25 abril 2022

Jesus Abandonado

No ano 2000, num discurso, Chiara Lubich recorda a primeira “descoberta” de Jesus Abandonado: «Um fato, acontecido nos primeiros meses de 1944, nos levou a ter uma nova compreensão sobre Ele. Por uma circunstância viemos a saber que o maior sofrimento de Jesus, e portanto o seu maior ato de amor, foi quando, na cruz, experimentou o abandono do Pai: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mt 27,46). Ficamos profundamente tocadas com isso. E a jovem idade, o entusiasmo, mas principalmente a graça de Deus, nos impulsionaram a escolher justamente Ele, no seu abandono, como caminho para realizar o nosso ideal de amor. Desde aquele momento pareceu-nos encontrar o seu semblante em toda parte».

Outro momento determinante para a compreensão deste “mistério de dor-amor”. Estamos no verão de 1949. Igino Giordani foi encontrar Chiara, que tinha ido para o Vale di Primiero, na região montanhosa do Trentino (Itália), para um período de repouso. Com o primeiro grupo vivia-se intensamente a passagem do Evangelho sobre o abandono de Jesus. Foram dias de luz intensa, tanto que no final do verão, devendo descer daquele “pequeno Tabor” para voltar à cidade, Chiara escreveu, num só ímpeto, um texto que inicia com verso que tornou-se célebre: «Tenho um só esposo sobre a terra, Jesus abandonado… Irei pelo mundo buscando-o, em cada instante da minha vida».

Muitos anos depois ela explicou: «Desde o início entendemos que em tudo existe uma outra face, que a árvore tem as suas raízes. O Evangelho lhe cobre de amor, mas exige tudo. “Se o grão de trigo caído na terra não morre – lê-se em João – permanece só; se morre produz muito fruto” (Jo 12,24). A personificação disso é Jesus abandonado, cujo fruto foi a redenção da humanidade. Jesus crucificado! Ele havia experimentado em si a separação dos homens de Deus e entre si, e tinha sentido o Pai distante. Nós o vimos não apenas nas nossas dores pessoais, que não faltaram, e nos sofrimentos dos próximos, muitas vezes sós, abandonados, esquecidos, mas em todas as divisões, os traumas, as separações, as indiferenças recíprocas, grandes ou pequenas: nas famílias, entre as gerações, entre pobres e ricos, às vezes na própria Igreja, e mais tarde entre as várias Igrejas, e depois ainda entre as religiões e entre quem crê e quem possui uma convicção diferente.

Mas todas estas dilacerações – continua Chiara – não nos assustaram, pelo contrário, pelo amor a Ele abandonado, elas nos atraíram.  E foi Ele que nos ensinou como enfrentá-las, como vivê-las e ajudar a superá-las, quando, depois do abandono, recolocou o seu espírito nas mãos do Pai: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46), dando assim a possibilidade para que a humanidade se recompusesse, em si mesma e com Deus, e indicando-lhe o modo de fazê-lo. Ele manifestou-se como chave da unidade, remédio para qualquer divisão. Era Ele que recompunha a unidade entre nós, cada vez que era rompida. Era Ele que reconhecíamos e amávamos nas grandes, trágicas divisões da humanidade e da Igreja. Ele se tornou o nosso único Esposo. E a nossa convivência com um tal Esposo foi tão rica e fecunda, que me levou a escrever um livro, como uma carta de amor, como um canto, um hino de alegria e gratidão a Ele».

22 abril 2022

A família e Maria

21 de abril de 1984,

A família: tema altíssimo e frequente no pensamento e na vida de Chiara Lubich. Este escrito de 1984 insere a família no seu desígnio, ou seja, no fato de ela ser, no plano de Deus, igreja doméstica, «morada acolhedora para todos os filhos dispersos».  Olhar para Maria, para viver, segundo o seu exemplo e com a sua ajuda, «o fascinante e luminoso projeto de Deus para a família em todas as suas expressões».

No dia da Anunciação, por ocasião do Jubileu do Ano Santo das famílias, João Paulo II consagrou e entregou a humanidade ao Coração Imaculado de Maria. A coincidência com este acontecimento não é casual. Existem, de fato, profundas relações entre Maria e a família, sem dúvida pelo fato de que tanto uma como outra são grandes conhecedoras do amor. 

Maria conheceu o amor, também no plano simplesmente natural, nos seus mais variados aspectos como filha, noiva, esposa, mãe, embora sendo virgem, e viúva. A família é o reino do amor. Nela nasce, cresce e se desenvolve o amor filial, esponsal, materno, paterno, fraterno. 

Maria, mãe do belo Amor, conheceu muito bem o amor sobrenatural: nascendo cheia de graça, foi envolvida pelo Amor feito pessoa, o Espírito Santo, no momento no qual o Verbo se encarnou em seu seio. Foi depois envolvida pelas suas chamas no Pentecostes, quando se tornou plenamente mãe espiritual de todos nós cristãos. Devido a estes dois nascimentos, ela é modelo, tipo, forma da Igreja. A família, lugar do nascimento daqueles que, uma vez batizados são filhos de Deus, foi santificada pelo Espírito Santo, Espírito de amor, com o grande sacramento do matrimônio, e tornou-se miniatura e coração da Igreja.

Quando o Papa leu o ato de entrega da humanidade a Maria começou com estas palavras: «A família é o coração da Igreja. Deste coração eleva-se hoje um ato de particular entrega ao coração da Mãe de Jesus». E assim, de coração a coração, nesta intensa comunhão, que se criou com a celebração da Eucaristia, elevou-se, do coração do Pai universal um grito pleno de solicitude pelas necessidades da humanidade, a oração de consagração à Virgem Maria, a fim de que cuide de modo especial de toda a família humana.

O Papa estava ali, ajoelhado diante da estátua branca de Nossa Senhora de Fátima.

Naquele momento, o pensamento de muitos de nós ali presentes,  dirigiu-se ao dia 13 de maio de 1981, dia do atentado. O Santo Padre escolheu esse dia para anunciar a toda a Igreja a constituição do Pontifício Conselho para a Família.

Agora, na Praça de São Pedro, completamente lotada, ao lado dele, diante da imagem de Nossa Senhora de Fátima, como uma flor desabrochada do seu sofrimento e do seu sangue, estavam reunidas, simbolicamente, todas as famílias da Igreja, expressão de todas as famílias do mundo. 

O Santo Padre, como supremo Pastor, podia contar, no momento em que entregou o mundo a Maria, não só com a comunhão de todos os Pastores da Igreja, «constituindo um corpo e um colégio», mas também com a plena adesão dos filhos da Igreja, representados por tantas famílias de muitas nações.

Todos sabemos como João Paulo II, na sua incansável dedicação ao serviço da Igreja, fala sempre da família. Ele coloca na família as esperanças da humanidade; entrega a ela o destino da vida. 

Com seu característico carisma de paternidade espiritual, que se manifesta também na sua dramaturgia, como por exemplo, naquela pérola que é a Raggi di paternità, representada na Sala Paulo VI diante do Autor, no mesmo dia do Jubileu das famílias, ele sente que as ameaças do mal e as esperanças do bem passam através daquele coração da Igreja, ou seja, da família. E, agora, neste dia solene, entregando o mundo à Mãe de Deus, não deixou de recomendar que a humanidade seja libertada de alguns males que afligem a família, rezando também desta forma: «Livrai-nos dos pecados contra a vida do homem desde o seu início!».

E na oração conclusiva da sua homilia – oração que escreveu para o Sínodo de 1980 que teve como tema de estudo a família – pediu esta graça: «Que o amor, fortalecido pela graça do sacramento do matrimônio, se manifeste mais forte do que todas as fraquezas e crises que, às vezes, afligem as nossas famílias». 

Todas estas significativas coincidências e expressões nos permitem perceber no ato de entrega do Papa à Nossa Senhora, uma especial referência às famílias, a todas as famílias da terra, principalmente àquelas dos «povos que, devido à própria situação, são especial objeto do teu amor e da tua solicitude». E isso, para consagrar e confiar aquele coração pulsante de vida, ou seja, a família, ao amor misericordioso de Deus; para abrir esta célula básica da humanidade ao dom sobrenatural do amor de Deus que redime e santifica, que perdoa e eleva a família e o amor  conjugal à sua dignidade. E ainda mais, para implorar a Deus que liberte a família de todos os perigos e pecados que a ameaçam.

O sentido profundo desta consagração não pode deixar de levar todas as famílias cristãs a viverem – com a ajuda e o exemplo de  Maria – o luminoso e fascinante projeto de Deus para a família em todas as suas expressões: o amor conjugal, segundo o plano divino, sinal do amor de Cristo pela Igreja até o total dom de si, a paternidade e a maternidade, como participação ao amor fecundo do Criador; a paz e a harmonia na superação de todas as tensões e dificuldades, como frutto de uma caridade sempre viva e incansável, propensa a manter a presença espiritual de Cristo na família e, com Ele, a unidade de pensamento e de ação; uma abertura de comunhão e de serviço a outras famílias.

O Papa, falando às Famílias Novas do Movimento dos Focolares, assim delineou e definiu a imagem ideal da família, Igreja doméstica: «Com as suas vidas, com a convivência, com o seu estilo de vida, vocês constroem a Igreja na sua menor e, ao mesmo tempo, fundamental dimensão: a “Ecclesiola”!» 1.

Se esta Igreja doméstica – esta «Ecclesiola» – deve ser o «coração da Igreja», como afirmou o Papa, deve espelhar a atitude de Maria Santíssima, à qual agora é consagrada, sendo, como Maria, transparência da vontade de Deus. Deve assumir como própria a simples mas total doação de si mesma ao plano divino, que é sempre um plano de redenção e de salvação. O gesto do Santo Padre é, de fato, um convite dirigido a todas as famílias para viverem particularmente consagradas a Maria, entregando a ela todas as angústias e alegrias da vida familiar, tendo nela o ponto de referência para um empenho comum de vida evangélica.

A mensagem de Fátima, que chama todos nós à conversão e à fidelidade ao Evangelho, torna-se assim a resposta da consagração da família, um empenho de renovação para que resplandeça sempre mais a fisionomia da Igreja que tem, de certa forma, na família cristã, a marca do seu ser «família de Deus», morada acolhedora para todos os filhos dispersos, chamados novamente à casa do Pai e convidados a entrarem nela por meio do coração materno da Mãe de Jesus.

Chiara Lubich

12 abril 2022

O fundo da piscina

Um excelente nadador tinha o costume de correr até a água e de molhar somente o dedão do pé antes de qualquer mergulho. Alguém intrigado com aquele comportamento, lhe perguntou qual a razão daquele hábito. 
O nadador sorriu e respondeu:
- Há alguns anos eu era um professor de natação; eu ensinava os alunos a nadar e a saltar do trampolim. 
Certa noite, eu não conseguia dormir, e fui até a piscina para nadar um pouco. 
Não acendi a luz, pois a lua brilhava através do teto de vidro do clube. 
Quando eu estava no trampolim, vi minha sombra na parede da frente. 
Com os braços abertos, minha imagem formava uma magnífica cruz. 
Em vez de saltar, fiquei ali parado, contemplando minha imagem. 
Nesse momento pensei na cruz de Jesus Cristo e em seu significado.
Eu não era um cristão, mas quando criança aprendi que Jesus morrera na cruz para nos salvar pelo seu precioso sangue. Naquele momento as palavras daquele ensinamento me vieram a mente e me fizeram recordar do que eu havia aprendido sobre a morte de Jesus. 
Não sei quanto tempo fiquei ali parado com os braços estendidos. Finalmente desci do trampolim e fui até a escada para mergulhar na água. 
Desci a escada e meus pés tocaram o piso duro e liso do fundo da piscina.
Haviam esvaziado a piscina e eu não percebera. 
Tremi todo, e senti um calafrio na espinha. 
Se eu tivesse saltado seria meu último salto. Naquela noite a imagem da cruz na parede salvou a minha vida. 
Fiquei tão agradecido a Deus, que ajoelhei na beira da piscina, confessei os meus pecados e me entreguei a Ele, consciente de que foi exatamente em uma cruz que Jesus morreu para me salvar. Naquela noite fui salvo duas vezes e, para nunca mais me esquecer, sempre que vou até piscina molho o dedão do pé antes.
Deus tem um plano na vida de cada um de nós e não adianta querermos apressar, ou retardar as coisas, pois, tudo acontecerá no seu devido tempo e esse tempo é o tempo Dele e não o nosso...