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19 fevereiro 2024

Meditação e experiência - Igino Giordani


Igino Giordani
(1894 – 1980)

Cofundador do Movimento dos Focolares

Nasce em Tívoli (Itália) em 1894 de uma família de origem humilde; é o primeiro de seis filhos. Na conclusão dos estudos, explode a Primeira Guerra Mundial e Giordani a transcorre na trincheira. Não dispara nem mesmo um tiro contra o inimigo, porque o cristianismo proíbe matar e por esta sua escolha corajosa fica gravemente ferido. Entre os hospitais militares, se forma em Letras e Filosofia. Casa-se em 1920, com a esposa Mya com a qual terão 4 filhos.

A escolha pela paz permeia toda a vida de Giodani, no campo pessoal e profissional.

A sua ideia de paz brota diretamente da lei da caridade, da exigência de solidariedade, junto com as instâncias racionais, sociais e econômicas. Costumava dizer que a guerra é um homicídio (mata o homem, contra o Quinto Mandamento), um deicídio em efígie (suprime no homem a criatura e a imagem de Deus), e um suicídio, porque a humanidade é, especialmente hoje, um organismo único, que se autodestrói ferindo-se nos conflitos.

A sua ideia de democracia parte do conteúdo ético da relação entre os homens, portanto o reconhecimento da dignidade de cada um e do valor de cada um na determinação do bem comum. Em tal sentido, o seu espírito democrático tem raízes na inspiração cristã. Em alguns célebres livros, como Desumanismo [Disumanesimo] (1941), Pioneiros cristãos da democracia [Pionieri cristiani della democrazia] (1950) e As duas cidades [Le due città] (1961), põe em relevo a política como a organização mais elevada do amor cristão. Não só. Bem consciente de que a política é um campo, mais do que os outros, exposta “à corrupção, à mentira, à ambição” – escreve até mesmo que “o poder sataniza” (1962). Lança esta mensagem, hoje mais do que nunca atual: se todos temos necessidade de santidade, “os estadistas, os legisladores, os administradores da coisa pública precisam de uma ração dupla dela” (1962).

A coragem da coerência política

Giordani pode ser tomado como testemunha de uma cultura política que valoriza a coerência, o diálogo, a edificação da paz. Giordani era um homem profundamente livre, inclusive dos condicionamentos do poder: a sua vida nos interpela ainda hoje.

Entre os primeiros a aderir ao Partido Popular Italiano

A sua biografia política começa a partir de 1919, quando o encontramos entre os primeiros a responder ao “apelo aos livres fortes” lançado por padre Luigi Sturzo, fundador do recém-nascido Partido popular. Põe-se em evidência ao grande público através de Revolta católica [Rivolta cattolica] (1925), um livro de acesa oposição ao irrefreável sistema de poder fascista, duro com as alas católicas que cediam às adulações do regime. Já neste texto, afirma a exigência de basear a convivência humana na fraternidade universal. Através de alguns de seus livros apologéticos desafia as ideologias do seu tempo e afirma o espírito de serviço e de caridade que deve animar a política e o poder.

Santidade e política

Candidata-se às eleições de 1924 e de 1946. Em 1946 entrando nos palácios da política, como membro da Assembleia Constituinte e Parlamentar da Câmara dos Deputados pela Democracia Cristã, se faz esta pergunta: “pode um político ser santo?”. Promovido a diretor de “Il Popolo”, jornal de partido, no seu diário anota: “difundir a santidade a partir de uma pobre folha de jornal; difundir santidade a partir de um corredor de passos perdidos*… quem fará este milagre?”.

Bem cedo na nova experiência política encontra não poucas dificuldades. Para não violar a retidão profissional submetendo o jornal aos jogos das correntes de partido, escolhe se demitir da direção; e reza: “esta humilhação sirva para me recolocar, alma nua, diante de Ti, Senhor”. Deve registrar “incompreensões, calúnias, zombarias, abandonos”, que lhe conseguem “desilusões e amarguras”; compreende que são ‘provações’ para se santificar.

Inoxidável pacifista

O seu compromisso com a paz é profético e convicto: é pacifista durante os anos dramáticos do primeiro conflito mundial, quando a sociedade civil estava dividida entre neutralistas e intervencionistas. É pacifista quando preconizava os Estados Unidos da Europa, desde os primeiros anos 1920. E ainda, anseia pela paz e pela fraternidade universal quando – num célebre discurso parlamentar de 1949 – adere ao Pacto Atlântico, entendendo-o não só como um instrumento de defesa, mas um princípio para uma pacificação entre os povos europeus, compreendida a Rússia. A sua ideia de paz brota diretamente da lei da caridade, da exigência de solidariedade, junto com as instâncias racionais, sociais e econômicas. “A guerra é um homicídio” (mata o homem, contra o Quinto Mandamento) “é um deicídio em efígie” (suprime no homem a criatura e a imagem de Deus), e é um suicídio, porque a humanidade é, especialmente hoje, um organismo único, que se autodestrói ferindo-se nos conflitos.

Após a saída do Parlamento, que aconteceu em 1953, Giordani deixa a política do Palácio para se dedicar à edificação de uma cultura social e política nova, medida sobre uma dimensão maior: a família humana. O encontro com Chiara determinou na sua vida uma reviravolta. Dirá mais tarde: “Todos os meus estudos, os meus ideais, as próprias vicissitudes da minha vida a mim se apresentaram dirigidos a esta meta… Poderia dizer que antes tinha procurado; agora encontrei”.

É fascinado pelo radicalismo evangélico da “espiritualidade de comunhão” anunciada e vivida por Chiara. A nova reviravolta na vida de Giordani produz uma mudança tão profunda que – escreve – “causou um choque nos amigos”. A sua veia polêmica se transforma e Giordani adquire uma nova e marcada sensibilidade ao diálogo profundo. O seu empenho, de individual se faz comunitário e será recolhido, com o passar do tempo, por uma multidão de políticos: do pequeno grupo de Parlamentares que se formou nos anos 1950 a quantos em todo o mundo formam o Movimento político pela unidade, fundado por Chiara Lubich em 1996.

Giordani morreu no dia 18 de abril de 1980 e agora está em andamento a causa de beatificação


17 outubro 2022

Compromisso civil e político

A vida de Igino é repleta de momentos extraordinários e experiências coerentes e corajosas. O retrato que emerge do mosaico de suas escolhas e iniciativas mostra um heroísmo a serviço da humanidade, guiado pelo amor a Deus e sustentado pela fidelidade à Igreja. Aqui estão alguns elementos.

Estamos em 1925 e Igino Giordani é diretor da Parte Guelfa, um periódico muito crítico do regime fascista e defensor das razões dos católicos. A Santa Sé, no entanto, está preparando os Pactos Lateranenses, ou seja, o acordo com o Estado italiano, e a voz de Giordani lhe incomoda, porque deixa o regime nervoso. De L'Osservatore Romano vem um distanciamento do Partido Guelfo e seus autores, e Igino imediatamente fecha essa revista, em obediência à Igreja, sem hesitação.
É o ano de 1933 e um alto prelado desafia Higino sobre a forma de dirigir a revista Fides, uma revista pontifícia que pela primeira vez foi dirigida por um leigo. Percebendo que o tempo para a plena confiança no trabalho dos leigos na Igreja ainda não está maduro, Igino se demite. Foi remanejado seu cargo e restaurou a plena confiança que nunca lhe faltou, tendo em vista que o episódio de protesto foi uma iniciativa isolada.
É 1944 e, em uma Roma livre do fascismo, equipes de guerrilheiros vagam pelas ruas, tirando os velhos hierarcas fascistas de suas casas para executá-los na hora. Eles chegam ao prédio Igino, onde mora um idoso fascista que os guerrilheiros querem fuzilar. No tumulto da situação, alguém lhe pede ajuda e Igino calmamente vai até o comandante da patrulha partidária, conversa com ele e o convence a desistir da execução sumária. Enfia um de seus livros debaixo do braço, depois de ter assinado uma dedicatória personalizada, cumprimenta-o e tudo se resolve pacificamente.
Estamos em 1948 e querem nomear Igino para a Câmara dos Deputados. É uma corrida de muitos para os melhores lugares, depois que o regime acaba, mas Higino não. Ele pede a seu amigo, Mons. Giovambattista Montini, o que você acha disso, e ele recebeu um parecer favorável de Montini. A sua ação permanece sempre profundamente eclesial.
"Pode um político ser um santo?" Um santo pode ser um político? Tente a solução da questão em si mesmo agora que você se torna um político ».
É o ano de 1949 e no tribunal inflamado, onde a oposição entre os partidos políticos tem tons de violência verbal e física, discute-se a adesão da Itália ao Pacto do Atlântico. Igino Giordani toma a palavra, ao lado dele está Tarcisio Pacati, outro ilustre membro que se juntou ao Movimento dos Focolares e, em voz baixa, dá um sinal de unidade ao seu amigo Igino, declarando-lhe: "mantenhamos Jesus no meio ", ou seja, vamos traduzir em experiência do momento a promessa de Jesus contida no Evangelho de Mateus (18, 20), pela qual dois ou mais estão reunidos em nome de Jesus, ele está ali, entre eles. E, de fato, lentamente o clima político muda. Igino sente que a Europa pode realizar uma ação de pacificação mundial em um mundo marcado pela oposição ideológica entre o Oriente e o Ocidente do mundo. Ele entende que a única maneira de alcançar a justiça social é fundar uma economia baseada na comunhão de bens. Desta forma, as diferenças ideológicas que opõem os socialistas aos liberais serão resolvidas. No final, um aplauso geral reúne todos em torno das razões da paz.
Era 1950 quando Igino iniciou um diálogo, a partir das páginas dos jornais que dirigia, com o diretor do jornal comunista l'Unità. Trocam exortações e comentários, perguntas e respostas, procurando alcançar objetivos comuns sobre os mesmos motivos da paz e da vida boa e feliz dos pobres. Tudo isso, em um clima político em que os comunistas foram excomungados da Igreja. Giordani foi deplorado por seu partido pela escolha profética de buscar razões de convergência e reconciliação com adversários políticos.

Popularismo e antifascismo

Depois da guerra há um país a ser reconstruído e Don Luigi Sturzo procura jovens inteligentes que possam ajudá-lo a fazer crescer o Partido Popular. Ele conhece Igino e o emprega na assessoria de imprensa do partido. Igino começa seu trabalho como jornalista, muitas vezes assinando artigos importantes denunciando o sistema fascista que começa a sufocar as liberdades dos italianos.
O fascismo pressiona e força muitas personalidades políticas ao exílio. Sturzo também é forçado a se mudar para Londres. O Partido Popular está se dissolvendo lentamente, parece que ninguém mais consegue curá-lo. O último a não abandonar o navio é Igino Giordani, que continua a publicar o boletim político do partido mesmo quando a polícia fascista proíbe a circulação de todos os periódicos políticos. No final, estamos em 1926, Igino encontra-se sem emprego. Ele começa a lecionar em escola pública, mas é forçado a se demitir porque não é fascista e não pode ocupar um cargo público.
"Encontrei um substituto no Liceo Mamiani em Roma, mas alguns alunos e colegas logo perceberam que eu não estava participando da retórica e liturgia oficial do regime, fazendo-me entender que era melhor eu sair antes de ser colocado em a porta".
Ele consegue um emprego na Biblioteca Apostólica do Vaticano, mas primeiro vai para os Estados Unidos da América, onde estuda a ciência moderna da biblioteconomia. Foi nos EUA que se tornou terciário dominicano, atraído sobretudo pela figura de Santa Catarina de Sena, e entrou em contato com o mundo protestante, desenvolvendo uma notável sensibilidade ecumênica.
Ao regressar à Itália, tem todas as credenciais para conquistar o cargo de professor universitário de Literatura Cristã Antiga, tendo publicado em anos anteriores as traduções e comentários de alguns padres da Igreja. Mas o Ministério bloqueia tudo. Igino não é fascista, ponto final: não pode aspirar a carreiras importantes. Após a Segunda Guerra Mundial, os partidos vão virar: Igino será consultado pelo Ministério para um parecer sobre um candidato a magistério universitário com passado fascista. Higino não se vinga, responde de acordo com a verdade e a justiça, e a prática continua.

28 março 2022

O trabalho e o materialismo

No sistema do materialismo, onde o trabalho invade o lugar do divino, não tem mais espaço aquele movimento do espírito que consiste na assídua aproximação a Deus até se unir a Ele. Neste caso se potencializa a ação e se anula a contemplação, e o ativismo depois provoca uma usura física, através da qual a alma se extenua até a desolação, até o desespero: causa daquela náusea e daquela angústia que certa filosofia apresenta como característica do indivíduo dissociado no coletivismo gregário. Assim se obtém um resultado de gradual desintegração da pessoa humana. Naturalmente esta se defende, talvez, especialmente, lá onde o ativismo assumiu o ritmo de um frenesi, como nota Krause para o seu país: de onde de fato nos vieram algumas manifestações mais populares e sugestivas da reconquista espiritualista ou até mesmo mística (Merton, Sheen).

Igino Giordani, Il Patrono d’Italia – San Francesco oggi,

25 novembro 2021

Giordani e a família

«Principal função da família é crescer e multiplicar: aumentar a vida, cooperar na obra criativa do Criador. A sua unidade não se interrompe, mas aumenta e se prolonga na prole. Na prole o amor dos esposos encarna-se, a unidade torna-se pessoa: pai, mãe, filho, formam uma vida à imagem e semelhança – de alguma maneira – da divindade da qual foram criados e são vivificados. Três pontos pelos quais passa o circuito do único amor, que parte e se alimenta do amor de Deus». (Giordani, 1942).

Ao traçar o perfil divino da família, nesse texto Giordani antecipa o que em seguida será declarado nos textos do Vaticano II, seja salientando o privilégio dos esposos de «cooperar na obra criativa do Criador», seja ao ver a família como espelho da vida trinitária, da qual deriva o seu desígnio. Uma doutrina muito amada por João Paulo II, que a inserirá como tema de suas históricas catequeses sobre o amor humano, na década de 1980.

No dia 23 de junho passado, a Comissão preparatória do Sínodo divulgou o Instrumentum Laboris, objeto de reflexão para os padres sinodais no próximo mês de outubro, para depois propor ao Santo Padre possíveis soluções a serem atuadas em favor da família. O documento, centralizado na vocação e missão da família, inicia com um olhar sobre as múltiplas problemáticas que investem a família hoje e os graves desafio culturais e sociais que a comprometem. Mas tal situação crítica não foi percebida apenas nesses tempos. Em 1975, uma carta do episcopado do Quebec continha uma análise preocupante nesse sentido. A carta tocou profundamente Giordani, ao ponto que citou alguns trechos dela num seu escrito, para depois oferecer a sua mensagem, alta e luminosa, a todas as famílias:

«As dificuldades da vida não esmagam uma família ancorada em Deus; enquanto que, em casos demais, a destroem porque ancorada apenas no dinheiro. A união dos cônjuges é a força deles: mas a união é fruto do amor. Amarem-se, portanto, faz parte do interesse terreno e celeste deles, aproveitando as provações, os sofrimentos, os desenganos, para santificar-se.

O matrimônio não une somente os esposos um ao outro, enquanto esposos, pai e mãe: une-os a Deus. Essa unidade em Deus, do homem e da mulher, dos pais e dos filhos, é o sentido mais profundo do matrimônio e da família». (Giordani, 1975).

Do Centro Igino Giordani

Trechos retirados de: Igino Giordani, Família comunidade de amor, Città Nuova, Roma, 2001 e Igino Giordani, A sociedade cristã, Città Nuova, Roma, 2010


16 junho 2021

No inverno do homem

 29 de junho de 1948

O destino da árvore frutífera dá um pouco a imagem do homem que frutifica na sua estação fecunda. Até quando floresce, ao redor da árvore há cantos e trinos, zéfiro e sol; e quando amadurece suas maças, a natureza inteira, orgiástica, envolve-a de calor. Depois, os agricultores retiram-se aos refeitórios, aos tinelos e aos celeiros e, após algumas palpitações de vida e cores no outono, penetra o frio silêncio, sob o céu cinzento, donde as folhas, como últimas lágrimas, caem na terra seca. E assim acontece ao homem quando superou a idade de maior rendimento. Desilusões e amizades caem, como as folhas, e o silêncio sobem de todos os lados, a paisagem se entristece e ele permanece sempre a contemplar, mudo espectador, o avanço de sua própria ruína.
Da mesma forma, como naquele frio e naquela solidão, a árvore prepara a nova primavera, concentra calor e seiva, assim o homem pode fazer daquele afastamento invernal de amigos e de forças a concentração de um vigor pleno de uma nova existência: utilizar aquele abandono dos homens para aderir a Deus, preencher aquela perda de humanidade com a graça divina. E então, dentro do silêncio agigantado pela ingratidão e avareza, sobre a velhice descamada e fria, pode encher-se do calor de Deus, ascender interiormente enquanto declina externamente: dar aos homens um fruto que não se conta na economia, mas se calcula na teologia. No inverno do homem começa a primavera de Deus.

Igino Giordani

04 maio 2021

Um espirito sobrenatural

De uma carta de abril de 1948 às jovens que entraram para as comunidades dos focolares

A data e a circunstância desta carta foram deduzidas a partir de um texto de Igino Giordani, segundo o qual ela tinha sido escrita para promover um espírito plenamente evangélico na colaboração com outras forças católicas, durante as primeiras eleições livres do Parlamento, na Itália.

Minhas ordens são as seguintes: […]

Que reine francamente em tudo e entre todas: um espírito nitidamente sobrenatural que nos faça reconhecer Jesus em todos, respeitar a todos, não julgar ninguém, não criticar ninguém (é perda de tempo), tornarem-se as últimas para serem as primeiras no Reino dos Céus, servir Jesus em todos.

24 setembro 2020

CHIARA LUBICH, PROFESSORA DO ENSINO FUNDAMENTAL DE PRIMEIRA GRANDEZA


«As aulas de Chiara na escola consistia, antes de mais nada, em amar seus alunos e, por amor, fazer-se igual a eles. Igual não para brincar, mas para a identificação de almas. E por isso na sala de aula, nas pobres salas daquela escola, ela sentava-se perto de um, perto de outro aluno ou aluna que acabam por achar que ela era ainda uma aluna como eles mesmos. E a esses ela dava Jesus; e dava a vida, porque “fazia-se um” com eles, era espontâneo sentar-se próximo a eles. Assim, os ensinava o “fazer-se um”, escolhia para cada semana, de acordo com todos, uma frase do Evangelho para se viver naquele período. Falando a cada dia, sobre suas experiências, das suas faltas, uma verdadeira “comunhão de almas” com aquelas crianças, considerando cada palavra delas e lembrando-os que Jesus perdoa sempre. Não os forçava na formação religiosa: amava e desejava sempre a liberdade e a escolha livre daqueles alunos. Assim, Deus não era imposto a eles, mas o amor a Ele nascia dos seus próprios jovens corações. Por isso, suas aulas eram sempre cheias de novidades e atraentes. (...) Suas aulas eram tão atraentes que os alunos do terceiro ano do ensino fundamental queria ir assistir aula no primeiro ano com a professora Silvia Lubich, argumentando eles que retrocedendo poderiam ir avante. (...) Aquele jogo da vida, no qual eles aprendiam de Chiara a lei e a amar, a desenvolver em si os sentidos da ciência e da sabedoria. »

(Trecho extraído dos escritos de Igino Giornani – Foco, Revista Nuova Umanità ∕ tradução e adaptação: F. Medeiros)"

27 março 2019

O encontro de Igino Giordani com Chiara

Quando encontrei Chiara, o seu único Focolare era composto por apenas sete ou oito moças. Dois rapazes formavam um Focolare masculino. De início, aquilo que me impressionou mais do que qualquer outra coisa, foi constatar que entre as focolarinas não se falava senão de Deus, da Virgem, da Igreja: eram pessoas de casa. Eu via nelas, estreitamente unidas em Cristo, o Corpo místico em ação, o qual se exprimia propagando a alegria de ser Jesus.

(Igino Giordani, Memórias de um cristão ingênuo, Cidade Nova, 2018, p.147)

24 fevereiro 2019

UMA NOVA ESTAÇÃO


(PENSAMENTOS DE IGINO GIORDANI)

29 de junho de 1948
O destino da árvore frutífera dá um pouco a imagem do homem que frutifica na sua estação fecunda. Até quando floresce, ao redor da árvore há cantos e trinos, zéfiro e sol;
e quando amadurece suas maças, a natureza inteira, orgiástica, envolve-a de calor. Depois, os agricultores retiram-se aos refeitórios, aos tinelos e aos celeiros e, após algumas palpitações de vida e cores no outono, penetra o frio silêncio, sob o céu cinzento, donde as folhas, como últimas lágrimas, caem na terra seca. E assim acontece ao homem quando superou a idade de maior rendimento. Desilusões e amizades caem, como as folhas, e o silêncio sobem de todos os lados, a paisagem se entristece e ele permanece sempre a contemplar, mudo espectador, o avanço de sua própria ruína.
Da mesma forma, como naquele frio e naquela solidão, a árvore prepara a nova primavera, concentra calor e seiva, assim o homem pode fazer daquele afastamento invernal de amigos e de forças a concentração de um vigor pleno de uma nova existência: utilizar aquele abandono dos homens para aderir a Deus, preencher aquela perda de humanidade com a graça divina. E então, dentro do silêncio agigantado pela ingratidão e avareza, sobre a velhice descamada e fria, pode encher-se do calor de Deus, ascender interiormente enquanto declina externamente: dar aos homens um fruto que não se conta na economia, mas se calcula na teologia. No inverno do homem começa a primavera de Deus.

21 de junho de 1965
O tronco torna-se sempre mais desfolhado, nu. Desaparecendo as flores, cortados os frutos (quem os comeu?...), caíram às folhas, romperam-se os ramos. Humanamente, haveria lugar para o desespero.
Divinamente, ao invés, podemos ter esperança poIs que esta diminuição é uma diminuição do homem a fim de que Deus nele cresça: sempre há compensação — há quase a teandria[1] — mas à parte de Deus cresce anelando fazer-se tudo, até que chegue o dia em que não existas mais; existe Ele, e te tomas parte d’Ele, e do nada te fazes tudo.



2 de janeiro de 1960

Com o passar dos anos, os velhos, em muitos casos, retornam á religião ou se tornam mais religiosos. Esta evolução é chamada involução, este progresso, regresso, senilidade. No entanto, é um aviso instintivo da aproximação de Deus, ou melhor, da casa.

Da árvore caem as folhas, o tronco abre os ramos para o céu; recebe água, é envolta pela névoa, ferida pelos raios; olha para o alto, não mais iludida com a folhagem, não mais iludida com aquilo que passa, já habituada, prelibando o que permanece. A minha pessoa morada de Maria, situada na sua vontade, recolhe-se, sempre mais, à morada do amor Eterno, cuja obra-prima é a Mãe.



24 de agosto de 1960

Aparece nos jornais, com freqüência, que algum velho — quase sempre aposentado — sobe ao sétimo andar e dali se jogam no vazio para pôr fim à vida. Ou, mais exatamente, à solidão que sofria, a doença dos velhos, criaturas arrancadas da massa para o isolamento, do rumor para o silêncio.

É uma solução lógica, embora errada.

A velhice é uma reviravolta critica, decisiva: a fase de preparação para o encontro com o Tudo, com o Eterno, com a Beleza: o encontro com o calor da juventude que não morre. É um período de evolução que chamam involução; de progresso que chamam regresso; de juventude do espírito que chamam senilidade.

O mal-estar físico e moral denota a inquietude diante da proximidade de Deus. Nessa idade avançada, a existência humana aparece como uma árvore no inverno. Ao cair das folhas, o tronco abre os ramos nus e secos para o céu e recebe água, nuvens e raios sem nenhum amparo. Mas, livre do ornamento do verde, olha direto para o alto, não mais iludido pela folhagem nem por aquilo que, florescendo de repente, cresce e morre.

E habitua-se a conversar com o céu, a sondar as nuvens, explorar as estrelas, percebendo, aos poucos, um mundo novo sem rumores e aparências.



23 de junho de 1958

Ao observar, cheio de pena, o cair das folhas (ilusão de fama, poder e amizade) da árvore da minha vida, neste outono que caminha para o inverno, percebo, melhor, que a solidão, sempre mais profunda e densa, que me rodeia é causada para efetuar um encontro amoroso mais intenso com Deus: a alma encontra finalmente tempo e conforto para estar com o Esposo. Chamam — esta — solidão, de aproximação da morte, mas é um encaminhamento para a vida. Agora, finalmente, posso deixar a minha alma escutar o Espírito Santo, conviver com os anjos e bem-aventurados, unir-se a Cristo, unir-se a Deus. E Deus é a vida. Antes, inúmeras distrações e interrupções impediam a passagem do espírito divino, que é a Vida; agora, a união, aos poucos, torna-se constante. Aprendo e preparo a vida do paraíso.

Sempre quis atingir Deus porque sempre tive fome de vida. No entanto, mesmo ao aproximar-me d’Ele, como válvulas, intercalava os meus estudos, as minhas amizades, os meus hábitos. Freqüentemente comprazia-me neles, parava diante das criaturas e dos fantasmas, sacrificava o essencial ao acessório, o divino ao humano.





15 de novembro de 1957

Estou chegando ao outono da vida: os últimos frutos foram colhidos e consumidos, as últimas folhas levadas pelas ondas frias do vento. Bem sei que a juventude interior resiste fortificada pelas provações. A carência de afetos e contentamentos vindos dos homens a temperaram e quase a aguçaram, proa que avança rumo ao mistério. De tal maneira que a flor fecha-se ao anoitecer da vida para reabrir-se na eternidade.



6 de dezembro de 1957

Se a existência física é uma combustão, façamos do nosso corpo um turíbulo onde se versa, sem trégua, o incenso da oração. Assim, por um outro aspecto, é a união do humano e do divino, do corpo e do espírito; sempre uma projeção da unidade, do Homem-Deus. Todo ato de caridade derramado sobre aquelas brasas há de acender uma chama. Toda dor que nos for oferecida produzirá cinza e será uma consumação, como a chama do altar, se todo o amor, o sofrimento — o sofrimento transformado em amor

— for destinado para onde a gravitação o transporta: ao Amor Eterno. A química torna-se suporte da mística. Dá-se à natureza a possibilidade de libertar-se, abre-se a sua boca à oração. Também a matéria e as células foram criadas para voltar ao Criador.



26 de fevereiro de 1957

Têm razão quando comparam o ciclo da existência com o ciclo das estações. Ela é como a árvore que cresce, floresce e frutifica enquanto entre seus ramos, os pássaros fazem seus ninhos. Depois vem a má estação, os trabalhos e o tempo, e desfolha os ramos e os resseca: até que o divino podador os poda. Poda e reduz a planta ao essencial: a uma cruz.





15 de novembro de 1957

Caem as folhas e os frutos, e nas ervas secas do chão floresce outra primavera. Na solidão dilatada pelo próximo inverno, Deus aparece, aproxima-se, e com Ele, o relacionamento se torna mais íntimo e imediato. Na medida em que perdemos na economia humana, adquirimos na economia divina. As criaturas se distanciam para que eu me enlace ao Criador. Não encontro amor para encontrar o Amor.

A estação findará, findará também a ação com a reação dos homens, quando, finalmente, estiver com Deus. Nele não há mais história, que é um registro do tempo, quase uma crônica fúnebre. Na eternidade, a vida é pura e plena porque se desenvolve em unidade com Deus. E Deus está além do tempo com suas estações, frutos e folhas.

Vista assim, a existência é uma árvore que cresce para o céu a fim de florescer na eternidade. Estações e tragédias, desilusões e sofrimentos são podas. A árvore cresce sob uma amarga chuva (água e sol, o pranto) para mondar-se, até tornar-se pura haste elevada da terra ao céu.

A vida não é senão um processo de amadurecimento pela purificação que a dor traz. Quando amadurece, é Deus quem colhe o fruto, transplantando a árvore ao paraíso.



24 de junho de 1960

O amor é a linfa que faz a flor crescer. No homem, alimenta a liberdade; a vida no amor revela-se como um desenvolvimento na liberdade: processo de libertação. Somos de tal maneira ligados aos nossos limites, como galhos ao tronco, que quando estes aos poucos, vão sendo podados, parece-nos uma perda, mas na verdade é um ganho.

(Diário de Fogo Igino Giordani, 1980)



1.         Teandria, no seu sentido original, diz respeito à “natureza humano-divina de Jesus”: no texto:
             o “humano no divino”. (n.d.t.)

07 fevereiro 2019

Política para o povo

Se a política é suja, deve ser limpa, não deserta

Reflexão política de Igino Giordani relatada por Gennaro Piccolo, referente do centro homônimo de Andria

A política é feita para o povo e não o povo para a política. É um meio, não é um fim. Primeiro a moral, primeiro o homem, primeiro a comunidade, depois o partido, depois as mesas do programa, depois as teorias do governo. A política é - no sentido cristão mais digno - uma jovem, e não deve se tornar amante: não deve ser abusada, nem dominada ou mesmo dogmada. Aqui está sua função e sua dignidade: ser serviço social, caridade em progresso; a primeira forma de caridade da pátria.

A notícia relata o eco do sentimento generalizado de mal-estar para partidos e para a política. Também sabemos algo sobre nós mesmos ouvindo o que eles nos dizem e lendo o que eles escrevem para nós. Parece a muitos que a política é uma atividade inferior e equívoca a ser deixada nas mãos de desonestos e eles não entendem que se a honestidade se afasta da política, seu campo é invadido por desonestos; e a política traz consigo toda a nossa vida, do físico ao moral; e uma política de desonestidade leva à guerra, à ruptura financeira, à ruína da riqueza pública e privada, à negligência, ao desprezo à religião, à adulteração das famílias. Se a política é suja, em suma, deve ser limpa: não deserta.

Agora, o tráfico de carne humana, levando ao tráfego dignidade humana, não há liberdade se cada um de nós não recuperar a consciência do seu valor - seu imenso valor - e é com ele na política, determinada a não ser nem de trânsito, nem absorver, mas trabalhar com sua própria cabeça, com sua própria personalidade, defendendo suas razões morais. Defender estes, então, também defende suas razões profissionais, as mesmas razões fiscais: porque o taxismo nasce onde você não pode mais ver o homem para ajudar, mas o mamífero a ser quebrado.

Ele sabe como permanecer na política, como cidadãos, e não como servos. A partir desta posição a democracia nasce. Essa consciência dos próprios valores pode transformar-se em orgulho, isto é, voltar-se para um estímulo antissocial de exploração e dominação: poderia derrubar. Mas, portanto, entre esses valores, muito primeiro, a caridade tem que ser colocada, que é o sentimento de obrigações que é dado aos irmãos. Sem isso, todo valor é desvalorizado; toda conquista é derrubada e o tempo é desperdiçado.

CENTRO IGINO GIORDANI

14 outubro 2018

Maria


Humilde como é, e de poucas palavras, amante como é da oração e do trabalho, Maria passa grande parte de seu tempo no silêncio e na solidão. Não na solidão desesperada e vazia de nossos tempos, na qual o homem perdido na massa urbana, na explosão demográfica, não consegue se comunicar, permanecendo solitário, mas na solidão como uma concha plena do Espírito Santo, no qual, se falta a presença dos homens, há presença Deus. Deus que quer a alma toda para si: solus cum sola.

Maria tece uma história que é um poema; subentende a teologia e entende os mistério da encarnação, as graças e os sacramentos, enquanto reúne e celebra todas as virtudes: a pureza até a Imaculada Conceição, a caridade até a oferta do Filho; a sabedoria e a fé, a piedade e a alegria, até tornar-se plena do espírito Santo. Dizendo Maria designa-se a mãe e a advogada de todos os seres humanos.

Se, como afirma São Bernardo, temos necessidade da mediação de Maria para chegar à mediação de Jesus, eis que Maria nos é necessária como o ar que respiramos: ela é o “hálito” do Espírito Santo.

Ao saudar Maria, na oração com a qual mais frequentemente a invocamos, antepomos ao mais belo nome de mulher o atributo que lhe é mais familiar na cidade de Deus, onde, pela intercessão de Maria, nos tornaremos concidadãos dos santos: Santa Maria, é Santa por excelência porque mais do que qualquer outra pessoa, ela fez a vontade de Deus. Para nós também, é vontade de Deus que nos tornemos santos, porque Ele é o Santo.

A santidade é a subida do homem até Deus, com as asas da redenção, e corresponde à descida de Deus até o homem, com o prodígio da Encarnação. E a Encarnação foi possível inicialmente pela santidade de Maria. Sua santidade é o modelo de nossa santificação, o mais simples e familiar dos modelos, adaptado a toda pessoa, em todas asa condições.

“Santa Maria”! Invocando-a  com este título e este nome, fazemos uma síntese das maravilhas do amor de Deus: os dons do Espírito Santo, de quem ela é esposa; o ministério de Cristo, do qual ela é a mãe; a onipotência do Pai, de quem ele é filha; o mistério da Trindade da qual ela é a flor; as verdades do Evangelho, das quais se fez guardiã em seu espírito, meditando-as; a maternidade virginal da Igreja, para a qual oferece o modelo mais apropriado; e ainda os carismas do sacerdócio, para os quais deu a vida gerando o Sacerdote; da virgindade, da qual ela é  a sua raiz e seu coroamento; do casamento, do qual é o exemplo e a glória. Sempre santa, sob todo e qualquer aspecto, santa. A mais próxima de Deus, a mais próxima de nós.

“Santa Maria” era o nome da caravela com a qual Colombo, atravessando o oceano, descobriu um novo mundo. Santa Maria é a nave com a qual nós, desafiando as tempestades, aportamos no eterno Amor.

Se é verdade, como é verdadeiro tudo o que a teologia demonstra, que a Virgem é a “mãe da santidade”, então, invocando-a com familiaridade amorosa e assídua, continuada e premente, externamos um compromisso de viver como cultores da santidade, para sermos verdadeiros filhos Dela.

Maria segue direto pelo seu caminho: diz honestamente o que pensa, faz o que deve. Não usa de sofismas1, como Zacarias, que por isso fica mudo. Maria, porque é simples, enxerga o certo: vê a Deus, que é a simplicidade absoluta; e acolhe o divino, que é a transparência.

Opõe a beleza à fealdade; o espírito inerme às armas materiais; o sorriso ao cepo dos condenados; a verdade às exibições de armas. Ergue a simplicidade contra a carga imensa de complicações com as quais as pessoas vêm dificultando, quase até ao desespero, algo tão natural como é a vida.


19 setembro 2018

Uma nova estação


29 de junho de 1948
O destino da árvore frutífera dá um pouco a imagem do homem que frutifica na sua estação fecunda. Até quando floresce, ao redor da árvore há cantos e trinos, zéfiro e sol;

e quando amadurece suas maças, a natureza inteira, orgiástica, envolve-a de calor. Depois, os agricultores retiram-se aos refeitórios, aos tinelos e aos celeiros e, após algumas palpitações de vida e cores no outono, penetra o frio silêncio, sob o céu cinzento, donde as folhas, como últimas lágrimas, caem na terra seca. E assim acontece ao homem quando superou a idade de maior rendimento. Desilusões e amizades caem, como as folhas, e o silêncio sobem de todos os lados, a paisagem se entristece e ele permanece sempre a contemplar, mudo espectador, o avanço de sua própria ruína.
Da mesma forma, como naquele frio e naquela solidão, a árvore prepara a nova primavera, concentra calor e seiva, assim o homem pode fazer daquele afastamento invernal de amigos e de forças a concentração de um vigor pleno de uma nova existência: utilizar aquele abandono dos homens para aderir a Deus, preencher aquela perda de humanidade com a graça divina. E então, dentro do silêncio agigantado pela ingratidão e avareza, sobre a velhice descamada e fria, pode encher-se do calor de Deus, ascender interiormente enquanto declina externamente: dar aos homens um fruto que não se conta na economia, mas se calcula na teologia. No inverno do homem começa a primavera de Deus.

21 de junho de 1965
O tronco torna-se sempre mais desfolhado, nu. Desaparecendo as flores, cortados os frutos (quem os comeu?...), caíram às folhas, romperam-se os ramos. Humanamente, haveria lugar para o desespero.
Divinamente, ao invés, podemos ter esperança poIs que esta diminuição é uma diminuição do homem a fim de que Deus nele cresça: sempre há compensação — há quase a teandria[1] — mas à parte de Deus cresce anelando fazer-se tudo, até que chegue o dia em que não existas mais; existe Ele, e te tomas parte d’Ele, e do nada te fazes tudo.


2 de janeiro de 1960

Com o passar dos anos, os velhos, em muitos casos, retornam á religião ou se tornam mais religiosos. Esta evolução é chamada involução, este progresso, regresso, senilidade. No entanto, é um aviso instintivo da aproximação de Deus, ou melhor, da casa.

Da árvore caem as folhas, o tronco abre os ramos para o céu; recebe água, é envolta pela névoa, ferida pelos raios; olha para o alto, não mais iludida com a folhagem, não mais iludida com aquilo que passa, já habituada, prelibando o que permanece. A minha pessoa morada de Maria, situada na sua vontade, recolhe-se, sempre mais, à morada do amor Eterno, cuja obra-prima é a Mãe.



24 de agosto de 1960

Aparece nos jornais, com frequência, que algum velho — quase sempre aposentado — sobe ao sétimo andar e dali se jogam no vazio para pôr fim à vida. Ou, mais exatamente, à solidão que sofria, a doença dos velhos, criaturas arrancadas da massa para o isolamento, do rumor para o silêncio.

É uma solução lógica, embora errada.

A velhice é uma reviravolta critica, decisiva: a fase de preparação para o encontro com o Tudo, com o Eterno, com a Beleza: o encontro com o calor da juventude que não morre. É um período de evolução que chamam involução; de progresso que chamam regresso; de juventude do espírito que chamam senilidade.

O mal-estar físico e moral denota a inquietude diante da proximidade de Deus. Nessa idade avançada, a existência humana aparece como uma árvore no inverno. Ao cair das folhas, o tronco abre os ramos nus e secos para o céu e recebe água, nuvens e raios sem nenhum amparo. Mas, livre do ornamento do verde, olha direto para o alto, não mais iludido pela folhagem nem por aquilo que, florescendo de repente, cresce e morre.

E habitua-se a conversar com o céu, a sondar as nuvens, explorar as estrelas, percebendo, aos poucos, um mundo novo sem rumores e aparências.



23 de junho de 1958

Ao observar, cheio de pena, o cair das folhas (ilusão de fama, poder e amizade) da árvore da minha vida, neste outono que caminha para o inverno, percebo, melhor, que a solidão, sempre mais profunda e densa, que me rodeia é causada para efetuar um encontro amoroso mais intenso com Deus: a alma encontra finalmente tempo e conforto para estar com o Esposo. Chamam — esta — solidão, de aproximação da morte, mas é um encaminhamento para a vida. Agora, finalmente, posso deixar a minha alma escutar o Espírito Santo, conviver com os anjos e bem-aventurados, unir-se a Cristo, unir-se a Deus. E Deus é a vida. Antes, inúmeras distrações e interrupções impediam a passagem do espírito divino, que é a Vida; agora, a união, aos poucos, torna-se constante. Aprendo e preparo a vida do paraíso.

Sempre quis atingir Deus porque sempre tive fome de vida. No entanto, mesmo ao aproximar-me d’Ele, como válvulas, intercalava os meus estudos, as minhas amizades, os meus hábitos. Frequentemente comprazia-me neles, parava diante das criaturas e dos fantasmas, sacrificava o essencial ao acessório, o divino ao humano.





15 de novembro de 1957

Estou chegando ao outono da vida: os últimos frutos foram colhidos e consumidos, as últimas folhas levadas pelas ondas frias do vento. Bem sei que a juventude interior resiste fortificada pelas provações. A carência de afetos e contentamentos vindos dos homens a temperaram e quase a aguçaram, proa que avança rumo ao mistério. De tal maneira que a flor fecha-se ao anoitecer da vida para reabrir-se na eternidade.



6 de dezembro de 1957

Se a existência física é uma combustão, façamos do nosso corpo um turíbulo onde se versa, sem trégua, o incenso da oração. Assim, por um outro aspecto, é a união do humano e do divino, do corpo e do espírito; sempre uma projeção da unidade, do Homem-Deus. Todo ato de caridade derramado sobre aquelas brasas há de acender uma chama. Toda dor que nos for oferecida produzirá cinza e será uma consumação, como a chama do altar, se todo o amor, o sofrimento — o sofrimento transformado em amor

— for destinado para onde a gravitação o transporta: ao Amor Eterno. A química torna-se suporte da mística. Dá-se à natureza a possibilidade de libertar-se, abre-se a sua boca à oração. Também a matéria e as células foram criadas para voltar ao Criador.



26 de fevereiro de 1957

Têm razão quando comparam o ciclo da existência com o ciclo das estações. Ela é como a árvore que cresce, floresce e frutifica enquanto entre seus ramos, os pássaros fazem seus ninhos. Depois vem a má estação, os trabalhos e o tempo, e desfolha os ramos e os resseca: até que o divino podador os poda. Poda e reduz a planta ao essencial: a uma cruz.



15 de novembro de 1957

Caem as folhas e os frutos, e nas ervas secas do chão floresce outra primavera. Na solidão dilatada pelo próximo inverno, Deus aparece, aproxima-se, e com Ele, o relacionamento se torna mais íntimo e imediato. Na medida em que perdemos na economia humana, adquirimos na economia divina. As criaturas se distanciam para que eu me enlace ao Criador. Não encontro amor para encontrar o Amor.

A estação findará, findará também a ação com a reação dos homens, quando, finalmente, estiver com Deus. Nele não há mais história, que é um registro do tempo, quase uma crônica fúnebre. Na eternidade, a vida é pura e plena porque se desenvolve em unidade com Deus. E Deus está além do tempo com suas estações, frutos e folhas.

Vista assim, a existência é uma árvore que cresce para o céu a fim de florescer na eternidade. Estações e tragédias, desilusões e sofrimentos são podas. A árvore cresce sob uma amarga chuva (água e sol, o pranto) para mondar-se, até tornar-se pura haste elevada da terra ao céu.

A vida não é senão um processo de amadurecimento pela purificação que a dor traz. Quando amadurece, é Deus quem colhe o fruto, transplantando a árvore ao paraíso.



24 de junho de 1960

O amor é a linfa que faz a flor crescer. No homem, alimenta a liberdade; a vida no amor revela-se como um desenvolvimento na liberdade: processo de libertação. Somos de tal maneira ligados aos nossos limites, como galhos ao tronco, que quando estes aos poucos, vão sendo podados, parece-nos uma perda, mas na verdade é um ganho.

(Diário de Fogo Igino Giordani, 1980)



1.         Teandria, no seu sentido original, diz respeito à “natureza humano-divina de Jesus”: no texto:
             o “humano no divino”. (n.d.t.)

23 maio 2018

Uma nova estação


(PENSAMENTOS DE IGINO GIORDANI)

29 de junho de 1948
O destino da árvore frutífera dá um pouco a imagem do homem que frutifica na sua estação fecunda. Até quando floresce, ao redor da árvore há cantos e trinos, zéfiro e sol;

e quando amadurece suas maças, a natureza inteira, orgiástica, envolve-a de calor. Depois, os agricultores retiram-se aos refeitórios, aos tinelos e aos celeiros e, após algumas palpitações de vida e cores no outono, penetra o frio silêncio, sob o céu cinzento, donde as folhas, como últimas lágrimas, caem na terra seca. E assim acontece ao homem quando superou a idade de maior rendimento. Desilusões e amizades caem, como as folhas, e o silêncio sobem de todos os lados, a paisagem se entristece e ele permanece sempre a contemplar, mudo espectador, o avanço de sua própria ruína.
Da mesma forma, como naquele frio e naquela solidão, a árvore prepara a nova primavera, concentra calor e seiva, assim o homem pode fazer daquele afastamento invernal de amigos e de forças a concentração de um vigor pleno de uma nova existência: utilizar aquele abandono dos homens para aderir a Deus, preencher aquela perda de humanidade com a graça divina. E então, dentro do silêncio agigantado pela ingratidão e avareza, sobre a velhice descamada e fria, pode encher-se do calor de Deus, ascender interiormente enquanto declina externamente: dar aos homens um fruto que não se conta na economia, mas se calcula na teologia. No inverno do homem começa a primavera de Deus.

21 de junho de 1965
O tronco torna-se sempre mais desfolhado, nu. Desaparecendo as flores, cortados os frutos (quem os comeu?...), caíram às folhas, romperam-se os ramos. Humanamente, haveria lugar para o desespero.
Divinamente, ao invés, podemos ter esperança poIs que esta diminuição é uma diminuição do homem a fim de que Deus nele cresça: sempre há compensação — há quase a teandria[1] — mas à parte de Deus cresce anelando fazer-se tudo, até que chegue o dia em que não existas mais; existe Ele, e te tomas parte d’Ele, e do nada te fazes tudo.


2 de janeiro de 1960
Com o passar dos anos, os velhos, em muitos casos, retornam á religião ou se tornam mais religiosos. Esta evolução é chamada involução, este progresso, regresso, senilidade. No entanto, é um aviso instintivo da aproximação de Deus, ou melhor, da casa.
Da árvore caem as folhas, o tronco abre os ramos para o céu; recebe água, é envolta pela névoa, ferida pelos raios; olha para o alto, não mais iludida com a folhagem, não mais iludida com aquilo que passa, já habituada, prelibando o que permanece. A minha pessoa morada de Maria, situada na sua vontade, recolhe-se, sempre mais, à morada do amor Eterno, cuja obra-prima é a Mãe.

24 de agosto de 1960
Aparece nos jornais, com freqüência, que algum velho — quase sempre aposentado — sobe ao sétimo andar e dali se jogam no vazio para pôr fim à vida. Ou, mais exatamente, à solidão que sofria, a doença dos velhos, criaturas arrancadas da massa para o isolamento, do rumor para o silêncio.
É uma solução lógica, embora errada.
A velhice é uma reviravolta critica, decisiva: a fase de preparação para o encontro com o Tudo, com o Eterno, com a Beleza: o encontro com o calor da juventude que não morre. É um período de evolução que chamam involução; de progresso que chamam regresso; de juventude do espírito que chamam senilidade.
O mal-estar físico e moral denota a inquietude diante da proximidade de Deus. Nessa idade avançada, a existência humana aparece como uma árvore no inverno. Ao cair das folhas, o tronco abre os ramos nus e secos para o céu e recebe água, nuvens e raios sem nenhum amparo. Mas, livre do ornamento do verde, olha direto para o alto, não mais iludido pela folhagem nem por aquilo que, florescendo de repente, cresce e morre.
E habitua-se a conversar com o céu, a sondar as nuvens, explorar as estrelas, percebendo, aos poucos, um mundo novo sem rumores e aparências.

23 de junho de 1958
Ao observar, cheio de pena, o cair das folhas (ilusão de fama, poder e amizade) da árvore da minha vida, neste outono que caminha para o inverno, percebo, melhor, que a solidão, sempre mais profunda e densa, que me rodeia é causada para efetuar um encontro amoroso mais intenso com Deus: a alma encontra finalmente tempo e conforto para estar com o Esposo. Chamam — esta — solidão, de aproximação da morte, mas é um encaminhamento para a vida. Agora, finalmente, posso deixar a minha alma escutar o Espírito Santo, conviver com os anjos e bem-aventurados, unir-se a Cristo, unir-se a Deus. E Deus é a vida. Antes, inúmeras distrações e interrupções impediam a passagem do espírito divino, que é a Vida; agora, a união, aos poucos, torna-se constante. Aprendo e preparo a vida do paraíso.
Sempre quis atingir Deus porque sempre tive fome de vida. No entanto, mesmo ao aproximar-me d’Ele, como válvulas, intercalava os meus estudos, as minhas amizades, os meus hábitos. Freqüentemente comprazia-me neles, parava diante das criaturas e dos fantasmas, sacrificava o essencial ao acessório, o divino ao humano.


15 de novembro de 1957
Estou chegando ao outono da vida: os últimos frutos foram colhidos e consumidos, as últimas folhas levadas pelas ondas frias do vento. Bem sei que a juventude interior resiste fortificada pelas provações. A carência de afetos e contentamentos vindos dos homens a temperaram e quase a aguçaram, proa que avança rumo ao mistério. De tal maneira que a flor fecha-se ao anoitecer da vida para reabrir-se na eternidade.

6 de dezembro de 1957
Se a existência física é uma combustão, façamos do nosso corpo um turíbulo onde se versa, sem trégua, o incenso da oração. Assim, por um outro aspecto, é a união do humano e do divino, do corpo e do espírito; sempre uma projeção da unidade, do Homem-Deus. Todo ato de caridade derramado sobre aquelas brasas há de acender uma chama. Toda dor que nos for oferecida produzirá cinza e será uma consumação, como a chama do altar, se todo o amor, o sofrimento — o sofrimento transformado em amor
— for destinado para onde a gravitação o transporta: ao Amor Eterno. A química torna-se suporte da mística. Dá-se à natureza a possibilidade de libertar-se, abre-se a sua boca à oração. Também a matéria e as células foram criadas para voltar ao Criador.

26 de fevereiro de 1957
Têm razão quando comparam o ciclo da existência com o ciclo das estações. Ela é como a árvore que cresce, floresce e frutifica enquanto entre seus ramos, os pássaros fazem seus ninhos. Depois vem a má estação, os trabalhos e o tempo, e desfolha os ramos e os resseca: até que o divino podador os poda. Poda e reduz a planta ao essencial: a uma cruz.


15 de novembro de 1957
Caem as folhas e os frutos, e nas ervas secas do chão floresce outra primavera. Na solidão dilatada pelo próximo inverno, Deus aparece, aproxima-se, e com Ele, o relacionamento se torna mais íntimo e imediato. Na medida em que perdemos na economia humana, adquirimos na economia divina. As criaturas se distanciam para que eu me enlace ao Criador. Não encontro amor para encontrar o Amor.
A estação findará, findará também a ação com a reação dos homens, quando, finalmente, estiver com Deus. Nele não há mais história, que é um registro do tempo, quase uma crônica fúnebre. Na eternidade, a vida é pura e plena porque se desenvolve em unidade com Deus. E Deus está além do tempo com suas estações, frutos e folhas.
Vista assim, a existência é uma árvore que cresce para o céu a fim de florescer na eternidade. Estações e tragédias, desilusões e sofrimentos são podas. A árvore cresce sob uma amarga chuva (água e sol, o pranto) para mondar-se, até tornar-se pura haste elevada da terra ao céu.
A vida não é senão um processo de amadurecimento pela purificação que a dor traz. Quando amadurece, é Deus quem colhe o fruto, transplantando a árvore ao paraíso.

24 de junho de 1960
O amor é a linfa que faz a flor crescer. No homem, alimenta a liberdade; a vida no amor revela-se como um desenvolvimento na liberdade: processo de libertação. Somos de tal maneira ligados aos nossos limites, como galhos ao tronco, que quando estes aos poucos, vão sendo podados, parece-nos uma perda, mas na verdade é um ganho.
(Diário de Fogo Igino Giordani, 1980)


1.         Teandria, no seu sentido original, diz respeito à “natureza humano-divina de Jesus”: no texto:
             o “humano no divino”. (n.d.t.)

26 fevereiro 2018

Uma nova estação

(PENSAMENTOS DE IGINO GIORDANI)

29 de junho de 1948

O destino da árvore frutífera dá um pouco a imagem do homem que frutifica na sua estação fecunda. Até quando floresce, ao redor da árvore há cantos e trinos, zéfiro e sol;
e quando amadurece suas maças, a natureza inteira, orgiástica, envolve-a de calor. Depois, os agricultores retiram-se aos refeitórios, aos tinelos e aos celeiros e, após algumas palpitações de vida e cores no outono, penetra o frio silêncio, sob o céu cinzento, donde as folhas, como últimas lágrimas, caem na terra seca. E assim acontece ao homem quando superou a idade de maior rendimento. Desilusões e amizades caem, como as folhas, e o silêncio sobem de todos os lados, a paisagem se entristece e ele permanece sempre a contemplar, mudo espectador, o avanço de sua própria ruína.
Da mesma forma, como naquele frio e naquela solidão, a árvore prepara a nova primavera, concentra calor e seiva, assim o homem pode fazer daquele afastamento invernal de amigos e de forças a concentração de um vigor pleno de uma nova existência: utilizar aquele abandono dos homens para aderir a Deus, preencher aquela perda de humanidade com a graça divina. E então, dentro do silêncio agigantado pela ingratidão e avareza, sobre a velhice descamada e fria, pode encher-se do calor de Deus, ascender interiormente enquanto declina externamente: dar aos homens um fruto que não se conta na economia, mas se calcula na teologia. No inverno do homem começa a primavera de Deus.

21 de junho de 1965
O tronco torna-se sempre mais desfolhado, nu. Desaparecendo as flores, cortados os frutos (quem os comeu?...), caíram às folhas, romperam-se os ramos. Humanamente, haveria lugar para o desespero.
Divinamente, ao invés, podemos ter esperança poIs que esta diminuição é uma diminuição do homem a fim de que Deus nele cresça: sempre há compensação — há quase a teandria[1] — mas à parte de Deus cresce anelando fazer-se tudo, até que chegue o dia em que não existas mais; existe Ele, e te tomas parte d’Ele, e do nada te fazes tudo.

2 de janeiro de 1960
Com o passar dos anos, os velhos, em muitos casos, retornam á religião ou se tornam mais religiosos. Esta evolução é chamada involução, este progresso, regresso, senilidade. No entanto, é um aviso instintivo da aproximação de Deus, ou melhor, da casa.
Da árvore caem as folhas, o tronco abre os ramos para o céu; recebe água, é envolta pela névoa, ferida pelos raios; olha para o alto, não mais iludida com a folhagem, não mais iludida com aquilo que passa, já habituada, prelibando o que permanece. A minha pessoa morada de Maria, situada na sua vontade, recolhe-se, sempre mais, à morada do amor Eterno, cuja obra-prima é a Mãe.

24 de agosto de 1960
Aparece nos jornais, com freqüência, que algum velho — quase sempre aposentado — sobe ao sétimo andar e dali se jogam no vazio para pôr fim à vida. Ou, mais exatamente, à solidão que sofria, a doença dos velhos, criaturas arrancadas da massa para o isolamento, do rumor para o silêncio.
É uma solução lógica, embora errada.
A velhice é uma reviravolta critica, decisiva: a fase de preparação para o encontro com o Tudo, com o Eterno, com a Beleza: o encontro com o calor da juventude que não morre. É um período de evolução que chamam involução; de progresso que chamam regresso; de juventude do espírito que chamam senilidade.
O mal-estar físico e moral denota a inquietude diante da proximidade de Deus. Nessa idade avançada, a existência humana aparece como uma árvore no inverno. Ao cair das folhas, o tronco abre os ramos nus e secos para o céu e recebe água, nuvens e raios sem nenhum amparo. Mas, livre do ornamento do verde, olha direto para o alto, não mais iludido pela folhagem nem por aquilo que, florescendo de repente, cresce e morre.
E habitua-se a conversar com o céu, a sondar as nuvens, explorar as estrelas, percebendo, aos poucos, um mundo novo sem rumores e aparências.

23 de junho de 1958
Ao observar, cheio de pena, o cair das folhas (ilusão de fama, poder e amizade) da árvore da minha vida, neste outono que caminha para o inverno, percebo, melhor, que a solidão, sempre mais profunda e densa, que me rodeia é causada para efetuar um encontro amoroso mais intenso com Deus: a alma encontra finalmente tempo e conforto para estar com o Esposo. Chamam — esta — solidão, de aproximação da morte, mas é um encaminhamento para a vida. Agora, finalmente, posso deixar a minha alma escutar o Espírito Santo, conviver com os anjos e bem-aventurados, unir-se a Cristo, unir-se a Deus. E Deus é a vida. Antes, inúmeras distrações e interrupções impediam a passagem do espírito divino, que é a Vida; agora, a união, aos poucos, torna-se constante. Aprendo e preparo a vida do paraíso.
Sempre quis atingir Deus porque sempre tive fome de vida. No entanto, mesmo ao aproximar-me d’Ele, como válvulas, intercalava os meus estudos, as minhas amizades, os meus hábitos. Freqüentemente comprazia-me neles, parava diante das criaturas e dos fantasmas, sacrificava o essencial ao acessório, o divino ao humano.

15 de novembro de 1957
Estou chegando ao outono da vida: os últimos frutos foram colhidos e consumidos, as últimas folhas levadas pelas ondas frias do vento. Bem sei que a juventude interior resiste fortificada pelas provações. A carência de afetos e contentamentos vindos dos homens a temperaram e quase a aguçaram, proa que avança rumo ao mistério. De tal maneira que a flor fecha-se ao anoitecer da vida para reabrir-se na eternidade.

6 de dezembro de 1957
Se a existência física é uma combustão, façamos do nosso corpo um turíbulo onde se versa, sem trégua, o incenso da oração. Assim, por um outro aspecto, é a união do humano e do divino, do corpo e do espírito; sempre uma projeção da unidade, do Homem-Deus. Todo ato de caridade derramado sobre aquelas brasas há de acender uma chama. Toda dor que nos for oferecida produzirá cinza e será uma consumação, como a chama do altar, se todo o amor, o sofrimento — o sofrimento transformado em amor
— for destinado para onde a gravitação o transporta: ao Amor Eterno. A química torna-se suporte da mística. Dá-se à natureza a possibilidade de libertar-se, abre-se a sua boca à oração. Também a matéria e as células foram criadas para voltar ao Criador.

26 de fevereiro de 1957
Têm razão quando comparam o ciclo da existência com o ciclo das estações. Ela é como a árvore que cresce, floresce e frutifica enquanto entre seus ramos, os pássaros fazem seus ninhos. Depois vem a má estação, os trabalhos e o tempo, e desfolha os ramos e os resseca: até que o divino podador os poda. Poda e reduz a planta ao essencial: a uma cruz.

15 de novembro de 1957
Caem as folhas e os frutos, e nas ervas secas do chão floresce outra primavera. Na solidão dilatada pelo próximo inverno, Deus aparece, aproxima-se, e com Ele, o relacionamento se torna mais íntimo e imediato. Na medida em que perdemos na economia humana, adquirimos na economia divina. As criaturas se distanciam para que eu me enlace ao Criador. Não encontro amor para encontrar o Amor.
A estação findará, findará também a ação com a reação dos homens, quando, finalmente, estiver com Deus. Nele não há mais história, que é um registro do tempo, quase uma crônica fúnebre. Na eternidade, a vida é pura e plena porque se desenvolve em unidade com Deus. E Deus está além do tempo com suas estações, frutos e folhas.
Vista assim, a existência é uma árvore que cresce para o céu a fim de florescer na eternidade. Estações e tragédias, desilusões e sofrimentos são podas. A árvore cresce sob uma amarga chuva (água e sol, o pranto) para mondar-se, até tornar-se pura haste elevada da terra ao céu.
A vida não é senão um processo de amadurecimento pela purificação que a dor traz. Quando amadurece, é Deus quem colhe o fruto, transplantando a árvore ao paraíso.

24 de junho de 1960
O amor é a linfa que faz a flor crescer. No homem, alimenta a liberdade; a vida no amor revela-se como um desenvolvimento na liberdade: processo de libertação. Somos de tal maneira ligados aos nossos limites, como galhos ao tronco, que quando estes aos poucos, vão sendo podados, parece-nos uma perda, mas na verdade é um ganho.
(Diário de Fogo Igino Giordani, 1980)



1.         Teandria, no seu sentido original, diz respeito à “natureza humano-divina de Jesus”: no texto:
             o “humano no divino”. (n.d.t.)