18 dezembro 2010

Maria Fumaça

Maria Fumaça
Fumava cachimbo, bebia cachaça...
Maria Fumaça
Fazia arruaça, quebrava vidraça
E só de pirraça
Mata as galinhas de suas vizinhas
Maria Fumaça
Só achava graça na própria desgraça
Dez vezes por dia a delegacia
Mandava um soldado prender a Maria
Mas quando se via na frente da praça
Maria sumia tal qual a fumaça
Maria Fumaça
Não diz mais chalaça, não faz mais trapaça...
Somente ameaça que acaba com a raça
Bebendo potassa
Perdeu o rompante
Foi presa em flagrante roubando um baralho
Não faz mais conflito
Está no distrito lavando o assoalho

16 dezembro 2010

Pequeno Perfil De Um Cidadão Comum

Era um cidadão comum
Como esses que se vê na rua.
Falava de negócios, ria,
Via show de mulher nua.
Vivia o dia e não o sol,
A noite e não a lua.
Acordava sempre cedo,
Era um passarinho urbano.
Embarcava no metrô,
O nosso metropolitano.
Era um homem de bons modos:
"Com licença", "Foi engano".
Era feito aquela gente
Honesta, boa e comovida.
Que caminha para a morte,
Pensando em vencer na vida
Era feito aquela gente
Honesta, boa e comovida.
Que tem no fim da tarde
A sensação da missão cumprida.
Acreditava em Deus
E em outras coisas invisíveis.
Dizia sempre "sim"
Aos seus senhores infalíveis.
Pois é, tendo dinheiro,
Não há coisas impossíveis.
Mas o anjo do Senhor,
Do qual nos fala o livro santo,
Desceu do céu pra uma cerveja
Junto dele no seu canto.
E a morte o carregou
Feito um pacote no seu manto.
Era feito aquela gente
Honesta, boa e comovida.
Que caminha para a morte,
Pensando em vencer na vida
Era feito aquela gente
Honesta, boa e comovida.
Que tem no fim da tarde
A sensação da missão cumprida.

Sabe você

Você é muito mais que eu sou
Está bem mais rico do que eu estou
Mas o que eu sei você não sabe
E antes que o seu poder acabe
Eu vou mostrar como e por que
Eu sei, eu sei mais que você 
Sabe você o que é o amor? Não sabe, eu sei
Sabe o que é um trovador? Não sabe, eu sei. 
Sabe andar de madrugada tendo a amada pela mão
Sabe gostar, qual sabe nada, sabe, não
Você sabe o que é uma flor? Não sabe, eu sei. 
Você já chorou de dor? Pois eu chorei.
Já chorei de mal de amor, já chorei de compaixão
Quanto à você meu camarada, qual o que, não sabe não 
E é por isso que eu lhe digo e com razão
Que mais vale ser mendigo que ladrão
Sei que um dia há de chegar e isso seja quando for
Em que você pra mendigar, só mesmo o amor
Você pode ser ladrão quando quiser
Mas não rouba o coração de uma mulher
Você não tem alegria, nunca fez uma canção
Por isso a minha poesia, ah, ah, você não rouba não 

Monólogo de Orfeu

Mulher mais adorada!
Agora que não estás,
deixa que rompa o meu peito em soluços
Te enrustiste em minha vida,
e cada hora que passa
É mais por que te amar
a hora derrama o seu óleo de amor em mim, amada.
E sabes de uma coisa?
Cada vez que o sofrimento vem,
essa vontade de estar perto, se longe
ou estar mais perto se perto
Que é que eu sei?
Este sentir-se fraco,
o peito extravasado
o mel correndo,
essa incapacidade de me sentir mais eu, Orfeu;
Tudo isso que é bem capaz
de confundir o espírito de um homem.
Nada disso tem importância
Quando tu chegas com essa charla antiga,
esse contentamento, esse corpo
E me dizes essas coisas
que me dão essa força, esse orgulho de rei.
Ah, minha Eurídice
Meu verso, meu silêncio, minha música.
Nunca fujas de mim.
Sem ti, sou nada.
Sou coisa sem razão, jogada, sou pedra rolada.
Orfeu menos Eurídice: coisa incompreensível!
A existência sem ti é como olhar para um relógio
Só com o ponteiro dos minutos.
Tu és a hora, és o que dá sentido
E direção ao tempo,
minha amiga mais querida!
Qual mãe, qual pai, qual nada!
A beleza da vida és tu, amada
Milhões amada! Ah! Criatura!
Quem poderia pensar que Orfeu,
Orfeu cujo violão é a vida da cidade
E cuja fala, como o vento à flor
Despetala as mulheres -
que ele, Orfeu,
Ficasse assim rendido aos teus encantos?
Mulata, pele escura, dente branco
Vai teu caminho
que eu vou te seguindo no pensamento
e aqui me deixo rente quando voltares,
pela lua cheia
Para os braços sem fim do teu amigo
Vai tua vida, pássaro contente
Vai tua vida que estarei contigo.

05 dezembro 2010

A NOITE DE NATAL

Em a noite de Natal
Alegram-se os pequenitos;
Pois sabem que o bom Jesus
Costuma dar-lhes bonitos.
Vão se deitar os lindinhos
Mas nem dormem de contentes
E somente às dez horas
Adormecem inocentes.
Perguntam logo à criada
Quando acorde de manhã
Se Jesus lhes não deu nada.
– Deu-lhes sim, muitos bonitos.
– Queremo-nos já levantar
Respondem os pequenitos.

03 dezembro 2010

Poema da Amizade

 A amizade consegue ser tão complexa...
Deixa uns desanimados, outros bem felizes...
É a alimentação dos fracos
É o reino dos fortes

Faz-nos cometer erros
Os fracos deixam se ir abaixo
Os fortes erguem sempre a cabeça
os assim assim assumem-os

Sem pensar conquistamos
O mundo geral
e construimos o nosso pequeno lugar
deixando brilhar cada estrelinha

Estrelinhas...
Doces, sensiveis, frias, ternurentas...
Mas sempre presentes em qualquer parte
Os donos da Amizade...

02 dezembro 2010

«NÃO CONHEÇO SENÃO CRISTO E CRISTO CRUCIFICADO»[1] (20.9.1949)


Tenho um só Esposo na terra: Jesus Abandonado. 
Não tenho outro Deus além d’Ele. 
N’Ele está todo o Paraíso com a Trindade e toda a terra com a Humanidade. 
Por isso, o seu é meu e nada mais.
Sua é a dor universal e, portanto, minha. 
Irei pelo mundo à sua procura em cada instante da minha vida.
O que me faz mal é meu.
Minha, a dor que me perpassa no presente. 
Minha, a dor de quem está ao meu lado (ela é o meu Jesus). 
Meu, tudo aquilo que não é paz, gáudio, belo, amável, sereno... 
Numa palavra: aquilo que não é Paraíso. 
Pois eu também tenho o meu Paraíso, mas ele esta no coração do meu Esposo. 
Outros paraísos não conheço. 
Assim será pelos anos que me restam: sedenta de dores, de angústias, de desesperos, de melancolias, de desapegos, de exílio, de abandonos, de dilacerações, de... tudo aquilo que é Ele, e Ele é o Pecado.
Assim, dessecarei a água da tribulação em muitos corações próximos e — pela comunhão com meu Esposo onipotente — distantes.
Passarei como fogo que devora tudo o que há de ruir e deixa em pé só a verdade.
Mas é preciso ser como Ele, ser Ele no momento presente da vida.
[1] 1Cor 2,2

29 novembro 2010

O teu riso


Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.

Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.

Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.

26 novembro 2010

Ninho Desfeito

Vives no meu pensamento 
Não esqueço um segundo de ti 
É minha vida um tormento 
Sofrimento igual nunca vi 
Teu perfume ficou em meu leito 
No meu peito ficou teu amor 
Volta que ninho desfeito é uma casa onde mora a dor
Se batem na porta do meu triste lar
No peito meu coração se agita
Abro, a esperança desfaz-se no ar
Por nao encontrar por quem ele palpita
No entanto, eu espero sem desesperar
Pois sei que voltarás um dia
Sei que virás novamente enfeitar nosso lar de prazer e alegria

25 novembro 2010

Poema dos Olhos da Amada

Oh, minha amada
Que os olhos teus
São cais noturnos
Cheios de adeus
São docas mansas
Trilhando luzes
Que brilham longe
Longe nos breus
Oh, minha amada
Que olhos os teus
Quanto mistério
Nos olhos teus
Quantos saveiros
Quantos navios
Quantos naufrágios
Nos olhos teus
Oh, minha amada
Que olhos os teus
Se Deus houvera
Fizera-os Deus
Pois não os fizera
Quem não soubera
Que há muitas eras
Nos olhos teus
Ah, minha amada
De olhos ateus
Cria a esperança
Nos olhos meus
De verem um dia
O olhar mendigo
Da poesia
Nos olhos teus

26 setembro 2010

Meu Sonho

Parei as águas do meu sonho
para teu rosto se mirar.
Mas só a sombra dos meus olhos
ficou por cima, a procurar...
Os pássaros da madrugada
não têm coragem de cantar,
vendo o meu sonho interminável
e a esperança do meu olhar.
Procurei-te em vão pela terra,
perto do céu, por sobre o mar.
Se não chegas nem pelo sonho,
por que insisto em te imaginar?
Quando vierem fechar meus olhos,
talvez não se deixem fechar.
Talvez pensem que o tempo volta,
e que vens, se o tempo voltar

06 agosto 2010

No Caminho, com Maiakóvski

Assim como a criança
humildemente afaga
a imagem do herói,
assim me aproximo de ti, Maiakóvski.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem.

Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz;
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de me quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas manhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.

Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne aparecer no balcão.
Mas eu sei,
porque não estou amedrontado
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais.

Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado,
no plantio.
Mas ao tempo da colheita
lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.

E por temor eu me calo,
por temor aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita - MENTIRA!

30 junho 2010

Metade

Que a força do medo que eu tenho,
não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo o que acredito
não me tape os ouvidos e a boca.
Porque metade de mim é o que eu grito,
mas a outra metade é silêncio...
Que a música que eu ouço ao longe,
seja linda, ainda que triste...
Que a mulher que eu amo
seja para sempre amada
mesmo que distante.
Porque metade de mim é partida,
mas a outra metade é saudade.
Que as palavras que eu falo
não sejam ouvidas como prece
e nem repetidas com fervor,
apenas respeitadas,
como a única coisa que resta
a um homem inundado de sentimentos.
Porque metade de mim é o que ouço,
mas a outra metade é o que calo.
Que essa minha vontade de ir embora
se transforme na calma e na paz
que eu mereço.
E que essa tensão
que me corrói por dentro
seja um dia recompensada.
Porque metade de mim é o que eu penso,
mas a outra metade é um vulcão.
Que o medo da solidão se afaste
e que o convívio comigo mesmo
se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto,
um doce sorriso,
que me lembro ter dado na infância.
Porque metade de mim
é a lembrança do que fui,
a outra metade eu não sei.
Que não seja preciso
mais do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito.
E que o teu silêncio
me fale cada vez mais.
Porque metade de mim
é abrigo, mas a outra metade é cansaço.
Que a arte nos aponte uma resposta,
mesmo que ela não saiba.
E que ninguém a tente complicar
porque é preciso simplicidade
para fazê-la florescer.
Porque metade de mim é platéia
e a outra metade é canção.
E que a minha loucura seja perdoada.
Porque metade de mim é amor,
e a outra metade...
também"

Ausência

Eu deixarei que morra
em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.

18 junho 2010

José Saramago

Nota da CBL de 18/06/2010

“Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
manhãs e madrugadas em que não precisamos de morrer. Então sabemos tudo do que foi e será. (...) Cada um de nós é por enquanto a vida. Isso nos baste.”

Morreu hoje, aos 87 anos, José Saramago, em Lanzarote, Ilhas Canárias, onde vivia com sua segunda mulher, Pilar Del Rio. O homem que nunca foi à universidade, porque a família era pobre e não havia meios para isso. O homem que, para sobreviver, fez um curso técnico e tornou-se serralheiro mecânico. No entanto, como tinha paixão pelas letras, passava suas noites na Biblioteca Municipal Central de Lisboa. O homem chamado coragem nasceu em 1922 em Azinhaga, no Ribatejo, Portugal de uma família de pais e avós pobres. O homem que foi funcionário público em Portugal, por décadas. Aos 30 anos começou a fazer traduções, para aumentar sua renda de operário. Auto didata, traduziu Baudelaire, Hegel e Tolstoi, entre outros clássicos.
O homem que publicou seu primeiro romance, Terras do Pecado, em 1947, mas só foi reconhecido como um verdadeiro escritor a partir da década de 1980, quando lançou o romance Levantado do Chão.
Depois disso, seus sucessos literários se sucederam com Memorial do convento (1982), O ano da morte de Ricardo Reis (1984), A jangada de pedra, (1986) História do cerco de Lisboa (1989) O Evangelho segundo Jesus Cristo, (1991) e Ensaio sobre a cegueira (1995) com o qual ganhou o Prémio Nobel da literatura em 1998. Único ganhador de um Prêmio Nobel em língua portuguesa, José Saramago ajudou, com isso, a estimular as vendas de livros e a aumentar o respeito por quem escreve em português. O homem que, com esse sucesso, fez com que vários outros autores nacionais e da comunidade de língua portuguêsa fossem descobertos e também lidos, o que estimulou os mercados de livros na nossa língua.
O homem que nunca escondeu suas ideias, brigou por elas, deixou muito claras suas posições, sem medo de críticas.
“Os bons e os maus resultados dos nossos ditos e obras vão-se distribuindo, supõe-se que de uma maneira bastante uniforme e equilibrada, por todos os dias do futuro, incluindo aqueles, infindáveis, em que já cá não estaremos para poder comprová-lo, para congratularmo-nos ou para pedir perdão, aliás, há quem diga que é isto a imortalidade de que tanto se fala”.
Autor versátil, ele deixou 20 romances, 3 livros de contos, 5 peças de teatro, 4 livros de crônicas, 3 livros de poesias e um de viagem. Os números, frios, nunca vão explicar a emoção da qual era carregada sua literatura, que fez chorar e rir, que espantou e acalmou, que fez pensar, enfim. “Escrevo para desassogar os meus leitores” disse Saramago em 2009.
"Sou um leitor de Saramago desde a minha adolescência. Conheço muito bem a obra dele e foi o escritor que mais me tocou até hoje", revelou. João Tordo, ganhador do Prêmio José Saramago 2009 (com o romance “As Três Vidas” Portugal). Para Tordo, Saramago foi “Um escritor que revolucionou a literatura portuguesa: há um antes e um depois de Saramago. Ele inventou um modo de escrever.
"O homem que se tornou, antes e por esforço próprio, jornalista, a partir do final de década de 1960. E que trabalhou intensamente na imprensa, no Diário de Notícias, Diário de Lisboa, em A Capital e no Jornal do Fundão, todos portugueses.
Em 1975 foi, por alguns meses, diretor-adjunto do "Diário de Notícias". Essa função foi o ponto alto do seu percurso jornalístico e seria fundamental para o seu regresso à literatura e ao romance.. Demitido, decidiu que transformaria a sua vida: seria um escritor em tempo integral. Ele só seria reconhecido como tal três décadas depois de “Terras do Pecado”. Por essa época (1977) surgiu a primeira obra do Saramago exclusivamente escritor: Manual de Pintura e Caligrafia
O homem que falava da morte como fim único, pois era ateu. Mas falava da morte sem temor.
“Todos sabemos que cada dia que nasce é o primeiro para uns e será o último para outros e que, para a maioria, é só um dia mais”.
O homem que escreveu em seu blog, ainda na semana passada: “Acho que todos nós devemos repensar o que andamos aqui a fazer. Bom é que nos divirtamos, que vamos à praia, à festa, ao futebol, esta vida são dois dias, quem vier atrás que feche a porta – mas se não nos decidirmos a olhar o mundo gravemente, com olhos severos e avaliadores, o mais certo é termos apenas um dia para viver, o mais certo é deixarmos a porta aberta para um vazio infinito de morte, escuridão e malogro”.
"Escritor de projecção mundial, justamente galardoado com o Prémio Nobel da Literatura, José Saramago será sempre uma figura de referência da nossa cultura. Em nome dos Portugueses e em meu nome pessoal, presto homenagem à memória de José Saramago, cuja vasta obra literária deve ser lida e conhecida pelas gerações futuras. À Família do escritor, endereço as minhas mais sentidas condolências", lê-se numa nota publicada no site da Presidência da República de Portugual, Cavaco Silva.Morreu José Saramago. Foi ele mesmo quem disse: “Há coisas que nunca se poderão explicar por palavras.”

Obras Publicadas
Poesias
Os poemas possíveis, 1966
Provavelmente alegria, 1970
O ano de 1993, 1975

Crônicas
Deste mundo e do outro, 1971
A bagagem do viajante, 1973
As opiniões que o DL teve, 1974
Os apontamentos, 1976
ViagensViagem a Portugal, 1981

Teatro
A noite, 1979
Que farei com este livro?, 1980
A segunda vida de Francisco de Assis, 1987
In Nomine Dei, 1993
Don Giovanni ou O dissoluto absolvido, 2005

Contos
Objecto quase, 1978
Poética dos cinco sentidos - O ouvido, 1979
O conto da ilha desconhecida, 1997
RomanceTerra do pecado, 1947
Manual de pintura e caligrafia, 1977
Levantado do chão, 1980
Memorial do convento, 1982
O ano da morte de Ricardo Reis, 1984
A jangada de pedra, 1986
História do cerco de Lisboa, 1989
O Evangelho segundo Jesus Cristo, 1991
Ensaio sobre a cegueira, 1995
A bagagem do viajante, 1996
Cadernos de Lanzarote, 1997
Todos os nomes, 1997
A caverna, 2001
O homem duplicado, 2002
Ensaio sobre a lucidez, 2004
As intermitências da morte, 2005
As pequenas memórias, 2006
A Viagem do Elefante, 2008
O Caderno, 2009
Caim, 2009

16 junho 2010

BONS AMIGOS

Abençoados os que possuem amigos, os que os têm sem pedir.
Porque amigo não se pede, não se compra, nem se vende.
Amigo a gente sente!

Benditos os que sofrem por amigos, os que falam com o olhar.
Porque amigo não se cala, não questiona, nem se rende.
Amigo a gente entende!

Benditos os que guardam amigos, os que entregam o ombro pra chorar.
Porque amigo sofre e chora.
Amigo não tem hora pra consolar!

Benditos sejam os amigos que acreditam na tua verdade ou te apontam a realidade.
Porque amigo é a direção.
Amigo é a base quando falta o chão!
Benditos sejam todos os amigos de raízes, verdadeiros.

Porque amigos são herdeiros da real sagacidade.
Ter amigos é a melhor cumplicidade!
Há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinho,
Há outras que sorriem por saber que os espinhos têm rosas!

27 abril 2010

Escutatória

Rubem Alves

Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular.
Escutar é complicado e sutil. Diz Alberto Caeiro (Fernando Pessoa) que “não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma”. Filosofia é um monte de ideias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia.
Parafraseio Alberto Caeiro: “Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito; é preciso também que haja silêncio dentro da alma”. Daí a dificuldade: a gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor. Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos…
Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela revolução de 64. Contou-me de sua experiência com os índios. Reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio. (Os pianistas, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio, […]. Abrindo vazios de silêncio. Expulsando todas as ideias estranhas.). Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala. Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio. Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos, pensamentos que ele julgava essenciais. São-me estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou. Se eu falar logo a seguir, são duas as possibilidades.
Primeira: “Fiquei em silêncio só por delicadeza. Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado”.
Segunda: “Ouvi o que você falou. Mas isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou”.
Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada.
O longo silêncio quer dizer: “Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou”.
E assim vai a reunião. Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia. Eu comecei a ouvir.
Fernando Pessoa conhecia a experiência, e se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras, no lugar onde não há palavras.
A música acontece no silêncio.
A alma é uma catedral submersa.
No fundo do mar – quem faz mergulho sabe – a boca fica fechada.
Somos todos olhos e ouvidos. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia, que de tão linda nos faz chorar. Para mim, Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio.
Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também. Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto.

21 fevereiro 2010

Não sei quantas almas tenho

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.

14 fevereiro 2010

A PALMEIRA

COMO É LINDA e verdejante
Esta palmeira gigante
Que se eleva sobre o monte!
Como seus galhos frondosos
S’elevam tão majestosos
Quase a tocar no horizonte!
Ó palmeira, eu te saúdo,
Ó tronco valente e mudo,
Da natureza expressão!
Aqui te venho ofertar
Triste canto, que soltar
Vai meu triste coração.
Sim, bem triste, que pendida
Tenho a fronte amortecida,
Do pesar acabrunhada!
Sofro os rigores da sorte,
Das desgraças a mais forte
Nesta vida amargurada!
Como tu amas a terra
Que tua raiz encerra,
Com profunda discrição;
Também amei da donzela
Sua imagem meiga e bela,
Que alentava o coração.
Como ao brilho purpurino
Do crepúsc’lo matutino
Da manhã o doce albor;
Também amei com loucura
Ess’alma toda ternura
Dei-lhe todo o meu amor!
Amei!... mas negra traição
Perverteu o coração
Dessa imagem da candura!
Sofri então dor cruel,
Sorvi da desgraça o fel,
Sorvi tragos d’amargura!
......................................
Adeus, palmeira! ao cantor
Guarda o segredo de amor;
Sim, cala os segredos meus!
Não reveles o meu canto
Esconde em ti o meu pranto
Adeus, ó palmeira!... adeus!.

Machado de Assis - Poesias Esquecidas

31 janeiro 2010

O Poço

Cais, às vezes, afundas
em teu fosso de silêncio,
em teu abismo de orgulhosa cólera,
e mal consegues
voltar, trazendo restos
do que achaste
pelas profunduras da tua existência.
Meu amor, o que encontras
em teu poço fechado?
Algas, pântanos, rochas?
O que vês, de olhos cegos,
rancorosa e ferida?
Não acharás, amor,
no poço em que cais
o que na altura guardo para ti:
um ramo de jasmins todo orvalhado,
um beijo mais profundo que esse abismo.
Não me temas, não caias
de novo em teu rancor.
Sacode a minha palavra que te veio ferir
e deixa que ela voe pela janela aberta.
Ela voltará a ferir-me
sem que tu a dirijas,
porque foi carregada com um instante duro
e esse instante será desarmado em meu peito.
Radiosa me sorri
se minha boca fere.
Não sou um pastor doce
como em contos de fadas,
mas um lenhador que comparte contigo
terras, vento e espinhos das montanhas.
Dá-me amor, me sorri
e me ajuda a ser bom.
Não te firas em mim, seria inútil,
não me firas a mim porque te feres.

22 janeiro 2010

O Guardião dos Livros

Ai estão os jardins, os templos e a justificação dos templos,
A exata música e as exatas palavras,
Os sessenta e quatro hexagramas,
Os ritos que são a única sabedoria
Que outorga o Firmamento aos homens,
O decoro daquele imperador
Cuja serenidade foi refletida pelo mundo, seu espelho,
De sorte que os campos davam seus frutos
E as torrentes respeitavam suas margens,
O unicórnio ferido que regressa para marcar o fim,
As secretas leis eternas,
O concerto do orbe;
Essas coisas ou sua memória estão nos livros
Que custodio na torre.
Os tártaros vieram do Norte
em crinados potros pequenos;
Aniquilaram os exércitos
Que o Filho do Céu mandou para castigar sua impiedade,
Ergueram pirâmides de fogo e cortaram gargantas,
Mataram o perverso e o justo,
Mataram o escravo acorrentado que vigia a porta,
Usaram e esqueceram as mulheres
E seguiram para o Sul,
Inocentes como animais de presa,
Cruéis como facas.
Na aurora dúbia
O pai de meu pai salvou os livros.
Aqui estão na torre onde jazo,
Recordando os dias que foram de outros,
Os alheios e antigos.
Em meus olhos não há dias. As prateleiras
Estão muito altas e não as alcançam meus anos.
Léguas de pó e sonho cercam a torre.
Por que enganar-me?
A verdade é que nunca soube ler,
Mas me consolo pensando
Que o imaginado e o passado já são o mesmo
Para um homem que foi
E que contempla o que foi a cidade
E agora volta a se;. o deserto.
Que me impede sonhar que alguma vez
Decifrei a sabedoria
E desenhei com aplicada mão os símbolos?
Meu nome é Hsiang. Sou o que custodia os livros,
Que talvez sejam os últimos,
Porque nada sabemos do Império
E do Filho do Céu.
Aí estão nas altas estantes,
A um tempo próximos e distantes;
Secretos e visíveis como os astros.
Aí estão os jardins, os templos.

in Elogio da Sombra
Tradução Carlos Nejar e Alfredo Jacques

18 janeiro 2010

Haiti

Haiti

Não justifica os meios nem os momentos
Solida qualquer estrutura se desfaz.
A natureza brilha, mas também apaga.
Um sorriso que acredita, em uma lágrima que se faz.
Sonhos que não tem princípio.
Fé que se abala.
Rumo sem direção, um único som......
Choro, barulho, socorro.

Cadê meu irmão???

Criticas porque nessa hora! Que horas?
Não existe tempo muito menos dia a única coisa que vemos são pessoas estendidas.
Sem respiração, sem pulsação
Por favor, aonde esta meu irmão???

Ninguém localiza, não existe rua nem esquina apenas nada sobre nada.
Não justifica não nos cabe nenhuma critica.

Edson Rufo
Escritor – Terapeuta
Consultor de Qualidade de Vida
e Saúde Empresarial

17 janeiro 2010

Haiti - Urgente.

Urgência! É com esse sentimento que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Cáritas Brasileira, organismo vinculado a CNBB, está lançando uma Campanha de ajuda às vítimas do terremoto que atingiu o país caribenho, na noite do dia 12, vitimando milhares de pessoas, dentre elas a fundadora da Pastoral da Criança, Drª Zilda Arns.Diante das consequências desta tragédia, a CNBB, em conjunto com a Cáritas Brasileira, lança a Campanha SOS HAITI em socorro à população atingida pelo terremoto.Com esta campanha, a Igreja pretende fazer um apelo a todas as comunidades, paróquias, dioceses e a sociedade em geral para que organizem coletas em favor do povo haitiano, sugerindo que o dia 24 de janeiro, domingo, seja dedicado a orações pelas vítimas, reflexões e coletas em dinheiro.O resultado da campanha brasileira SOS HAITI se integra a campanha mundial promovida pela Caritas Internacionalis em resposta ao chamado do papa Bento XVI para a solidariedade da Igreja ao povo haitiano.As doações em dinheiro podem ser depositadas nas contas bancárias abertas exclusivamente para a campanha e serão destinadas às ações de socorro imediato, reconstrução e recuperação das condições de vida do povo haitiano.“Tanto mais urgente se apresenta agora o desafio da solidariedade, para um país que já vivia em condições de extrema precariedade. O apelo precisa ser respondido, sobretudo pelo Brasil, em vista de duas vinculações especiais que neste episódio ligam nosso país com o Haiti, primeiro é a presença do contingente do Exército brasileiro, segundo é o falecimento da doutora Zilda Arns”, foi o que expressou, em artigo enviado a CNBB, dom Demétrio Valentine, bispo de Jales (SP), a respeito da urgência em ajudar o povo haitiano.
As contas para depósito são:
Banco Bradesco, Agência: 0606 Conta Corrente: 70.000-2;
Caixa Econômica Federal OP: 003, Agência: 1041 Conta Corrente: 1132-1; ou Banco do Brasil, Agência: 3475-4 Conta Corrente: 23.969-0
Mais informações acesse o site da Cáritas Brasileira, www.caritas.org.br ou ligue (61) 3214-5400(61) 3214-5400.

Informações coletadas no site da CNBB (http://www.cnbb.org.br/site/imprensa/noticias/1250-igreja-no-brasil-lanca-campanha-sos-haiti-para-ajudar-os-necessitados-do-terremoto-)