26 agosto 2022

Chiara Lubich: o amor ao próximo e as obras de misericórdia

 Desde os primórdios do Movimento, sobretudo pelas circunstâncias dolorosas da guerra, Chiara e as suas companheiras foram muito solícitas amando os pobres da sua cidade, acolhendo-os em casa, visitando-os, levando-lhes o necessário, socorrendo-os de todos os modos. Por meio deste exercício de amor, de caridade para com o próximo mais necessitado, mais tarde compreenderam que o seu coração não devia se dirigir somente aos pobres, mas a todos os homens indistintamente. (…) Sobre as obras de misericórdia Chiara retorna em diversas cartas enviadas, desde os primeiros tempos, a todos os que se aproximavam do Movimento. Entre as muitas cartas, relatamos aquilo que escreve à sua amiga Anna exortando-a a viver, em cada momento do seu dia, a obra de misericórdia que Deus lhe põe diante e de fazê-lo também em relação a si mesma, a Jesus dentro dela: “Lembra que no final da vida te serão pedidas as 7+7 obras de Misericórdia. Se fizeste aquelas, fizeste tudo. E gostaria que tu vivesses conosco o momento presente e no presente, a obra de Misericórdia que Deus te solicita. Estudas? = Ensinas o ignorante. Alguém te faz uma pergunta (uma colega?) = aconselhas quem está na dúvida. Comes ou dás da comer? = sacias quem tem fome. (…) etc. Todas as 14 obras de Misericórdia são tais a ponto de resolver cada tua ação. E cada uma de tuas ações pode ser dirigida ao Jesus que deve viver e crescer em ti e no teu próximo.”

O amor recíproco, o pacto de misericórdia e o perdão
O mandamento novo de Jesus: “amai-vos uns aos outros como eu vos amei…” (cf. Jo 13,34), – que evidencia a especificidade das relações interpessoais dos cristãos e o fim último da misericórdia –, representa outro ponto fundamental da espiritualidade de Chiara. É o amor recíproco que, vivido na atitude de “ser o primeiro a amar”, de doação incondicional, gratuita uns para com os outros, caracterizou a vida do primeiro focolare. Chiara mesma descreve o seu radicalismo, falando a um grupo de amigos muçulmanos sobre o “pacto de misericórdia”. (…)
Em outras circunstâncias, Chiara reitera a oportunidade desta prática, salientando o valor do perdão, e definindo-o como um verdadeiro ato de liberdade: “Perdoar. Perdoar sempre. O perdão não é esquecimento, que frequentemente significa não querer olhar de frente a realidade. O perdão não é fraqueza, isto é, não levar em consideração uma ofensa por medo do mais forte que a cometeu. O perdão não consiste em afirmar que é sem importância aquilo que é grave, ou que é bem aquilo que é mal. O perdão não é indiferença. O perdão é um ato de vontade e de lucidez, portanto de liberdade que consiste em acolher o irmão assim como ele é, apesar do mal que nos fez, como Deus acolhe a nós pecadores, apesar dos nossos defeitos. O perdão consiste em não responder à ofensa com a ofensa, mas em fazer o que Paulo diz: ‘Não te deixes vencer pelo mal, mas vence, com o bem, o mal’. O perdão consiste em abrir a quem te ofende a possibilidade de um novo relacionamento contigo, portanto, a possibilidade para ele e para ti de recomeçar a vida, de ter um amanhã em que o mal não tenha a última palavra. (…) Sobre esta atitude que se deve ter em relação a cada irmão, Chiara retorna especificando a necessidade de recomeçar sempre: “Talvez aquele irmão, como todos nós, cometeu erros, mas Deus, como o vê? Qual é, realmente, a sua condição, a verdade do seu estado? Se estiver em ordem diante de Deus, Deus não se lembra de mais nada, cancelou tudo com o seu sangue. E nós, por que nos lembrarmos? Quem está errado naquele momento? Eu que julgo, ou o irmão? Eu.
E então devo começar a ver as coisas a partir do olhar de Deus, na verdade, e tratar de modo conforme com o irmão, porque, se por desventura ele ainda não estivesse em ordem com o Senhor, o calor do meu amor, que é Cristo em mim, o levaria ao arrependimento como o sol absorve e cicatriza muitas feridas. A caridade se mantém com a verdade e a verdade é misericórdia pura, da qual devemos estar revestidos da cabeça aos pés para podermos nos chamar cristãos. O meu irmão retorna? Eu devo vê-lo novo como se nada tivesse acontecido e recomeçar a vida juntos, na unidade de Cristo, como a primeira vez, porque nada mais existe. Esta confiança o protegerá de outras quedas e eu também, se terei medido assim em relação a ele, poderei ter esperança de um dia ser julgado assim por Deus”.

10 agosto 2022

Maria, sede da sabedoria

«Maria Santíssima é “Sede da Sabedoria” por ter acolhido Jesus, Sabedoria encarnada, no coração e no ventre. Com o “fiat” da anunciação ela aceitou servir a vontade divina, e a Sabedoria tomou morada em seu seio fazendo dela uma sua discípula exemplar. A Virgem foi bem-aventurada não tanto por ter amamentado o Filho de Deus, quanto, na realidade, por ter nutrido a si mesma com o leite salutar da Palavra de Deus».

(S. João Paulo II, Angelus, 4 de setembro de 1983).

«Para compreender bem este canto de louvor (o Magnificat), é preciso salientar que a beata Virgem Maria fala com base na sua experiência, tendo sido iluminada e instruída pelo Espírito Santo. Com efeito, ninguém pode entender corretamente Deus e a Sua palavra se não lhe é concedido diretamente pelo Espírito Santo. Mas, receber tal dom do Espírito Santo significa experimentá-lo, senti-lo; o Espírito Santo ensina na experiência, como numa escola, fora da qual nada se aprende a não ser palavras e tagarelices. A Santa Virgem, portanto, tendo experimentado em si mesma que Deus realiza grandes coisas nela, por quanto humilde, pobre e desprezada, o Espírito Santo lhe ensina esta grande arte comunicando a ela a sabedoria…».

(Martin Lutero, Comentário ao Magnificat, introdução).

«Nossa Senhora é Sede da Sabedoria, não porque falou, não porque foi uma doutora da Igreja, não porque esteve sentada em uma cátedra, não porque fundou universidades; é sede da sabedoria porque deu ao mundo Cristo, a Sabedoria encarnada. Realizou um fato. Da mesma forma nós: teremos a sabedoria se vivermos de maneira que Jesus esteja em nós, esteja entre nós, esteja realmente».

(Chiara Lubich, Um novo caminho, Cidade Nova, 2014, p 147)

«Maria vive não apenas de si mesma, mas de uma profundidade mais profunda. O Espírito Santo nela: dele promana não só o seu Filho, conteúdo e fruto do seu ser, dele promanam a realização e a forma de sua vida».

(Klaus Hemmerle, Brücken zum credo, p. 265)


11 Agosto 2018

Maria e o Deus que parece ausente

«Em 1984, com um grupo de bispos de diferentes confissões, estive na Basílica de Santa Sofia, em Istambul. Ficamos tocados por este edifício imponente, porque nele podíamos perceber de maneira tangível uma enorme presença da história da Igreja e da humanidade. Encontrávamo-nos em um edifício da antiga tradição cristã, da época na qual a cristandade estava unida, na qual a Ásia Menor era o centro do mundo cristão; mas estávamos também no lugar aonde se consumou a ruptura entre Oriente e Ocidente e rompeu-se a unidade. Nos grandes pináculos da cúpula víamos, enormes, as escritas do Alcorão, a supremacia de uma outra religião sobre a cristandade dilacerada. Precisamente diante de nós estavam alguns cartazes que diziam “Proibido rezar”. Um museu, aonde as pessoas passeavam com máquinas fotográficas e binóculos, girando daqui para lá, olhando as belezas artísticas que ali eram conservadas.

Esta ausência de religião naquele que, em outro tempo, fora um lugar sagrado, era terrível. Fomos esmagados por esta cascata de eventos: unidade originária, unidade dilacerada, diferentes religiões, nenhuma religião. Os nossos olhares vagavam desorientados em busca de auxílio quando, improvisamente… lá! Acima da cúpula cintilava, docemente e sem chamar atenção, um antigo mosaico: Maria que oferece o seu Filho. Então entendi claramente: sim, esta é a Igreja: estar, simplesmente, e a partir de si mesmos gerar Deus, aquele Deus que parece ausente.

A palavra Theotokos – mãe de Deus, aquela que gera Deus – de repente adquiriu para mim um som completamente novo. Entendi que não podemos organizar a fé no mundo; se ninguém mais quer ouvir falar de Deus, não podemos nos bater com a força e dizer “Ai de vós!”. Nós também podemos simplesmente estar, e conduzir à luz, partindo de nós mesmos, aquele Deus que parece ausente. Não podemos fabricar esse Deus, mas somente dá-lo à luz; não podemos afirmá-lo com argumentações, mas podemos ser o cálice que o contem, ser o céu, no qual, embora na despojada ostentação, Ele refulge. Compreendi assim não apenas o nosso papel nestes dias, enquanto Igreja, mas também como a Igreja subsista na figura de Maria e como Maria subsista na figura da Igreja, como ambas as figuras e as realidades sejam uma coisa só».

Klaus Hemmerle, Partire dall’unità. La Trinità e Maria, pp. 124, 125.