15 novembro 2022

Ser e criar comunidade

Focolares no mundo

Assim como as primeiras comunidades cristãs, surgem, no espírito do Movimento dos Focolares, comunidades locais em todas as partes do mundo onde há um grupo, mesmo que pequeno, de pessoas que aderem à espiritualidade da unidade.

Emmanuel Mounier, filósofo francês, fundador do personalismo, que viveu na primeira metade do século passado, disse: “A primeira experiência do indivíduo é a experiência da segunda pessoa: o Tu, e, portanto, o nós vem antes do eu, ou, pelo menos, o acompanha”. Isso quer dizer em duas palavras: ser comunidade.

É um desafio que os grupos do Movimento dos Focolares procuram levar adiante em diversas partes do mundo, dos grandes centros até cidadezinhas e vilarejos nas montanhas ou em meio às grandes planícies do planeta.

Foi uma sensação muito forte a que provei há um tempo, ao chegar a uma pequena cidade no interior argentino. Estive ali para visitar um centro para adolescentes com deficiência e, enquanto entrava, me dava conta pouco a pouco da presença de uma comunidade viva, unida por fortes vínculos de fraternidade. Uma comunidade ativa e presente nos vários ambientes da cidadezinha: no clube, na paróquia, na prefeitura, na escola. Adultos, jovens e crianças juntos, sem distinção. E isso não ocorreu só naquela ocasião. Aconteceu outras vezes, ao visitar várias partes do mundo.

Em Namibe, na Angola, as comunidades locais se uniram para desenvolver várias atividades, encorajadas pelos desafios discutidos durante a Assembleia Geral do Movimento dos Focolares de 2021, a fim de ir ao encontro do grito da humanidade sofredora que espelha o vulto de Jesus abandonado.

Assim, os adultos preparam e distribuem mensalmente uma sopa “solidária” a quem tem mais necessidade, dividindo as tarefas entre os vários membros da comunidade. É uma atividade desenvolvida com a igreja local, à qual se juntou também uma arrecadação de roupas e utensílios para a casa a serem doados a quem precisa.

Enquanto isso, os jovens se tornaram promotores de um centro para crianças abandonadas, mais de 30, entre os 5 e 17 anos. Arrecadam, mensalmente, alimentos e artigos para a casa, enquanto outros adolescentes, respondendo ao grito do planeta, cuidam de recolher garrafas de plástico de água mineral (hoje muito consumidas e jogadas pelas ruas da cidade) para depois entregá-las a quem, pelas dificuldades, fez disso uma verdadeira atividade de trabalho. Recebem a ajuda dos adultos na mobilização de famílias, colegas de bairro, colegas de trabalho, para entregar gratuitamente as garrafas vazias.

A comunidade de Tombwa, também na Angola, se concentra especificamente na organização da limpeza e coleta de lixo na cidade, cuidando da vida das árvores.

Indo para a Holanda, na região de Limburgo, ao sul do país, Peter Gerrickens (voluntário de Deus) conta: “No fim de novembro de 2019, visitamos uma pessoa de uma cidade vizinha. Sabíamos que ali ofereciam refeições aos mais necessitados e queríamos lançar a mesma iniciativa na nossa paróquia”.

Infelizmente, quando a iniciativa estava para começar, chegou a Covid e não foi possível montar um salão para o almoço. Então, começaram a distribuir marmitas. Maria Juhasz (aderente do Movimento dos Focolares), ajudante na preparação das refeições, acrescenta: “Não se trata apenas de distribuir comida, mas queremos dar algo a mais. Esta é muito mais que uma ação social”. Depois de um ano, chegaram a distribuir 400 refeições por dia e o número crescia sempre mais, tanto que não conseguiram sustentar a atividade sozinhos. No entanto, depois de ter procurado, chegaram reforços: o Exército da Salvação, a comunidade de Santo Egídio, com mãos dispostas a ajudar e com a sua experiência prática extremamente preciosa, deram a sua contribuição.

Além disso, a ajuda da providência continua chegando: alguns empresário que dão aquilo que sobra, um comércio que toda semana manda algumas frutas e verduras…

“A cada duas semanas, à noite”, contam, “fazemos um momento de oração juntos. Todos são convidados: os amigos que recebem as refeições, os voluntários da cozinha e quem distribui a comida. São cristãos de todas as Igrejas, pessoas de outras religiões e outros sem uma crença particular”.

Até montaram um espaço onde oferecem um café na praça em frente à igreja todas as semanas. O pároco está sempre disponível.

“As pessoas têm muitas preocupações e sofrimentos que não podem ser resolvidos somente com uma refeição”, continua Peter. “Os nossos amigos são gratos pela comida, mas também pela oração: para um amigo falecido, para um neto que acabou de nascer. Além de dar comida, é importante construir amizades verdadeiras, ver Jesus no outro. Esse é o nosso ponto de partida, criar um contato verdadeiro, entrar em diálogo, de pessoa a pessoa, e descobrir as necessidades de cada um.

Muitos vêm também só para conversar um pouco. Um senhor, por exemplo, depois de ter pegado sua comida, nos agradeceu por termos escutado-o, o que não acontece mais em família.”

Atualmente, são cerca de 2000 as pessoas que pegam comida todas as semanas, mas a comunidade não parou ali. Um novo projeto está começando. O município de Heerlen forneceu uma primeira contribuição financeira. Com isso, será instituída uma escola profissional para jovens provenientes de regiões desfavorecidas. Receberão uma formação culinária e serão eles mesmos que darão uma mão na preparação da comida.

“A Palavra de Vida sustenta bastante tudo isso”, concluem. “Podemos realmente dar de comer a Jesus nos que têm fome.”

Realmente poderíamos continuar a dar a volta ao mundo. As comunidades locais do Movimento dos Focolares surgem justamente ali, onde dois ou três pegaram para si a espiritualidade da unidade e que, inspirando-se nas primeiras comunidades cristãs, querem dar testemunho do amor recíproco: “Com isso todos saberão que vocês são meus discípulos, se vocês se amarem uns aos outros” (João 13:35). Assim, juntos, contribuem para transformar a própria realidade com um olhar particular voltado aos irmãos mais desfavorecidos.


17 outubro 2022

Compromisso civil e político

A vida de Igino é repleta de momentos extraordinários e experiências coerentes e corajosas. O retrato que emerge do mosaico de suas escolhas e iniciativas mostra um heroísmo a serviço da humanidade, guiado pelo amor a Deus e sustentado pela fidelidade à Igreja. Aqui estão alguns elementos.

Estamos em 1925 e Igino Giordani é diretor da Parte Guelfa, um periódico muito crítico do regime fascista e defensor das razões dos católicos. A Santa Sé, no entanto, está preparando os Pactos Lateranenses, ou seja, o acordo com o Estado italiano, e a voz de Giordani lhe incomoda, porque deixa o regime nervoso. De L'Osservatore Romano vem um distanciamento do Partido Guelfo e seus autores, e Igino imediatamente fecha essa revista, em obediência à Igreja, sem hesitação.
É o ano de 1933 e um alto prelado desafia Higino sobre a forma de dirigir a revista Fides, uma revista pontifícia que pela primeira vez foi dirigida por um leigo. Percebendo que o tempo para a plena confiança no trabalho dos leigos na Igreja ainda não está maduro, Igino se demite. Foi remanejado seu cargo e restaurou a plena confiança que nunca lhe faltou, tendo em vista que o episódio de protesto foi uma iniciativa isolada.
É 1944 e, em uma Roma livre do fascismo, equipes de guerrilheiros vagam pelas ruas, tirando os velhos hierarcas fascistas de suas casas para executá-los na hora. Eles chegam ao prédio Igino, onde mora um idoso fascista que os guerrilheiros querem fuzilar. No tumulto da situação, alguém lhe pede ajuda e Igino calmamente vai até o comandante da patrulha partidária, conversa com ele e o convence a desistir da execução sumária. Enfia um de seus livros debaixo do braço, depois de ter assinado uma dedicatória personalizada, cumprimenta-o e tudo se resolve pacificamente.
Estamos em 1948 e querem nomear Igino para a Câmara dos Deputados. É uma corrida de muitos para os melhores lugares, depois que o regime acaba, mas Higino não. Ele pede a seu amigo, Mons. Giovambattista Montini, o que você acha disso, e ele recebeu um parecer favorável de Montini. A sua ação permanece sempre profundamente eclesial.
"Pode um político ser um santo?" Um santo pode ser um político? Tente a solução da questão em si mesmo agora que você se torna um político ».
É o ano de 1949 e no tribunal inflamado, onde a oposição entre os partidos políticos tem tons de violência verbal e física, discute-se a adesão da Itália ao Pacto do Atlântico. Igino Giordani toma a palavra, ao lado dele está Tarcisio Pacati, outro ilustre membro que se juntou ao Movimento dos Focolares e, em voz baixa, dá um sinal de unidade ao seu amigo Igino, declarando-lhe: "mantenhamos Jesus no meio ", ou seja, vamos traduzir em experiência do momento a promessa de Jesus contida no Evangelho de Mateus (18, 20), pela qual dois ou mais estão reunidos em nome de Jesus, ele está ali, entre eles. E, de fato, lentamente o clima político muda. Igino sente que a Europa pode realizar uma ação de pacificação mundial em um mundo marcado pela oposição ideológica entre o Oriente e o Ocidente do mundo. Ele entende que a única maneira de alcançar a justiça social é fundar uma economia baseada na comunhão de bens. Desta forma, as diferenças ideológicas que opõem os socialistas aos liberais serão resolvidas. No final, um aplauso geral reúne todos em torno das razões da paz.
Era 1950 quando Igino iniciou um diálogo, a partir das páginas dos jornais que dirigia, com o diretor do jornal comunista l'Unità. Trocam exortações e comentários, perguntas e respostas, procurando alcançar objetivos comuns sobre os mesmos motivos da paz e da vida boa e feliz dos pobres. Tudo isso, em um clima político em que os comunistas foram excomungados da Igreja. Giordani foi deplorado por seu partido pela escolha profética de buscar razões de convergência e reconciliação com adversários políticos.

Popularismo e antifascismo

Depois da guerra há um país a ser reconstruído e Don Luigi Sturzo procura jovens inteligentes que possam ajudá-lo a fazer crescer o Partido Popular. Ele conhece Igino e o emprega na assessoria de imprensa do partido. Igino começa seu trabalho como jornalista, muitas vezes assinando artigos importantes denunciando o sistema fascista que começa a sufocar as liberdades dos italianos.
O fascismo pressiona e força muitas personalidades políticas ao exílio. Sturzo também é forçado a se mudar para Londres. O Partido Popular está se dissolvendo lentamente, parece que ninguém mais consegue curá-lo. O último a não abandonar o navio é Igino Giordani, que continua a publicar o boletim político do partido mesmo quando a polícia fascista proíbe a circulação de todos os periódicos políticos. No final, estamos em 1926, Igino encontra-se sem emprego. Ele começa a lecionar em escola pública, mas é forçado a se demitir porque não é fascista e não pode ocupar um cargo público.
"Encontrei um substituto no Liceo Mamiani em Roma, mas alguns alunos e colegas logo perceberam que eu não estava participando da retórica e liturgia oficial do regime, fazendo-me entender que era melhor eu sair antes de ser colocado em a porta".
Ele consegue um emprego na Biblioteca Apostólica do Vaticano, mas primeiro vai para os Estados Unidos da América, onde estuda a ciência moderna da biblioteconomia. Foi nos EUA que se tornou terciário dominicano, atraído sobretudo pela figura de Santa Catarina de Sena, e entrou em contato com o mundo protestante, desenvolvendo uma notável sensibilidade ecumênica.
Ao regressar à Itália, tem todas as credenciais para conquistar o cargo de professor universitário de Literatura Cristã Antiga, tendo publicado em anos anteriores as traduções e comentários de alguns padres da Igreja. Mas o Ministério bloqueia tudo. Igino não é fascista, ponto final: não pode aspirar a carreiras importantes. Após a Segunda Guerra Mundial, os partidos vão virar: Igino será consultado pelo Ministério para um parecer sobre um candidato a magistério universitário com passado fascista. Higino não se vinga, responde de acordo com a verdade e a justiça, e a prática continua.

07 outubro 2022

Meditação e experiência

No Parlamento Italiano, com Igino Giordani 


O encontro do dia 14 de junho foi promovido pela Presidência da Câmera dos Deputados, para recordar a figura de Igino Giordani (1884 – 1980). Personalidade poliédrica do século XX, deputado no Parlamento Italiano de 1946 a 1953, escritor, jornalista, ecumenista, patrólogo, Igino Giordani deixou marcas profundas e abriu perspectivas proféticas em nível cultural, político, eclesial e social.  Os trabalhos foram presididos pelo presidente da Câmera, Gianfranco Fini. Entre outros, pronunciaram-se Alberto Lo Presti, diretor do Centro Igino Giordani, que apresentou a figura política e a ação parlamentar de Igino Giordani; parlamentares e jovens, italianos e de outros países, que testemunharam a influência do pensamento e da ação de Giordani e Maria Voce, de quem publicamos o discurso, na íntegra.

 

«Agradeço ao Excelentíssimo Sr. Gianfranco Fini, Presidente da Câmera dos Deputados, pela ocasião que me é dada de dirigir-lhes uma saudação, neste encontro sobre Igino Giordani, um dos pais constituintes da República, e que nós consideramos um cofundador do Movimento dos Focolares, que hoje represento.

Dirijo ainda minhas saudações pessoais a todos os excelentíssimos senhores senadores e deputados presentes, às autoridades e a todos os participantes deste encontro.

Era o dia 17 de setembro de 1948 quando, justamente aqui, na Câmera dos Deputados, Igino Giordani recebeu Chiara Lubich, uma jovem de 28 anos, de Trento, acompanhada por alguns religiosos.

Para Giordani tratou-se de um encontro inesperado tanto quanto extraordinário. A partir daquele momento ele não foi mais o mesmo.

O que disse Chiara Lubich, que palavras usou para entrar tão profundamente na alma do eclético político de então?

Sabemos alguma coisa. De fato, ao término do encontro, S.Exa. Giordani, bastante tocado por aquilo que havia escutado, convidou Chiara a colocar por escrito o que havia acabado de dizer, para publicá-lo depois, numa revista que ele dirigia. No mês sucessivo saiu o artigo, que inicia com o relato de como nasceu o ideal da unidade, sob os bombardeios:

Eram tempos de guerra.

Tudo desmoronava diante de nós, jovens, apegadas aos nossos sonhos para o futuro: casas, escola, pessoas queridas, carreira.

[…]

Foi daquela devastação completa e multíplice, de tudo o que formava o objeto do nosso pobre coração, que nasceu o nosso ideal. […]

Nós sentíamos que apenas um ideal era verdadeiro e imortal: Deus.

Diante do desmoronamento provocado pelo ódio, revelou-se, vivíssimo diante da nossa jovem mente, aquele que não morre.

E o vimos e o amamos na sua essência: «Deus caritas est».

«Eram tempos de guerra».

Igino Giordani podia considerar-se um garantido especialista neste assunto. Ele havia vivido a guerra em primeira pessoa, nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial, conhecendo a atrocidade dos massacres e sendo, ele próprio, gravemente ferido. Era um especialista do absurdo de todo conflito armado, e tinha conquistado um nome na cultura italiana, como verdadeiro defensor da paz.

Mas o tema das palavras de Chiara não era a o horror da guerra. Chiara contou como, anos antes, na sua Trento bombardeada, enterrada nos escombros, vislumbrou um ideal inatacável: Deus. Ele revelou-se aos seus olhos não como uma esperança derradeira, um desejo remoto, mas como amor que circula entre todos, fogo que devia ser conservado e alimentado pelo amor recíproco, capaz de realizar a promessa de Jesus: «Onde dois ou três estão reunidos em meu nome eu estou no meio deles» (Mt 18,20).

Não é difícil acreditar que o deputado Giordani tenha ficado tocado. Estava se revelando aos seus olhos um Evangelho vivo. Aquele Jesus, que Chiara estava mostrando, entrava na história dos homens como amor, e guiava a humanidade rumo à fraternidade universal, rumo à unidade. Na sua autobiografia, relembrando aquele encontro, Giordani nos revela a emoção provada:

Quando ela terminou de falar eu estava tomado por uma atmosfera encantada […]; e teria desejado que aquela voz continuasse. Era a voz que, sem me aperceber, havia esperado.

Esta colocava a santidade ao alcance de todos: retirava os cancelos que separam o mundo laical da vida mística. […]

Aproximava Deus: fazia senti-lo Pai, irmão, amigo, presente na humanidade.

Em Chiara e nas suas primeiras companheiras era evidente que um ideal vasto como a unidade, deveria abraçar o mundo inteiro. Mas como um grupo de moças tão jovens poderia chegar a toda a humanidade?

Quem sabe se Giordani se fez esta pergunta! Mas hoje sabemos, pelas próprias palavras de Chiara, que o encontro com Igino Giordani foi para ela o encontro com aquela humanidade. O ideal da unidade, de Chiara Lubich e das suas primeiras companheiras, era feito para todos e para todas as realidades humanas, e Giordani estava ali, testemunhando isso.

Hoje a trama deste desígnio é visível. O Movimento dos Focolares está presente em mais de 180 países do mundo, e conta mais de dois milhões de aderentes e simpatizantes, de extrações sociais e referências culturais as mais várias.

Retornei recentemente de uma viagem à Europa Oriental, onde as comunidades do Movimento estão presentes desde 1961, quando os primeiros membros ultrapassaram a cortina de ferro, armados apenas com o amor mútuo e com a caridade para com qualquer pessoa, sem distinções. A sua ação silenciosa, desde aqueles anos, contribuiu para a superação das barreiras ideológicas, sustentou o compromisso de reconstruir aquelas sociedade oprimidas e hoje anima numerosos projetos voltados ao bem comum.

No último mês de maio, no Brasil, realizou-se a Assembleia mundial da Economia de Comunhão, a 20 anos da intuição profética que Chiara teve quando, chegando em São Paulo e sobrevoando a cidade, viu os arranha-céus e a “coroa de espinhos” das favelas que a circundavam, e sentiu o impulso de fazer alguma coisa para mudar  o sistema de desenvolvimento, para buscar um novo caminho, que não fosse nem o capitalismo nem o comunismo. Hoje a Economia de Comunhão envolve mais de 800 empresas que livremente colocam em comum os lucros, para promover os pobres e formar empresários e economistas a uma nova práxis econômica, e é reconhecida e estudada como uma verdadeira doutrina econômica.

As variadas iniciativas nas quais o Movimento dos Focolares tem hoje a sua atuação, em todos os ângulos do planeta e em todos os campos da atividade humana, num certo sentido estavam profeticamente presentes naquele momento originário, quando Chiara Lubich e Igino Giordani se encontraram, aqui no Montecitorio.

A partir de então o Movimento colocou-se logo a serviço, inclusive da política. Naqueles anos atraiu muitos deputados e senadores – alguns dos quais foram mencionados na projeção precedente – e as escolhas feitas, como pudemos ouvir, foram corajosas.

Esta é a proposta atual do Movimento Político pela Unidade, desejado e fundado por Chiara Lubich em 1996, juntamente com alguns parlamentares e políticos de diversos níveis institucionais, que envolve – na Coreia, na Argentina e em outras nações – administradores locais, funcionários, estudiosos de política, e muitos jovens engajados nas escolas de participação.

Este é animado por um amor político que guia as opções, comportamentos, leis, ações diplomáticas, deixando perceber uma nova modalidade de trabalho, das assembleias administrativas, legislativas, até aos organismos internacionais.

Inspira-se no princípio da fraternidade, núcleo cardeal do pensamento político moderno. Como sabe-se, este esteve nas bases dos projetos políticos mais importantes da história  moderna e contemporânea. Como guia ideal, da Revolução Francesa (pensamos no trinômio liberdade, igualdade, fraternidade) à fundação do socialismo utópico, do marxismo ao nacionalismo patriótico. Foi, no entanto, interpretado de maneira não inclusiva, isto é, considerando a fraternidade como uma relação de valor que dizia respeito a alguém (uma categoria social, uma classe econômica, um povo), em antagonismo com qualquer outro.

Trata-se, portanto, de um princípio político ainda pouco explorado na sua dimensão universal, e é isso o que pretende fazer o Movimento Político pela Unidade: enunciar o princípio da fraternidade universal, a fim de que a política reencontre nele uma nova fundação, que a faça estar à altura dos tempos, capaz de desempenhar a sua função de construtora de paz, justiça, liberdade, para toda a comunidade humana. A fraternidade, alem do mais, ilumina o objetivo último da política, que é uma paz realizada até a unidade de toda a família humana: unidade nas menores comunidades políticas como no inteiro fórum internacional. Desse modo, o princípio da fraternidade universal encontrou uma medida no «amar a pátria alheia como a própria», expressão cunhada por Chiara Lubich e que desde os primeiros tempos constitui um paradigma de universalidade. É capaz de exprimir a vocação da política como amor dirigido a todos, indistintamente, porque cada pessoa e cada realidade social é “candidata à unidade” com a outra, e cada povo é chamado a concorrer para um mundo mais unido.

E hoje, nesta prestigiosa sede do Parlamento italiano, ao recordar estes que são alguns traços do Movimento Político pela Unidade, percebemos ainda a grande atualidade de um outro convite, dirigido por Chiara justamente aos parlamentares italianos, em dezembro de 2002, no Palácio São Macuto. Um convite, um paradoxo plausível, a estreitar entre todas as partes – superando qualquer diferença – um pacto de fraternidade pela Itália, porque o bem do país necessita da ação de todos.

«A fraternidade oferece possibilidades surpreendentes – disse ainda Chiara aos parlamentares – consente, por exemplo, compreender e assumir como próprio até mesmo o ponto de vista do outro, de forma que nenhum interesse, nenhuma exigência reste alheia; […] consente colocar juntas e valorizar experiências humanas que, de outra forma, ameaçam desencadear-se em conflitos insanáveis, como as feridas ainda abertas da questão meridional e as novas legítimas exigências do norte; […] consente ainda injetar novos princípios no trabalho político cotidiano, de modo que não se governe jamais contra alguém, ou sendo expressão apenas de uma parte do país».

A isso, e a muitos outros desafios, no campo político e na sociedade inteira, conduziu aquele encontro entre Chiara Lubich e Igino Giordani, um deputado que, de Montecitório, soube acolher aquele convite a dilatar a alma e a ação, para construir a unidade em todo o mundo.

Os nossos votos, o que almejamos, é que o este encontro nos impulsione a reforçar o compromisso comum de trabalhar hoje pela unidade do nosso país, e mais além. Obrigada».

Maria Voce

15 Junho 2011



26 agosto 2022

Chiara Lubich: o amor ao próximo e as obras de misericórdia

 Desde os primórdios do Movimento, sobretudo pelas circunstâncias dolorosas da guerra, Chiara e as suas companheiras foram muito solícitas amando os pobres da sua cidade, acolhendo-os em casa, visitando-os, levando-lhes o necessário, socorrendo-os de todos os modos. Por meio deste exercício de amor, de caridade para com o próximo mais necessitado, mais tarde compreenderam que o seu coração não devia se dirigir somente aos pobres, mas a todos os homens indistintamente. (…) Sobre as obras de misericórdia Chiara retorna em diversas cartas enviadas, desde os primeiros tempos, a todos os que se aproximavam do Movimento. Entre as muitas cartas, relatamos aquilo que escreve à sua amiga Anna exortando-a a viver, em cada momento do seu dia, a obra de misericórdia que Deus lhe põe diante e de fazê-lo também em relação a si mesma, a Jesus dentro dela: “Lembra que no final da vida te serão pedidas as 7+7 obras de Misericórdia. Se fizeste aquelas, fizeste tudo. E gostaria que tu vivesses conosco o momento presente e no presente, a obra de Misericórdia que Deus te solicita. Estudas? = Ensinas o ignorante. Alguém te faz uma pergunta (uma colega?) = aconselhas quem está na dúvida. Comes ou dás da comer? = sacias quem tem fome. (…) etc. Todas as 14 obras de Misericórdia são tais a ponto de resolver cada tua ação. E cada uma de tuas ações pode ser dirigida ao Jesus que deve viver e crescer em ti e no teu próximo.”

O amor recíproco, o pacto de misericórdia e o perdão
O mandamento novo de Jesus: “amai-vos uns aos outros como eu vos amei…” (cf. Jo 13,34), – que evidencia a especificidade das relações interpessoais dos cristãos e o fim último da misericórdia –, representa outro ponto fundamental da espiritualidade de Chiara. É o amor recíproco que, vivido na atitude de “ser o primeiro a amar”, de doação incondicional, gratuita uns para com os outros, caracterizou a vida do primeiro focolare. Chiara mesma descreve o seu radicalismo, falando a um grupo de amigos muçulmanos sobre o “pacto de misericórdia”. (…)
Em outras circunstâncias, Chiara reitera a oportunidade desta prática, salientando o valor do perdão, e definindo-o como um verdadeiro ato de liberdade: “Perdoar. Perdoar sempre. O perdão não é esquecimento, que frequentemente significa não querer olhar de frente a realidade. O perdão não é fraqueza, isto é, não levar em consideração uma ofensa por medo do mais forte que a cometeu. O perdão não consiste em afirmar que é sem importância aquilo que é grave, ou que é bem aquilo que é mal. O perdão não é indiferença. O perdão é um ato de vontade e de lucidez, portanto de liberdade que consiste em acolher o irmão assim como ele é, apesar do mal que nos fez, como Deus acolhe a nós pecadores, apesar dos nossos defeitos. O perdão consiste em não responder à ofensa com a ofensa, mas em fazer o que Paulo diz: ‘Não te deixes vencer pelo mal, mas vence, com o bem, o mal’. O perdão consiste em abrir a quem te ofende a possibilidade de um novo relacionamento contigo, portanto, a possibilidade para ele e para ti de recomeçar a vida, de ter um amanhã em que o mal não tenha a última palavra. (…) Sobre esta atitude que se deve ter em relação a cada irmão, Chiara retorna especificando a necessidade de recomeçar sempre: “Talvez aquele irmão, como todos nós, cometeu erros, mas Deus, como o vê? Qual é, realmente, a sua condição, a verdade do seu estado? Se estiver em ordem diante de Deus, Deus não se lembra de mais nada, cancelou tudo com o seu sangue. E nós, por que nos lembrarmos? Quem está errado naquele momento? Eu que julgo, ou o irmão? Eu.
E então devo começar a ver as coisas a partir do olhar de Deus, na verdade, e tratar de modo conforme com o irmão, porque, se por desventura ele ainda não estivesse em ordem com o Senhor, o calor do meu amor, que é Cristo em mim, o levaria ao arrependimento como o sol absorve e cicatriza muitas feridas. A caridade se mantém com a verdade e a verdade é misericórdia pura, da qual devemos estar revestidos da cabeça aos pés para podermos nos chamar cristãos. O meu irmão retorna? Eu devo vê-lo novo como se nada tivesse acontecido e recomeçar a vida juntos, na unidade de Cristo, como a primeira vez, porque nada mais existe. Esta confiança o protegerá de outras quedas e eu também, se terei medido assim em relação a ele, poderei ter esperança de um dia ser julgado assim por Deus”.

10 agosto 2022

Maria, sede da sabedoria

«Maria Santíssima é “Sede da Sabedoria” por ter acolhido Jesus, Sabedoria encarnada, no coração e no ventre. Com o “fiat” da anunciação ela aceitou servir a vontade divina, e a Sabedoria tomou morada em seu seio fazendo dela uma sua discípula exemplar. A Virgem foi bem-aventurada não tanto por ter amamentado o Filho de Deus, quanto, na realidade, por ter nutrido a si mesma com o leite salutar da Palavra de Deus».

(S. João Paulo II, Angelus, 4 de setembro de 1983).

«Para compreender bem este canto de louvor (o Magnificat), é preciso salientar que a beata Virgem Maria fala com base na sua experiência, tendo sido iluminada e instruída pelo Espírito Santo. Com efeito, ninguém pode entender corretamente Deus e a Sua palavra se não lhe é concedido diretamente pelo Espírito Santo. Mas, receber tal dom do Espírito Santo significa experimentá-lo, senti-lo; o Espírito Santo ensina na experiência, como numa escola, fora da qual nada se aprende a não ser palavras e tagarelices. A Santa Virgem, portanto, tendo experimentado em si mesma que Deus realiza grandes coisas nela, por quanto humilde, pobre e desprezada, o Espírito Santo lhe ensina esta grande arte comunicando a ela a sabedoria…».

(Martin Lutero, Comentário ao Magnificat, introdução).

«Nossa Senhora é Sede da Sabedoria, não porque falou, não porque foi uma doutora da Igreja, não porque esteve sentada em uma cátedra, não porque fundou universidades; é sede da sabedoria porque deu ao mundo Cristo, a Sabedoria encarnada. Realizou um fato. Da mesma forma nós: teremos a sabedoria se vivermos de maneira que Jesus esteja em nós, esteja entre nós, esteja realmente».

(Chiara Lubich, Um novo caminho, Cidade Nova, 2014, p 147)

«Maria vive não apenas de si mesma, mas de uma profundidade mais profunda. O Espírito Santo nela: dele promana não só o seu Filho, conteúdo e fruto do seu ser, dele promanam a realização e a forma de sua vida».

(Klaus Hemmerle, Brücken zum credo, p. 265)


11 Agosto 2018

Maria e o Deus que parece ausente

«Em 1984, com um grupo de bispos de diferentes confissões, estive na Basílica de Santa Sofia, em Istambul. Ficamos tocados por este edifício imponente, porque nele podíamos perceber de maneira tangível uma enorme presença da história da Igreja e da humanidade. Encontrávamo-nos em um edifício da antiga tradição cristã, da época na qual a cristandade estava unida, na qual a Ásia Menor era o centro do mundo cristão; mas estávamos também no lugar aonde se consumou a ruptura entre Oriente e Ocidente e rompeu-se a unidade. Nos grandes pináculos da cúpula víamos, enormes, as escritas do Alcorão, a supremacia de uma outra religião sobre a cristandade dilacerada. Precisamente diante de nós estavam alguns cartazes que diziam “Proibido rezar”. Um museu, aonde as pessoas passeavam com máquinas fotográficas e binóculos, girando daqui para lá, olhando as belezas artísticas que ali eram conservadas.

Esta ausência de religião naquele que, em outro tempo, fora um lugar sagrado, era terrível. Fomos esmagados por esta cascata de eventos: unidade originária, unidade dilacerada, diferentes religiões, nenhuma religião. Os nossos olhares vagavam desorientados em busca de auxílio quando, improvisamente… lá! Acima da cúpula cintilava, docemente e sem chamar atenção, um antigo mosaico: Maria que oferece o seu Filho. Então entendi claramente: sim, esta é a Igreja: estar, simplesmente, e a partir de si mesmos gerar Deus, aquele Deus que parece ausente.

A palavra Theotokos – mãe de Deus, aquela que gera Deus – de repente adquiriu para mim um som completamente novo. Entendi que não podemos organizar a fé no mundo; se ninguém mais quer ouvir falar de Deus, não podemos nos bater com a força e dizer “Ai de vós!”. Nós também podemos simplesmente estar, e conduzir à luz, partindo de nós mesmos, aquele Deus que parece ausente. Não podemos fabricar esse Deus, mas somente dá-lo à luz; não podemos afirmá-lo com argumentações, mas podemos ser o cálice que o contem, ser o céu, no qual, embora na despojada ostentação, Ele refulge. Compreendi assim não apenas o nosso papel nestes dias, enquanto Igreja, mas também como a Igreja subsista na figura de Maria e como Maria subsista na figura da Igreja, como ambas as figuras e as realidades sejam uma coisa só».

Klaus Hemmerle, Partire dall’unità. La Trinità e Maria, pp. 124, 125.


01 junho 2022

Viver de amor

…se tentares viver de amor, perceberás que, aqui na terra, convém fazeres a tua parte. A outra, não sabes nunca se virá, e não é necessário que venha. Por vezes, ficarás desiludido, porém jamais perderás a coragem, se te convenceres de que, no amor, o que vale é amar…

25 abril 2022

Jesus Abandonado

No ano 2000, num discurso, Chiara Lubich recorda a primeira “descoberta” de Jesus Abandonado: «Um fato, acontecido nos primeiros meses de 1944, nos levou a ter uma nova compreensão sobre Ele. Por uma circunstância viemos a saber que o maior sofrimento de Jesus, e portanto o seu maior ato de amor, foi quando, na cruz, experimentou o abandono do Pai: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mt 27,46). Ficamos profundamente tocadas com isso. E a jovem idade, o entusiasmo, mas principalmente a graça de Deus, nos impulsionaram a escolher justamente Ele, no seu abandono, como caminho para realizar o nosso ideal de amor. Desde aquele momento pareceu-nos encontrar o seu semblante em toda parte».

Outro momento determinante para a compreensão deste “mistério de dor-amor”. Estamos no verão de 1949. Igino Giordani foi encontrar Chiara, que tinha ido para o Vale di Primiero, na região montanhosa do Trentino (Itália), para um período de repouso. Com o primeiro grupo vivia-se intensamente a passagem do Evangelho sobre o abandono de Jesus. Foram dias de luz intensa, tanto que no final do verão, devendo descer daquele “pequeno Tabor” para voltar à cidade, Chiara escreveu, num só ímpeto, um texto que inicia com verso que tornou-se célebre: «Tenho um só esposo sobre a terra, Jesus abandonado… Irei pelo mundo buscando-o, em cada instante da minha vida».

Muitos anos depois ela explicou: «Desde o início entendemos que em tudo existe uma outra face, que a árvore tem as suas raízes. O Evangelho lhe cobre de amor, mas exige tudo. “Se o grão de trigo caído na terra não morre – lê-se em João – permanece só; se morre produz muito fruto” (Jo 12,24). A personificação disso é Jesus abandonado, cujo fruto foi a redenção da humanidade. Jesus crucificado! Ele havia experimentado em si a separação dos homens de Deus e entre si, e tinha sentido o Pai distante. Nós o vimos não apenas nas nossas dores pessoais, que não faltaram, e nos sofrimentos dos próximos, muitas vezes sós, abandonados, esquecidos, mas em todas as divisões, os traumas, as separações, as indiferenças recíprocas, grandes ou pequenas: nas famílias, entre as gerações, entre pobres e ricos, às vezes na própria Igreja, e mais tarde entre as várias Igrejas, e depois ainda entre as religiões e entre quem crê e quem possui uma convicção diferente.

Mas todas estas dilacerações – continua Chiara – não nos assustaram, pelo contrário, pelo amor a Ele abandonado, elas nos atraíram.  E foi Ele que nos ensinou como enfrentá-las, como vivê-las e ajudar a superá-las, quando, depois do abandono, recolocou o seu espírito nas mãos do Pai: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46), dando assim a possibilidade para que a humanidade se recompusesse, em si mesma e com Deus, e indicando-lhe o modo de fazê-lo. Ele manifestou-se como chave da unidade, remédio para qualquer divisão. Era Ele que recompunha a unidade entre nós, cada vez que era rompida. Era Ele que reconhecíamos e amávamos nas grandes, trágicas divisões da humanidade e da Igreja. Ele se tornou o nosso único Esposo. E a nossa convivência com um tal Esposo foi tão rica e fecunda, que me levou a escrever um livro, como uma carta de amor, como um canto, um hino de alegria e gratidão a Ele».

22 abril 2022

A família e Maria

21 de abril de 1984,

A família: tema altíssimo e frequente no pensamento e na vida de Chiara Lubich. Este escrito de 1984 insere a família no seu desígnio, ou seja, no fato de ela ser, no plano de Deus, igreja doméstica, «morada acolhedora para todos os filhos dispersos».  Olhar para Maria, para viver, segundo o seu exemplo e com a sua ajuda, «o fascinante e luminoso projeto de Deus para a família em todas as suas expressões».

No dia da Anunciação, por ocasião do Jubileu do Ano Santo das famílias, João Paulo II consagrou e entregou a humanidade ao Coração Imaculado de Maria. A coincidência com este acontecimento não é casual. Existem, de fato, profundas relações entre Maria e a família, sem dúvida pelo fato de que tanto uma como outra são grandes conhecedoras do amor. 

Maria conheceu o amor, também no plano simplesmente natural, nos seus mais variados aspectos como filha, noiva, esposa, mãe, embora sendo virgem, e viúva. A família é o reino do amor. Nela nasce, cresce e se desenvolve o amor filial, esponsal, materno, paterno, fraterno. 

Maria, mãe do belo Amor, conheceu muito bem o amor sobrenatural: nascendo cheia de graça, foi envolvida pelo Amor feito pessoa, o Espírito Santo, no momento no qual o Verbo se encarnou em seu seio. Foi depois envolvida pelas suas chamas no Pentecostes, quando se tornou plenamente mãe espiritual de todos nós cristãos. Devido a estes dois nascimentos, ela é modelo, tipo, forma da Igreja. A família, lugar do nascimento daqueles que, uma vez batizados são filhos de Deus, foi santificada pelo Espírito Santo, Espírito de amor, com o grande sacramento do matrimônio, e tornou-se miniatura e coração da Igreja.

Quando o Papa leu o ato de entrega da humanidade a Maria começou com estas palavras: «A família é o coração da Igreja. Deste coração eleva-se hoje um ato de particular entrega ao coração da Mãe de Jesus». E assim, de coração a coração, nesta intensa comunhão, que se criou com a celebração da Eucaristia, elevou-se, do coração do Pai universal um grito pleno de solicitude pelas necessidades da humanidade, a oração de consagração à Virgem Maria, a fim de que cuide de modo especial de toda a família humana.

O Papa estava ali, ajoelhado diante da estátua branca de Nossa Senhora de Fátima.

Naquele momento, o pensamento de muitos de nós ali presentes,  dirigiu-se ao dia 13 de maio de 1981, dia do atentado. O Santo Padre escolheu esse dia para anunciar a toda a Igreja a constituição do Pontifício Conselho para a Família.

Agora, na Praça de São Pedro, completamente lotada, ao lado dele, diante da imagem de Nossa Senhora de Fátima, como uma flor desabrochada do seu sofrimento e do seu sangue, estavam reunidas, simbolicamente, todas as famílias da Igreja, expressão de todas as famílias do mundo. 

O Santo Padre, como supremo Pastor, podia contar, no momento em que entregou o mundo a Maria, não só com a comunhão de todos os Pastores da Igreja, «constituindo um corpo e um colégio», mas também com a plena adesão dos filhos da Igreja, representados por tantas famílias de muitas nações.

Todos sabemos como João Paulo II, na sua incansável dedicação ao serviço da Igreja, fala sempre da família. Ele coloca na família as esperanças da humanidade; entrega a ela o destino da vida. 

Com seu característico carisma de paternidade espiritual, que se manifesta também na sua dramaturgia, como por exemplo, naquela pérola que é a Raggi di paternità, representada na Sala Paulo VI diante do Autor, no mesmo dia do Jubileu das famílias, ele sente que as ameaças do mal e as esperanças do bem passam através daquele coração da Igreja, ou seja, da família. E, agora, neste dia solene, entregando o mundo à Mãe de Deus, não deixou de recomendar que a humanidade seja libertada de alguns males que afligem a família, rezando também desta forma: «Livrai-nos dos pecados contra a vida do homem desde o seu início!».

E na oração conclusiva da sua homilia – oração que escreveu para o Sínodo de 1980 que teve como tema de estudo a família – pediu esta graça: «Que o amor, fortalecido pela graça do sacramento do matrimônio, se manifeste mais forte do que todas as fraquezas e crises que, às vezes, afligem as nossas famílias». 

Todas estas significativas coincidências e expressões nos permitem perceber no ato de entrega do Papa à Nossa Senhora, uma especial referência às famílias, a todas as famílias da terra, principalmente àquelas dos «povos que, devido à própria situação, são especial objeto do teu amor e da tua solicitude». E isso, para consagrar e confiar aquele coração pulsante de vida, ou seja, a família, ao amor misericordioso de Deus; para abrir esta célula básica da humanidade ao dom sobrenatural do amor de Deus que redime e santifica, que perdoa e eleva a família e o amor  conjugal à sua dignidade. E ainda mais, para implorar a Deus que liberte a família de todos os perigos e pecados que a ameaçam.

O sentido profundo desta consagração não pode deixar de levar todas as famílias cristãs a viverem – com a ajuda e o exemplo de  Maria – o luminoso e fascinante projeto de Deus para a família em todas as suas expressões: o amor conjugal, segundo o plano divino, sinal do amor de Cristo pela Igreja até o total dom de si, a paternidade e a maternidade, como participação ao amor fecundo do Criador; a paz e a harmonia na superação de todas as tensões e dificuldades, como frutto de uma caridade sempre viva e incansável, propensa a manter a presença espiritual de Cristo na família e, com Ele, a unidade de pensamento e de ação; uma abertura de comunhão e de serviço a outras famílias.

O Papa, falando às Famílias Novas do Movimento dos Focolares, assim delineou e definiu a imagem ideal da família, Igreja doméstica: «Com as suas vidas, com a convivência, com o seu estilo de vida, vocês constroem a Igreja na sua menor e, ao mesmo tempo, fundamental dimensão: a “Ecclesiola”!» 1.

Se esta Igreja doméstica – esta «Ecclesiola» – deve ser o «coração da Igreja», como afirmou o Papa, deve espelhar a atitude de Maria Santíssima, à qual agora é consagrada, sendo, como Maria, transparência da vontade de Deus. Deve assumir como própria a simples mas total doação de si mesma ao plano divino, que é sempre um plano de redenção e de salvação. O gesto do Santo Padre é, de fato, um convite dirigido a todas as famílias para viverem particularmente consagradas a Maria, entregando a ela todas as angústias e alegrias da vida familiar, tendo nela o ponto de referência para um empenho comum de vida evangélica.

A mensagem de Fátima, que chama todos nós à conversão e à fidelidade ao Evangelho, torna-se assim a resposta da consagração da família, um empenho de renovação para que resplandeça sempre mais a fisionomia da Igreja que tem, de certa forma, na família cristã, a marca do seu ser «família de Deus», morada acolhedora para todos os filhos dispersos, chamados novamente à casa do Pai e convidados a entrarem nela por meio do coração materno da Mãe de Jesus.

Chiara Lubich

12 abril 2022

O fundo da piscina

Um excelente nadador tinha o costume de correr até a água e de molhar somente o dedão do pé antes de qualquer mergulho. Alguém intrigado com aquele comportamento, lhe perguntou qual a razão daquele hábito. 
O nadador sorriu e respondeu:
- Há alguns anos eu era um professor de natação; eu ensinava os alunos a nadar e a saltar do trampolim. 
Certa noite, eu não conseguia dormir, e fui até a piscina para nadar um pouco. 
Não acendi a luz, pois a lua brilhava através do teto de vidro do clube. 
Quando eu estava no trampolim, vi minha sombra na parede da frente. 
Com os braços abertos, minha imagem formava uma magnífica cruz. 
Em vez de saltar, fiquei ali parado, contemplando minha imagem. 
Nesse momento pensei na cruz de Jesus Cristo e em seu significado.
Eu não era um cristão, mas quando criança aprendi que Jesus morrera na cruz para nos salvar pelo seu precioso sangue. Naquele momento as palavras daquele ensinamento me vieram a mente e me fizeram recordar do que eu havia aprendido sobre a morte de Jesus. 
Não sei quanto tempo fiquei ali parado com os braços estendidos. Finalmente desci do trampolim e fui até a escada para mergulhar na água. 
Desci a escada e meus pés tocaram o piso duro e liso do fundo da piscina.
Haviam esvaziado a piscina e eu não percebera. 
Tremi todo, e senti um calafrio na espinha. 
Se eu tivesse saltado seria meu último salto. Naquela noite a imagem da cruz na parede salvou a minha vida. 
Fiquei tão agradecido a Deus, que ajoelhei na beira da piscina, confessei os meus pecados e me entreguei a Ele, consciente de que foi exatamente em uma cruz que Jesus morreu para me salvar. Naquela noite fui salvo duas vezes e, para nunca mais me esquecer, sempre que vou até piscina molho o dedão do pé antes.
Deus tem um plano na vida de cada um de nós e não adianta querermos apressar, ou retardar as coisas, pois, tudo acontecerá no seu devido tempo e esse tempo é o tempo Dele e não o nosso...

28 março 2022

O trabalho e o materialismo

No sistema do materialismo, onde o trabalho invade o lugar do divino, não tem mais espaço aquele movimento do espírito que consiste na assídua aproximação a Deus até se unir a Ele. Neste caso se potencializa a ação e se anula a contemplação, e o ativismo depois provoca uma usura física, através da qual a alma se extenua até a desolação, até o desespero: causa daquela náusea e daquela angústia que certa filosofia apresenta como característica do indivíduo dissociado no coletivismo gregário. Assim se obtém um resultado de gradual desintegração da pessoa humana. Naturalmente esta se defende, talvez, especialmente, lá onde o ativismo assumiu o ritmo de um frenesi, como nota Krause para o seu país: de onde de fato nos vieram algumas manifestações mais populares e sugestivas da reconquista espiritualista ou até mesmo mística (Merton, Sheen).

Igino Giordani, Il Patrono d’Italia – San Francesco oggi,

A imensidão de Deus

 «Num momento de repouso (…) contemplando a imensidão do universo, a extraordinária beleza da natureza, a sua potência, pensei espontaneamente no Criador de tudo e compreendi numa forma nova a imensidão de Deus. (…)

Eu o descobri tão grande, tão imenso, a ponto de me parecer impossível que Ele tivesse pensado em nós. Esta impressão da sua grandeza permaneceu em meu coração por alguns dias.

Dizer agora «santificado seja o vosso nome…» ou «Glória ao Pai, ao Filho, e ao Espírito Santo» é muito diferente para mim: é uma necessidade do coração. (…)

Nós estamos a caminho. E, quando alguém viaja, já pensa no ambiente que o receberá na chegada, na paisagem, na cidade… já se prepara. Assim devemos fazer.

No céu, louvaremos a Deus? Louvemo-lo desde este momento. Deixemos que o nosso coração proclame todo o nosso amor a Ele (…). Exprimamos o nosso louvor com a boca e com o coração.

Aproveitemos para reavivar nossas orações diárias que tem esta finalidade. E rendamos glória com todo o nosso ser.

Sabemos que quanto mais anulamos a nós mesmos (como Jesus abandonado, que reduziu-se a nada) mais anunciamos, com a nossa vida que Deus é tudo, e assim Ele é louvado, glorificado, adorado (…).

Procuremos muitos momentos, durante o dia, para adorar a Deus, para louvá-lo. Façamos isso durante a meditação, ou numa visita a uma igreja, ou na Santa Missa. Louvemo-lo para além da natureza ou na profundidade do nosso coração. E, principalmente, vivamos mortos a nós mesmos e vivos à vontade de Deus, ao amor para com os irmãos.

Sejamos nós também, como dizia Isabel da Trindade, um “louvor da sua glória”. 

#ChiaraLubich 

(Chiara Lubich, Cercando le cose di lassù, Roma 1992, p. 15-17)

10 março 2022

Os mistérios do terço

Rocca di Papa, 20 de janeiro de 1981

Com a recitação do terço, Chiara relembra toda a espiritualidade que Deus lhe doou, todo o seu Ideal

Confio-lhes […] como eu recito o terço. […] Ele é intercalado por muitos mistérios que são os […] eventos bíblicos propostos para a nossa meditação. Por isso, também os nossos irmãos não católicos amarão o terço, se já não o amam.
Os mestres do espírito dizem que ele pode recitar a Ave-Maria quase mecanicamente e pensar no mistério, que se menciona no início do terço.
Eu experimentei fazer assim e […] notei que, pensando nos mistérios, […] eu revejo todo o Ideal. E disse: “Isso é ótimo. Todas as manhãs eu sei quais são todos os meus deveres […]”

Chiara Lubich

21 fevereiro 2022

Honrar Maria, a mãe de Deus

 «No ano dedicado a Maria, deveríamos encontrar o melhor modo de honrar a Mãe de Deus.

Porém, existem várias maneiras de honrá-la.
Podemos honrar Nossa Senhora falando com Ela, louvando-a, rezando, visitando-a nas igrejas dedicadas a Ela, fazendo pinturas ou esculturas que a representam, elevando-lhe cânticos, adornando com flores suas imagens.
Existem muitas maneiras de honrar Maria.
Mas existe uma que supera todas: é a de imitá-la, de se comportar como outra Maria na terra. Creio que seja este o modo que mais lhe agrada, porque dá a Ela a possibilidade de retornar de alguma forma à terra.

Nós, sem excluir todas as outras possibilidades que temos para honrar Maria, devemos privilegiar esta: imitá-la.

Mas como imitá-la? Que aspectos dela devemos imitar?
Imitá-la naquilo que é essencial. Ela é Mãe, mãe de Jesus e, espiritualmente, nossa mãe. Jesus nos deu Maria como mãe quando estava na cruz, na pessoa de João.
Devemos ser outra Maria, como mãe.
Em prática, devemos formular este propósito: durante o Ano Mariano vou me comportar, para com os próximos que eu encontrar ou para os quais vou trabalhar, como se eu fosse sua mãe.
Se fizermos assim, constataremos em nós uma conversão, uma revolução. Não somente porque nos encontraremos às vezes sendo como mãe talvez da nossa mãe ou do nosso pai, mas porque assumiremos uma atitude determinada, específica.
Uma mãe acolhe sempre, ajuda sempre, espera sempre, cobre tudo. Uma mãe perdoa o filho em tudo, ainda que seja um delinquente, um terrorista.
Com efeito, o amor de uma mãe é muito semelhante à caridade de Cristo, de que fala Paulo.
Se tivermos o coração de mãe, ou mais precisamente, se nos propusermos ter o coração da Mãe por excelência, Maria, estaremos sempre prontos a amar os outros em todas as circunstâncias e, assim, a manter vivo o Ressuscitado em nós. Mas também faremos tudo aquilo que nos é solicitado para manter o Ressuscitado entre nós.

Se tivermos o coração desta Mãe, amaremos a todos e não somente os membros da nossa Igreja, mas também os das outras; não somente os cristãos, mas também os muçulmanos, os budistas, os hinduístas, etc. Também os homens de boa vontade. Amaremos também todos os homens que vivem na terra. Pois a maternidade de Maria é universal (cf. LG 79), assim como foi universal a Redenção.
Mesmo se, às vezes, o amor de Maria não é correspondido, Ela ama sempre, ama a todos.
É este, então, o nosso propósito: viver como Maria, como se fôssemos mãe de todos os seres humanos».

De CHIARA LUBICH – Buscar as coisas do alto – Cidade Nova 1993 pág. 36-37-38

03 fevereiro 2022

A imensidão de Deus

 «Num momento de repouso (…) contemplando a imensidão do universo, a extraordinária beleza da natureza, a sua potência, pensei espontaneamente no Criador de tudo e compreendi numa forma nova a imensidão de Deus. (…)

Eu o descobri tão grande, tão imenso, a ponto de me parecer impossível que Ele tivesse pensado em nós. Esta impressão da sua grandeza permaneceu em meu coração por alguns dias.

Dizer agora «santificado seja o vosso nome…» ou «Glória ao Pai, ao Filho, e ao Espírito Santo» é muito diferente para mim: é uma necessidade do coração. (…)

Nós estamos a caminho. E, quando alguém viaja, já pensa no ambiente que o receberá na chegada, na paisagem, na cidade… já se prepara. Assim devemos fazer.

No céu, louvaremos a Deus? Louvemo-lo desde este momento. Deixemos que o nosso coração proclame todo o nosso amor a Ele (…). Exprimamos o nosso louvor com a boca e com o coração.

Aproveitemos para reavivar nossas orações diárias que tem esta finalidade. E rendamos glória com todo o nosso ser.

Sabemos que quanto mais anulamos a nós mesmos (como Jesus abandonado, que se reduziu a nada) mais anunciamos, com a nossa vida que Deus é tudo, e assim Ele é louvado, glorificado, adorado (…).

Procuremos muitos momentos, durante o dia, para adorar a Deus, para louvá-lo. Façamos isso durante a meditação, ou numa visita a uma igreja, ou na Santa Missa. Louvemo-lo para além da natureza ou na profundidade do nosso coração. E, principalmente, vivamos mortos a nós mesmos e vivos à vontade de Deus, ao amor para com os irmãos.

Sejamos nós também, como dizia Isabel da Trindade, um “louvor da sua glória”. Anteciparemos assim um pouco de paraíso, e Deus será compensado pela indiferença de muitos corações que vivem hoje no mundo».

Chiara Lubich

(Chiara Lubich, Cercando le cose di lassù, Roma 1992, p. 15-17)

01 fevereiro 2022

27 de março de 1981

Diário de 27/03/1981

Tenho um porta-retratos com a imagem de Jesus Abandonado.

Ontem, olhando para aquele rosto, fiquei impressionada com a dor de Jesus abandonado e com a sua humanidade sofredora. Era o dia da encarnação e, justamente naquele dia, senti Jesus profundamente humano, a ponto de me comover: aqueles olhos voltados para o Céu à procura do Pai, aquele sangue… era tudo tão verossímil! E entendi de maneira nova como Ele realmente nos amou, me amou. Parecia-me impossível que fosse Deus, assim tão sofredor e perfeitamente homem, e entendi a kenosi, o duplo aniquilamento, se assim se pode dizer, da encarnação e do abandono.

Decidi colocar esta imagem de Jesus em todos os focolares, para que os focolarinos, vendo-a, possam repetir diariamente: “Porque és abandonado.”  
Hoje repetir o dia inteiro: “Porque és abandonado.” Repetir estas palavras abraçando sempre, logo, com alegria as cruzes que chegam, desapegando-me das coisas que a vontade de Deus de beneplácito exigem, por exemplo, diante das mortificações da Quaresma, do encontro com pessoas que mais se assemelham a Ele, dos problemas (Ele pergunta: “Por quê?”), das dúvidas, do “perder” a minha vontade no presente.  

#ChiaraLubich

24 janeiro 2022

Você sabe como nasceu a Palavra de Vida?

 Hoje traduzida em cerca de 90 línguas e idiomas, a Palavra de Vida comunica frases do evangelho a milhões de pessoas, em todo o mundo.

Foi nas fagulhas das palavras do Evangelho que a certeza de um amor que supera todas as coisas começou a se alastrar no coração daquele primeiro grupo cativado por Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolares e também da Editora Cidade Nova. Ainda no período da 2ª Guerra Mundial, onde a tristeza e as perdas eram inumeráveis, a novidade de Deus Amor impulsionou Chiara e suas amigas a viverem umas pelas outras e compartilhar com todos o pouco que tinham – mesmo que fosse uma pequena maçã ou um sapato de número 42.

Tudo começou com uma prática que Chiara – muito didática por ser professora – começou naquele período e logo se popularizou, ao longo dos anos, junto a toda a comunidade global dos Focolares: “Palavra de Vida”, uma frase do Evangelho e a partilha dos “frutos” que ela produzia em suas vidas. Uma verdadeira novidade para aquele tempo e que as encorajava a crescer juntas. 

“Leio para todos, por exemplo: ‘Ama o próximo como a ti mesmo’ (Mt 19,19). O vizinho. Onde estava o vizinho? Estava lá, ao nosso lado, em todas aquelas pessoas atingidas pela guerra, feridas, sem-teto, nuas, com fome e com sede. Nós imediatamente nos dedicamos a eles de várias maneiras.” (Chiara Lubic)

Um dia, Chiara contou que recebiam com frequência solicitações de roupas e sapatos, e certa vez pediram um sapato de número 42. E acreditando fielmente nas palavras do Evangelho de Mateus, “Pedi e recebereis” (Mt 7,7), foi até uma igreja e rezou “Dê-me um par de sapatos nº 42, para você nessa coitadinha.” Ao sair de lá, uma jovem a entregou o pacote com um par de sapatos de número 42.

“Lemos no Evangelho: ‘Dai e ser-vos-á dado’ (Lc 6,38). Damos, damos e sempre recebemos algo. Um dia, em nossa casa, temos apenas uma maçã. Nós o damos aos pobres que vêm pedir. E naquela mesma manhã vemos chegar uma dúzia, talvez de um parente. Também damos essa dúzia a quem nos peça e nessa mesma tarde chega uma mala. Foi assim, sempre assim ”.

Eram essas e outras muitas experiências que a vivência da Palavra levou aquele pequeno grupo a viver pela Unidade. E hoje a Palavra de Vida, a frase do Evangelho junto com a reflexão, é um convite a confiar em Deus, a viver e a partilhar sua vida, feito a milhões de pessoas e traduzida em mais de 90 línguas e idiomas.

Desde o início, a Palavra de Vida é publicada na Revista Cidade Nova. 

14 janeiro 2022

Quando se conhece a dor

Quando se conheceu a dor em todos os seus matizes mais atrozes, nas mais variadas angústias, e se ergueram as mãos a Deus em mudas e lancinantes súplicas, em abafados gritos de ajuda; quando se bebeu o fundo do cálice e, durante dias e anos, se ofereceu a Deus a própria cruz, incorporada à sua, que a valoriza divinamente, então Deus tem piedade de nós e nos acolhe em sua união.
É o momento em que, após ter experimentado o valor sem par da dor, de ter acreditado na economia da cruz e de ter visto os seus efeitos benéficos, Deus mostra, de modo mais alto e novo, algo que vale mais ainda do que a dor.
É o amor aos outros, em forma de misericórdia, amor que faz abrir os braços e o coração aos infelizes, aos mendigos, aos martirizados da vida, aos pecadores arrependidos. 
Amor que sabe acolher o próximo desencaminhado, seja ele amigo, irmão ou desconhecido e o perdoa infinitas vezes. Amor que faz mais festa a um pecador que volta do que a mil justos, e empresta a Deus inteligência e bens para Ele poder demonstrar ao filho pródigo a felicidade pelo seu retorno. 
Amor que não mede e não será medido. 
É uma caridade que floresce mais abundante, mais universal, mais concreta do que aquela que a alma antes possuía. De fato, ela sente nascerem dentro de si sentimentos parecidos com os de Jesus, percebe aflorarem-lhe aos lábios, para todos os que encontra, as divinas palavras: “Tenho misericórdia da multidão” (cf. Mateus 15,32). E, com os muitos pecadores que dela se aproximam, pois, de certa forma são imagem de Cristo, entabula colóquios semelhantes aos que Jesus teve um dia com Madalena, com a samaritana, com a adúltera. A misericórdia é a última expressão da caridade, aquela que a remata. E a caridade supera a dor, porque a dor só existe nesta vida, enquanto o amor perdura na outra. Deus prefere a misericórdia ao sacrifício.