Jesus na terra… Jesus nosso irmão… Jesus que morre por nós entre ladrões; Ele, o Filho de Deus, nivelado aos outros.

       Quem sabe seremos também um pouco poderosos junto ao Coração do Pai, se nos mostrarmos como somos: seres miseráveis que talvez tenham feito poucas e boas, mas que dizem, arrependidos e reconciliados em seu amor: “Afinal, se vieste para nosso meio, foi porque nossa fraqueza te atraiu, nossa miséria te feriu até à compaixão”.

       O certo é que não há na terra nem mãe, nem pai que espere um filho perdido e tudo faça para que ele volte, tanto quanto o Pai celeste.

23 junho 2020

Realize suas tarefas

Seja fiel no cumprimento de todos os seus devedores.

Execute com capricho e amor todas as tarefas que recebe, embora pareçam insignificantes.

Qualquer coisa que esteja fazendo, por menor que seja, é um passo à frente em seu progresso.

Realize suas tarefas todas, como se delas dependesse - como de fato depende - todo o seu futuro.

22 junho 2020

O nascimento

Deus guiava a Igreja e a iluminava para não nos largar no abandono. Ele fora o fundador e o arquiteto da maravilhosa Obra que devia nascer, e alimentara-a com o seu Espírito. Ele, unicamente Ele, a forjara.      
Quando viu que estava bela, quando viu que estava concluída em suas partes essenciais, chegou a hora de nascer, no dia 23 de março de 1962, não isenta da dor que o nascimento comporta. 
     
Entre luzes e restos de sombra, começou para nós um período novo. 
   
Embora continuando a viver pessoalmente e juntos Jesus Abandonado nas dificuldades e dores de todos os dias, começamos a conhecer aquele semblante de Jesus Abandonado que, abandonando-se novamente ao Pai, transforma a separação em unidade, a derrota em vitória, o inferno em Paraíso, a ignomínia em glória

21 junho 2020

Os frutos não faltam

       Neste ínterim, o Senhor nos lapidava. Com o cinzel do seu amor fazia de modo que nos desapegássemos de tudo para ter apenas a Ele. Desapegar-nos do que tínhamos e do que éramos. Era a liberdade dos filhos de Deus: não ter e não ser. Não ter o que pensávamos ser nosso e que sabíamos ser de Deus. Não sermos nós para sermos Ele.

       Os frutos exteriores se multiplicavam com tal extensão que constatávamos ser necessária a cruz para a irradiação do Evangelho.

       Se ela não tivesse existido, não teríamos aquele equilíbrio necessário para levar adiante uma Obra de Deus. De fato, a dor é um meio de que Deus se serve para tirar a prepotência do orgulho e do amor próprio, para deixar que só Deus aja em nós.

       Exultávamos de alegria por causa dos frutos, mas, graças à cruz, não nos exaltávamos.

20 junho 2020

Mais do que outro remédio

Você, que é enfermeira, ame os doentes que a procuram e que lhe foram confiados, como se fossem seus próprios filhos e irmãos.

Sua missão é grandiosa e sublime, embora difícil e espinhosa. Não se irrite jamais!

Os enfermos são exigentes, porque sentem mais necessidade de carinho do que as pessoas sadias.

Seu carinho lhes apressará a cura, mais do que qualquer outro remédio.

19 junho 2020

Sempre fora de nós, no irmão: um caminho de santificação

A carta abaixo, inédita, conhecida como “o pacto dos quarenta dias”, da qual citamos apenas um trecho, ilustra de modo exemplar a novidade da espiritualidade que o Espírito Santo inspirou a Chiara: não parar nunca nas imperfeições e nos pecados veniais é identificado com a frase “viver fora de si mesmo”, viver o irmão.

Roma, 24 de junho de 1950
C
aríssimos Focolarinos Hoje é a festa de são João Batista, ou seja, a festa de padre Tomasi, o nosso caríssimo Pai, e nós, Focolarinos e Focolarinas romanas fomos à sua Missa.

       No caminho, passamos em frente à igreja de Nossa Senhora do Divino Amor e, em unidade perfeita, fizemos o pacto de estarmos sempre fora de nós mesmos, ou seja, no amor puro. Portanto, sempre na Vida, porque, não vivendo nós, vivemos o irmão e, quando estamos sozinhos, vivemos Jesus em nós: com Jesus em nós. Lembramos que um Santo disse que uma pessoa progride mais no caminho de Deus, em quarenta dias, se não para nunca, do que outra, em quarenta anos, mesmo trancada em um convento com todas as ajudas para ser perfeita, se, de vez em quando, se detém “nos vales das imperfeições e dos pecados veniais”. O Santo dizia que, no caminho do espírito, se descansa não descansando, e isso é verdade. Nós também experimentamos isso muitas vezes, porque, uma vez aceso o fogo, é fácil mantê-lo, mas, apagado, é difícil reacendê-lo. Por isso, começamos a corrida: conhecemos o caminho para chegar ao Pai: o irmão-Jesus-o Pai.

       Prometemos pessoalmente a Jesus estar sempre no amor e, por isso, ligados uns aos outros nesse propósito, fomos formando uma espécie de sistema de “roldanas” espirituais que erguerão o mundo.

     

18 junho 2020

Dilatar o coração sobre o Dele

       24 de outubro de 1949

       Precisamos dilatar o coração segundo a medida do Coração de Jesus. Quanta labuta! Mas é a única e necessária coisa a ser feita. Isso feito, tudo feito.

       Trata-se de amar a cada um que de nós se achega como Deus o ama. E, dado que estamos no tempo, amemos ao próximo um por vez, sem guardar no coração resquícios de afeto pelo irmão encontrado um minuto antes. Afinal, é o mesmo Jesus que amamos em todos.

       Mas, se o resquício fica, é porque amamos o irmão de antes por nós mesmos ou por ele… não por Jesus.

       E aí está o problema.

       Nossa obra mais importante é manter a castidade de Deus, ou seja, manter no coração o amor como puro Espírito Santo. […]

       Portanto, para sermos puros não podemos tolher o coração e nele reprimir o amor.

       É preciso dilatá-lo segundo a medida do Coração de Jesus e amar a todos. Como basta uma Hóstia Santa entre os bilhões de Hóstias na terra para nos alimentarmos de Deus, basta um irmão – aquele que a vontade de Deus nos põe ao lado – para comungarmos com a humanidade, que é Jesus Místico. E comungar com o irmão é o segundo mandamento, aquele que vem imediatamente após o amor a Deus e como expressão dele

17 junho 2020

Vida interior

PROCURE viver mais sua vida interior.
A agitação da vida não deve atingir nosso eu verdadeiro, nossa alma.
Não deve fazer esquecer a coisa mais importante.
A Centelha Divina é que é nosso eu real, do qual nosso corpo é apenas um reflexo.
Portanto, procure viver mais intensamente sua vida interior, a vida de seu eu verdadeiro, de sua alma.

16 junho 2020

Não se escravize

"NÃO se escravize às opiniões da leviandade ou da ignorância."
Não importa o que os outros pensam ou dizem de nós.
O que verdadeiramente importa é aquilo que realmente somos.
Tenha sua consciência tranquila, mesmo que seja condenado.
Não se esqueça de que Jesus foi o condenado, e Herodes foi o vencedor momentâneo.
Mas responda: qual dos dois foi verdadeiramente o vencedor?

15 junho 2020

Evite acusar e criticar

EVITE acusar e criticar.
Procure, antes, colaborar, sobretudo com seu exemplo digno e nobre.
Tudo tem sua razão de ser na vida, embora nem sempre saibamos compreender, porque não temos uma visão completa, já que só podemos ver a superfície das pessoas e coisas.
Deixe o julgamento Aquele que vê os corações e que está dentro de cada um de nós, lendo os mais secretos pensamentos e intenções.

14 junho 2020

Amar indistintamente

PROCURE amar a tudo e a todos indistintamente.
O amor é uma doação perene de luz e de felicidade, sem buscar retribuições e compensações.
Em todas as criaturas está Deus que habita dentro de cada um de nós.
Ame a Deus, amando a seu próximo tanto quanto a si mesmo.
Distribua compreensão e paz, para que a felicidade possa morar definitivamente em seu coração.


13 junho 2020

Ajudar a vencer e subir

NÃO creia que encontrará a perfeição naqueles que o rodeiam.
A sublimidade é difícil.
Portanto, se encontrar falhas naqueles que você admira, não se decepcione: dê a eles mais carinho e apoio, para que possam reparar as oportunidades perdidas.
Não despreze a a quem erra: procure erguê-lo, exaltando aquelas qualidades que todos têm dentro de si, de modo que ele possa vencer e subir.


12 junho 2020

Jesus Abandonado nas primeiras cartas

As cartas que circulavam entre as primeiras focolarinas, muitas das quais conservadas até hoje, traduzem a veemência do amor por esse grande ideal, amor completamente desinteressado que o Senhor pusera em nosso coração.Aliás, elas já faziam prever os frutos que Jesus Abandonado, amado e vivenciado, poderiam produzir. Estava escrito numa delas:

No cumprimento da vontade de Deus que se concentra no amor de Deus e do próximo, a ponto de sermos consumados na unidade, encontraremos a cruz em que nos devemos crucificar.
     
Não temamos! Pelo contrário, alegremo-nos! É a nossa meta!
       
Jesus precisa de almas que saibam amar assim: que o escolham, não pela alegria que o fato de segui-lo traz, não pelo Paraíso que nos prepara e pelo prêmio eterno, não para nos sentirmos tranquilos.      
Não. Somente porque a alma sedenta do verdadeiro amor quer consumar-se com a Alma dele, com aquela Alma divina, atormentada até a morte, obrigada a gritar “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?” 
     
Temos uma vida só, e além do mais, breve. Depois, o Paraíso. Depois, sempre com Ele. 
   
Seguiremos o Cordeiro aonde quer que vá! 
     
Não nos cause medo o sofrer. Pelo contrário. 
     
Mas busquemos o sofrer que a vontade de Deus nos oferece; […] aquela vontade de Deus que é amor recíproco: o Mandamento Novo, a pérola do Evangelho! 
     
Em nome de Jesus, peçamos ao Eterno Pai a graça de que se apresse a hora de sermos todas uma coisa só, um só coração, uma só vontade, um só pensamento. […] 
     
E Deus viverá entre nós: haveremos de senti-lo. Deliciar-nos-emos com a sua presença, e Ele nos dará a sua luz, inflamar-nos-á com o seu amor!

11 junho 2020

Uma prece única, antes de morrer

 O testamento de Jesus
     15 de dezembro de 1959


     Se tiveres a sorte de ir à Terra Santa durante a primavera, dentre as mil coisas que Jerusalém oferece à tua contemplação e à tua meditação, uma delas toca de modo particular pelo que evoca em sua extrema simplicidade. Resistindo ao tempo e lavada pelas intempéries de dois mil anos, uma longa escada de pedra, pontilhada aqui e ali por papoulas vermelhas como o sangue da Paixão, estende-se qual fita encrespada, descendo límpida e solene para o vale do Cedron.

     Ficou nua ao relento, bordejada por uma moldura de relva, como se nenhuma abóbada de templo pudesse substituir o céu que a coroa. Dali – conta a tradição – Jesus desceu naquela última noite, após a ceia, quando, “levantando os olhos ao céu” repleto de estrelas, rezou: “Pai, chegou a hora...”.

     Causa impressão pôr os nossos pés onde os pés de um Deus tocaram, e a alma transborda dos olhos ao contemplar a arcada celeste que os olhos de um Deus olharam. A impressão ali pode ser tão forte, que a meditação nos fixa em adoração.

     Foi uma oração única, a Dele, antes de morrer. E quanto mais esse “Filho do homem”, que tu adoras, resplandece Deus, mais o sentes como homem e te enamoras. O discurso Dele foi entendido plenamente somente pelo Pai. No entanto, Ele o fez com voz clara, talvez para que um eco de tão grande melodia chegasse até nós.

10 junho 2020

Em nós

       Cada dor nossa nos parecia um semblante de Jesus Abandonado a ser amado e querido para estar com Ele, ser como Ele, a fim de, em união com Ele, darmos também nós a vida a nós e a muita gente, com o nosso sofrimento amado.

       Entrando neste caminho da unidade, escolhêramos só a Ele: em um ímpeto de amor, decidíramos sofrer com Ele, como Ele.

       Pois bem, a experiência que todos fizemos é que Deus, somente amor, não se deixa vencer em generosidade e muda, por uma alquimia divina, a dor em amor. Isso equivale a dizer que nos transformava em Jesus, experimentado em nós pelos dons do seu Espírito, dons que o amor sintetiza.

       Constatávamos que, tão logo desfrutávamos de uma dor qualquer, para ser como Ele abandonado que se abandona novamente ao Pai, e continuávamos depois a amá-lo, fazendo a vontade de Deus do momento seguinte, a dor, se era espiritual, geralmente, desaparecia; se era física, mudava-se em jugo suave.

       Em contato com a dor, o nosso amor puro, isto é, o nosso desfrutar da dor, convertia essa dor em amor. De certo modo, divinizava-a; era como se a divinização que Jesus fizera da dor prosseguisse em nós, se assim podemos dizer 3.

       E, depois de cada encontro com Jesus Abandonado, amado, encontrávamos Deus de um modo novo, mais face a face, em uma unidade mais plena.

       A luz e a alegria e, com elas, a paz, que são frutos do Espírito, voltavam. Aquela paz especial que Jesus prometeu, para cuja obtenção — assim sentíamos — era necessário fazer do tormento, da angústia, das agonias da alma, das perturbações, das tentações uma ocasião para amar a Deus.

09 junho 2020

Como a Igreja

       Foi exatamente no abandono de Jesus na cruz que, desde o início do Movimento, Deus concentrou a nossa alma e foi nesta dor e por esta dor, ponto culminante da Paixão, que o nosso Movimento se desenvolveu.

       Os fatos se desenrolaram como vou explicar; entretanto, é possível fazer uma constatação desde já: as linhas da grande história da fundação da Igreja, de certo modo, também se encontram na história do nosso Movimento, que é Igreja, feitas as devidas proporções. É uma obra, a nossa, que tem a fisionomia de sua Mãe, como afirmou João Paulo II em agosto de 1984: “Vejo que seguis de modo autêntico aquela visão da Igreja, aquela definição que a Igreja deu de si mesma no Concílio Vaticano II” (João Paulo II, 1984, p. 25).

       Sabemos que o ponto de partida da salvação do gênero humano foi o amor de Jesus pelo Pai. Esse amor estimulou Jesus a cumprir o que o Pai desejava, isto é, a fazer a vontade do Pai. Mas a vontade do Pai se resumia praticamente em amar os irmãos e Jesus deu sua vida por amor a eles: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13), dissera Ele.

       Ora, se observarmos o nosso Movimento, vemos que ele também parte de um desejo de amor: amar a Deus, redescoberto como Amor, como Pai, nos primeiros dias de nossa história.

       Também para nós, esse amor se traduzia e se traduz em fazer a vontade de Deus, que se resume no Mandamento Novo: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 15,12).

       De modo que, inclusive para nós, amar a Deus tem este significado: estarmos prontos a morrer uns pelos outros (cf. Jo 15,13)

08 junho 2020

Sacerdotes também nós


Mas o fato de o Apóstolo falar de sacrifício vivo e de culto espiritual significa que também nós somos sacerdotes, daquele sacerdócio “real” conferido a todos os cristãos no Batismo.        
De fato, Pedro exorta:        
Também vós, como pedras vivas, constituí-vos em um edifício espiritual, dedicai-vos a um sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais aceitáveis a Deus por Jesus Cristo. (1Pd 2,5). 
E o Apocalipse diz dos cristãos: “serão sacerdotes de Deus e de Cristo” (20, 6).
Na verdade, cada cristão é sacerdote em Jesus, porque a unidade já foi restabelecida, o acesso a Deus não se reserva mais ao sumo sacerdote uma vez por ano, como no Antigo Testamento, mas a todos os batizados, que se tornaram “uma raça eleita, um sacerdócio real” (1Pd 2,9).        
O culto que o Pai quer de nós é um culto espiritual (“sacrifícios espirituais”, diz Pedro), como Ele quis do próprio Jesus.        
A oferenda consiste — segundo Paulo — em se transformar e se renovar na mente, “a fim de poderdes discernir qual é a vontade de Deus” (Rm 12,2).        
Discernir qual é a vontade de Deus para fazê-la.        
Fazer aquela vontade de Deus, a que também o nosso Movimento dá tanto relevo, como expressão do nosso amor a Deus.        
E a vontade de Deus, que seguimos, faz-nos ao mesmo tempo sacerdotes e vítimas. Talvez Deus tenha suscitado nosso Movimento visando também a esta finalidade: contribuir para reavivar o sentido sacerdotal no povo cristão, como almeja o Concílio Vaticano II (cf. LG 10 e 34), consoante o estilo dos primeiros cristãos.

07 junho 2020

A parte que nos cabe

       Mas, para usufruir de tanta graça, o homem também deve fazer uma pequena parte. Antes de mais nada, deve aceitar na fé este dom de Deus, que lhe é transmitido no Batismo. Nele, fomos mortos e sepultados com Cristo. E, por ele, ressuscitaremos.     
Além disso, Deus nos deu também um corpo para que, por meio dele, lhe obedeçamos. 
     
Uma obediência que significa cumprir a sua vontade, já que fomos santificados e transformados em irmãos de Jesus.
     
Daqui provém a nossa possibilidade de fazer também da nossa vida um sacrifício. 
     
Paulo assim se expressava: 
     
Eu vos exorto, pois, irmãos, em nome da misericórdia de Deus, a vos oferecerdes vós mesmos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus: este será o vosso culto espiritual. (cf. Rm 12,1)

06 junho 2020

Assim nasce a Igreja


Tendo-nos gerado naquele grito, aqui nasce a Igreja, o povo novo.       
Aqui é dado o Espírito Santo.        
O Espírito Santo que, como Deus, unia Jesus ao Pai.       
E, no abandono, se obscurece em Jesus o vínculo com o Pai.        
Diz Chardon:       
Sendo o Espírito Santo o verdadeiro Paráclito, isto é, o perfeito Consolador […], produz internamente na alma [de Jesus] uma cruz mais desastrosa [… do que aquela exterior] com a suspensão de suas maravilhosas consolações. (Chardon, 1895, pp. 262.264)        
É o preço do dom que o Espírito Santo nos faz, como vínculo que une todos os homens com Jesus e entre eles, formando o Corpo Místico de Cristo, o Cristo total.        
É no abandono que o sacrifício de Jesus manifesta todo o seu caráter interior, espiritual, divino.        
Dissera Ele à samaritana que se aproximava a hora, e era aquela, em que os verdadeiros adoradores adorariam o Pai em espírito e verdade (cf. Jo 4,23).  
Aqui está em Jesus o Adorador por excelência.

05 junho 2020

Os santos e a cruz

Por estar muito próximo ainda da passagem de Jesus pela terra, Inácio, bispo de Antioquia, interpreta ao pé da letra as palavras “toma a tua cruz” no caminho para o martírio, e escreve aos Romanos:Pedi para mim apenas a força interior e exterior, para que eu não só diga, mas queira ser cristão; não só seja chamado, mas de fato o seja. […] Então, quando o mundo não puder mais ver o meu corpo, serei verdadeiramente discípulo de Jesus Cristo. […] É agora que começo a ser um verdadeiro discípulo. Que nenhuma coisa visível ou invisível me impeça de obter a posse de Jesus Cristo! Fogo, cruz, encontro com as feras, dilaceramentos, esquartejamentos, deslocamentos de ossos, mutilações dos membros, trituração de todo o corpo, os mais perversos suplícios do diabo caiam sobre mim, contanto que alcance a posse de Jesus Cristo. […] Ouvi, antes, o que agora vos escrevo, pois é na plenitude da vida que exprimo meu desejo ardente de morrer. Minhas paixões humanas foram crucificadas, não há em mim fogo para amar a matéria. Não há senão a “água viva” que murmura dentro de mim e me diz: “Vem para o Pai”. (Aos Romanos, 1985, pp. 22-23)Os santos, que são os cristãos realizados, apreenderam o segredo, o valor da cruz.A propósito, assim diz Grignion de Montfort:A Sabedoria, enquanto espera o grande dia do seu triunfo no Juízo Final, quer a cruz como distintivo e arma de todos os eleitos. Com efeito, não acolhe filho algum que não a tenha como distintivo, nem recebe discípulo algum que não a traga na fronte, sem enrubescer; no coração, sem desgosto; e nos ombros, sem arrastá-la ou rejeitá-la […]. Não aceita soldado algum que não a empunhe como uma arma para defender-se e atacar, para desbaratar e esmagar todos os seus inimigos. Grita para eles: “Tende coragem: eu venci o mundo!” (Jo 16,33) […]. Eu, o vosso chefe, venci o meus inimigos com a cruz, e vós também o fareis por meio deste sinal! (Grignion de Montfort, 1990, pp. 204-205)

04 junho 2020

Jesus, modelo para os cristãos

Desde aquele tempo feliz em que Cristo viveu, morreu e ressuscitou, Ele tornou-se o Caminho, o modelo para cada um de nós.
Como Jesus, o cristão deve amar o Pai e, por isso, fazer a sua vontade, a Ele submeter-se. E a vontade de Deus para o cristão é que ele também chegue à glória, à felicidade, pelo caminho da cruz, como Jesus.
Ele mesmo é quem nos ensina como segui-lo. De fato, diz a todos: “Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz cada dia e siga-me” (Lc 9,23).Seguir Jesus é, antes de mais nada, uma renúncia. É o renunciar a si mesmo, que não queremos entender no mundo de hoje, na ilusão de existir um cristianismo sem dificuldades. Mas a doutrina de Jesus é clara e forte: não é de modo algum a falta de freios morais! Paulo diz: “Mortificai, pois, os vossos membros terrenos: fornicação, impureza, paixão, desejos maus e a cupidez, que é idolatria” (Cl 3,5), porque aspirar às coisas ter-renas é conduzir-se como “inimigos da cruz de Cristo” (Fl 3,18).  Seguir Jesus quer dizer também tomar a própria cruz cada dia. Jesus alude a cada dor de cada dia: que sejam aceitos todos os pequenos sofrimentos diários. Mas ao nos exortar a tomar a nossa cruz, deu sentido e valor também ao nosso padecer.Lembro quão grande foi a minha impressão em Jerusalém, ao nos mostrarem no Calvário o furo onde foi plantada a cruz de Jesus. Joelhos por terra, aniquilada quase em adorador reconhecimento, só uma idéia me veio à mente: se não tivesse havido esta cruz, todas as nossas dores, as dores de todos os homens não teriam tido um nome. Mas, “Cristo não mostra apenas a dignidade da dor”, diz Paulo VI. “Ele lança a vocação para a dor… convoca a dor (inclusive a nossa) para sair da sua desesperada inutilidade e, se unida à sua, tornar-se fonte positiva de bem” (Paulo VI, 1964, p. 212).

03 junho 2020

SE VIVEMOS O PRESENTE

É vivendo o presente que podemos cumprir bem todos os nossos deveres.É vivendo o presente que as cruzes se tornam suportáveis.     
É vivendo o presente que podemos captar as inspirações de Deus, os impulsos da sua graça que chegam no presente.
     
É vivendo o presente que podemos construir, com resultados, a nossa santidade. São Francisco de Sales dizia: “Cada momento vem repleto de uma ordem e se imerge na eternidade, para dessa ordem fixar aquilo que dela fizemos”.
     
Portanto, vivamos o presente! Com perfeição! No entardecer de cada dia, e no entardecer da vida, nós nos encontraremos com as mãos cheias de boas obras realizadas e de atos de amor oferecidos.

02 junho 2020

Jesus Abandonado

       Como uma flor inteiramente aberta, completamente desabrochada, depois de ter dado o próprio sangue, a própria morte natural, (não “depois”, no sentido de tempo, mas como valor) Jesus dá também a própria morte espiritual, a própria morte divina, e dá Deus.

       Esvazia-se também de Deus. E isto se dá no momento do abandono, quando grita: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?” Grito de Jesus que, no tempo, foi interpretado como se ele estivesse repetindo o Salmo 22 (21). Nós sempre pensamos que não é Jesus para o Salmo, mas o Salmo para Jesus. E o Santo Padre João Paulo II confirma isso:

       … as suas palavras não são apenas expressão daquele abandono, que muitas vezes se ouvia no Antigo Testamento, especialmente [… no] Salmo 22(21) […]. Essas palavras sobre o abandono nascem no plano da inseparável união do Filho com o Pai, e nascem porque o Pai “fez cair sobre Ele a iniqüidade de todos nós” (Is 53,6). (SD, 18)

       Abandono real para a humanidade de Jesus, porque Deus a deixa nessa situação sem intervir. Abandono irreal para a sua divindade, porque Jesus, sendo Deus, é Uno com o Pai e com o Espírito Santo e não pode dividir-se; pode, quando muito, distinguir-se. Mas isto não é mais dor: é amor.

       O sofrimento — escreve Jacques Maritain — “existe em Deus de modo infinitamente mais verdadeiro do que o sofrimento existe em nós, mas sem imperfeição alguma, pois em Deus Ele está em unidade absoluta com o amor” (Maritain, 1978, p. 291).

       Com relação ao abandono, agrada-nos pensar assim: Por acaso, Deus não é Uno, distinto em três Pessoas, Uno e Trino simultaneamente, num tempo, por assim dizer, fora do tempo, no qual o Amor vive, no qual o Pai está em perene geração do Verbo, e o Espírito Santo procede perenemente como Pessoa divina também Ele, unindo e distinguindo simultaneamente o Pai e o Filho, de modo que são Uno e são Três?

       A operação do abandono não pode ter sido, então, uma “nova” operação, por assim dizer, do tipo da que aconteceu na Encarnação, quando a Trindade decretou que o Verbo se fizesse carne, ou na ressurreição, quando o poder do Pai ressuscitou no Espírito Santo o Filho encarnado?

       O Pai, ao ver Jesus tão obediente a ponto de se dispor a gerar de novo os seus filhos, a lhe dar uma “Nova Criação” (cf. 2Cor 5,17), viu-o tão semelhante a si, igual a si, quase que um outro Pai, a ponto de distingui-lo de si.

       Estremecimento de nova alegria em Deus-Amor sempre novo. Grito de dor infinita na humanidade do Cristo, “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?” (Mt 27,46; Mc 15,34)