31 dezembro 2020

Qualquer de vós, que não renunciar

“Qualquer de vós, que não renunciar a tudo o que possui, não pode ser meu discípulo” (Lc 14,33).

“Qualquer”. Portanto, as palavras de Jesus são dirigidas a todos os cristãos.

“Tudo”. É o que pede a todos, para serem cristãos. Não podemos ser apegados nem mesmo à nossa alma (que é uma de nossas posses), mas devemos desapegar-nos de tudo.

E aqui Jesus Abandonado é Mestre universal.

30 dezembro 2020

Há quem faça as coisas por amor

Há quem faça as coisas “por amor”. Há quem faça as coisas procurando “ser o Amor”. Quem faz as coisas “por amor”, pode fazê-las bem; mas pensando, por exemplo, em prestar um grande serviço a um irmão, digamos doente, pode aborrecê-lo com seu falatório, com seus conselhos, com suas ajudas, com uma caridade pouco sensata e pesada.

Ele terá um mérito, mas o outro, um peso. Tudo isso porque é preciso “ser o Amor”.

O nosso destino é como o dos astros: se giram, existem, se não giram, inexistem. Nós existimos — entendendo-se que vive em nós não a nossa vida, mas a de Deus — se não cessamos um instante de amar.

O amor nos abriga em Deus, e Deus é o Amor.

Mas o Amor, que é Deus, é luz, e com a luz vemos se o modo como nos aproximamos e servimos o irmão está em conformidade com o Coração de Deus, está como o irmão gostaria, como ele sonharia se tivesse a seu lado não nós, mas Jesus.

29 dezembro 2020

Se estamos unidos, Jesus está entre nós

Se estamos unidos, Jesus está entre nós. E isso vale! Vale mais do que qualquer outro tesouro que nosso coração possa ter: mais do que a mãe, o pai, os irmãos, os filhos.

Vale mais do que a casa, o trabalho, os bens; mais do que as obras de arte de uma grande cidade como Roma; mais do que os nossos afazeres, mais do que a natureza que nos circunda, com as flores e os campos, o mar e as estrelas; vale mais do que a nossa própria alma.

Foi Ele que, inspirando os seus santos com suas verdades eternas, marcou época em cada época.

Essa é também a sua hora: não a de um santo, mas Dele, Dele entre nós, Dele vivendo em nós, que edificamos, em unidade de amor, o seu Corpo Místico.

Mas, é preciso dilatar o Cristo, fazê-lo crescer em outros membros; tornarmo-nos, como Ele, portadores de Fogo. Fazer de todos um e em todos o Um!

Vivamos, então, na caridade, a vida que Ele nos dá momento por momento.

É mandamento fundamental o amor fraterno. Por isso, tem valor tudo o que é expressão de sincera e fraterna caridade. Nada do que fazemos tem valor, se nisso não há sentimento de amor pelos irmãos; pois Deus é Pai e tem no coração, sempre e unicamente, os filhos.

28 dezembro 2020

As palavras de um pai

As palavras de um pai são sempre valiosas, pois é preciso acreditar em quem fala com amor. Mas, se um pai dita as últimas palavras antes de deixar a terra, elas ficam gravadas na alma dos filhos, e valem por todas as outras juntas: são o testamento.

O amor paterno é nada diante do amor de um Deus.

Também Jesus, o Deus humanado, falou. Também Ele deixou um testamento: “Que sejam um… que todos sejam um” (Jo 17,11.21).

Quem orienta a própria vida para a unidade, centrou o coração de Deus.

No mundo, somos todos irmãos, mas cada um passa pelo outro ignorando-o. E isso acontece mesmo entre cristãos batizados.

A Comunhão dos Santos existe, o Corpo Místico existe. Mas, esse Corpo é como uma rede de galerias escuras.

A energia para iluminá-las existe; em muitos é a vida da graça. Mas Jesus não queria só isto quando se dirigiu ao Pai, invocando. Queria um Céu na terra: a unidade de todos com Deus e entre si, isto é, a rede de galerias iluminada; a presença de Jesus em cada relação com os outros, além da sua presença na alma de cada um.

Este é o seu testamento, o desejo mais precioso de Deus que por nós deu a vida.

27 dezembro 2020

Não conheço senão Cristo, e Cristo crucificado

Tenho um só Esposo na terra: Jesus Abandonado. Não tenho outro Deus além Dele.

Nele está todo o Paraíso com a Trindade e toda a terra com a Humanidade.

Por isso, o seu é meu e nada mais.

Sua é a Dor universal e, portanto, minha.

Irei pelo mundo à sua procura em cada instante da minha vida.

O que me faz sofrer é meu.

Minha, a dor que me perpassa no presente. Minha, a dor de quem está ao meu lado (ela é o meu Jesus). Meu, tudo aquilo que não é paz, gáudio, belo, amável, sereno… Numa palavra: aquilo que não é Paraíso. Pois eu também tenho o meu Paraíso, mas Ele está no coração do meu Esposo. Outros Paraísos não conheço. Assim será pelos anos que me restam: sedenta de dores, de angústias, de desesperos, de melancolias, de desapegos, de exílio, de abandonos, de dilacerações, de… tudo aquilo que é Ele, e Ele é o Pecado, o Inferno.

Assim, dessecarei a água da tribulação em muitos corações próximos e — pela comunhão com meu Esposo onipotente — distantes.

Passarei como Fogo que devora tudo o que há de ruir e deixa em pé só a Verdade.

Mas é preciso ser como Ele, ser Ele no momento presente da vida.

26 dezembro 2020

Vigiai

“Vigiai…” (cf. Lc 12,35). O Evangelho fala em vigiar com os rins cingidos e a lâmpada acesa, e promete ao servo vigilante que o Senhor se cingirá e o servirá, quando chegar. Só o amor vigia. É próprio do amor vigiar. Quando se ama uma pessoa, o coração vigia sempre esperando-a, e cada minuto sem ela passa em sua função, e se transcorre vigiando. Jesus quer o amor; por isso pede vigilância.

Vigia também quem tem medo. De fato, Jesus fala em ladrões…

Vigia-se porque se teme e se teme porque se ama alguém que não se quer perder.

Jesus pede o amor mas, como Ele também ama, suscita até mesmo temor para salvar. Faz como a mãe que promete aos filhos o prêmio ou o castigo, conforme se comportem.

Jesus não pede somente o puro amor que dá sem pensar na recompensa.

Para nos ver salvos, chega a mostrar-nos também a recompensa e o castigo.

25 dezembro 2020

No amor, o que vale é amar

No amor, o que vale é amar. Assim é nesta terra. O amor — falo do amor sobrenatural, que não exclui o natural — é uma coisa muito simples e muito complexa. Exige a tua parte e conta com a parte do outro.

Se tentares viver de amor, verás que, nesta terra, convém que faças a tua parte. A outra, nunca sabes se virá, nem é necessário que venha.

Às vezes, ficarás decepcionado, porém jamais perderás a coragem, se te convenceres de que, no amor, o que vale é amar.

E amar a Jesus no irmão, a Jesus que sempre a ti retorna, talvez por outros caminhos.

Ele deixa a tua alma como aço contra as intempéries do mundo, e a liquefaz no amor por todos os que te rodeiam, contanto que tenhas presente que, no amor, o que vale é amar.

24 dezembro 2020

O frio

O frio gela; mas, quando excessivo, queima e corta. O vinho fortifica; mas, quando demasiado, debilita as forças. O movimento é o que é; mas quando vertiginoso, parece estático.

O Espírito de Deus vivifica; mas quando é muito… inebria. Jesus é o Amor porque é Deus; mas o grande amor por nós levou-o a clamar “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?…” (Mt 27,46), quando Ele se mostra apenas homem.

23 dezembro 2020

Seria de enlouquecer

Seria de enlouquecer se não fixássemos os olhos em ti, que transmudas, como por encanto, toda amargura em doçura; em ti, suspenso na cruz, no teu grito, na mais alta suspensão, na inatividade absoluta, na morte viva, quando, tornando-te frio, lançaste todo o teu fogo sobre a terra e, tornando-te estase infinita, lançaste sobre nós tua vida infinita, aquela que agora vivemos, inebriados.

Basta-nos que nos vejamos semelhantes a ti, ao menos um pouco, e que unamos nossa dor à tua e a ofereçamos ao Pai.

Para que tivéssemos a Luz, veio-te a faltar a vista.

Para que tivéssemos a união, sentiste a separação do Pai.

Para que possuíssemos a Sabedoria, fizeste-te “ignorância”.

Para que nos revestíssemos da inocência, fizeste-te “pecado”.

Para que Deus estivesse em nós, sentiste-o longe de ti.

 

22 dezembro 2020

Não passa

“É mais fácil um camelo entrar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus” (Mt 19,24). O rico que não procede como Jesus quer põe em jogo a eternidade. Mas, somos todos ricos enquanto Jesus não viver em nós em toda a sua plenitude.

Até o mendigo que carrega na mochila um naco de pão e pragueja se alguém tocar nela não é menos rico do que os outros. O seu coração está apegado a alguma coisa que não é Deus e se não se fizer pobre, pobre segundo o Evangelho, não passará no Reino dos Céus. O caminho lá para cima é estreito, e por ele só passa o nada.

Há quem seja rico de ciência, e essa empáfia impede que ele passe para o Reino e que o Reino passe para ele; por isso, o Espírito da Sabedoria de Deus não tem lugar em sua alma.

Há quem seja rico de presunção, de vanglória, de afetos humanos e, enquanto não larga tudo, não é conforme Deus. Tudo se deve extirpar do coração, para nele se colocar Deus e a Criação segundo a ordem de Deus.

Há quem seja rico de preocupações e não sabe pô-las no Coração de Deus, vivendo atormentado. Não tem a alegria, a paz, a caridade, que são do Reino dos Céus.

Não passa.

Há quem seja rico dos próprios pecados, e por eles chora e se tortura, ao invés de deixá-los arder na misericórdia de Deus e olhar para a frente, amando Deus e o próximo, pelo tempo em que não amou.

21 dezembro 2020

Não a minha, mas a tua

“Não a minha vontade, mas a tua seja feita” (Lc 22,42).

Esforça-te por permanecer na sua vontade e que a sua vontade permaneça em ti. Quando a vontade de Deus for feita na terra como no Céu, o Testamento de Jesus estará realizado.

Olha o Sol com os seus raios.

O Sol é símbolo da vontade divina, que é o próprio Deus. Os raios são essa divina vontade sobre cada um. Caminha para o Sol na luz do teu raio, diverso, distinto de todos os outros, e realiza o particular, maravilhoso desígnio que Deus tem sobre ti.

Infinito número de raios, todos provenientes do mesmo Sol… única vontade, específica sobre cada um.

Os raios, quanto mais se aproximam do Sol, mais se aproximam entre si. Também nós, quanto mais nos aproximamos de Deus, pela observância sempre mais perfeita da vontade divina, mais nos aproximamos entre nós.

Até sermos todos um.

20 dezembro 2020

A caridade

Amar. Deus convoca todos os cristãos a amar. É porque, no cristianismo, o amor é tudo.

Santo Agostinho, mestre da caridade, diz em tom muito forte:

“Só o amor diferencia os filhos de Deus…

Se todos fizessem o sinal da cruz (que é um ato religioso), se todos dissessem amém e cantassem o aleluia (ou seja, se praticassem as liturgias, que são muito importantes, mas só fizessem isso…); se todos recebessem o batismo e entrassem nas igrejas, se mandassem erguer as paredes das basílicas, permaneceria o fato de que só a caridade distingue os filhos de Deus…

Quem possui a caridade nasceu de Deus, quem não a possui não nasceu de Deus. Eis o grande critério de discernimento.

Se tu tivesses tudo, mas te faltasse essa única coisa, de nada serviria o que tens. Se não tens outras coisas, mas possuis essa, cumpriste a lei…”

19 dezembro 2020

EM CRISTO VERDADE

“Quem é fiel nas coisas mínimas,
é fiel também no muito.”
(Lc 16,10)


Se a Escritura ensina a fazer bem as pequenas coisas, esta é mesmo a característica de quem, com todo o coração, não faz outra coisa senão o que Deus lhe pede no presente.

Se alguém vive o presente, Deus vive nele, e se Deus está nele, nele está a caridade. Quem vive o presente é paciente, é perseverante, é meigo, é pobre de tudo, é puro, é misericordioso, porque possui o amor na sua expressão mais alta e genuína; ama realmente a Deus com todo o coração, com toda a alma, com todas as forças; é iluminado interiormente; é guiado pelo Espírito Santo e, por conseguinte, não julga, não faz mau juízo, ama o próximo como a si mesmo, tem a força da “loucura” evangélica de “oferecer a outra face” e de “caminhar duas milhas” (cf. Mt 5,39.41).

Encontra-se, muitas vezes, na situação de “dar a César o que é de César” (cf. Mt 22,21), pois deverá viver plenamente a sua vida de cidadão em muitas ocasiões. E assim por diante. Afinal de contas, se quem vive o momento presente está no Caminho e na Vida, está também em Cristo Verdade.

E isto sacia a alma, que sempre anseia por tudo possuir em cada instante de sua existência.

18 dezembro 2020

Exame

Quando vivemos o momento presente de modo perfeito, cada ato nosso, embora pequeno, reveste-se de solenidade e, à noite, fica na memória como uma doce lembrança de um ato concluído com perfeição. Por outro lado, aquilo que sentimos ter feito com imperfeição seja depositado na misericórdia de Deus, para que Ele o repare.

Com esta visão da vida, o exame de consciência à noite certamente fica mais fácil em todos os detalhes. Ele passa a ter uma importância enorme, como importante é o exame no ocaso da vida terrena e, sob certo aspecto, até maior. É que, depois deste último, não haverá mais remédio, ao passo que depois de cada exame do dia, há a possibilidade — se Deus no-la dá — de continuar vivendo e refazer o exame na noite seguinte com melhor resultado, aceitando e tirando proveito também da dor de todas as imperfeições dos dias passados.

17 dezembro 2020

PARA A META FINAL

Quando temos um compromisso, só ficamos plenamente tranquilos se estivermos bem preparados.

Isso passa a ideia de que até o tremendo compromisso da partida final desta vida perderia a sua gravidade se estivéssemos preparados para ela.

Como? Quando estamos próximo de quem está à beira da morte, o amor sempre nos leva a dar este conselho: viva o momento presente. Assim fazendo, cada coisa parece possível e suportável, como dizia santa Teresa do Menino Jesus, e preparamo-nos para a nova vontade de Deus do melhor modo.

E então, por que não agirmos assim desde já? Não será esta, talvez, a melhor preparação que pode destruir qualquer temor em nós? Comecemos, portanto, desde agora e não esmoreçamos nunca em viver o presente até depararmos aquele momento do qual depende a eternidade.

Com ele, com o presente, vivemos todos os aspectos da nossa vida cristã um após outro. Assim, acostumando-nos a viver o presente, poderemos, com a graça de Deus, igualar-nos a nossos irmãos que partiram e ser de alguma utilidade para os planos de Deus sobre a humanidade

16 dezembro 2020

Gratuidade

No amor humano, geralmente, amamos porque somos amados. Também quando o amor é bonito, amamos no outro algo de nós mesmos. Existe sempre um quê de egoísta no amor humano, ou então, esperamos amar quando o interesse nos leva a amar.

Por sua vez, o amor divino, sobrenatural é gratuito, ama primeiro.

Portanto, se quisermos deixar viver o “homem novo” em nós, se quisermos deixar acesa em nós a chama do amor sobrenatural, devemos também nós ser os primeiros a amar.

15 dezembro 2020

O risco da palavra

Para amar, é necessário antes “fazer-se um” com o próximo, em tudo, mas não no pecado. Até aqui, tudo bem. Mas isso não se deve tornar um pretexto para não enfrentarmos o risco da palavra. Devemos estar atentos para não confundir a verdadeira prudência com a falsa, a ponto de ficarmos bloqueados num silêncio reprovável.

Jesus “fazia-se um” com todos, certamente, transformando a água em vinho, multiplicando os pães, acalmando a tempestade, curando os doentes, ressuscitando os mortos. Mas, ao mesmo tempo, falava. E como falava! Sua Palavra atraía sobre si o amor e também o ódio.

Será assim também para nós, mas nem por isso devemos nos calar.

Escutemos bem a voz interior que nos guia: teremos possibilidades sempre novas de comunicar nossa dádiva, oportuna e inoportunamente, como são Paulo exorta (cf. 2Tm 4,2).

14 dezembro 2020

O verdadeiro amor

Há um ponto da arte de amar que ensina como colocar em prática o verdadeiro amor pelos outros. É uma fórmula simples, feita de apenas duas palavras: “fazer-se um”.

“Fazer-se um” com os outros significa assumir os fardos deles, as preocupações deles, partilhar os sofrimentos e as alegrias deles.

O caminho que Deus percorreu

“Para os fracos fiz-me fraco […]. Tornei-me tudo para todos […] a fim de ganhar o maior número possível” (cf. 1Cor 9,22.19).

Essa é uma palavra da Escritura que deve ser amada de um modo todo especial. De fato, ela nos lembra o método de quem quer dar a sua contribuição para pôr em prática a prece de Jesus ao Pai: “Que todos sejam um”, ou seja: “fazer-se um” com cada próximo.

Sim, esse é o caminho, porque é o mesmo que Deus percorreu para manifestar-nos o seu amor: Ele se fez homem como nós e foi crucificado e abandonado, para colocar-se ao mesmo nível de todos. Fez-se verdadeiramente “fraco com os fracos”.

13 dezembro 2020

O amor constrói a igualdade

Se permanecemos indiferentes ou conformados perante as necessidades do nosso próximo, tanto no plano dos bens materiais como no dos bens espirituais, não podemos dizer que amamos o próximo como a nós mesmos. Não podemos dizer que o amamos como Jesus o amou.

De fato, entre pessoas que querem inspirar-se no amor ensinado por Jesus, não pode haver lugar para as desigualdades, os desníveis, as marginalizações e os descasos.

12 dezembro 2020

Vai além da natureza

“Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 19,19). É uma tensão contínua porque a nossa natureza ama a si mesma.

Não raro, a imprensa noticia desastres, terremotos, ciclones que fazem vítimas, feridos, desabrigados.

Entretanto, uma coisa é estar entre eles, outra é não estar.

E, mesmo podendo oferecer algo para socorrer os outros, nós não somos eles.

Amanhã, poderá acontecer o contrário: eu, num leito de morte (se me for dado um leito!), e os outros lá fora, ao sol, gozando a vida como podem.

“Ama o teu próximo como a ti mesmo”: tudo o que Cristo nos mandou fazer vai além da natureza.

Mas também o dom que Ele nos fez, o dom de que falou à Samaritana, não é de natureza humana.

Por isso, é possível o vínculo com a dor do irmão, com a alegria e com as preocupações do outro, porque temos em nós a caridade, que é de natureza divina.

Com esse amor, ou seja, com o amor cristão, o irmão pode ser realmente confortado e, amanhã, eu posso ser confortado por ele. Assim é possível viver, pois, do contrário, a vida seria bem dura, difícil, e às vezes poderia parecer impossível.

11 dezembro 2020

A todos os homens de boa vontade

Sabemos que na base de quase todas as religiões mais importantes do mundo existe, embora formulada em termos diferentes, a “Regra de Ouro”, a norma realmente áurea que prescreve fazer aos outros o que se deseja feito a si mesmo.

Isso é cristianismo. E são cristãos por natureza os que afirmam isso.

Acho que um princípio desses é válido não só para os cristãos, não só para as outras religiões, mas também para todos os homens de boa vontade, porque se trata de um princípio razoável, sadio e justo, universal.

10 dezembro 2020

A “Regra de Ouro”

Outra característica do amor — conhecida, reproduzida em todos os livros sagrados e que, se vivida, bastaria ela sozinha para transformar o mundo inteiro numa família — é: amar como a si mesmo, fazer aos outros aquilo que se gostaria fosse feito a si, não fazer aos outros aquilo que não se gostaria fosse feito a si.

É a chamada “Regra de Ouro”, tão bem expressa por Gandhi quando afirmou: “Tu e eu somos uma coisa só. Não posso te maltratar, sem me ferir". O Evangelho a anuncia nestes termos: “Como quereis que os outros vos façam, fazei também a eles” (Lc 6,31). Na tradição muçulmana é conhecida assim: “Nenhum de vós é verdadeiro fiel, se não deseja para o irmão o que deseja para si mesmo”.

Desse princípio emana uma norma que, se fosse aplicada, seria, sozinha, o maior propulsor da harmonia entre indivíduos e grupos, no coração das famílias e nos Estados. Pensar como seria o mundo se a “Regra de Ouro” fosse posta em prática, não apenas entre as pessoas isoladamente, mas também entre os povos, as etnias, os Estados, exprimindo-a, por exemplo, assim: “Amar a pátria dos outros como a sua”…

09 dezembro 2020

Propósitos diários

Levantar-se de manhã e dizer apenas isto: “Serei a primeira a amar todos aqueles que encontrar durante o dia. Esse aqui e aquele outro, sempre primeiro, sempre primeiro, sempre primeiro”.

Determinar-se sempre a amar primeiro. Que vida maravilhosa!

Dá força, faz circularem muitas graças, porque o amor, entre outras coisas, atrai o Espírito Santo, inunda com uma luz imensa. É o que Jesus diz: “Quem me ama, a ele me manifestarei” (Jo 14,21). De fato, amar o irmão significa amar a Ele, que sempre se manifesta com a sua luz.

E chovem tantas graças, que à noite estaremos talvez cansados, mas felizes.

08 dezembro 2020

Pacto de misericórdia

Há uma experiência de vida no primeiro focolare que foi uma aplicação de “amar primeiro”.

Especialmente no início, nem sempre era fácil para um grupo de moças viver radicalmente o amor. Éramos pessoas como as outras, embora amparadas por um dom especial de Deus para começar o Movimento, e também entre nós, em nosso relacionamento, podia-se depositar um pouco de poeira, e a unidade podia esmorecer. Isso acontecia, por exemplo, quando percebíamos defeitos, imperfeições, nos outros e os julgávamos. Então, a corrente do amor mútuo esfriava.

Para reagir a essa situação, pensamos um dia estabelecer um pacto entre nós, e o chamamos de “pacto de misericórdia”.

Decidimos ver, cada manhã, o próximo que encontrávamos — no focolare, na escola, no trabalho etc. — como novo, novíssimo, sem nos lembrar de maneira alguma dos seus senões, dos seus defeitos, mas cobrindo tudo com o amor. Significava aproximarmo-nos de todos com essa anistia total em nosso coração, com esse perdão universal.

Era um compromisso forte, assumido por nós todas juntas, que ajudava cada uma a ser sempre a primeira a amar, à imitação de Deus misericordioso, que perdoa e esquece.

07 dezembro 2020

7 de dezembro: "Um Sim para sempre"

Era o dia 7 de dezembro de 1943. Chiara recorda o momento, quando, ainda ao alvorecer, sozinha, encontrava-se no Colégio Seráfico dos Capuchinhos: na capela um sacerdote a esperava. No momento da comunhão tinha pronunciado o seu sim a Deus, para sempre, a rocha sobre a qual tudo começou:

Imaginem uma jovem apaixonada, invadida por aquele amor que é o primeiro, o mais puro, que ainda não foi declarado, mas que começa a arder no peito, com uma única diferença: a jovem enamorada assim sobre esta terra tem diante dos olhos a imagem do seu amado. Esta, porém, não vê o seu amado, não o ouve, não o toca, não sente o seu perfume com os sentidos do corpo, mas com os da alma através dos quais o Amor, com A maiúsculo, penetrou e a invadiu totalmente.

Por isso sente uma alegria característica, que dificilmente se volta a experimentar na vida: alegria secreta, serena, exultante.

A capela estava decorada da melhor maneira. Ao fundo destacava-se a Virgem Imaculada.

Antes da comunhão eu vi, num segundo, o que eu estava para fazer: eu tinha atravessado uma ponte consagrando-me a Deus. A ponte desmoronava atrás de mim; nunca mais poderia voltar para o mundo.

Eu me casava, eu desposava Deus. E era aquele Deus que mais tarde se manifestaria Abandonado: sangue, certamente, mas sangue da alma.

Creio que percorri o caminho de volta para casa correndo. Só me detive – creio – perto do bispado para comprar três cravos vermelhos para o crucifixo que me aguardava no quarto. Seriam sinal da festa comum.


06 dezembro 2020

Dar o primeiro passo

Outro passo da arte de amar, talvez o que requer mais empenho de todos, que põe à prova sua autenticidade e sua pureza, pede que amemos primeiro, tomando sempre a iniciativa, sem esperar que o outro dê o primeiro passo.

Esse modo de amar nos expõe em primeira pessoa, mas, se quisermos amar à imagem de Deus e desenvolver essa capacidade de amor que Deus colocou em nossos corações, temos de fazer como Ele, que não esperou ser amado por nós, mas nos demonstrou, desde sempre e de mil maneiras, que Ele nos ama primeiro, qualquer que seja a nossa resposta.

Fomos criados como um dom uns para os outros e cumprimos esse nosso ser pondo todo o empenho pelos nossos irmãos e irmãs com aquele amor que antecede qualquer gesto de amor do outro.

05 dezembro 2020

Como o Criador

A fé no amor que Deus faculta às suas criaturas, fé típica de nós, cristãos, descobrimo-la em muitos irmãos e irmãs de outras religiões, a começar pelas abraâmicas, que afirmam a unidade do gênero humano, o zelo que Deus dispensa a toda a humanidade e a obrigação de cada criatura humana de agir como o Criador, com imensa misericórdia por todos.

Reza um provérbio muçulmano: “Deus perdoa cem vezes, mas reserva a sua suprema misericórdia para aquele cuja piedade poupou a menor de suas criaturas”.

Que dizer da compaixão sem limites por todos os seres vivos que Buda ensinou, aconselhando seus primeiros discípulos: “Ó monges, deveríeis trabalhar pelo bem-estar de muitos, pela felicidade de muitos, movidos de compaixão pelo mundo, pelo bem-estar dos homens”?

Portanto, amar a todos. É um princípio universal. Sentido pelos seres humanos de qualquer época, e debaixo de qualquer céu.

04 dezembro 2020

Com coração de mãe

Façamos este propósito: vou comportar-me com todas as pessoas de quem me aproximar, ou para quem trabalhar, como se fosse a mãe delas.

A mãe sempre acolhe, sempre ajuda, sempre espera, tudo cobre. A mãe perdoa tudo ao filho, mesmo que ele seja um delinquente ou um terrorista.

De fato, amor de mãe é muito semelhante à caridade de Cristo, de que fala Paulo.

Se tivermos um coração de mãe ou, mais especificamente, se nos propusermos a ter o coração da Mãe por excelência, Maria, estaremos sempre prontos a amar os outros em todas a circunstâncias.

Amaremos a todos e não apenas aos membros da nossa Igreja, mas também aos membros das outras. Não apenas os cristãos, mas também os muçulmanos, os budistas, os hinduístas etc. Inclusive os homens de boa vontade, inclusive cada homem que vive na terra. Porque a maternidade de Maria é universal, como universal foi a Redenção.

03 dezembro 2020

Ele é o caminho

 Jamais entenderemos bastante o valor de viver o momento presente (cf. Mt 6,34). Talvez nos pudesse dizer alguma coisa o fato de os famosos mestres da alma aconselharem os agonizantes a viverem o momento presente.

Acontece que, se eu vivo o presente, Deus está comigo em sua vontade para mim naquele momento e em sua graça atual. Se não vivo, Deus não está comigo, nem eu estou com Ele.

Muitas vezes, afanamo-nos em busca de caminhos para chegarmos a Ele, para sermos melhores, para nos tornarmos santos.

Mas para que procurar caminhos se o Caminho é Ele (cf. Jo 14,6), e Ele, Eterno Presente, está lá, à espera de poder colaborar conosco em cada momento da vida que nos é dada, para agir conosco e em nós, e nos fazer realizar obras dignas de filhos de Deus?

Se é de provações que precisamos, se é de angústias, e de dores, e de mortificações, e de agonias que sentimos exigência para quebrar este tranquilo e enfadonho viver humano, para moderar a correria na corrente comum do mundo e ascender aos píncaros límpidos do divino, Ele saberá apresentar-se, no presente, nas circunstâncias dolorosas e inevitáveis da vida, nas leis perenes e imutáveis da Igreja, que repete com Cristo de mil maneiras: “Renuncia-te a ti mesmo, e toma a tua cruz” (cf. Mt 16,24).

Enfim, a vida seria simples. Nós é que a complicamos.

Bastaria inserirmo-nos bem no presente com todas as suas alegrias, os seus imprevistos, as suas labutas e os compromissos obrigatórios, e tudo fluiria por si, como se fôssemos levados por um possante foguete rumo à eternidade ditosa.

02 dezembro 2020

Sede de sabedoria

 Maria encarnou o Evangelho na normalidade do seu dia a dia, certamente como “dona de casa”, mas também como “sede da Sabedoria”, seguindo passo a passo o Filho desde o momento em que Ele saiu à vida pública, desde o triunfo das bodas de Caná até o Gólgota, aos pés da cruz. E também depois, quando o Filho morreu, nós a vemos ainda na Igreja nascente, sustentando os apóstolos.

Maria se apresenta também hoje a nós como um modelo, um modelo a ser seguido, especialmente para nós leigos que temos tarefas e responsabilidades na vida da Igreja e na vida no meio do mundo, diante do mundo.

01 dezembro 2020

Natal é a festa da Família

Onde nasceu a mais extraordinária família senão na gruta de Belém? Foi lá, com o nascimento do Menino, que ela se originou. Foi lá que emanou pela primeira vez no coração de Maria e de José o amor por uma terceira pessoa: o Deus feito criança. Família. Eis uma palavra que encerra um significado imenso, rico, profundo, sublime e simples, principalmente real. Ou existe família, ou não existe. Clima de família é clima de compreensão, de calma serena; clima de segurança, de unidade, de amor mútuo, de paz que invade seus membros, em todo o seu ser. Quisera que este Natal gravasse com letras de fogo em nosso espírito esta palavra: família. Uma família cujos membros, partindo da visão sobrenatural. Isto é, reconhecendo Jesus uns nos outros, chegam as expressões mais concretas e simples, próprias de uma família. Uma família cujos irmãos não têm coração de pedra, mas de carne, como Jesus, como Maria, como José. Não anteponham jamais ao espírito de família qualquer outra atividade, nem espiritual, nem apostólica. E aonde quer que se vá para levar o ideal de Cristo, nada melhor pode ser feito do que procurar criar com discrição, com prudência. Mas com determinação. O espírito de família. É um espírito humilde, quer o bem do outro, não se envaidece… é a caridade verdadeira , completa.