30 março 2018

Muitas vezes o amor não é amor

Porque muitas vezes o amor não é amor no mundo, vale para ele o ditado: “O amor é cego”. Mas, se uma alma começa a amar, como Deus ensina — Deus que é Amor — vê logo, logo, que o amor é luz. De resto, Jesus o disse: “E quem me ama, será amado por meu Pai. Eu o amarei e a ele me manifestarei” (Jo 14,21). Um turbilhão de vozes, de procedências as mais variadas, inunda com freq u ência a nossa alma, sobretudo quando ela não sabe bem o que seja amar a Deus. São vozes insonoras, mas fortes: vozes do coração, vozes do intelecto, vozes de remorso, vozes de saudade, vozes das paixões… E nós seguimos ora uma, ora outra, preenchendo o nosso dia com atos que concretizam aquelas vozes ou ao menos são, de algum modo, determinados por elas. Por isso, às vezes, a vida, ainda que vivida na graça de Deus, tem somente breves réstias de sol; e tudo o mais fica imerso em um tédio, que uma voz, mais forte do que todas as outras, se levanta amiúde para condenar, como a dizer que aquela não é a verdadeira vida, a vida plena. Se, ao contrário, a alma se volta para Deus e começa a amá-lo, e seu amor é verdadeiro, é concreto, é de cada instante, de vez em quando percebe uma voz, entre as muitas que acompanham a vida. Mais do que voz, é uma luz que se infiltra suavemente no intrincado concerto da alma. É um pensamento quase imperceptível que a ela se oferece, mais delicado talvez do que os outros, mais sutil. Esta é, às vezes, voz de Deus. Então, a alma que se decidiu pelo Senhor, que com Ele não regateia, mas a Ele tudo quer dar, extrai do pântano aquele repuxo límpido e sereno; é uma safira em meio a tantos seixos; é como o ouro em meio ao pó. Toma-o, limpa-o, expõe-no e o traduz em vida. Se, porventura, aquela alma decidiu caminhar para Deus com outras, a fim de que o Pai se rejubile com o amor fraterno entre os seus filhos, ela comunica, com discrição, o seu tesouro aos outros, para que o bem seja comum, o divino circule e, como numa competição, um aprenda do outro a amar melhor o Senhor. Agindo assim, a alma amou em dobro: amou ao fazer o que Deus queria, amou ao comunicar aos irmãos. E Deus, fiel às suas palavras eternas, continuará progressivamente a se revelar a ela. Tudo isso é sumamente desejável, até que o nosso coração seja imerso o dia inteiro só em pensamentos de Céu, a ponto de transbordar; e a nossa vida, alimentada pelos Sacramentos, seja por eles deificada. Damos Deus, se o temos; e o temos, se o amamos. Então, poderão acender-se pequenos sóis, no mundo sombrio e monótono, que apontarão a muitos o caminho. Sóis que aquecerão, na humildade total de suas vidas imoladas ao Senhor, em que eles já não falam, mas fala Ele; em que já não vivem, mas vive Ele.

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