31 março 2018

Construa sua vida

Procure descobrir o seu caminho na vida.

Ninguém é responsável por nosso destino, a não ser nós mesmos.

Nós é que temos que descobrir a estrada e segui-lá com os nossos próprios pés.

Desperte para a vida, para a Verdadeira Vida.

E, se deseja a felicidade, lembre-se: você é o único responsável por seu destino.

Supere as dificuldades, vença os obstáculos e construa sua vida.

30 março 2018

Muitas vezes o amor não é amor

Porque muitas vezes o amor não é amor no mundo, vale para ele o ditado: “O amor é cego”. Mas, se uma alma começa a amar, como Deus ensina — Deus que é Amor — vê logo, logo, que o amor é luz. De resto, Jesus o disse: “E quem me ama, será amado por meu Pai. Eu o amarei e a ele me manifestarei” (Jo 14,21). Um turbilhão de vozes, de procedências as mais variadas, inunda com freq u ência a nossa alma, sobretudo quando ela não sabe bem o que seja amar a Deus. São vozes insonoras, mas fortes: vozes do coração, vozes do intelecto, vozes de remorso, vozes de saudade, vozes das paixões… E nós seguimos ora uma, ora outra, preenchendo o nosso dia com atos que concretizam aquelas vozes ou ao menos são, de algum modo, determinados por elas. Por isso, às vezes, a vida, ainda que vivida na graça de Deus, tem somente breves réstias de sol; e tudo o mais fica imerso em um tédio, que uma voz, mais forte do que todas as outras, se levanta amiúde para condenar, como a dizer que aquela não é a verdadeira vida, a vida plena. Se, ao contrário, a alma se volta para Deus e começa a amá-lo, e seu amor é verdadeiro, é concreto, é de cada instante, de vez em quando percebe uma voz, entre as muitas que acompanham a vida. Mais do que voz, é uma luz que se infiltra suavemente no intrincado concerto da alma. É um pensamento quase imperceptível que a ela se oferece, mais delicado talvez do que os outros, mais sutil. Esta é, às vezes, voz de Deus. Então, a alma que se decidiu pelo Senhor, que com Ele não regateia, mas a Ele tudo quer dar, extrai do pântano aquele repuxo límpido e sereno; é uma safira em meio a tantos seixos; é como o ouro em meio ao pó. Toma-o, limpa-o, expõe-no e o traduz em vida. Se, porventura, aquela alma decidiu caminhar para Deus com outras, a fim de que o Pai se rejubile com o amor fraterno entre os seus filhos, ela comunica, com discrição, o seu tesouro aos outros, para que o bem seja comum, o divino circule e, como numa competição, um aprenda do outro a amar melhor o Senhor. Agindo assim, a alma amou em dobro: amou ao fazer o que Deus queria, amou ao comunicar aos irmãos. E Deus, fiel às suas palavras eternas, continuará progressivamente a se revelar a ela. Tudo isso é sumamente desejável, até que o nosso coração seja imerso o dia inteiro só em pensamentos de Céu, a ponto de transbordar; e a nossa vida, alimentada pelos Sacramentos, seja por eles deificada. Damos Deus, se o temos; e o temos, se o amamos. Então, poderão acender-se pequenos sóis, no mundo sombrio e monótono, que apontarão a muitos o caminho. Sóis que aquecerão, na humildade total de suas vidas imoladas ao Senhor, em que eles já não falam, mas fala Ele; em que já não vivem, mas vive Ele.

29 março 2018

A única

A única

      “Seja feita a vontade de Deus” é uma expressão que, na maior parte dos casos, os cristãos proferem nos momentos de dor, quando não há mais o que fazer e, diante do inevitável despedaçar de tudo o que se pensava, se almejava e se queria, vindo à tona a fé, se aceita o que Deus estabeleceu. Mas, não é só assim que deve ser feita a vontade de Deus. No cristianismo, não existe apenas a “resignação cristã”.

      A vida do cristão é um fato que tem raízes no Céu, além de tê-las na terra.

      Por sua fé, o cristão pode e deve estar sempre em contato com Alguém que conhece a sua vida e o seu destino. E este Alguém não é desta terra, mas de outro mundo. E não é um juiz desapiedado ou um soberano absoluto, que só exige o serviço. É um Pai. Alguém, portanto, que é Pai porque está em relação com outros, e neste caso com filhos, filhos adotados pelo Único Filho que com Ele habita ab æterno.

      Por conseguinte, a vida do cristão não é nem pode ser determinada somente pela sua vontade e pelas suas previsões. Infelizmente, muitos cristãos acordam pela manhã na melancolia do tédio que o dia que desperta trará. Lamentam-se de muitas coisas passadas, futuras e presentes, porque são eles que traçam o programa de sua vida. E esse desígnio, fruto da inteligência humana e de previsões mesquinhas, não pode satisfazer plenamente o homem, ávido de infinito. Eles se substituem a Deus, ao menos no que lhes tange e, como o filho pródigo, uma vez tomada a parte que lhes cabe, desperdiçam-na como querem, sem o conselho do pai, sem a integração na família.

      Mui frequentemente nós, cristãos, somos cegos que abdicamos da nossa dignidade sobrenatural, porque repetimos de fato no pai-nosso, quem sabe todos os dias: “Seja feita a tua vontade, assim na terra como no Céu”; mas nem entendemos o que dizemos, nem fazemos, nós ao menos, o que imploramos.

      Deus sabe e conhece o caminho que deveríamos trilhar em cada instante de nossa vida. Para cada um Ele fixou uma órbita celeste em que o astro de nossa liberdade deveria girar, se ele se abandonasse a quem criou o astro. Órbita nossa, vida nossa que não contrasta com a órbita de outrem, com o caminho de bilhões de outros seres, junto a nós, filhos do Pai, mas se harmoniza com eles num firmamento mais esplêndido que o estelar, porque espiritual. Deus deve manobrar a nossa vida e arrastá-la numa aventura divina que nos é desconhecida, em que, espectadores e, a um tempo, atores de admiráveis desígnios de amor, damos, momento por momento, o tributo de nossa livre vontade.

      Podemos dar! Não: devemos dar! Ou, pior ainda: conformamo-nos em dar!

      Ele é Pai e, portanto, é amor. É o Criador, o nosso Redentor, o Santificador. Quem melhor do que Ele conhece o nosso bem?

      “Senhor, seja feita, sim, seja feita, agora e sempre, a tua vontade divina! Seja feita em mim, nos meus filhos, nos outros, nos filhos dos outros, na humanidade inteira.

      Tem paciência e perdão para conosco, cegos que não compreendemos e obrigamos o Céu a permanecer fechado e a não derramar sobre a terra os seus dons, porque, olhos cerrados, dizemos com a vida que é noite e o Céu não existe.

      Arrasta-nos pelo raio de tua luz, de nossa luz, aquela que o teu amor estabeleceu quando nos criaste por amor.

      Força-nos a dobrar os joelhos, a cada minuto, em adoração à tua vontade, a única boa, agradável, santa, nova, rica, fascinante, fecunda; a fim de que, quando chegar a hora da dor, possamos ver também, para além dela, o teu amor infinito. Possamos, plenos de ti, possuir os teus olhos, já aqui na terra, e observar, do alto, o divino bordado que fizeste para nós e para nossos irmãos, em que tudo resulta numa trama esplêndida de amor. E que se atenue do nosso olhar, ao menos um pouco, a visão dos nós que a tua misericórdia, temperada em justiça, carinhosamente atou, lá onde a nossa cegueira rompeu a tua vontade.

      Seja feita a tua vontade no mundo e a paz na terra descerá segura, pois os anjos já no-lo disseram: ‘Paz na terra aos homens que ele ama!’ (Lc 2,14).

      E, se Tu disseste que um só é bom, o Pai, uma única é a vontade boa: a do teu Pai.”

28 março 2018

A nossa responsabilidade é grande

Sem dúvida, a nossa responsabilidade é grande, pois nós, cristãos, devemos ser testemunhas de Cristo e, pelo modo como nos comportamos, os outros podem intuir qual foi a mensagem que Jesus trouxe à terra. Sucede, porém, que, às vezes, o testemunho de Cristo que nós mesmos damos é pouco ou nenhum, ou é deformado de um jeito ou de outro. Temperamentos inconstantes e mentes indóceis à ação da graça dão uma ideia de Jesus segundo a imagem e semelhança deles, por isso o mundo, que vê e observa, deduz o que pode pelos dados que possui. Que a religião, por exemplo, dobra o pescoço das pessoas mas não a vontade em sua raiz mais profunda, porque aquele determinado cristão que se diz discípulo de Cristo, como é ainda ele que vive em si mesmo e não Cristo, lança uma sombra que vela, em sua pessoa, a religião que ele professa. E assim, continua e se perpetua tragicamente a separação entre os que estão afastados e aqueles que, revivendo o Amor que é Deus, deveriam atrair o mundo e conduzi-lo ao Senhor. Enfim, uma religião que não agrada, porque deformada. No entanto, mesmo nas pessoas mais agnósticas, ainda resta o fascínio ou, ao menos, o respeito, talvez disfarçado, pelo missionário que se aventura em plagas longínquas, tudo abandonando por Deus; ou pelo mártir que consuma a sua vida no sangue. E isso, tudo isso, porque o cristianismo ou é genuíno e radical, ou deixa muito a desejar. O que foi dito vale para muitos casos que se percebem de relance. Todavia, passando a um plano superior e mais sutil, não é raro que, aproximando-nos de quem se doou a Deus com vivo entusiasmo, frequentemente encontremos erros, talvez de ordem prática, que incomodam e obscurecem a beleza da nossa fé. Às vezes, a viagem por este planeta é tão dura, e este “vale” tão cheio de lágrimas, que o homem, encontrando conforto só na cruz, a ela se agarra, dela faz a sua bandeira, mostra-a também aos outros, leva-os a amá-la, mas… daí não passa. Daí não passa porque, apesar de amar de todo o coração e de amar também com obras, não acredita o suficiente no amor de Deus para com ele e para com todos. O mistério pascal está a nos testemunhar que Jesus é vida que vence a morte, é luz que rompe as trevas, é plenitude que anula o vazio. Este é, em última análise, o cristianismo, em que a cruz é essencial, mas como meio; a lágrima é portadora de consolação e a pobreza, de posse do Reino; em que a pureza abre as cortinas do Céu, a perseguição e a mansidão prenunciam a conquista da Eternidade e asseguram o avanço da Igreja no mundo. Os quinze mistérios* que adornam de pedras preciosas o rosário inteiro, a Igreja os desdobra em cinco gozosos, cinco dolorosos e cinco gloriosos. Isso faz entender que ao cristão convém esperar sempre, convém cantar como faziam os primeiros cristãos, mesmo às portas do martírio, pois é herança nossa a plenitude do gáudio que Jesus prometeu e pediu para quem o seguisse. Ajudemo-nos a ser, em nossa pequenez, testemunhas completas daquele Jesus que cativou o nosso coração, naquela Igreja para cuja beleza podemos também contribuir, a fim de que o peregrino do mundo, vendo-a, possa reconhecê-la.

27 março 2018

A Tua tática é uma só

 Observei que a tua tática é uma só, mas não monótona, talvez porque o teu agir és Tu, Senhor. Tu és o Amor sempre novo. E a tua tática é esta: quando as almas se contentam com sombras — não falo de sombras efêmeras — isto é, quando a vida é para ti, mas não contigo identificada, mandas frequentemente uma dor. Então, a alma a ti retorna e profere o seu “sim”. Mas, às vezes, este sim está perfumado por um sentimento de gratidão profunda e imerso numa prece singular: “Sim, Senhor, encontrando a cruz, nela te encontro. Obrigado por me teres reconduzido a ti, e não somente ao que a ti se refere, pois, mais do que tudo, atrai-me a solidão contigo, aquela mesma que enfrentarei, forçosamente, no dia do encontro, se não a tiver escolhido agora com o amor. E Tu, que tudo podes, faze que eu consiga em teu nome este colóquio contínuo entre ti em mim e ti mesmo, em que eventos, homens e coisas são apenas combustível para o nosso puro amor”.

      Só esta é vida verdadeira, porque centelha de ti, vida sem engano, sem desilusão, sem trégua e sem ocaso.

26 março 2018

Como tornar-se santo?


      Sucede, frequentemente, de as almas serem atraídas pela ideia da santidade. Talvez seja mesmo a graça de Deus que nelas opera, suscitando tal desejo.

      A consideração do valor de um santo, a influência de sua personalidade em sua época, a revolução ampla e contínua que ele leva ao mundo são, amiúde, os combustíveis primeiros para a chama deste anseio.

      Mas, às vezes, a alma assim tão docemente atormentada, encontra-se diante dos santos como diante de uma vala intransponível, ou de uma muralha impossível de derrubar.

      “O que fazer para ser santo?” — pergunta-se.

      “Qual a medida, o sistema, os meios, o caminho?”

      “Se eu soubesse que basta a penitência, flagelar-me-ia da manhã à noite. Se viesse a saber que é preciso rezar, dia e noite rezaria. Se fosse suficiente a pregação, percorreria cidades e aldeias, sem me dar trégua, anunciando a todos a palavra de Deus… Mas eu não sei, não conheço o caminho.”

      Cada santo tem uma fisionomia sua, e eles se distinguem uns dos outros, como as mais variadas flores de um jardim…

      Mas, talvez haja um caminho, bom para todos.

      Talvez não seja preciso ir em busca da própria estrada, nem traçar um plano, nem fazer projetos, mas mergulhar no momento que passa para cumprir, naquele instante, a vontade de Quem se disse “Caminho” (cf. Jo 14,6) por excelência. O momento passado já não existe; o momento futuro talvez jamais o tenhamos em nossas mãos. O certo é que podemos amar a Deus no momento presente que nos é dado. A santidade constrói-se no tempo.

      Ninguém conhece a sua própria, nem muitas vezes a dos outros, enquanto está em vida. Somente quando a alma completou o seu percurso, deu a sua prova, é que revela ao mundo o desígnio de Deus sobre ela.

      A nós resta apenas construí-la, instante por instante, correspondendo com todo o coração, alma e forças, ao amor que Deus tem por nós, pessoal, como nosso Pai celeste, amor pleno, como a largueza da caridade de um Deus.

25 março 2018

A sua, a nossa missa

Se sofres, e teu sofrer é tanto que te impede qualquer atividade, lembra-te da missa. Na missa, Jesus, hoje como outrora, não trabalha, não prega: Jesus sacrifica-se por amor. Na vida, podem-se fazer tantas coisas, dizer tantas palavras, mas a voz da dor, talvez surda e desconhecida dos outros, da dor oferecida por amor, é a palavra mais forte, aquela que toca o Céu. Se sofres, imerge a tua dor na sua: dize a tua missa! E, se o mundo não compreende, não te perturbes; basta que te entendam Jesus, Maria, os santos. Vive com eles e deixa correr o teu sangue em benefício da humanidade, como Ele! A missa! Grande demais para ser entendida! A sua, a nossa missa.

24 março 2018

Vigiai

"Vigiai…” (cf. Lc 12,35). O Evangelho fala em vigiar com os rins cingidos e a lâmpada acesa, e promete ao servo vigilante que o Senhor se cingirá e o servirá, quando chegar. Só o amor vigia. É próprio do amor vigiar. Quando se ama uma pessoa, o coração vigia sempre esperando-a, e cada minuto sem ela passa em sua função, e se transcorre vigiando. Jesus quer o amor; por isso pede vigilância. Vigia também quem tem medo. De fato, Jesus fala em ladrões… Vigia-se porque se teme e se teme porque se ama alguém que não se quer perder. Jesus pede o amor mas, como Ele também ama, suscita até mesmo temor para salvar. Faz como a mãe que promete aos filhos o prêmio ou o castigo, conforme se comportem. Jesus não pede somente o puro amor que dá sem pensar na recompensa. Para nos ver salvos, chega a mostrar-nos também a recompensa e o castigo.

23 março 2018

Não conheço senão Cristo

Não conheço senão Cristo, e Cristo crucificado”

Tenho um só Esposo na terra: Jesus Abandonado. Não tenho outro Deus além Dele. Nele está todo o Paraíso com a Trindade e toda a terra com a Humanidade. Por isso, o seu é meu e nada mais. Sua é a Dor universal e, portanto, minha. Irei pelo mundo à sua procura em cada instante da minha vida. O que me faz sofrer é meu. Minha, a dor que me perpassa no presente. Minha, a dor de quem está ao meu lado (ela é o meu Jesus). Meu, tudo aquilo que não é paz, gáudio, belo, amável, sereno… Numa palavra: aquilo que não é Paraíso. Pois eu também tenho o meu Paraíso, mas Ele está no coração do meu Esposo. Outros Paraísos não conheço. Assim será pelos anos que me restam: sedenta de dores, de angústias, de desesperos, de melancolias, de desapegos, de exílio, de abandonos, de dilacerações, de… tudo aquilo que é Ele, e Ele é o Pecado, o Inferno. Assim, dessecarei a água da tribulação em muitos corações próximos e — pela comunhão com meu Esposo onipotente — distantes. Passarei como Fogo que devora tudo o que há de ruir e deixa em pé só a Verdade. Mas é preciso ser como Ele, ser Ele no momento presente da vida.

22 março 2018

Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?

Eli, Eli, lemá sabactáni

“Eli, Eli, lemá sabactáni” (Mt 27,46). Foi a frase que Jesus gritou em seu abandono, na língua falada por Nossa Senhora. Quanto nos diz aquele teu grito, soltado na língua de tua Mãe!… Quando a dor atinge aquele limite em que toda a vida permanece suspensa… então, se resta um fio de voz, chama-se a mãe, porque a mãe é o amor. Tu, porém, como Filho de Deus, o amor o possuías em Deus, e Deus chamaste. E, como homem, o amor o possuías também em tua Mãe celeste. Na impossibilidade de invocar os dois, chamaste o Pai com a fala da Mãe. Quão belo és naquela dor infinita, Jesus Abandonado!

21 março 2018

O frio

O frio gela; mas, quando excessivo, queima e corta. O vinho fortifica; mas, quando demasiado, debilita as forças. O movimento é o que é; mas quando vertiginoso, parece estático. O Espírito de Deus vivifica; mas quando é muito… inebria. Jesus é o Amor porque é Deus; mas o grande amor por nós levou-o a clamar “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?…” (Mt 27,46), quando Ele se mostra apenas homem.

20 março 2018

Seja humilde

NÃO se envergonhe de ser humilde. A humildade consiste no conhecimento perfeito daquilo que somos e que podemos, sem fantasiar-nos com qualidades que não temos.
Humildade não é posição de corpo nem tom de voz: é posição de espírito, que sabe o que é o que pode, e não precisa manifestar-se aos outros: vale para si mesmo. Seja, pois, humilde!

19 março 2018

Doença


No Movimento se tem uma idéia bem clara dos seus membros doentes.
Quando alguém não está bem, devemos procurar todas as maneiras, todos os meios para curá-lo, porque a saúde dos membros é um patrimônio da Obra. Ao mesmo tempo ao doente é pedido o desapego da sua saúde. Não só. Ele é encorajado a ver na doença e na morte inclusive um dom de Deus (...), porque expressão da sua vontade e portanto amor de Deus.
Quando se apresenta uma doença qualquer, nós somos convidados a acreditar e a dizer que é tudo amor, amor de Deus, recordando Santa Teresa de Lisieux que, assim que teve a primeira golfada de sangue, não falou de doença, mas disse: «Chegou o Esposo!»
Todavia, se a doença e a morte são amor de Deus, que função especial elas têm?
Para nós as doenças são meios à disposição da providência de Deus para esculpir, no bloco disforme do nosso eu, a figura de Jesus, Jesus.
Por isso sempre apreciamos a explicação que São Vicente de Paulo dá sobre as doenças:

Acontece conosco o que se faz com um bloco de mármore no qual se quer esculpir uma linda estátua da Virgem Maria. O que o escultor deve fazer para concretizara idéia concebida? Deverá pegar o martelo e tirar daquele bloco tudo o que é supérfluo. Para fazer isso começa a bater no bloco de cima para baixo com golpes bem firmes... a ponto de fazer pensar que ele quer quebrar tudo. Depois que ele tiver tirado o grosso, pega um martelo menor e depois ainda o cinzel para começar a modelar a figura em todos os seus detalhes. Usará ainda outros instrumentos cada vez mais delicados para dar à estátua aquela perfeição que tem em mente. Deus usa a mesma técnica conosco (diz sempre o santo).
Tomemos como exemplo uma filha da caridade ou um missionário. Antes que Deus os tire do mundo, eles vivem de modo grotesco e rude, como maciços blocos de mármore. Mas Deus quer fazer deles belas estátuas e para isso começa a martelá-los e a golpeá-los do alto com fortes golpes de martelo.
Quem não sabe ver além das aparências (nas provações espirituais ou físicas) poderá dizer que esta filha é desventurada; mas se alguém souber ler o desígnio de Deus, verá que todos estes golpes têm por único objetivo dar uma forma àquela bela idéia.


Eu gosto desta idéia. Também nós damos o mesmo valor a isso.
No Movimento temos um conceito nosso do doente e dos doentes.
Está escrito em outro diário de 1968.

Nós, no trabalho, nos triunfos... que esta Obra exuberante e fecunda produz, às vezes somos tentados de ver nas pessoas que sofrem casos marginais que devemos cuidar, visitar, para que possivelmente se restabeleçam depressa e retomem a atividade, como se a atividade fosse o nosso primeiro dever, o centro da nossa vida. Ao invés não: aqueles que entre nós sofrem, estão doentes, morrem são os eleitos, na Obra. Eles estão no centro da hierarquia de amor do Movimento. São aqueles que mais fazem, mais agem.[1]

E em outro momento escrevi:

Veremos nos doentes hóstias vivas, que unem o próprio sofrimento àquele de Cristo, dando assim a melhor contribuição para o desenvolvimento da Obra e da Igreja.

Também o Papa João XXIII pensava assim. Ele escreveu isso a um bispo emérito:

Agora a tua missão mudou (em relação à Igreja):
deves rezar por ela. E isso não é menos importante do que a ação.

São duas idéias sobre a doença, mas suficientes para viver bem.



[1] Diário, 11.04.1968;

18 março 2018

Afaste

AFASTE de si o veneno da lisonja... Não creia naqueles que o elogiam sem motivo...
Prefira ouvir uma crítica honesta, a um galanteio vazio.
A crítica aos nossos atos poderá trazer-nos o alerta de que necessitamos para corrigir-nos.
O elogio fácil nos amolece e ilude... E nada existe de mais frágil que uma criatura iludida a seu próprio respeito

17 março 2018

Seria de enlouquecer

Seria de enlouquecer se não fixássemos os olhos em ti, que transmudas, como por encanto, toda amargura em doçura; em ti, suspenso na cruz, no teu grito, na mais alta suspensão, na inatividade absoluta, na morte viva, quando, tornando-te frio, lançaste todo o teu fogo sobre a terra e, tornando-te estase infinita, lançaste sobre nós tua vida infinita, aquela que agora vivemos, inebriados. Basta-nos que nos vejamos semelhantes a ti, ao menos um pouco, e que unamos nossa dor à tua e a ofereçamos ao Pai. Para que tivéssemos a Luz, veio-te a faltar a vista. Para que tivéssemos a união, sentiste a separação do Pai. Para que possuíssemos a Sabedoria, fizeste-te “ignorância”. Para que nos revestíssemos da inocência, fizeste-te “pecado”. Para que Deus estivesse em nós, sentiste-o longe de ti.

16 março 2018

Jesus não permaneceu na Terra

Jesus não permaneceu na terra, para poder ficar em todos os pontos da Terra na Eucaristia. Era Deus e, qual semente divina, frutificou, multiplicando-se. Assim, devemos morrer para nos multiplicar.

15 março 2018

Não passa

“É mais fácil um camelo entrar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus” (Mt 19,24). O rico que não procede como Jesus quer põe em jogo a eternidade. Mas, somos todos ricos enquanto Jesus não viver em nós em toda a sua plenitude. Até o mendigo que carrega na mochila um naco de pão e pragueja se alguém tocar nela não é menos rico do que os outros. O seu coração está apegado a alguma coisa que não é Deus e se não se fizer pobre, pobre segundo o Evangelho, não passará no Reino dos Céus. O caminho lá para cima é estreito, e por ele só passa o nada. Há quem seja rico de ciência, e essa empáfia impede que ele passe para o Reino e que o Reino passe para ele; por isso, o Espírito da Sabedoria de Deus não tem lugar em sua alma. Há quem seja rico de presunção, de vanglória, de afetos humanos e, enquanto não larga tudo, não é conforme Deus. Tudo se deve extirpar do coração, para nele se colocar Deus e a Criação segundo a ordem de Deus. Há quem seja rico de preocupações e não sabe pô-las no Coração de Deus, vivendo atormentado. Não tem a alegria, a paz, a caridade, que são do Reino dos Céus. Não passa. Há quem seja rico dos próprios pecados, e por eles chora e se tortura, ao invés de deixá-los arder na misericórdia de Deus e olhar para a frente, amando Deus e o próximo, pelo tempo em que não amou.

14 março 2018

Dá-me todos os que estão sós

Senhor, dá-me todos os que estão sós… Senti em meu coração a paixão que invade o teu, por todo o abandono em que nada o mundo inteiro. Amo todo ser doente e só: até as plantas sem viço me causam dó…, até os animais solitários. Quem consola o seu pranto? Quem tem pena de sua morte lenta? E quem estreita ao próprio coração o coração desesperado? Meu Deus, faze que eu seja no mundo o sacramento tangível do teu Amor, do teu ser Amor: que eu seja os braços teus que estreitam a si e consomem no amor toda a solidão do mundo.

13 março 2018

O poder de sua vida

Não limite o poder de sua vida!

Não pense que conseguirá tudo o que deseja, numa só existência.

Mas confie, porque a vida é eterna, infindável.

Não pense também que, depois desta, irá iniciar uma vida diferente: nada disso!

Esta mesma vida é que continuará sempre.

Portanto, procure aumentar seus conhecimentos e aperfeiçoar-se, verificando como é rápido o momento atual, comparado com a eternidade!

12 março 2018

Seja otimista

Seja otimista!

Procure subir, e espere sempre que o melhor lhe aconteça.

Embora as aparências sejam contrárias, confie em Deus, que está dentro de você, porque n'Ele existe a solução de todos os seus problemas.

Olhe para o lado certo da vida, para a felicidade e o progresso, e não detenha jamais sua subida. Seja otimista, e há de vencer!

11 março 2018

Bela, a mãe!

É tão bela a Mãe, no recolhimento perene em que o Evangelho no-la mostra: “Conservava a lembrança de todos estes fatos em seu coração” (Lc 2,51). Aquele silêncio pleno exerce um fascínio sobre a alma que ama. Como poderia eu viver Maria no seu místico silêncio, quando a nossa vocação é, por vezes, falar para evangelizar, sempre aos quatro ventos, em todos os lugares, ricos e pobres, dos subterrâneos às estradas, às escolas, em todo canto? Maria também falou. E deu Jesus. Ninguém jamais no mundo foi apóstolo maior. Ninguém jamais teve palavra como Maria, que deu à luz o Verbo encarnado. Maria é real e merecidamente Rainha dos Apóstolos. E ela calou-se. Calou-se porque dois não podiam falar. A palavra há de apoiar-se sempre em um silêncio, como uma pintura sobre um fundo. Calou-se porque criatura. Porque o nada não fala. Mas sobre aquele nada, falou Jesus e disse: Ele mesmo. Deus, o Criador e o Tudo, falou por sobre o nada da criatura. Como então viver Maria, como perfumar a minha vida com o seu fascínio? Fazendo calar em mim a criatura e deixando falar nesse silêncio o Espírito do Senhor. Assim vivo Maria e vivo Jesus. Vivo Jesus em Maria. Vivo Jesus vivendo Maria.

10 março 2018

A atração do tempo moderno

Eis a grande atração do tempo moderno: atingir a mais alta contemplação e manter-se misturado com todos, lado a lado com os homens. Diria mais: perder-se no meio da multidão, para impregná-la do divino, como se ensopa um naco de pão no vinho. Diria mais: partícipes dos desígnios de Deus sobre a humanidade, traçar sobre a multidão recamos de luz e, ao mesmo tempo, dividir com o próximo a injúria, a fome, os golpes, as alegrias fugazes. Porque a atração do nosso, como de todos os tempos, é o que de mais humano e mais divino se possa pensar: Jesus e Maria, o Verbo de Deus, filho de um carpinteiro; a Sede da Sabedoria, mãe de família.

09 março 2018

Qual celeste plano inclinado

Maria não é facilmente entendida pelos homens, apesar de ser muito amada. De fato, é mais fácil encontrar em um coração afastado de Deus a devoção a ela, do que a devoção a Jesus. É amada universalmente. E o motivo é este: Maria é Mãe. As mães, em geral, não são “compreendidas”, especialmente pelos filhos pequenos; elas são amadas, e não é raro — aliás é bastante freq u ente — que até um homem de oitenta anos morra pronunciando como última palavra: “Mamãe”. A mãe é mais objeto de intuição do coração do que de especulação intelectual, é mais poesia do que filosofia, pois é real e profunda demais, achegada ao coração humano. Assim é com Maria, a Mãe das mães, que a soma de todos os afetos, bondades, misericórdias das mães do mundo não consegue igualar. De certo modo, Jesus está mais diante de nós. Suas palavras divinas e fulgurantes são diferentes demais das nossas para se confundirem com elas; são, aliás, sinal de contradição. Maria é pacífica como a natureza, pura, serena, tersa, suave, bela; aquela natureza longe do mundo, na montanha, na campina, no mar, no céu azul ou estrelado. E é também forte, vigorosa, ordenada, contínua, inflexível, rica de esperança, porque na natureza é a vida que refloresce perenemente benéfica, ornada pela beleza vaporosa das flores, generosa na rica abundância dos frutos. Maria é simples demais, próxima demais de nós para ser “contemplada”. Ela é “enaltecida” por corações puros e enamorados que assim exprimem o que neles há de melhor. Traz o divino à terra, suavemente, qual celeste plano inclinado que, da vertiginosa altura dos Céus, desce até a infinita pequenez das criaturas. É a Mãe de todos e de cada um, a única que sabe balbuciar e sorrir para o seu filho de um modo único e tal que, embora pequeno, cada um já sabe apreciar aquela carícia e responder com o seu amor àquele amor. Não compreendemos Maria porque está demasiadamente próxima a nós. Ela, destinada pelo Eterno a levar aos homens as graças, jóias divinas do Filho, está ali do nosso lado e aguarda, sempre com esperança, que percebamos o seu olhar e aceitemos a sua dádiva. E se alguém, por sorte sua, a compreende, ela o arrebata para o seu Reino de paz, onde Jesus é rei e o Espírito Santo é o hálito daquele Céu. Lá, purificados de nossas misérias e iluminados em nossas trevas, haveremos de contemplá-la e dela fruir, paraíso adjunto, paraíso à parte. Aqui, mereçamos que ela nos conduza pelo “seu caminho”, para não permanecermos mesquinhos no espírito, com um amor que só é súplica, imploração, pedido, interesse, mas que conhecendo-a um pouco, possamos glorificá-la.

08 março 2018

Quando, tendo conhecido Deus...

Quando, tendo conhecido Deus, não tivemos o merecimento de sua luz, porque não fomos vigilantes no amor e nos deixamos abater pela cruz sem desfrutar da graça, a alma tateia no escuro e na angústia, e o procura. Procura o Amor, clama por Ele, por Ele implora, grita às vezes e geme. Mas não o encontra. Não o encontra porque não ama. Deus não cede. Ele tem uma lei imutável. Passarão o céu e a terra (cf. Mc 13,31). E são palavras suas sem exceções. A alma não tem direito ao amor antes de amar. Recebe amor quando tem amor para dar. Deus a criou à sua imagem e semelhança e nela respeita a dignidade com que a revestiu. É ela que há de tomar a iniciativa e amar, como que por primeiro, correspondendo à graça. Então Deus vem, manifesta-se a quem o ama, dá a quem tem e este continuará na abundância. A alma que ama participa de Deus e sente-se rainha. Nada teme. Tudo para ela adquire valor. Passa-se da morte para a vida quando se ama.

07 março 2018

Quando a um unidade com os irmãos é completa

Quando a unidade com os irmãos é completa, quando brota nova e com maior plenitude das dificuldades — como a noite que se dissipa em dia, a lágrima, em luz —, muitas vezes, eu te encontro, ó Senhor. Eu te encontro, ao me recolher no templo de minha alma, ou quando, tão logo as circunstâncias me deixam só, me convidas, me atrais, suave mas decididamente, para a tua divina presença. Então, só Tu reinas dentro e fora de mim e a casa que me deste para uso, no peregrinar da vida, sinto-a, proclamo-a morada do meu Deus. Essa tua presença é amor, mas um amor que o mundo não conhece… A alma se encontra submersa como que em um delicioso néctar e o coração parece ter-se tornado o cálice que o contém. A alma é toda um cântico silencioso, de ti somente conhecido: uma melodia que te alcança, porque emana de ti e de ti se compõe. Es ses são os momentos em que a paz parece substancial, em que a certeza da salvação é adamantina, em que, mesmo estando na terra, parece que se flutua no Céu. E… que estranho! — estranho para a inteligência humana — estivemos com os irmãos o dia inteiro e, à noite, encontramos o Senhor que dissipou qualquer vestígio, qualquer lembrança de criatura. Parece, naqueles instantes, que a fé não é necessária, a fé na existência Dele. Ele, ocupando com imensa doçura a nossa casa, feito nosso quinhão e única herança, Ele mesmo nos manifesta a sua existência.

06 março 2018

Muitas vezes o amor não é amor

Porque muitas vezes o amor não é amor no mundo, vale para ele o ditado: “O amor é cego”. Mas, se uma alma começa a amar, como Deus ensina — Deus que é Amor — vê logo, logo, que o amor é luz. De resto, Jesus o disse: “E quem me ama, será amado por meu Pai. Eu o amarei e a ele me manifestarei” (Jo 14,21). Um turbilhão de vozes, de procedências as mais variadas, inunda com freq u ência a nossa alma, sobretudo quando ela não sabe bem o que seja amar a Deus. São vozes insonoras, mas fortes: vozes do coração, vozes do intelecto, vozes de remorso, vozes de saudade, vozes das paixões… E nós seguimos ora uma, ora outra, preenchendo o nosso dia com atos que concretizam aquelas vozes ou ao menos são, de algum modo, determinados por elas. Por isso, às vezes, a vida, ainda que vivida na graça de Deus, tem somente breves réstias de sol; e tudo o mais fica imerso em um tédio, que uma voz, mais forte do que todas as outras, se levanta amiúde para condenar, como a dizer que aquela não é a verdadeira vida, a vida plena. Se, ao contrário, a alma se volta para Deus e começa a amá-lo, e seu amor é verdadeiro, é concreto, é de cada instante, de vez em quando percebe uma voz, entre as muitas que acompanham a vida. Mais do que voz, é uma luz que se infiltra suavemente no intrincado concerto da alma. É um pensamento quase imperceptível que a ela se oferece, mais delicado talvez do que os outros, mais sutil. Esta é, às vezes, voz de Deus. Então, a alma que se decidiu pelo Senhor, que com Ele não regateia, mas a Ele tudo quer dar, extrai do pântano aquele repuxo límpido e sereno; é uma safira em meio a tantos seixos; é como o ouro em meio ao pó. Toma-o, limpa-o, expõe-no e o traduz em vida. Se, porventura, aquela alma decidiu caminhar para Deus com outras, a fim de que o Pai se rejubile com o amor fraterno entre os seus filhos, ela comunica, com discrição, o seu tesouro aos outros, para que o bem seja comum, o divino circule e, como numa competição, um aprenda do outro a amar melhor o Senhor. Agindo assim, a alma amou em dobro: amou ao fazer o que Deus queria, amou ao comunicar aos irmãos. E Deus, fiel às suas palavras eternas, continuará progressivamente a se revelar a ela. Tudo isso é sumamente desejável, até que o nosso coração seja imerso o dia inteiro só em pensamentos de Céu, a ponto de transbordar; e a nossa vida, alimentada pelos Sacramentos, seja por eles deificada. Damos Deus, se o temos; e o temos, se o amamos. Então, poderão acender-se pequenos sóis, no mundo sombrio e monótono, que apontarão a muitos o caminho. Sóis que aquecerão, na humildade total de suas vidas imoladas ao Senhor, em que eles já não falam, mas fala Ele; em que já não vivem, mas vive Ele.

05 março 2018

O exame

Se fosses estudante e viesses a saber, por acaso, as perguntas do exame de fim de ano, tu te sentirias um felizardo e prepararias bem as respostas. A vida é uma prova e, no final, ela também deverá passar por um exame. Mas o infinito amor de Deus já disse ao homem quais serão as perguntas: “Tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber” (Mt 25,35). As chamadas obras de misericórdia serão a matéria do exame, aquelas obras em que Deus vê se o amamos realmente, tendo-o servido no irmão. Talvez seja por isso que o Papa, com frequência, simplifica a vida cristã, ressaltando as obras de misericórdia. E nós fazemos a vontade de Jesus se transformamos a nossa vida numa contínua obra de misericórdia. Afinal, não é difícil nem muda tanto o que já estamos fazendo. Trata-se de elevar cada contato com o próximo a um plano sobrenatural. Qualquer que seja a nossa vocação: de pais ou de mães, de agricultores ou de funcionários, de deputados ou de chefes de Estado, de estudantes ou de operários, temos continuamente, durante o dia, ocasião direta ou indireta de dar de comer aos famintos, de instruir os ignorantes, de suportar as pessoas molestas, de aconselhar os indecisos, de rezar pelos vivos e pelos mortos. Uma nova intenção a cada gesto nosso em favor do próximo, seja ele quem for, e cada dia da vida servirá para preparar-nos ao dia eterno, entesourando bens que a traça não corrói.

04 março 2018

Cristo será o meu claustro

Não há coração de homem, creio, e muito menos de mulher que, ao menos uma vez, mormente na juventude, não tenha sentido a atração do claustro. Não a atração por uma forma claustral de vida, mas por alguma coisa que parece concentrar-se justamente ali, entre quatro paredes, e se faz sentir, sonora, mesmo de longe. Há nas comunidades das quais o mundo, graças a Deus, está pontilhado — como o breu da noite, de constelações — a luz da presença de Deus. Presença que ressalta viva, porque florescida sobre o cenário de pessoas que, por Deus, aceitaram imolar na sombra sua pobre aparência. Estão imersas no silêncio essas casas de irmãos unidos em Deus, mas, pela força misteriosa das coisas celestiais, falam aos corações dos homens e dizem uma palavra que o mundo desconhece, uma beatitude de união com Deus pela qual os homens anseiam. No entanto, minha casa também pode ter o perfume do claustro; as paredes do meu lar também podem tornar-se reino de paz, fortaleza de Deus no meio do mundo. Não é tanto o barulho exterior do rádio do vizinho, ligado no máximo volume, nem o estrépito dos carros, que roubam o encanto de minha casa. É, antes, qualquer barulho dentro de mim que faz do meu lar uma praça sem proteção de muros, porque sem proteção de amor. O Senhor está dentro de mim. Ele gostaria de guiar os meus atos, de permear com sua luz o meu pensamento, de inflamar a minha vontade, de ditar-me, enfim, a lei do meu ficar e do meu ir. Mas existe o meu eu, às vezes, que não o deixa viver. Se ele parar de perturbar, Deus mesmo tomará posse de todo o meu ser, e saberá dar também a estas paredes a importância de uma abadia; a este quarto, a sacralidade de uma igreja; ao meu estar à mesa, a suavidade de um rito; às minhas vestes, o perfume de um hábito sacro; à campainha da porta ou do telefone, a nota alegre de um encontro com os irmãos, que rompe, embora continuando, o colóquio com Deus. Então, sobre o meu silêncio, falará um Outro e, sobre o meu apagar-me, uma luz se acenderá. E ela brilhará até bem longe, transpondo e, de certo modo, consagrando estas paredes que protegem um membro de Cristo, um templo do Espírito Santo. E outras pessoas virão à minha casa para comigo procurar o Senhor e, nessa nossa busca amorosa comum, crescerá a chama, aumentará de tom a melodia divina. E o meu coração, mesmo estando no meio do mundo, não pedirá mais nada. Cristo será o meu claustro, o Cristo do meu coração, Cristo em meio aos corações.

03 março 2018

Vontade fortíssima

12 de abril de 1970)

“Deus infunde na alma a sua graça e o seu amor na proporção da vontade e do amor dela” (João da Cruz). Se assim é, dá-me, Senhor, uma vontade fortíssima e um ardentíssimo amor. Faz algum tempo, torna à minha alma a tua sugestão: viver o presente com integridade. Durante um período, foi como o ápice da vida espiritual. Agora retorna e, se és tu que me inspiras isso, por que não devo levá-lo em conta? Se vivo o presente com integridade, então — foi o que entendi hoje de manhã —, sempre haverá em mim aquele senso do sagrado que deve acompanhar a minha pessoa e que — partindo do meu coração enamorado pelo meu Esposo — deve impregnar todo o meu ser. E tudo será “recolhimento”, exatamente como imaginamos Maria, pois ela, diferentemente, não é mais ela. Conclusão: um amor sério por Jesus abandonado no presente, ao ouvir o próximo, ao falar com ele, ao trabalhar, ao rezar… tudo com a máxima simplicidade.

02 março 2018

No momento presente

SÓ É APROVEITADA com inteligência a vida de quem leva o Evangelho no coração, todos os dias de sua existência. E encontra seu supremo ideal encarnando as Palavras do Céu. VIVENDO A PALAVRA de vida na vontade de Deus, momento por momento, sou a Palavra viva, a viva expressão do amor. DO NOSSO DIA, valerá o que, durante ele, tivermos “assimilado” de Palavra de Deus. SE ESCOLHEMOS DEUS como ideal [de vida] – e essa é a nossa identidade –, se o colocamos em primeiro lugar, isso requer praticamente que coloquemos em primeiro lugar em nosso coração a sua Palavra, a sua vontade. Ela deve emergir sobre tudo o mais. Diante dela, todas as outras coisas, de certo modo, devem tornar-se indiferentes, com aquela santa indiferença a que alguns santos se referem. Em nossa vida, não deve ter tanta importância, por exemplo, ser sadio ou doente, estudar ou servir, dormir ou rezar, viver ou morrer. O importante é viver a Palavra, ser Palavra viva. O QUE É AQUELA “mola” que deveria aprumar a nossa vida, sempre “fora” demais até nas obras por Deus? É a Palavra de Deus, que deve iluminar os nossos atos, que nos arraiga sempre em Deus e nos oferece o modo de viver aqui na terra. VIVENDO o momento presente, vivo todo o Evangelho. Se a Escritura ensina a fazer bem as pequenas coisas, é justamente essa a característica de quem não faz outra coisa, com todo o coração, senão aquilo que Deus lhe pede no presente. Se alguém vive no presente, Deus vive nele, e se Deus está nele, nele está a caridade. Quem vive o presente é paciente, é perseverante, é manso, é pobre de tudo, é puro, é misericordioso, porque possui o amor em sua expressão mais alta e genuína; ama realmente a Deus com todo o coração, toda a alma, todas as forças; é iluminado interiormente, é guiado pelo Espírito Santo e, portanto, não julga, não pensa mal, ama o próximo como a si mesmo, tem a força da loucura evangélica de oferecer a outra face, de caminhar duas milhas… Muitas vezes, tem a oportunidade de dar a César o que é de César, porque em muitos momentos presentes deve viver plenamente a sua vida como cidadão… e assim por diante. Quem vive o presente está no Cristo Verdade. E isso sacia, sacia a alma que sempre anseia possuir tudo em cada momento de sua vida.

01 março 2018

Palavra de Vida - março 2018


Mostra-me, Senhor os teus caminhos, ensina-me tuas veredas.” (Sl 24[25],4)
O rei e profeta Davi, autor deste salmo, sofre o peso da angústia e da pobreza e se sente em perigo diante de seus inimigos. Ele gostaria de encontrar um caminho para sair dessa situação dolorosa, mas experimenta a sua incapacidade. Então levanta os olhos para o Deus de Israel, que desde sempre protege o seu povo, e o invoca com esperança para que venha em seu socorro. A Palavra de Vida deste mês salienta, em especial, o seu pedido de conhecer os caminhos e as veredas do Senhor, como luz para as próprias escolhas, sobretudo nos momentos difíceis.
“Mostra-me, Senhor os teus caminhos, ensina-me tuas veredas.”
Também a nós acontece que tenhamos de fazer escolhas decisivas para a nossa vida, que comprometem a consciência e toda a nossa pessoa. Às vezes temos uma série de caminhos possíveis diante de nós e ficamos incertos sobre qual é o melhor; outras vezes temos a impressão de que não temos nenhuma saída… Procurar um caminho para prosseguir é algo profundamente humano, e às vezes precisamos pedir a ajuda de alguém que consideramos amigo. A fé cristã nos faz entrar na amizade com Deus: Ele é o Pai que nos conhece intimamente e ama acompanhar-nos no nosso caminho. Todos os dias Ele convida cada um de nós a entrar livremente em uma aventura, tendo como bússola o amor desinteressado a Ele e a todos os seus filhos. Os caminhos, as veredas são também ocasiões de encontro com outros viajantes, de descobertas de novas metas a serem compartilhadas. O cristão não é jamais uma pessoa isolada: ele faz parte de um povo em caminho rumo à realização do projeto que Deus Pai preparou para a humanidade e que Jesus nos revelou com suas palavras e com toda a sua vida: a fraternidade universal, a civilização do amor.
“Mostra-me, Senhor os teus caminhos, ensina-me tuas veredas.”
E os caminhos do Senhor são ousados, às vezes beirando o limite das nossas possibilidades, como pontes de corda esticadas entre paredões rochosos. Eles desafiam nossos hábitos egoístas, os preconceitos, a falsa humildade e nos abrem horizontes de diálogo, encontro, empenho pelo bem comum. E sobretudo pedem de nós um amor sempre novo, construído sobre a rocha do amor e da fidelidade de Deus por nós, capaz de chegar até o perdão. Perdão que é a condição irrenunciável para construir relações de justiça e de paz entre as pessoas e entre os povos. Até mesmo o testemunho de um gesto de amor simples, mas autêntico, pode iluminar o caminho nos corações dos outros. Na Nigéria, durante um encontro no qual jovens e adultos podiam partilhar as experiências pessoais de amor vivido conforme o Evangelho, Maya, uma menina, contou: “Ontem, enquanto estávamos jogando, um menino me empurrou e caí. Ele me disse “desculpe!” e eu o perdoei”. Essas palavras abriram o coração de um homem cujo pai tinha sido assassinado pelo Boko Haram: “Olhei para Maya. Se ela, que é uma menina, é capaz de perdoar, significa que também eu posso fazer a mesma coisa”.
“Mostra-me, Senhor os teus caminhos, ensina-me tuas veredas.”
Se quisermos confiar-nos a um guia seguro no nosso caminho, lembremo-nos de que Jesus disse de si mesmo: “Eu sou o Caminho…” (Jo 14,6). Chiara Lubich, dirigindo-se aos jovens reunidos em Santiago de Compostela para a Jornada Mundial da Juventude de 1989, encorajou-os com estas palavras: (…) Definindo a si mesmo como “o Caminho”, Jesus quis dizer que devemos caminhar como Ele caminhou (…). Pode-se dizer que o caminho percorrido por Jesus tem um nome: amor. (…) O amor que Jesus viveu e nos deixou é um amor especial e único. (…) É o próprio amor que arde em Deus. (…) Mas, amar a quem? Amar a Deus é certamente o nosso primeiro dever. Depois: amar a cada próximo. (…) Da manhã até à noite, todo relacionamento com os outros deve ser vivido com esse amor. Em casa, na universidade, no trabalho, nas quadras de esporte, nas férias, na igreja, pelas ruas, devemos colher as diversas ocasiões para amar os outros como a nós mesmos, reconhecendo Jesus neles, não esquecendo ninguém; mais ainda, sendo os primeiros a amar a todos. (…) Entrar o mais profundamente possível no coração do outro; entender realmente seus problemas, suas exigências, seus fracassos e também suas alegrias, para poder compartilhar tudo com ele. (…) De certo modo, tornar-se o outro. Como Jesus que, sendo Deus, por amor se fez homem como nós. Assim o próximo se sente compreendido e aliviado, porque encontra alguém que carrega com ele os seus pesos, as suas aflições, e partilha com ele as suas pequenas felicidades. “Viver o outro”, “viver os outros”: isso é um grande ideal, isso é superlativo (…).
Letizia Magri