31 julho 2021

COM OS PÉS NO CHÃO

 “Vigiai, portanto, porque não sabeis

nem o dia nem a hora.” (Mt 25,13)


Às vezes, “Alguém” nos impele a viver constantemente no sobrenatural, isto é, na incerteza absoluta de uma situação humana qualquer (planos, viagens, saúde, o amanhã), para viver na certeza da realidade, que é viver o momento presente divinamente, sabendo e querendo o que Deus quer que se saiba e se queira naquele instante. Daí, o imperativo para a alma de “vigiar”, como Jesus mandou, pois não se sabe nem o dia nem a hora de sua chegada e, acrescente-se, de cada chegada sua.

E Ele sempre chega, a todo instante, por meio de sua vontade, que ao homem pode parecer triste ou boa, mas na realidade é Ele, é o seu Amor.

Tal estado de espírito deixa-nos a alma — por assim dizer — com os pés no chão (no chão da terra prometida do Reino dos Céus, que se pode e se deve viver já daqui) e não há perigo de cair. De cair no pecado, nem na ilusão, nem na desilusão na perturbação.

#ChiaraLubich 

30 julho 2021

ONDE O SOL JAMAIS CONHECE OCASO

Todo dia passa e aqui logo anoitece.

Senhor, aceita a minha vida, todos os momentos que ainda tenho pela frente, antes que chegue a hora.

Não sei o que é, mas uma sensação de insatisfação amargura às vezes o meu instante. Talvez porque eu devesse ser toda arrebatada por ti, até a última raiz que me mantém presa não sei ainda a quê, mas que não está totalmente perdida em ti.

Este viver que é um viajar, este assentar-se ilusório na ordem que a vida promete por um instante e para o qual inadvertidamente se tende e que, tão logo alcançado, já ameaça virar tédio, talvez seja a vida.

Também Tu, até os trinta anos, embora cumprindo perfeitamente teus deveres de cada dia, olhavas mais longe, para a missão que te aguardava. E, quando saíste, foram uma corrida só aqueles três brevíssimos anos.

E Tu os passaste nas estradas reunindo discípulos, socorrendo doentes, semeando a palavra, encantando o povo. Era o movimento acelerado da Sabedoria que, crescendo em idade, edificava o Reino de Deus com celeridade crescente.

Chegaste ao patíbulo quase sem perceber. Atravessaste a passagem em poucas horas, entregando a Deus, por nós, o corpo e a alma.

Talvez esta incapacidade de capturar o presente que escapa e o fato de acabarmos sempre mergulhados no anoitecer sejam uma gota da tua vida em nós, aqui na terra.

Gratos, Jesus, pela vida. Prepara-nos para morrer e mantém-nos contigo lá onde o Sol jamais conhece ocaso.

#ChiaraLubich 

29 julho 2021

O VERDADEIRO SENTIDO DO TEMPO

Há ocasiões na vida em que se vive o tempo sorvendo-o gota a gota. Segue-se com sacra apreensão, por exemplo, cada movimento, cada palavra, cada olhar, cada anseio de uma pessoa amada, próxima da eternidade. Valoriza-se aquele último sopro de vida porque se está diante da morte. De fato, é a eternidade que dá sentido verdadeiro ao tempo.

Talvez conviesse sorver assim todos os instantes da nossa vida e, agarrando o tempo que foge, vivê-lo no amor a Deus e fixá-lo na eternidade.

#ChiaraLubich 

28 julho 2021

Obras que perduram

Se vives o presente, mas o vives bem, realizas obras que perduram, mesmo que fales só para uma pessoa, mesmo que prepares um discurso destinado a um público de uma só categoria. Pois bem, a humanidade inteira está em uma pessoa, e também em um grupo restrito, como toda a vontade de Deus está em apenas uma vontade sua. Experimentando isto, estás saciado porque abraças o infinito.

Fazer bem o que Deus quer no presente e fazer como Deus quer, segundo o seu método, a sua dialética, é, por exemplo, preparar o que deves dizer com toda a ajuda do Espírito Santo que está em ti, e depois colocá-lo à prova no fogo do amor mútuo com os irmãos, para que morra, e se decomponha, e renasça da unidade (e isto requer tanto saber “perder”, quanto humildade); é, enfim, submetê-lo à apreciação da autoridade para que seja podado. Então, aquele discurso permanece e se multiplica, e aquilo que poderia causar algum bem só a uma pessoa e depois se perder, causa e continuará causando o bem a muitos.

Essa atividade no presente traz um senso de plenitude, porque é vida de Jesus que vive em nós.

E se Jesus vive em nós, realiza obras que perduram. Se, por outro lado, não fizeste infelizmente as coisas bem, ou as fizeste pela metade, “perde-as” no Coração de Jesus com a máxima confiança, com a consciência de quem sabe que todo momento da vida é bom para morrermos (e talvez morramos com as coisas feitas de modo imperfeito), mas também com a confiança de quem sabe que o Coração de Cristo só te quer amar com fatos e, por isso, quer preencher as lacunas, esconder dos outros os teus disparates e perdoá-los, pois se assim faria uma mãe, muito mais, portanto, faria aquele Coração!

Então, também aqui a saciedade: tudo está feito, tudo está consumado.

#ChiaraLubich 

27 julho 2021

SOLIDÁRIOS COM TODOS

Às vezes — e disto frequentemente nos acusam a nós cristãos —, temos a impressão de que, vivendo a nossa fé com coerência, isto é, tendo em vista a Vida que virá e a espera da morte que será sua porta, levamos uma vida um tanto desligada da terra e dos interesses deste mundo que, muito frequentemente, representam o bem da humanidade.

A realidade é que, se vivermos sempre com a consciência profunda de que não sabemos “nem o dia, nem a hora”, é mais fácil concentrarmo-nos no hoje que nos é dado, no afã do dia, no momento presente que a Providência nos oferece para viver. Nele aceitamos e vivenciamos, com todo o nosso ser, alegrias e dores, labutas e sucessos.

É assim que se vive realmente a vida desta terra. Ao contrário, sem a perspectiva de que, mais cedo ou mais tarde, temos de partir daqui, muitas vezes levamos uma existência superficial, com um véu de ilusões, de sonhos, de alguma coisa que sempre nos prende e que talvez jamais se realize.

Além disso, este viver o presente não significa esquecer o futuro na terra ou cortar nossas asas ao fazermos projetos para o nosso bem e o dos outros, como os filhos, a família, a comunidade em que estamos inseridos, a humanidade.

Este viver o presente não significa tampouco esquecer o passado com o seu cabedal de cultura, de heroísmos, de conquistas.

Na verdade, se os cristãos forem cristãos, não podem deixar de nutrir no coração o amor por todos os homens. Esta é a sua natureza, a sua característica. Elevados à categoria de filhos de Deus, possuem o amor por excelência, o mesmo amor que Cristo tem pelo Pai: a caridade.

Por meio dela, os cristãos sentem-se inseridos na humanidade inteira, como pequenas pedras de um maravilhoso mosaico, em parte já pronto, em parte ainda não.

Amam a humanidade de ontem, como a de hoje e a de amanhã.

Aproximam-se do que ela legou com o respeito de quem sabe que se achega a alguém e a alguma coisa que lhe pertence, com a humildade de quem está convencido de que deve aprender, com a consciência de que deve transmitir este legado às gerações futuras, enriquecido com seu próprio empenho pessoal.

Se, além disso, os cristãos entenderem, no momento presente de suas vidas, que Deus quer que pensem no amanhã, farão isso com toda a dedicação, não por si mesmos, mas por amor de quem virá depois, seja conhecido, seja anônimo.

Sentir-se um com a humanidade passada, presente e futura, amar os outros como a si mesmo é, para o cristão, a mola poderosa que o torna apto e válido para construir hoje e planejar para o futuro uma vida melhor.

Em última análise, a perspectiva da outra Vida e o cumprimento das regras para lá chegar — regras concentradas no mandamento do amor para com todos — geram de fato não apenas regras concentradas no mandamento do amor para com todos — geram de fato não apenas cristãos perfeitos, mas homens autênticos, como a época moderna e as pressões da sociedade de hoje querem que sejam, e, principalmente, como Deus quer que eles sejam neste século.

#ChiaraLubich 

26 julho 2021

COMO TORNAR-SE SANTO?

Sucede, frequentemente, de as almas serem atraídas pela ideia da santidade. Talvez seja mesmo a graça de Deus que nelas opera, suscitando tal desejo.

A consideração do valor de um santo, a influência de sua personalidade em sua época, a revolução ampla e contínua que ele leva ao mundo são, amiúde, os combustíveis primeiros para a chama deste anseio.

Mas, às vezes, a alma assim tão docemente atormentada, encontra-se diante dos santos como diante de uma vala intransponível, ou de uma muralha impossível de derrubar.

“O que fazer para ser santo?”, pergunta-se.

“Qual a medida, o sistema, os meios, o caminho?”

“Se eu soubesse que basta a penitência, flagelar-me-ia da manhã à noite. Se viesse a saber que é preciso rezar, dia e noite rezaria. Se fosse suficiente a pregação, percorreria cidades e aldeias, sem me dar trégua, anunciando a todos a palavra de Deus. Mas eu não sei, não conheço o caminho.”

Cada santo tem uma fisionomia sua, e eles se distinguem uns dos outros, como as mais variadas flores de um jardim.

Mas, talvez haja um caminho, bom para todos.

Talvez não seja preciso ir em busca da própria estrada, nem traçar um plano, nem fazer projetos, mas mergulhar no momento que passa para cumprir, naquele instante, a vontade de Quem se disse “Caminho” (cf. Jo 14,6) por excelência. O momento passado já não existe; o momento futuro talvez jamais o tenhamos em nossas mãos. O certo é que podemos amar a Deus no momento presente que nos é dado. A santidade constrói-se no tempo.

Ninguém conhece a sua própria, nem muitas vezes a dos outros, enquanto está em vida. Somente quando a alma completou o seu percurso, deu a sua prova, é que revela ao mundo o desígnio de Deus sobre ela.

A nós resta apenas construí-la, instante por instante, correspondendo com todo o coração, alma e forças, ao amor que Deus tem por nós, pessoal, como nosso Pai celeste, amor pleno, como a largueza da caridade de um Deus.

#ChiaraLubich 

25 julho 2021

O PÃO DE CADA DIA

“O pão nosso de cada dia dá-nos hoje.”

(Mt 6,11)


Hoje. Tu queres mesmo que vivamos a teu modo, Senhor!

Mas quem, no mundo, quem vive o hoje e só para o hoje, entregue ao futuro como os passarinhos livres, para os quais Tu provês o que comer e vestir?

Viver para o hoje simplifica, mas também aterroriza o nosso ser humano, que preferiria entregar-se a um amanhã seguro. No entanto, o amanhã poderia não existir… e Tu, Senhor, nos queres vigilantes, pois nos chamarás a ti numa hora e num dia para nós desconhecidos, e não podes contradizer-te.

Dá-nos, então, a graça de viver bem cada dia que dispuseste, pela vida que nos resta.

#ChiaraLubich 

 

24 julho 2021

FAZER DA TERRA UM CÉU

Uma experiência que ajuda muitíssimo é “calar fundo” na vontade de Deus do momento presente para fazer apenas essa vontade.

Em tempos tão frenéticos nos quais só existem barulhos, só máquinas, só tecnologia, o importante, para estar realmente em Deus, embora em meio a tantas coisas, é calar fundo em sua vontade.

Veríamos o mundo mudar. Todos tenderiam à santidade. Os problemas se resolveriam um atrás do outro, em todos os campos humanos. Reinariam a paz, a felicidade, a saúde, inclusive física. A terra seria um Céu.

#ChiaraLubich 

23 julho 2021

SEJA FEITA A TUA VONTADE

Quem ama pouco a Deus, mas de certo modo o teme, dá à frase “Seja feita a vontade de Deus” só o tom da resignação. Quem, ao contrário, ama a Deus verdadeira e sinceramente, compreende que não poderia fazer nada de melhor e mais excelso. De fato, o que pode haver de mais grandioso do que seguir um Pai assim, que nos conduz momento por momento, falando por meio de mil vozes, como as circunstâncias, as lições, os deveres, as inspirações, as dores, os acontecimentos e os preceitos, notas todas de uma melodia composta no Céu e executada na harpa suave da alma amante de Deus?

Deus, que ama a cada um e a todos com amor infinito, preparou para cada pessoa uma aventura divina, variada e alternada de sagrado e profano, de trágico e nostálgico, de festa e de luto: quadro fantástico que conheceremos melhor do lado de lá, quando os nossos olhos se abrirem na “luz da glória”.

#ChiaraLubich 

22 julho 2021

FINCAR RAÍZES EM DEUS

Muitas vezes não vivemos a vida, nós sobrevoamos a vida.

Dá, Senhor, que nos enraizemos em ti, cada momento, fincando raízes na tua divina vontade de cada instante. Possuídos por ela, somos possuídos de ti: isto é o que vale.


#ChiaraLubich 

21 julho 2021

TEMPO QUE FICA

“Como o tempo passa depressa!”, dizemos perplexos, vendo a velocidade dos dias. “Como o tempo fica!”, deveria dizer a minha alma, se estivesse consciente de que cada hora, cada instante é gasto inteiramente em cumprir a tua vontade.


#ChiaraLubich

20 julho 2021

TRABALHO A DOIS

Grande sabedoria é passar o tempo de que dispomos, vivendo com perfeição a vontade de Deus, no momento presente.

Mas, às vezes, somos assaltados por pensamentos tão obsessivos, relacionados ao passado, ao futuro, ou ao presente, mas ligados a lugares, circunstâncias ou pessoas, a quem não nos podemos dedicar diretamente, que custa um sacrifício enorme manejar o leme da barca de nossa vida, mantendo a rota no que Deus quer de nós, naquele momento presente.

Então, para viver perfeitamente bem, é necessária uma vontade, uma decisão, mas sobretudo uma confiança em Deus que pode alcançar o heroísmo.

“Não posso fazer nada naquele caso, nada por aquele ente querido, que corre risco ou está doente, nada naquela situação intricada…

Pois bem, farei o que Deus quer de mim neste momento: estudar direito, varrer direito, rezar direito, cuidar direito dos meus filhos…

E Deus se ocupará de desemaranhar aquela meada, de confortar quem sofre e de resolver aquele imprevisto.”

É um trabalho feito a dois em perfeita comunhão, que exige de nós uma grande fé no amor de Deus por seus filhos e que, pelo nosso modo de agir, dá ao próprio Deus a possibilidade de confiar em nós.

Esta confiança recíproca opera milagres.

O que vai acontecer é que, aonde nós não conseguimos chegar, Outro realmente conseguiu, e fez muitíssimo melhor do que nós.

O ato de confiança heróico será premiado; nossa vida, limitada a um campo só, ganhará nova dimensão; sentir-nos-emos em contato com o infinito, pelo qual ansiamos, e a fé, revigorando-se, fortalecerá em nós a caridade, o amor.

Não lembraremos mais o que a solidão significa. Saltará mais evidente, mesmo porque já experimentada, a realidade de que somos de fato filhos de um Deus Pai que tudo pode.

#ChiaraLubich 

19 julho 2021

ONDE ESTÁ A FELICIDADE

Fazer a vontade de Deus é o ato mais inteligente e frutuoso que o homem pode cumprir.

O homem se realiza a si mesmo na comunhão com Deus, dizendo “sim” a Ele em cada momento de sua vida, correspondendo ao sim que Deus proferiu ao criá-lo, por amor.

Nessa relação com Deus, o homem se encontra a si próprio. Aqui reside toda a sua felicidade.

#ChiaraLubich

18 julho 2021

O BILHETE DE INGRESSO

Viver com perfeição a vontade de Deus no presente é encontrar o caminho da própria santificação.

De fato, nem todos podem consagrar-se a Deus, nem todos podem praticar penitências pesadas, jejuns, vigílias; nem todos podem dedicar horas e horas à oração.

Mas, ao contrário, todos podem fazer a vontade de Deus. Fazer a vontade de Deus é o bilhete de ingresso das multidões à santidade.

#ChiaraLubich


17 julho 2021

NÃO TER PENSAMENTOS

Porque somos filhos de Deus, devemos ter a mente livre, “despreocupada”. Os filhos de Deus não têm preocupações, pensamentos. Só quando não tivermos pensamentos (isto é, quando formos desapegados do nosso modo de pensar), nossa mente estará aberta por inteiro e receberá a constante Luz de Deus. E será um canal.

Assim, devemos ser sem vontade (vontade nossa no sentido possessivo da palavra), para ter a capacidade da vontade de Deus.

E sem memória, para lembrar apenas o momento presente e viver “extáticos” (fora de nós).

Sem fantasia, para ver o paraíso também com a fantasia, porque o paraíso é o Sonho dos sonhos.

#ChiaraLubich

 

16 julho 2021

NAS MÃOS DE DEUS

Muitas vezes, tantas preocupações nos atormentam, ao considerarmos o que poderá acontecer. Mas “a cada dia basta o seu afã” (cf. Mt 6,34): vira-se amanhã a página para a preocupação de amanhã.

Não há nunca motivo para nos perturbarmos, porque tudo está nas mãos de Deus, e Ele não permitirá que aconteça nada que não seja a sua vontade, que é sempre para o nosso bem. 

#ChiaraLubich


15 julho 2021

Exame

Quando vivemos o momento presente de modo perfeito, cada ato nosso, embora pequeno, reveste-se de solenidade e, à noite, fica na memória como uma doce lembrança de um ato concluído com perfeição. Por outro lado, aquilo que sentimos ter feito com imperfeição seja depositado na misericórdia de Deus, para que Ele o repare.

Com esta visão da vida, o exame de consciência à noite certamente fica mais fácil em todos os detalhes. Ele passa a ter uma importância enorme, como importante é o exame no ocaso da vida terrena e, sob certo aspecto, até maior. É que, depois deste último, não haverá mais remédio, ao passo que depois de cada exame do dia, há a possibilidade — se Deus no-la dá — de continuar vivendo e refazer o exame na noite seguinte com melhor resultado, aceitando e tirando proveito também da dor de todas as imperfeições dos dias passados.

#ChiaraLubich


14 julho 2021

PARA A META FINAL

Quando temos um compromisso, só ficamos plenamente tranquilos se estivermos bem preparados.

Isso passa a ideia de que até o tremendo compromisso da partida final desta vida perderia a sua gravidade se estivéssemos preparados para ela.

Como? Quando estamos próximo de quem está à beira da morte, o amor sempre nos leva a dar este conselho: viva o momento presente. Assim fazendo, cada coisa parece possível e suportável, como dizia santa Teresa do Menino Jesus, e preparamo-nos para a nova vontade de Deus do melhor modo.

E então, por que não agirmos assim desde já? Não será esta, talvez, a melhor preparação que pode destruir qualquer temor em nós? Comecemos, portanto, desde agora e não esmoreçamos nunca em viver o presente até depararmos aquele momento do qual depende a eternidade.

Com ele, com o presente, vivemos todos os aspectos da nossa vida cristã um após outro. Assim, acostumando-nos a viver o presente, poderemos, com a graça de Deus, igualar-nos a nossos irmãos que partiram e ser de alguma utilidade para os planos de Deus sobre a humanidade.

#ChiaraLubich 

13 julho 2021

A CADA DIA BASTA O SEU AFÃ

“Não vos preocupeis, portanto, com o dia de amanhã,
pois o dia de amanhã se preocupará consigo mesmo.
A cada dia basta o seu afã.”
(cf. Mt 6,34)


O Senhor, que nunca faz economia, quando se trata de medir a dor, afirma: “A cada dia basta o seu afã”.

Como Ele não engana, se nos dispusermos — para fazer sua vontade — a cuidar somente dos afazeres de hoje, vai acontecer que as preocupações que pensávamos ter amanhã, muitas vezes não mais existirão.

#CHIARALUBICH 

12 julho 2021

AVENTURA DIVINA

Hoje, muitos homens traçam sozinhos o seu programa de vida, mas é sempre um programa monótono e apenas terreno.

Programar cumprir não a própria vontade, mas a de Deus no decurso da vida, é preparar-se para fazer de nossa existência uma maravilhosa aventura divina.

Quem fez esta experiência — e são milhões e milhões de pessoas — sabe quantas surpresas maravilhosas ela reserva. Quando fazemos a sua vontade momento por momento, ao nosso amor o Senhor corresponde com o seu.

#ChiaraLubich

11 julho 2021

Ele é o caminho

Jamais entenderemos bastante o valor de viver o momento presente (cf. Mt 6,34). Talvez nos pudesse dizer alguma coisa o fato de os famosos mestres da alma aconselharem os agonizantes a viverem o momento presente.

Acontece que, se eu vivo o presente, Deus está comigo em sua vontade para mim naquele momento e em sua graça atual. Se não vivo, Deus não está comigo, nem eu estou com Ele.

Muitas vezes, afanamo-nos em busca de caminhos para chegarmos a Ele, para sermos melhores, para nos tornarmos santos.

Mas para que procurar caminhos se o Caminho é Ele (cf. Jo 14,6), e Ele, Eterno Presente, está lá, à espera de poder colaborar conosco em cada momento da vida que nos é dada, para agir conosco e em nós, e nos fazer realizar obras dignas de filhos de Deus?

Se é de provações que precisamos, se é de angústias, e de dores, e de mortificações, e de agonias que sentimos exigência para quebrar este tranquilo e enfadonho viver humano, para moderar a correria na corrente comum do mundo e ascender aos píncaros límpidos do divino, Ele saberá apresentar-se, no presente, nas circunstâncias dolorosas e inevitáveis da vida, nas leis perenes e imutáveis da Igreja, que repete com Cristo de mil maneiras: “Renuncia-te a ti mesmo, e toma a tua cruz” (cf. Mt 16,24).

Enfim, a vida seria simples. Nós é que a complicamos.

Bastaria inserirmo-nos bem no presente com todas as suas alegrias, os seus imprevistos, as suas labutas e os compromissos obrigatórios, e tudo fluiria por si, como se fôssemos levados por um possante foguete rumo à eternidade ditosa.


#ChiaraLubich

10 julho 2021

NÃO O TANTO, MAS O COMO

Para o cristão, não vale o tanto que faz, mas o como faz.

Nem Jesus histórico mudou o mundo. Aliás, deu a impressão, às vezes, de ter fracassado. O importante é cumprir aquele plano que Deus tem para nós, nem mais, mas certamente nem menos.

Trabalhemos em nosso lugar, adorando a sua vontade, que nos força não só ao momento presente no tempo, mas a um único detalhe da obra que devemos realizar no mundo.

O certo é que, estando desunidos entre nós, como tantos pedacinhos separados, teremos a impressão de realizar bem pouco. Mas se estamos unidos, o que um faz é visto em função de quanto fazem os outros. Então, cada ato parecerá adquirir dimensão e fôlego, não digo universal — o universo é pequeno diante do Céu —, mas celestial.

Amemos, pois, aquele sorriso a ser dado, aquele trabalho a ser feito, aquele carro a ser dirigido, aquele almoço a ser preparado, aquela atividade a ser organizada, aquela lágrima a ser derramada por Cristo no irmão que sofre, aquele instrumento musical a ser tocado, aquele artigo ou carta a ser escrita, aquele evento feliz a ser compartilhado com alegria, aquela roupa a ser lavada…

Tudo, tudo pode tornar-se instrumento para demonstrar o nosso amor a Deus e aos irmãos. Tudo foi depositado em nossas mãos e em nosso coração, como foi o crucifixo nas mãos do missionário, para a evangelização que devemos realizar no mundo.

#ChiaraLubich 

09 julho 2021

EM CRISTO VERDADE

“Quem é fiel nas coisas mínimas,

é fiel também no muito.”

(Lc 16,10)


Se a Escritura ensina a fazer bem as pequenas coisas, esta é mesmo a característica de quem, com todo o coração, não faz outra coisa senão o que Deus lhe pede no presente.

Se alguém vive o presente, Deus vive nele, e se Deus está nele, nele está a caridade. Quem vive o presente é paciente, é perseverante, é meigo, é pobre de tudo, é puro, é misericordioso, porque possui o amor na sua expressão mais alta e genuína; ama realmente a Deus com todo o coração, com toda a alma, com todas as forças; é iluminado interiormente; é guiado pelo Espírito Santo e, por conseguinte, não julga, não faz mau juízo, ama o próximo como a si mesmo, tem a força da “loucura” evangélica de “oferecer a outra face” e de “caminhar duas milhas” (cf. Mt 5,39.41).

Encontra-se, muitas vezes, na situação de “dar a César o que é de César” (cf. Mt 22,21), pois deverá viver plenamente a sua vida de cidadão em muitas ocasiões. E assim por diante. Afinal de contas, se quem vive o momento presente está no Caminho e na Vida, está também em Cristo Verdade.

E isto sacia a alma, que sempre anseia por tudo possuir em cada instante de sua existência.

Chiara Lubich

08 julho 2021

SE VIVEMOS O PRESENTE

É vivendo o presente que podemos cumprir bem todos os nossos deveres.

É vivendo o presente que as cruzes se tornam suportáveis.

É vivendo o presente que podemos captar as inspirações de Deus, os impulsos da sua graça que chegam no presente.

É vivendo o presente que podemos construir, com resultados, a nossa santidade. São Francisco de Sales dizia: “Cada momento vem repleto de uma ordem e se imerge na eternidade, para dessa ordem fixar aquilo que dela fizemos”.

Portanto, vivamos o presente! Com perfeição! No entardecer de cada dia, e no entardecer da vida, nós nos encontraremos com as mãos cheias de boas obras realizadas e de atos de amor oferecidos.

Chiara Lubich

07 julho 2021

A unidade e a política

Para Chiara Lubich existe uma verdadeira vocação política, «um chamado pessoal que emerge das circunstâncias e fala através da consciência». Um chamado cuja resposta «é antes de tudo um ato de fraternidade: age-se por algo de público, que diz respeito aos outros, querendo o bem deles como se fosse o próprio». Um ato que cria as condições para «um relacionamento constante com todo e qualquer âmbito de vida – economia, saúde, comunicação, arte, administração da justiça, entre outros – para, deste modo, permitir que a própria sociedade, com todas as suas expressões, possa realizar totalmente o seu desígnio».

O evento mundial consiste numa pluralidade de manifestações que serão realizadas em várias partes do planeta, nas quais será evidenciada a idealidade do carisma de Chiara Lubich em relação à ação política, acompanhada pela narrativa de histórias de mudança pessoal e de compromisso com a coisa pública, que vão desde a iniciativa de reunir-se para enfrentar os problemas do próprio bairro até o empenho político em nível nacional e internacional. Serão ocasiões para considerar, com consciência renovada, o “sonho” que animou a vida e o pensamento de Chiara: «mirar à fraternidade universal».

Em Roma (Itália), o evento será no dia 12 de março, no Parlamento. Durante a manhã, 300 jovens dos Focolares, provenientes do mundo inteiro, na Sala dos Grupos do Parlamento italiano, entrarão em diálogo com políticos, estudiosos e representantes de instituições internacionais. À tarde, na mesma sala, o encontro intitulado «Chiara Lubich: a unidade e a política».

Em Estrasburgo (França), de 13 a 15 de março, na sede do Conselho da Europa, acontecerá o seminário «Fraternité en politique: s’investir autrement dans la cité», um convite a abrir novas pistas de ação em favor da convivência.

No dia 13 de março, no Glendon College da York University de Toronto (Canadá), um debate sobre o tema «Politics for Unity: Making a World of Difference». Em Curitiba (Brasil), o encontro com o título «Política pela unidade, fazendo toda a diferença no mundo» evidencia como fazer política em função da unidade faz a diferença. Em Seul (Coreia do Sul), no Parlamento que, em tempos passados, foi palco de duros confrontos, acontecerá no dia 14 de março o encontro «Em viagem rumo à fraternidade universal». Encontros ainda em Nairobi (Quênia), Dar es Salaam (Tanzânia), Madri (Espanha), Budapeste (Hungria), Praga (República Tcheca) e outros ainda. No site www.politcsforunity.com um mapa online dos eventos e relativas informações. Disponível também uma síntese de textos de Chiara Lubich, selecionados pelo Comitê científico do evento. Para participar das palestras online o hashtag é #politcs4unity.

As reflexões sobre o tema «Chiara Lubich: a unidade e a política», na pluralidade das áreas geográficas e culturais, serão uma ocasião para aprofundar a apreciação do patrimônio que Chiara Lubich – cuja causa de beatificação foi aberta dia 27 de janeiro passado – deixa à história.

27 Fevereiro 2015

06 julho 2021

Como dialogar?

A experiência do Movimento dos Focolares no âmbito do diálogo inter-religioso. Extraído do discurso de Chiara Lubich por ocasião da entrega do prêmio “Civilização do Amor”.  


Excelências, Senhor Presidente da Câmara [Prefeito], autoridades religiosas e civis, Senhoras, Senhores e amigos

Em primeiro lugar agradeço o Prémio que me conferiram. Agradou-me muito pelo facto de ser intitulado à “Civilização do Amor”. Este termo faz-nos logo pensar que o Fórum Internacional está em sintonia com o Movimento dos Focolares, que eu, juntamente com outras pessoas – como ouviram -, represento, e que é apenas um instrumento na Igreja para irradiar por todo o lado o amor de Cristo.

Neste ambiente é habitual o diálogo e, sobretudo, o diálogo inter-religioso.

É uma empresa impossível?

Não, pelo contrário. É uma ação mais que necessária e atual.

De fato, hoje, o mundo, a humanidade caminha – e em parte sem o saber – para um objetivo sublime e indispensável: a união de todos os homens numa única família, a realização da fraternidade universal.

Apesar dos conflitos do mundo contemporâneo (entre o Norte e o Sul, por exemplo, e noutras partes do globo) e dos fenómenos de racismo e de integralismo [integrismo] que se verificam, além de outros males de agora, o nosso planeta parece tender para a unidade.

Demonstra-o o Espírito de Deus no âmbito cristão, impelindo à unificação das Igrejas, após séculos de indiferença ou de luta. Na Igreja Católica, o Concílio Vaticano II exprimiu essa tendência com a abertura ao diálogo não só entre as Igrejas, mas também com as outras Religiões e com os homens de boa vontade. Também o revelam o Concílio Ecuménico das Igrejas e outras entidades e Movimentos que surgiram com uma finalidade ecuménica. Atestam-no a “Conferência Mundial das Religiões para a Paz” e outras instituições, criadas com o fim de promover uma possível união, talvez em nome de objetivos específicos como a paz, entre fiéis de religiões diferentes. Testemunharam-no até ideologias sociais, atualmente decaídas, que pretendiam resolver os problemas segundo uma visão global do mundo. Dizem-no organismos e organizações internacionais, europeias, etc.

Sim, o mundo tende para a unidade.

E é esta tendência que nós, já que somos conscientes dela, devemos ressaltar com uma fé renovada e com a nossa ação.

Portanto: diálogo, dialogar.

Mas como?

Permitam que comunique algumas ideias, fruto da nossa experiência, ao concluir o programa desta tarde.

Como praticar o diálogo de maneira que a sua verdadeira intenção não seja mal-entendida e consiga dispor o maior número possível de pessoas numa atitude de compreensão recíproca, de auxílio mútuo, de solidariedade; numa abertura fraterna a qualquer próximo, seja ele quem for, de qualquer povo, cultura, raça ou língua?

Primeiro que tudo creio que é necessário conhecer.

Está escrito: “Conhecer a religião dos outros implica entrar na pele deles, ver o mundo com os seus olhos, penetrar no que significa para eles ser hinduísta, muçulmano, hebreu, budista”.

Mas como “entrar na pele dos outros”? Isso só é possível mediante o amor, o verdadeiro amor.

Todos sabem o que é o amor. Explicou-o com a Sua vida Jesus, que, sendo Deus, se fez homem e, na cruz, se fez cada um de nós: pecado, para nos remir a nós, pecadores.

Amar significa, então (e testemunharam-no as experiências que acabámos de ouvir), “fazer-se um” com os outros.

É o que afirma o apóstolo São Paulo, que se fez tudo para todos, fraco com os fracos, sofredor com os que sofriam (cf. 1 Cor 9, 22), que “se fez o outro”, os outros.

É com o amor até ao ponto de nos fazermos um com os outros que os podemos compreender, e isso é essencial no diálogo.

Quando nos fazemos um com o outro, ele abre-se, revela-se, exprime-se como é e comunica algo que faz parte do seu ser hebreu, muçulmano, budista ou cristão. Faz brilhar ao nosso espírito qualquer coisa das suas imensas e impensadas riquezas.

Porém o diálogo é um dom recíproco e também nós, cristãos, devemos saber dar, no momento oportuno (isto é: quando for desejado), qualquer coisa da nossa fé.

Mas… Há um “mas”!

A nossa experiência diz-nos que o testemunho da nossa fé só é plenamente compreendido quando se baseia no testemunho da vida.

Jesus começou por agir e só depois é que ensinou.

Também nós: não podemos anunciar o Evangelho se não formos, pelo menos de certa forma, um Evangelho vivo.

E o conceito, a Palavra, que resume o Evangelho é uma frase dita por Jesus no Seu testamento: “Que sejam uma coisa só” (Jo 17, 21). É, portanto, a palavra: “unidade”, que, segundo o Papa Paulo VI, é a síntese do Evangelho.

Devemos, pois, para sermos verdadeiros cristãos, “ser uma coisa só” entre nós. E “uma coisa só” mediante o amor recíproco.

Então os outros, vendo o nosso amor recíproco, e só se o virem, reconhecerão que somos discípulos de Cristo e compreenderão as Suas palavras.

Dizia-me recentemente um monge budista: “Na nossa terra não se compreende o cristianismo, porque o conhecemos só nos livros. Aqui (estava em Loppiano, na cidadela dos Focolares onde se procura viver o Evangelho)… Aqui compreendi-o”. E entendeu que Deus existe, que a religião é amor, que o Crucifixo, tão antipático aos budistas, é pura expressão de amor.

É com o testemunho da vida que o diálogo decola e, depois, voa. Porquê? Porque, amando, temos mais facilmente a luz do Espírito, que nos ensina a descobrir na religião do outro as verdades nela existentes, porque Deus escolheu um povo nos tempos antigos, mas não esqueceu os outros povos e semeou neles algumas verdades.

Por exemplo: quase todas as religiões conhecem – e já foi repetido aqui – a famosa “regra de ouro”: “O que quiserdes que vos façam os homens, fazei-o também a eles” (Mt 7, 12). Da mesma forma, em muitas religiões dá-se importância ao cumprimento da vontade de um Ser superior. Além disso, muitos dos mandamentos da Lei se encontram também noutras religiões: não matar, não roubar, não dizer mentiras, não se deixar levar pela concupiscência…

Há, pois, muitas coisas que devemos viver e que podemos viver juntos, para voltar a dar relevo, força e vigor às verdades e às leis morais.

E é vivendo juntos verdades ou imperativos comuns, e comunicando uns aos outros no diálogo as experiências que fazemos, que a amizade entre nós se vai tornando cada vez mais compacta e, com ela, nascem propósitos e atos de solidariedade, de paz, de justiça para conosco e para com os outros.

Para mais nós – hebreus, cristãos e muçulmanos – temos em comum nada mais nada menos que a fé no mesmo e único Deus e, embora com ênfases diferentes, todos nós O consideramos nosso Pai.

Então é nosso dever fazer de tudo para nos comportarmos como Seus filhos e como irmãos entre nós!

Agradeço mais uma vez a Sua Excelência e a todos os organizadores deste Fórum Internacional esta tarde que passei aqui.

Ciente de que cada um de nós trabalha no respectivo campo pelos mesmos fins, peço que me deixem assegurar-lhes as minhas orações e as do Movimento dos Focolares pelo progresso da “Civilização do Amor”, tal como peço as orações dos senhores pelo nosso Movimento.

05 julho 2021

O que nos faz cidadãos?

Trento, 8 de junho de 2001
(De um discurso de Chiara ao Conselho Municipal de Trento)

Chiara Lubich coloca a Fraternidade como horizonte «que possibilita pensar em um bem comum de todos os homens, isto é, pensar na humanidade inteira em termos políticos». Disso provém a resposta à questão, que não admite equívocos ou subterfúgios. Com a aproximação do sétimo aniversário do falecimento de Chiara Lubich que, neste ano, será celebrado aprofundando a incidência do seu pensamento na ótica da dimensão política, propomos este trecho para reflexão.

E, finalmente, mais uma pergunta que toca o fundamento mesmo da política: o que nos faz cidadãos? Este é um pensamento que nos leva às origens da reflexão política, que nasce justamente como reflexão sobre a cidade. Aristóteles assevera que o laço político que mantém juntos os cidadãos é a amizade política, uma forma de amizade que ele chama também de “concórdia”. 

Ela exige de cada cidadão a capacidade de renunciar a uma vantagem imediata e de trabalhar para obtê-la somente junto a todos os outros. A amizade política, portanto, para Aristóteles, cria um “corpo” político que ultrapassa a esfera da utilidade material, e alcança a dimensão do “bem”. A política, de fato, é uma atividade ética, que exige de todos viver com justiça. É o que diz Aristóteles.  Mas ele continua ainda ligado a uma concepção limitada da amizade, e, portanto, da cidadania, reservada aos gregos e aos livres, negada aos “bárbaros” e aos escravos.

Depois dele, na história humana, é com Jesus que a realidade da amizade dá um salto de qualidade, porque, para Ele, pelo dom que nos deu de sua vida, nós, simples filhos dos homens, podemos nos chamar filhos de Deus, todos filhos de um Pai e, portanto, irmãos entre nós no sentido pleno. Por isso, Jesus pôde dizer: «Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que seu senhor faz; mas eu vos chamo amigos, porque tudo o que ouvi de meu Pai eu vos dei a conhecer» (Jo 15,15). 

A amizade com Jesus, a filiação com Deus Pai, o saber as suas coisas mostram uma paridade na liberdade – com Deus, por participação em sua vida, e entre os homens – radicalmente nova na história.

Assim, foi introduzida na cultura humana – de quem crê e de quem não crê – a ideia da dignidade absoluta de todos os seres humanos, por terem a possibilidade de ser  irmãos, confirmando aquilo que está inscrito no DNA de cada um. 

Desse modo, a humanidade é vista como comunidade universal.

Assim a fraternidade possibilita pensar em um bem comum de todos os homens, isto é, pensar na humanidade inteira em termos políticos.

E nessa perspectiva que – é óbvio – podem ser enfrentados também os desafios que a globalização traz hoje ao bojo de nossas cidades. 

É a fraternidade que nos realiza plenamente como cidadãos, da nossa cidade e do mundo.

(De Chiara Lubich, Ideal e Luz)

04 julho 2021

A mim o fizeste

História de Fontem narrada por Chiara Lubich

A Mariápolis permanente de Fontem

«Hoje merece um destaque a história de Fontem, na República dos Camarões.   O seu nome poderia ser: “A mim o fizeste”.  A sua história parece uma fábula.

Numa floresta dos Camarões havia um povo que já tinha sido muito numeroso. Quase todo era pagão, mas era um povo muito honrado, moralmente sadio e rico de valores humanos. Era um povo cristão por natureza, poderíamos dizer. Chamava-se Bangwa, mas estava sendo dizimado pelas doenças. 98 porcento das crianças morriam no primeiro ano de vida.

Não sabendo o que fazer, esses africanos, com os poucos cristãos que havia entre eles, se perguntaram: “Mas por que Deus nos abandonou?”. E concluíram: “É porque não rezamos”. Então, todos decidiram de comum acordo: “Rezemos por um ano; quem sabe se Deus não se recordará de nós!”.

Rezaram todos os dias com uma única ideia: “Pedi e vos será dado; batei e vos será aberto”(Mt 7,7). E rezaram por um ano. Terminado o prazo, notaram, porém, que não tinha acontecido nada.


Chiara Lubich, Fontem, 19.1.1969

Sem desanimar, os poucos cristãos disseram ao povo: “Deus não nos atendeu porque não rezamos o bastante. Rezemos mais um ano”. Rezam outro ano, o ano inteiro. Passa o segundo ano e nada. Então se reuniram e disseram: “Por que Deus nos abandonou? Por que as nossas orações não valem diante de Deus. Nós somos maus. Façamos uma coleta de dinheiro para dar ao bispo que fará rezar uma tribo mais digna, a fim de que Deus tenha compaixão de nós”.

O bispo se comoveu. Começou a interessar-se; foi encontrá-los, prometendo um hospital. Passaram-se três anos e nada de hospital. A certa altura chegaram alguns focolarinos médicos. E o povo Bangwa viu nisso a resposta de Deus. Os focolarinos foram chamados “os homens de Deus”.

Eles compreenderam que naquele lugar era inútil falar. Não podiam dizer naquelas circunstâncias: “Ide em paz, aquecei-vos e saciai-vos” (Tg 2, 16). Ali era necessário arregaçar as mangas e trabalhar. Abriram um ambulatório onde faltava tudo.

Também eu fui visitá-los após três anos. Aquela grande multidão reunida numa vasta clareira na frente da casa do rei, o Fon, me pareceu tão unida e tão ansiosa em elevar-se, que me pareceu um povo preparado há muito tempo por Maria para o cristianismo na sua forma mais integral e genuína. Naquela época a região já era irreconhecível. Não só pelas novas estradas e as casas, mas também pelas pessoas.

A obra precedente dos missionários, que podiam visitar a região raramente, já tinha implantado bases muito sólidas. Pequenos núcleos de cristãos já tinham nascido em várias partes, como uma semente à espera de germinar. Mas depois a marcha rumo ao cristianismo assumiu as proporções de uma avalanche. Todos os meses eram centenas os batizados de adultos administrados pelos nossos sacerdotes, ainda que rigorosos na seleção. Um inspetor do governo, que tinha feito uma viagem pela região para visitar as escolas primárias, no fim quis declarar: “Todo o povo está fortemente orientado ao cristianismo, porque viu como os focolarinos o vivem concretamente”.

Devo ressaltar que a evangelização que os focolarinos realizaram naqueles três anos foi quase exclusivamente movida pelo testemunho. Trabalharam muito, aliás, quase só trabalharam, e em condições precárias, por falta de recursos, de preparação dos trabalhadores locais, pelas difíceis vias de acesso e de abastecimento. Nada de reuniões, nada de grandes jornadas nem de discursos públicos. Só conversas particulares em encontros ocasionais. Mesmo assim, aos domingos, o galpão da Igreja se enchia cada vez mais. Junto ao grupo dos cristãos, aumentava o número dos animistas que queriam conhecer o cristianismo. A igreja ficava superlotada, mas a multidão que ficava fora da igreja era muito maior. Milhares de pessoas participavam da missa, muitas centenas comungavam.

A experiência de Fontem foi para nós única. Parecia-nos reviver o desenvolvimento da Igreja primitiva, quando o cristianismo era aceito por todos na sua inteireza, sem limitações e compromissos. E a experiência de Fontem já começou a interessar outras comunidades africanas, como do Guiné, Ruanda, Uganda e Kinshasa no Zaire[1], de modo que Fontem adquiria a função de centro propulsor de uma evangelização característica. Atualmente Fontem é uma localidade grande, com tudo o que é essencial numa cidade. E é também uma paróquia.

Os focolarinos tiveram credibilidade porque fizeram a Jesus o que fizeram ao povo Bangwa, dando antes de tudo o testemunho do amor entre eles e depois para com todo o povo.».

   Chiara Lubich

Trecho de um discurso de Chiara no Congresso do Movimento dos religiosos – Castelgandolfo, 19 de abril de 1995

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[1]  Atual República Democrática do Congo.

10 Fevereiro 2013

03 julho 2021

Mulher, leiga

No dia 7 de dezembro de 1943, Silvia Lubich, uma jovem professora, jamais teria imaginado que, algumas décadas mais tarde,  muitas personalidades do mundo civil e religioso – entre as quais quatro Papas – teriam pronunciado palavras muito comprometedoras sobre a sua pessoa e sobre a sua família espiritual. Não tinha nenhuma ideia do que estaria para ver e viver nos seus 88 anos de vida. Não podia calcular os milhões de pessoas que a seguiriam. Não podia imaginar que, com o seu ideal, chegaria a 182 nações. Poderia jamais pensar que iria inaugurar uma nova era de comunhão na Igreja e que teria aberto canais de diálogo ecuménico nunca antes percorridos?

E muito menos podia imaginar que na sua família teria acolhido fiéis de outras religiões, pessoas sem referências religiosas. Aliás, não tinha nem mesmo a ideia que teria fundado um movimento.

Naquele dia 7 de dezembro de 1943 “Silvia” tinha apenas os sentimentos de uma jovem e bela mulher enamorada por Deus, com o qual firmava um pacto de núpcias, timbrado com três cravos vermelhos.  Isso bastava-lhe. Poderia ela imaginar a coroa de gente de todas as idades, posições sociais e pontos da terra, que a teriam acompanhado nas suas viagens, chamando-a simplesmente “Chiara” (“Clara”, nome tomado da admirada santa de Assis)?

Poderia supor, na pequena cidade de Trento onde nascera, que as suas intuições místicas teriam descerrado uma cultura da unidade, adequada à sociedade multiétnica, multicultural e multirreligiosa? Chiara Lubich precedeu os tempos.

Mulher, leiga, ela propôs na Igreja temas e aberturas que mais tarde seriam retomadas pelo Concílio Vaticano II. Quando ninguém falava de aproximação entre civilizações, ela soube indicar, na sociedade internacionalizada, o caminho da fraternidade universal. Respeitou a vida e procurou o sentido do sofrimento. Traçou um caminho de santidade, religiosa e civil, praticável por qualquer pessoa, não reservada a poucos eleitos.

Chiara Lubich está na origem do Movimento dos Focolares. Nasceu em 22 de janeiro de 1920, em Trento, morreu em 14 de março de 2008, em Rocca di Papa, circundada pelo seu povo. Nos dias seguintes, milhares de pessoas, de simples operários a personalidade do mundo político e religioso, chegaram a Rocca di Papa para homenageá-la.  O funeral realizou-se na Basílica de São Paulo Extramuros, em Roma, que não pôde conter a grande multidão (40 mil pessoas). Enviado por Bento XVI – que na sua mensagem, definiu Chiara, entre outras coisas, “mulher de fé intrépida, mensageira de esperança e de paz” – o Secretário de Estado, Tarcisio Bertone, presidiu à celebração eucarística, concelebrada com outros nove cardeais, mais de 40 bispos e centenas de sacerdotes.

Ressoam as palavras pronunciadas um dia por Chiara:

«Gostaria que a Obra de Maria, no final dos tempos, quando estiver à espera de comparecer diante de Jesus Abandonado-Ressuscitado, em bloco, pudesse repetir-lhe: “No teu dia, meu Deus, caminharei na tua direção… e com o meu sonho mais louco: levar-te o mundo nos meus braços”. Pai que todos sejam um!».

02 julho 2021

Não existe pedaço de vida indigno de ser vivido

«(…) Se colocarmos como base das leis ou iniciativas sociais uma mentalidade que não respeita a pessoa que sofre, o deficiente, o idoso, criamos pouco a pouco uma falsa sociedade, porque damos importância apenas a alguns valores, como a saúde física, a força, a extrema produtividade, o poder e desvirtuamos a finalidade pela qual existe todo o Estado, que é o bem do homem e da sociedade.

A saúde, como sabemos, é um dom precioso, que é necessário proteger. Por isso é preciso fazer de maneira que o nosso corpo e o dos nossos irmãos seja nutrido, repouse, não se exponha a doenças, a acidentes, a um esporte exagerado.

Também o corpo, com efeito, é importante para o cristão.

Mas, se a integridade do corpo estivesse comprometida, devemos recordar que há uma Vida que não é condicionada pelo nosso estado de saúde, mas pelo amor sobrenatural que arde no nosso coração.

E é esta Vida superior que dá valor à vida física, também em casos de doença. Na verdade, se considerarmos as doenças segundo uma perspectiva humana, não poderemos senão afirmar que são desgraças.

Mas numa perspectiva cristã vemos que são provações, como um treino para a grande prova que todos devemos passar, quando tivermos que enfrentar a passagem para a Outra vida.

Não afirmou recentemente o Papa que as doenças são exercícios espirituais que o próprio Deus faz conosco?

Os doentes têm uma riqueza a mais em relação às outras pessoas, de outro tipo!

A Igreja, no campo da ascese e da mística, fala das doenças não só como de coisas que competem à medicina, mas como purificações que Deus envia; portanto, como degraus para alcançar a união com Deus.

A fé nos diz, ainda, que o homem na doença participa dos sofrimentos de Cristo. Portanto, é outro Cristo crucificado que pode oferecer o seu sofrimento por aquilo que vale: a salvação eterna da humanidade.

Nós, no turbilhão do trabalho e da vida cotidiana, por vezes somos tentados a ver nas pessoas que sofrem puros casos marginais, que devemos ajudar para superar depressa a doença e voltar à atividade; e nos esquecemos que elas são, desde já, as que mais podem fazer e atuar.

Mas os doentes são capazes de desempenhar bem a sua função em favor da humanidade só se forem compreendidos e amados. É com o amor que poderão ser ajudados a dar um sentido ao próprio estado, a tomar consciência do que representam.

E o que se aplica aos doentes, vale para os deficientes motores ou mentais. Também quem tem deficiências psíquicas ou motoras precisa de amor.

Sente a exigência de ser reconhecido pelo valor que tem a sua vida: sagrada como qualquer outra vida, com toda a dignidade que daí deriva. Precisa ser considerada uma pessoa, que deve viver o mais possível uma convivência normal entre os outros seres humanos.

E o que dizer das pessoas idosas?

Toda vida pede amor; também os anciãos precisam de amor. Hoje em dia as pessoas idosas chegam a representar um problema, porque se nota um forte aumento dessa faixa etária, devido ao prolongamento do nível médio de vida.

Adverte-se assim a tendência da sociedade a marginalizar as pessoas idosas, a considerá-las, já que não são produtivas, um peso social. Fala-se de “velhos” como de outra categoria, quase como se já não fossem pessoas.

Nos próprios anciãos, ainda, ao lado do declínio físico, verifica-se geralmente um grave mal-estar psicológico: sentem-se inúteis.

Este período não é mais do que a terceira fase da existência. A vida que nasce, a vida que cresce, a vida que declina, são apenas três aspetos do mesmo mistério da existência, que parte de Deus-Amor.

Em certos países da Ásia e da África a pessoa idosa é valorizada, porque é considerada um mestre de vida, pois possui a sabedoria.

O ancião é, de fato, uma pessoa que coloca em evidência o que é essencial, o que é mais importante. Recordemos o que está escrito de São João evangelista: já com cerca de oitenta anos, quando visitava as comunidades cristãs e lhe perguntavam qual fora a mensagem de Jesus, respondia sempre: «Amai-vos uns aos outros», como se não tivesse mais nada a acrescentar. Todavia com esta frase focava realmente o pensamento de Cristo.

Privar-se das pessoas idosas é privar-se de um patrimônio.

É necessário valorizá-lo, amando-as. E valorizá-las também quando estão doentes ou gravemente doentes, quando se anulam as esperanças humanas e a exigência de assistência aumenta.

Para Deus não há vida, não há etapa da vida, indigna de ser vivida.

 

11 Fevereiro 2015
Chiara LUBICH

01 julho 2021

O momento mais importante do dia

De um escrito

17 de setembro de 1960

O momento mais importante do dia, importante sem comparação, é quando Tu vens ao nosso coração.

É a audiência com o Onipotente. E ali, dizendo-te e redizendo-te as mil necessidades nossas e da humanidade, agradecendo-te pelos dons sobrenaturais e naturais, adorando-te e pedindo-te que abraces a tua Mãe por nós, sentimos consumar o ápice do dia e entendemos que muitas vezes não soubemos compreender na presença de quem estávamos e o que podíamos, face a face com Deus, no íntimo recinto de nossa alma.


Chiara Lubich