31 maio 2017

O “algo mais” da Paixão

Aos responsáveis da Obra na região
Do II tema sobre a espiritualidade coletiva 
Rocca di Papa, 5 de novembro de 1995

[…] 
Jesus abandonado: sexto ponto. 
Jesus abandonado, como dissemos várias vezes, é o "algo mais" da Paixão e na
Paixão. Jesus tinha perdido os discípulos e a mãe, estava para perder a vida que os
homens lhe arrancavam com a flagelação, a coroação de espinhos, os pregos, o sangue
que perdia por ter sido pregado na cruz.Restava-lhe a sua união com Deus, seu Pai. E
sujeitou-se a perder, a renunciar inclusive a ela: "Meu Deus, meu Deus, por que me
abandonaste?" (Mt 27, 46). E a tudo isso se imolava por nós.
É um "algo mais" o seu abandono que, como nós comprovamos através da nossa
espiritualidade, conduz - como também dizem os nossos Estatutos - àquele
"despojamento interior e exterior" necessário a toda e qualquer forma de unidade.
Tudo isso foi compreendido por nós desde o dia 24 de janeiro de 1944, quando,
depois de nem mesmo dois meses do que consideramos o início do Movimento, 7 de
dezembro de 1943, nos defrontamos - através de uma circunstância famosa – com essa
dor de Jesus. 24 de janeiro foi o dia em que decidimos nos doar a ele, como ao maior
amor do mundo.
Em Jesus abandonado - bem depressa compreenderemos - vimos a "chave da
unidade".
É o que testemunham algumas cartas.
Leio três trechos:

"E […] ainda não foi compreendido por vocês que o maior Ideal que o coração
humano pode ansiar - a unidade - é um vago sonho, é uma quimera, se quem o deseja
não põe em seu coração como único tudo: Jesus, abandonado por todos, também por
Seu Pai? […]"

Outra: "Somente amando, com todo o coração, Jesus abandonado, o corpo uma
única chaga, uma treva total na alma, é que a alma de vocês se formará à unidade"1.

E mais uma: 
"[…] Estou convencida de que a unidade no seu aspecto mais espiritual, mais
íntimo, mais profundo, só pode ser compreendida por aquela alma que escolheu como
sua porção na vida […] Jesus abandonado que grita: "Meu Deus, meu Deus, por que me
abandonaste?' […]
"Toda luz sobre a Unidade jorra daquele grito.“Escolhê-lo para si como único
objetivo, única meta, ponto de chegada da própria vida e... gerar à Unidade um número
infinito de pessoas".
 
E a última parte, sempre uma cartinha:
"[…] O que falta a esse Jesus tão angustiado? Que remédio pode curar a sua dor?
Deus! É Deus que lhe falta!
“Como podemos doar-lhe Deus?
“Estando unidos, nós o teremos entre nós, e Jesus, que nascerá da nossa
unidade, vai consolar o nosso Amor abandonado!"

[…]

30 maio 2017

Policie suas palavras

Policie suas palavras.

Evite termos impróprios e anedotas pesadas. 

Lembre-se de que tudo o que dizemos permanece em nossa atmosfera mental, atraindo aqueles que pensam da mesma forma, e que passarão a formar o círculo comum em redor de nós.

Não ofenda com palavras baixas os anjos de Deus, que se afastarão de você horrorizados.

A boa educação se manifesta também através das palavras que partem de nós.

29 maio 2017

O caminho "rapidíssimo"

Às Escolas dos focolarinos e das focolarinas
Loppiano, 24 de maio de 1985

Chiara, você disse no “collegamento” para contarmos todos os dias os atos de amor a  Jesus Abandonado e oferecê-los a Ele à noite. Você nos disse que a sua experiência foi um pouco extraordinária. Pode nos dizer mais alguma coisa?
Sim, mais alguma coisa, pois eu também fiz realmente algumas experiências; fazem-se sempre, a vida é experiência. Estes são os principais pontos que experimentei.
Antes de tudo: uma liberdade nova. Já a tinha antes, mas agora é nova, porque o fato de refinar bem o amor a Jesus Abandonado nos mínimos particulares, este desapegar-se de tudo, das menores coisas (não sei: você está rezando, por exemplo, e lhe passa um pensamento. Fora! É já um ato de amor. Lembra-se de um problema: não!, porque agora está rezando, deve estar ali todo concentrado com Deus), me fez sentir, experimentar, provar, o que é a liberdade justamente dos filhos…, não estar presa a nada, estar presa somente a Deus. Isto.
Depois, me dá a sensação de que posso ter sempre o Ressuscitado vivo dentro de mim, vigiando naturalmente, devo ficar atenta. E portanto, que tudo é possível, tudo possível. Todos os esplêndidos dons de que falamos antes, aquelas ações, são todas possíveis. Não há limites que impeçam a nossa alma de amar Deus.
Ainda outra experiência: tive realmente a certeza de poder amar a Deus com todo o coração, com toda a alma e com todas as forças, porque amamos Deus, se fazemos a Sua vontade, se estamos inteiramente lá na Sua vontade, inteiros ali. É preciso deixar-se comer por Deus, mas sem ser um pão duro, devemos ser um pão macio – estar completamente ali – que Deus possa comer.
Ora, fazendo a Sua vontade… Por exemplo, estou escrevendo, entra alguém e naquele momento é vontade de Deus escutá-la, lhe dar atenção. Então me desapegar do trabalho. Em outro momento talvez seja vontade de Deus trabalhar e dizer-lhe que aguarde um momento. Estes contínuos atos de amor, que me desprendem de tudo para fazer somente a vontade de Deus, me dão a possibilidade de amar Deus com todo o coração, toda a mente e todas as forças. E isto é uma grande coisa, porque se diz: “como fazer para amar a Deus com todo o coração? Ponho o coração em tudo!, como fazer para amar a Deus?” É fazer a Sua vontade no momento presente que é uma enorme sabedoria!
Depois, compreendi um pouco aquela bem-aventurança: “Bem-aventurados os mortos que morrem no Senhor”. Penso muitas vezes na morte, toda a vida pensei na morte. Foi sempre uma grande lição para mim e para vocês, para todos nós. Mas seria preciso morrer já mortos, seria preciso morrer já mortos; desapegados de tudo, tendo só Deus dentro.
Quantas vezes dizíamos quando éramos pequenos: “nós não queremos possuir nada, somente o coração para te amar!”
Abraçando deste modo Jesus Abandonado, somos mesmo assim. E depois, o que é que vocês possuem? A casa, as coisas, as pessoas? Mas não! Você está tão concentrado em amar somente a vontade de Deus e em se desapegar, em podar todo o resto, que sente um amor total por Ele. Porém, este amor por Deus, total, faz com que você esteja morta a si mesma e, portanto, amanhã quando se apresentar também à morte, será pedido a você o quê? Nada, porque já terá deixado tudo. E então ali sentirá a bem-aventurança dos mortos que morrem no Senhor. Você não terá nada a perder. É preciso chegar a morrer sem ter nada a perder. Um pouco como a nossa Luminosa (1), era mesmo assim, não tinha nada a perder, já tinha perdido tudo. Estava preparada, estava pronta, por isso também a sua passagem desta para a outra vida foi uma maravilha, foi… uma campeã. Ela sim, que tinha alcançado a… Era uma atleta, ela sim. Por isso disse: “Agora já não posso recomeçar”, porque lhe faltava o fôlego, já não conseguia respirar, e então disse: “continuem vocês”, foi uma das suas últimas palavras: “vão vocês para a frente”. A ânsia de seguir no caminho de Deus, já não o podendo fazer ela,… sentia porém a unidade do Corpo conosco e por isso dizia: “continuem vocês”. Depois, outra coisa que experimentei foi a seguinte: que muitas vezes sou atraída por Jesus Abandonado como o “nada” absoluto, o “nada” absoluto, que perdeu até mesmo Deus por Deus; o nada, o nada, este “nada” de que fala muitas vezes são João da Cruz, este desapego de tudo aquilo que ele chama de “apetites” também espirituais, isto é, as coisas a que podemos nos apegar. Experimentei – como dizer?… – a alegria, a liberdade do “nada”, do “nada”, o esquecimento de tudo. “Tu, morta ao mundo por total esquecimento”, dizia Foco falando da focolarina, “tu, morta ao mundo por total esquecimento”, por total… Tudo, estamos no meio do mundo, entramos em diálogo com todos, e estamos no esquecimento, quer dizer, no “nada” de tudo porque se recorda, isto é, volta ao coração (re-cordar, eu traduzo assim), coloca-se no coração somente Deus; você tem somente Deus dentro de si. Depois, mais uma coisa. Sim, é verdade, vai tudo no esquecimento, tudo… E justamente, como há este “nada”, este vazio, este “nada”, resta Ele, ele somente, só Ele. E portanto esta vida aqui é como a outra. E creio que, com esta nossa vida, com estes atos de amor que fazemos deste modo, acho que Jesus fica contentíssimo; sinto isto dentro de mim, que fica contentíssimo! Eu lhe pedi muitas vezes que me indicasse o caminho para me santificar com vocês, depressa, com estas cinquenta mil pessoas que seguem o “collegamento”, e tenho a impressão de que Nossa Senhora me revelou qual era: é Jesus Abandonado, contínuos atos de amor, é Jesus Abandonado, é o caminho, o diretíssimo, o rapidíssimo. Mas que trens japoneses, que nada! Aqui se vai muito mais depressa, super depressa! Chega-se super depressa!
[…]


1 Margarida Bavosi (Luminosa), focolarina que partiu para o Céu no dia 7 de março de 1985.



28 maio 2017

Atentos à bússola

Collegamento CH
Rocca di Papa, 5 de janeiro de 1984

[…]
Verificamos que o chamado a seguir Jesus Abandonado de maneira radical não se deu de uma só vez, ou seja, apenas no início do Movimento.
Com efeito, no decorrer destes anos, periodicamente o Senhor enfatizava este chamado, por meio de episódios ou de particulares reflexões.
Assim aconteceu comigo, em 1954. É um episódio conhecido, mas que é bom relembrar.
Era 1954, um ano importante para nós. Pela primeira vez, um focolarino se ordenava sacerdote. Eu devia viajar de Roma a Trento para participar da ordenação do Pe. Foresi, ministrada pelo arcebispo de Trento. Porém, como eu não estava muito bem de saúde, quiseram que eu fizesse a maior parte da viagem de avião. Logo que embarquei, uma aeromoça muito gentil, para facilitar a viagem, me convidou para conhecer a cabina de comando. Chegando naquele lugar fiquei imediatamente encantada com o magnífico panorama que se podia observar: amplo, plenamente visível pela carlinga toda de vidro.
Mas não foi o panorama o que mais tocou meu espírito. Na verdade, foi uma breve explicação do piloto sobre o que é importante para pilotar um avião. Ele me disse que, para se fazer uma viagem direta e segura, era necessário, antes de tudo, orientar a bússola na direção do ponto de chegada. Depois, durante o percurso, seria preciso vigiar para que o avião nunca se desviasse da rota estabelecida.
Seguindo estas explicações, fiz imediatamente dentro de mim, um paralelo entre uma viagem de avião neste mundo e a viagem da vida que, hoje, eu chamaria de "Santa Viagem". E me pareceu entender que também na viagem da vida é necessário, desde o início, fixar com precisão a rota, o caminho da nossa alma, que é Jesus Abandonado. A seguir, no decurso de toda viagem, devemos fazer uma única coisa: permanecer fiéis a Ele. Sim, o caminho ao qual Deus chama todos nós é somente este: amar Jesus Abandonado sempre. Isto significa abraçar, abraçar todas as dores da própria existência. Significa colocar em prática o amor, adequando sempre a nossa vontade à Sua, “assassinando” a nossa vontade para deixar viver a Sua. Amar Jesus Abandonado quer dizer conhecer a caridade, saber como se faz para amar os próprios próximos: como Ele amou, até o abandono. Amar Jesus Abandonado sempre significa colocar em prática todas as virtudes que, naquele momento, Ele viveu manifestamente de modo heroico.
O dia 31 de dezembro de 1983 marcou o terceiro aniversário da "Santa Viagem".
E nós nos questionamos: em que ponto estamos? E dentro de nós um desejo ardente de não perder mais tempo.
Pois bem, penso poder afirmar que apontar a agulha da bússola da nossa alma para Jesus Abandonado é tudo o que de melhor podemos fazer para continuar e terminar a Santa: Viagem, e até para empreendê-la com uma certa facilidade.
Se o piloto, que observei estar totalmente livre nos seus movimentos, não usava rédeas como as que se usam para guiar uma carruagem, nem volante, daqueles que se usam para dirigir automóveis, também nós, se orientarmos a agulha da nossa bússola espiritual para Jesus Abandonado, não teremos necessidade de outro recurso para chegarmos com segurança à meta.
E assim, como numa viagem de avião não nos deparamos com as surpresas das curvas, porque se voa no espaço aéreo, nem temos que afrontar montanhas, porque nos colocamos logo numa boa altitude, também na nossa viagem, com o amor a Jesus Abandonado, nos colocamos imediatamente nas alturas. Os imprevistos não nos assustam, nem sentimos muito os esforços da subida, porque, por Jesus, surpresas, cansaços e sofrimentos já são todos previstos e esperados!
Portanto, apontemos fixamente a bússola para Jesus Abandonado e permaneçamos fiéis a Ele.
De que modo? Pela manhã, ao despertarmos, apontemos nossa agulha para Jesus Abandonado com o nosso "Eis-me aqui!", do qual lhes falei anteriormente. Depois, durante o dia, de vez em quando, vamos dar uma olhada: observemos se estamos
sempre na rota certa para Jesus Abandonado. Se não estivermos, corrijamos a rota com um novo "Eis-me aqui!" e o sucesso da viagem não ficará comprometido. 

26 maio 2017

Nova humanidade

"Onde iremos parar se continuar assim?” 
É só o que se ouve todo mundo falar. 
Existe a violência, escândalo e tanto mal. 
Onde é que estão os grandes ideais? 

É certo, o mundo hoje vive um tempo escuro; 
Exalta-se o erro e a notícia crua e dura; 
Sucesso e dinheiro se conquista a qualquer preço. 
Porém, eu lhes garanto, não existe só esta Humanidade. 

Conheço outra humanidade, 
Aquela que encontro sempre pelas ruas, 
Aquela que não grita, aquela que não explora 
Sua gente pra tirar proveito. 

Conheço outra humanidade, 
Aquela que não sabe roubar pra ter, 
Mas que se contenta em ganhar o pão 
Com o seu suor. Creio, creio nesta humanidade. 
Creio, creio nesta humanidade. 
Que vive no silêncio, ainda é humilde, 
Ainda se desculpa e se faz criança. 
Esta é a humanidade que me dá esperança. 

Conheço outra humanidade, 
Aquela que hoje vai contra corrente, 
Aquela que quer dar também a sua vida 
Pra morrer pela própria gente. 

Conheço outra humanidade, 
Aquela que não busca seu lugar ao sol, 
Pois sabe que no mundo, por miséria e fome, 
Muita gente morre. 

Creio, creio nesta humanidade. 
Creio, creio nesta humanidade. 
Que abate as fronteiras, 
Que arrisca a própria vida 

E não usa armas; sabe usar o seu coração. 
Esta é a humanidade que crê no amor. 
Esta é a humanidade que crê no amor. 
Esta é a humanidade que crê no amor.

Não tenha medo

Não tenha medo! Medo de quê?

Nossa vida é eterna, nosso eu, que é nossa alma, não morre nunca.

A vida continua eternamente.

Procure sentir Deus palpitando dentro de si, na vida que pulsa em seu coração, nos pensamentos que povoam seu cérebro.

Não tenha medo, porque Deus está permanentemente dentro de você.

Siga seu caminho confiante e sereno, e descobrirá Deus em tudo.

24 maio 2017

O "pano de fundo" da Paixão


Aos focolarinos/as da África
Nairóbi, 10 de maio de 1992 – resp. n.1

Você, Chiara, fala sobre Jesus abandonado e explica como é o mistério do
abandono que dá sentido a toda a vida de Jesus.
Estamos profundamente fascinadas por tudo o que você diz sobre este mistério e
sobre a sua centralidade. Poderia nos falar mais desta realidade?
[…] a meu ver, […] não se pode reduzir a ideia do abandono de Jesus somente a
um momento, quando Jesus gritou: "Meu Deus, meu Deus por que me abandonaste?",
porque - como lhes demonstrarei - o abandono dá sentido, é o pano de fundo de toda a
paixão de Jesus. Por que isso? Porque Jesus não foi decapitado, por exemplo, como
João Batista, nem sequer foi lapidado, como Santo Estêvão. Ele foi pregado na cruz. O
que simbolizava a cruz naquela época e que significado o Império Romano já dava antes
Os crucificados eram pessoas especiais. Eram criminosos políticos, dos quais a
sociedade queria se ver livre, ou seja, queriam expulsá-los da sociedade, excomungá-los
da sociedade. Também escravos rebeldes eram crucificados, mas um pouco sempre com
o mesmo sentido: "não fazem parte da nossa sociedade".
Depois, quando a ideia da crucifixão se infiltrou no judaísmo (o qual recebeu
esta […] herança do Império Romano), foi dado outro significado à pessoa que era
crucificada, mas um pouco semelhante ao anterior: a pessoa crucificada era eliminada
do povo judeu, eliminada da Aliança; era crucificada fora da cidade. Jesus foi
crucificado fora dos muros. Não pertencia mais a Deus: era um maldito, era um ímpio,
uma pessoa sem Deus. 
E, para evidenciar isso, o que ainda faziam os romanos? […] Faziam de modo
que o condenado à crucifixão colocasse às costas a parte transversal da cruz e a
carregasse caminhando pelo meio do povo, para que o povo o injuriasse e o ofendesse.
Ele percorria uma rua muito povoada e era crucificado pelas ruas ou num monte, para
que ficasse à vista de todos. 
Jesus passou por tudo isso, porque foi crucificado. Portanto, não foi só o grito:
"Meu Deus, meu Deus...", esse foi o ápice, mas foi um crescente de abandonos. 
Em primeiro lugar, ser crucificado fora dos muros. Mas já o fato de ter sido
abandonado pelos discípulos o fez experimentar a solidão. Primeiro eles dormiram no
horto e, em seguida, o abandonaram. E mais, Jesus foi abandonado também pela
multidão que antes o tinha aclamado rei, etc., etc. Depois o coro da multidão se uniu
àquele de todas as autoridades e também às palavras do mau ladrão. Foi abandonado
inclusive pelo cosmo, digamos, pela natureza, com as trevas que sobrevieram. Os
momentos de abandono foram crescendo. Ele foi crucificado nu, que é símbolo
justamente da solidão. E, por fim, na cruz sentiu também o abandono direto do Pai. 
Eis por que o abandono não é somente um grito, mas é toda a atmosfera da
paixão de Jesus, é o que dá sentido e que permite entender a paixão de Jesus. […]
Naturalmente é preciso não esquecer que toda a história de Jesus, inclusive a sua
morte e ressurreição, é toda uma história de amor que ele tinha com o Pai. Havia um fio
de ouro que sempre manteve Jesus ligado ao Pai. Com efeito, a realidade de Jesus, a
pessoa de Jesus consiste só nisso: ser o acolhimento do Pai, obediência ao Pai; era não
tanto ser ele mesmo, mas viver o "nada", como nós dizemos, para acolher o Pai. Ele não
fez outra coisa senão acolher o Pai, ser receptividade do Pai. E foi o que Jesus fez
sempre, até nos momentos dolorosos, sempre, sempre, sempre. E mesmo quando gritou
o abandono, ele por amor ao Pai, por amor a Deus, perdeu Deus.
Naturalmente, porque era receptividade do Pai, porque era acolhimento do Pai, e
o Pai quis que ele morresse e amasse todos os homens, que morresse por eles, por isso
mesmo Jesus acolheu em si também todos os seres humanos. Por isso a sua vida, na
relação com o Pai e na relação com os irmãos, está totalmente relacionada com o
momento do abandono. Não podemos esquecer isso: que por detrás de todos esses
momentos de solidão manteve-se este fio, este fio do vínculo entre Jesus e o Pai.
Agora seria natural também chegar a uma conclusão. Nós falamos muitas vezes
do nada, não foi? Que queremos viver o nada, ser o nada. Aí está, o sistema para isso é
viver como Jesus, sermos todas nós também... Não devemos ser Chiara, Genoveva,
Bernadete, Eli. Não devemos ser nós mesmas, porém… porém, sendo nós mesmas,
devemos ser o nada de nós, só a vontade de Deus, tudo aquilo que Deus quer e basta. E
ser só amor para com os irmãos. Portanto, amor por Deus na oração, porque é o
momento de estarmos realmente em relação com ele. Amor por Deus fazendo todas as
suas vontades (tal como agora é escutar e para mim é falar) e amor pelos irmãos: sermos
todos… Por isso quando nós dizemos: viver o outro, ser o outro, viver no irmão, etc.,
essa é a linha, a linha para viver como Jesus viveu, se bem que ele tenha sofrido todas
estas dores do abandono.



O único tudo

Aos habitantes da Mariápolis Renata
Loppiano, 19 de fevereiro de 1986 – resp. n.15

Chiara, quando você fala do focolare diz que nós vivemos entre duas chamas:
Jesus dentro e Jesus no meio. Às vezes acontece que esta chama dentro de mim se enfraquece, porque é mais forte o meu eu, os meus desejos. E a outra chama, por consequência se torna pequena. O que fazer para que esta chama esteja sempre acesa e possa crescer?

Quando você perceber que a chama dentro se tornou pequena, é preciso amar Jesus Abandonado e amá-lo exatamente nesta situação. Amar Jesus Abandonado, porque Ele era realmente como a chama que estava se apagando. Nele se vê a aplicação da frase da "mecha que ainda fumega” (1). Parece mesmo que não haja mais o amor. Ele está se apagando. E, ao invés, reage e diz: “In manus tuas, Domine, commendo spiritum meum”.

Vejam, nós devemos ser loucos por Jesus Abandonado. O que significa ser louco? Quem é um louco? O louco é aquele que tem uma única ideia fixa. Nós devemos ter a ideia fixa de Jesus Abandonado. Portanto, também pensar nas nossas fraquezas: "Eu estou me apagando, eu sou assim. São mais fortes os meus desejos, vem em evidência o meu eu”. Sim, podemos também pensar, mas de relance, como uma coisa passageira, mas não devemos parar nisso. Nem sequer pensar demais nos nossos pecados, basta o necessário para confessá-los. Não é isso que devemos amar. É Jesus Abandonado que deve ser amado. Portanto, mesmo se os nossos pecados nos colocam na condição de amar Jesus Abandonado, porque nos sentimos pecadores, porque sentimos que a chama se apaga, a única coisa que devemos fazer é amar Jesus Abandonado. 

Aliás, eu lhes disse antes, que é preciso amar a Palavra, amar o “collegamento”. 
Mas a Palavra das Palavras é exatamente Jesus Abandonado. Recordem que os doidos por Jesus Abandonado, os loucos – "a loucura da cruz", dizem – os santos foram aqueles que chegaram à loucura da cruz, são aqueles que têm uma única ideia na cabeça. Nós devemos ter como ideia Jesus Abandonado, venha de onde vier e nunca parar no resto. Se nós pararmos nas outras coisas, caímos no “homem velho”, na morte.

Enquanto que, ao invés, se formos em frente com Jesus Abandonado, somos sempre o "eis-me aqui" diante de Jesus Abandonado, sempre o fruto maduro, pleno, somos a Ressurreição, somos o Ressuscitado.


(1) Is 42, 3 – Mt 12, 20

23 maio 2017

Todo o Evangelho, Palavra por Palavra


      JÁ NOTASTE que, se não tens noção do alfabeto e das poucas regras gramaticais que se aprendem no ensino fundamental, continuas a vida inteira analfabeto, sem saber ler nem escrever, embora tendo inteligência e vontade?

      Do mesmo modo, se não sabemos assimilar, uma a uma, as Palavras de Vida que Jesus esculpiu no Evangelho, nós, embora “bons cristãos”, continuamos “analfabetos do Evangelho”, incapazes de escrever com a nossa vida: Cristo.

      QUANTO MAIS vou em frente, mais vejo a beleza da Palavra de Vida1. É a pílula que concentra em si tudo aquilo que Jesus trouxe à terra: a mensagem evangélica.

      Também hoje procurarei ser Palavra viva.

      COMO NA HÓSTIA SANTA está Jesus inteiro, e também em cada fragmento dela, assim também no Evangelho está Jesus inteiro, e também em cada uma das suas Palavras.

      SÃO PALAVRAS de um Deus, as suas, densas de uma força revolucionária, insuspeita. Sabendo assimilá-las em nosso espírito, geramos Cristo até mesmo espiritualmente em nosso coração.

      Sim, isso é o que devemos fazer: nutrirmo-nos da Palavra de Deus e, assim como hoje todo o alimento necessário ao corpo pode ser tomado numa pílula só, do mesmo modo nos podemos nutrir de Cristo vivendo apenas uma das suas Palavras por vez. De fato, Ele está presente em cada uma delas.

      Desse modo, se o que conta é o ser e não o ter – como se diz hoje – e se – podemos acrescentar – é o ser que conta mais do que o fazer, devemos estar certos de que, com a Palavra, o Ser por excelência está em nosso coração, aliás, cresce em nosso coração. É Deus Aquele que é. Será o Ser, portanto, que poderá agir em nós.

      QUANDO ENSINAVA, Jesus falava com autoridade, e seus discursos são uma série de afirmações impostas pela Verdade em pessoa.

      Por isso, convém “re-evangelizar-se”, assimilando-os um a um, até penetrarem no fundo da alma, como que essência dela, nova forma mentis do “homem novo” em nós.

      Fazer isso é a mais profunda, íntima, segura revolução, também hoje necessária.

      TODAS AS PALAVRAS de vida do Evangelho devem ser impressas pouco a pouco na alma, a ponto de não sermos mais capazes de raciocinar a não ser como Cristo.

      
        
          1 Cf. aqui, Apresentação, pp. 8-9.

22 maio 2017

Fazer uma comunidade cristã florescer


      NÃO VIVÍAMOS a Palavra de Deus apenas individualmente, cada uma por conta própria. As experiências úteis, as iluminações, as graças obtidas da vivência eram postas em comum, deviam ser postas em comum, pela exigência da Espiritualidade da Unidade, que espera nos santifiquemos juntos.
      Sentíamos o dever de comunicar aos outros tudo o que experimentávamos, mesmo porque éramos conscientes de que, doando, a experiência permanecia, para edificação de nossa vida interior, ao passo que, não doando, a alma lentamente ia empobrecendo.
      MUDARAM todos os relacionamentos com Deus e com os irmãos e, com a Palavra e pela Palavra, floresceu uma comunidade cristã.
      Pessoas que antes nem se conheciam tornaram-se irmãs, até colocarem em prática a comunhão dos bens materiais e espirituais entre si; gente até então dispersa tornou-se povo, comunidade, porção de Igreja viva.
      E QUALQUER UM DENTRE NÓS, sem sutilezas e raciocínios, que acreditava em suas Palavras com o encanto de uma criança, e colocava-as em prática, usufruía desse paraíso antecipado, que é o Reino de Deus em meio a homens unidos em seu nome.
      O FATO É QUE o destino da semente é morrer para dar vida à árvore, como o destino da Palavra de Deus é ser “ingerida” para dar vida a Cristo em nós e a Cristo entre nós.
      ESTEJAMOS UNIDOS em nome do Senhor, vivendo a Palavra de vida que nos faz um (cf. Fl 2,16).
      Pensei no enxerto das plantas, onde dois ramos descascados, ao contato das duas partes vivas, tornam-se uma coisa só.
      Quando duas almas poderão consumar-se em um? Quando forem vivas, ou seja, quando estiverem descascadas do humano e, mediante a Palavra de Vida vivida, encarnada, forem Palavras vivas. Duas Palavras vivas podem consumar-se em um. Se uma não for viva, a outra não se poderá unir.
      EMBORA DISTANTES, uma Luz nos ligará, imperceptível aos sentidos e desconhecida do mundo, porém, por Deus estimada mais do que qualquer outra coisa: a Palavra de Vida.

21 maio 2017

Tu és esplêndido

Oh, Jesus, como és Deus em teu falar.

Entretanto, quão pouco te conhecemos – repito – se não lemos o Evangelho.

Evangelho libera luz a cada passo. Além disso, cada Palavra tua é um facho de luz incandescente, todo divino.

Vem, vem a meu coração esta noite, e eu te adorarei.

Não há outra coisa a fazer diante de tamanho esplendor e, fazendo isso, fizemos tudo. Sim, Senhor, Tu deves ser adorado. O resto, do resto cuida Tu por nós, como um irmão e uma coisa só com o Pai.

20 maio 2017

Treinamento

Aos habitantes da Mariápolis Renata


Loppiano, 30 de maio de 1984 – resp. n.2

Muitas vezes nos damos conta de que a nossa escolha de Jesus abandonado se mistura com a alegria e com a consolação que provêm dele. O que você nos diria para nos ajudar a escolher realmente só a Ele?

Olhem, neste caso é tudo questão de hábito e para habituar-se, como fazem os que praticam esportes para o qual precisam de muito, muito treino, aqui é preciso treino e, neste caso, realmente os atletas, servem para nós de grande exemplo. Devemos treinar muito a estar sempre prontos a desejar com todo o nosso ser Jesus abandonado, ou seja, o máximo da dor, assim todas as outras dores estão incluídas. Depois, quando chega alguma pequena dor, demonstremos a Ele: "Ah, sim, agora é o momento oportuno, agora sim". Ou quando chegam as alegrias, aceitá-las porque devemos ser simples, aceitar as alegrias, mas dentro, talvez por um momento, dizer a Jesus: "Agora tu me mandas esta alegria, te agradeço, estou feliz. Todavia lembra-te que eu prefiro a dor, porque tu a preferiste na cruz e também eu a prefiro". É isto que devemos fazer.
Porém, a certa altura, como em toda a nossa vida de ascese, (mostro-lhes algumas perspectivas também para o futuro e assim vocês se entusiasmam a ir para a frente...), a certa altura a vida se simplifica, se simplifica de verdade e se reduz a uma única coisa: a voz interior dentro de nós, a voz de Deus se torna tão forte, forte, forte, cada vez mais forte, que momento após momento somos guiados por esta voz, esta voz que não se ouve com os ouvidos, mas que se escuta com a alma.
Então é Ele mesmo que nos explica. Chegam grandes alegrias, grandes consolações, pois bem, ele nos diz: "Está bem – nos diz –, aceita-as como são, com simplicidade, oferece-as a Deus - como se diz - com holocaustos de júbilo". Chegam grandes dores, por exemplo, doenças, e a voz nos diz: "Eis-me aqui", como dizia a Pina1 (lembram-se?) quando sentia o mal avançar pela perna; ela dizia: "É o reino de Deus que avança", porque aumentava o preço do reino de Deus e portanto avançava o reino de Deus. Chegam perseguições? Ah, Jesus dentro nós diz logo: "Odiaram a mim, odiarão também a vós". É inútil querer ver-se livre delas e ter sempre a aprovação de todos; chegarão as perseguições. Do mesmo modo outras dores que chegam. A vida é cada vez mais simples, ... basta obedecer à Sua voz dentro.
Contudo o meu conselho, e o conselho de todos os mestres de espírito, é: renovar constantemente a nossa consagração a Jesus crucificado, a ele abandonado. Por quê? Porque todos ainda temos que passar pela grande provação. Eu escrevi no meu diário... Escrevo sempre aquilo que devo fazer durante o dia, de manhã procuro organizar o dia, porém ainda não escrevi: "hoje deverei morrer" porque não sei quando será, nem sequer escrevi o anúncio da morte: "Talvez hoje uma doença me avise de que morrerei em breve", porque é uma vontade que não depende de mim, que vem de Deus e não de mim. Portanto é preciso estar prontos, estar preparados para esta grande provação, pela qual todos temos ainda que passar. Então convém de vez em quando declarar-lhe que nós escolhemos o caminho difícil, a estrada estreita, que não escolhemos a estrada larga, porque deste modo não iremos para o Paraíso, levados para o alto, como aconteceu com Nossa Senhora, é impossível, somos pequenos demais, pobres demais.
Então façamos assim.


1 Pina De Vettori, focolarina dos primeiros tempos, que partiu para o Céu no dia 5 de dezembro de 1983.

19 maio 2017

O preço exigido


Loppiano, 22 de junho de 1981 – resp. n.1


Chiara, nascemos num período em que o próprio Papa faz votos para que a Igreja viva o seu Carisma. Mas sabemos, através da História do Movimento, do longo período em que a Obra esteve em gestação no seio da Igreja. Sendo filhas suas, gostaríamos de saber como você viveu aquele período que depois gerou […] 

Então, como é que nós vivemos aquele período, aquele primeiro período? É Nós o vivemos com o amor a Jesus abandonado, isto vocês já sabiam, com o amor a Jesus abandonado. Jesus Abandonado nos explicava tudo: sobretudo nos explicava uma coisa que é fundamental e isto vocês devem pôr na cabeça, ‘popos’.

Vocês agora estão aqui num período que permanecerá como um dos períodos mais belos de suas vidas. Estão aqui rodeados – sem saber – pela ajuda de todos, ‘em cordão’ sim, em direção a Deus, mas ligados a todos, juntos e, portanto, vocês nem se apercebem do quanto é a ajuda dos outros e quão pouco é o esforço de vocês; mais tarde vocês perceberão isto. Mas, já desde agora, devem, pelo menos teoricamente, assimilar as ideias fundamentais. Ora, o que eu queria que entrasse em suas mentes e que nunca mais saísse de suas cabeças é isto: não se constrói nada, nada, nada, de divino (e é tudo o que nós queremos construir, isto é, o Reino de Deus sobre a terra) sem o sofrimento. Nada, nada, nada, nada! Não tenhamos ilusões, é inútil, não nos iludamos, não há outro caminho para seguir Jesus, há só o da cruz. E quando acrescenta uma palavra, Ele diz: “Renega a ti mesmo”, além da cruz é preciso outra... Naquele período, nós compreendemos muito bem as palavras que, afinal, Jesus diz de si mesmo: que “se o grão de trigo lançado na terra não morre, fica só, mas se morre produz fruto”. Isto é: há uma condição sem a qual não há nada na nossa vida, na vida que empreendemos agora, que é a de morrer como o grão de trigo; porém tem uma consequência maravilhosa que só se verifica se houver sofrimento, se existir a cruz: o “muito fruto”, o “muito fruto”. Nós entendemos isto (e o Senhor fez com que isto nos entrasse num modo violento, ‘a marteladas’, porque nós éramos também da idade de vocês e com a experiência de vocês e, portanto, era preciso que alguém nos ensinasse e Jesus nos fez entender, nos fez compreender): se aqui não se morre, não se vive, ‘Com vocês, eu tenho a intenção de fazer nascer uma árvore grande do pequeno grão de mostarda, que vocês são, nascidas em Trento, pequenino, pequenino, duas, três jovens, etc.’ Irá existir uma árvore que cobrirá a terra: “Pede-me e dar-te-ei todos os povos e como herança os confins da terra”.

É uma árvore que já estendeu os seus ramos, os seus… até os últimos confins da terra, nós o sabemos (as 146 nações de que nos orgulhamos, por amor, por… para dar glória a Deus) onde chegou o Ideal. Mas se não se morre, não há nada, não há nada.
Se, como fruto desta pequena aula que fazemos hoje, vocês saírem daqui com esta mentalidade, com esta convicção, eu ficaria satisfeita. Porque eu teria, teríamos muitas outras focolarinas e focolarinos, no Movimento, que levam as coisas a sério e que realmente darão frutos no futuro e que ao lado… cada um de vocês deve frutificar, ao menos, mil corações que O amam, mas mil para dizer um número indefinido.
Foi isto que nós entendemos, isto foi posto dentro de nós. Por isso, também agora, quando vêm as ‘glórias’, por exemplo, as conquistas, nós verificamos logo se foram pagas; e se não foram pagas antes, pagam-se depois. Não há nada a fazer, não há… nem para nós, nem para os outros cristãos; nem para os bispos, nem para os Papas, nem para os religiosos, não há nada… há uma só coisa a fazer: morrer, saber morrer, sacrificar-se, sofrer.
Ao mesmo tempo o Senhor nos fez entender, naquele período, outra coisa: não é que morríamos assim, porque éramos uns ‘imaculados’ que morriam vítimas pelo Reino de Deus, para dar fruto e ir para o paraíso gloriosos e triunfantes. Não! O sofrimento que Deus nos dava tinha outro significado: o de nos purificar. Nós não sabíamos que estávamos tão imundos, digamos, tão cobertos de misérias, de fraquezas, de pecados, de nulidade. Estávamos todos enlameados de humano, não sabíamos, não tínhamos olhos para ver. Por meio da dor, o Senhor nos dá olhos novos e se vê e se vê claramente quantos defeitos temos; mas não é uma soma de defeitos, é um estado, em que estamos, de imperfeição, um estado – para alguns também – de pecado que naturalmente é avaliado por Deus, depende das circunstâncias, de muitas coisas (das tentações e da influência do ambiente, etc.) No entanto, estamos com… tudo, todos misturados com o mal.
Eis então que a morte ajuda a nos purificar. E foi esta a segunda coisa que nós compreendemos, isto é, como éramos nada, e como realmente muitas das ‘mortes’ que surgiam também se justificavam realmente pela nossa fraqueza e por todos os erros que fazíamos como neófitos. Porque éramos jovens como vocês, não conhecíamos quais eram os caminhos de Deus, gabávamo-nos da luz (que recebíamos) e quem sabe quantos erros nós cometemos, só Deus é que sabe!
Portanto, primeira coisa: entender que sem morrer não há nada de divino, vocês nunca construirão nada, nem cidades novas, nada. Segundo: saber que aquilo que Deus nos manda, nos manda porque nos é necessário.
Depois, outra coisa, porém, que o Senhor nos pôs dentro da cabeça naquela época: descobríamos que em todas as grandes obras de Deus, sei lá, na de Santo Inácio (os jesuítas), de são Bento (os beneditinos), como cada Obra de Deus é marcada pelo sofrimento, tem necessidade de provações, se não passa esta provação, não se pode dizer que é Obra de Deus. E isto o Senhor nos iluminou continuamente, continuamente e os outros também nos diziam, inclusive muitos dos nossos superiores que nos seguiam, nos diziam: “Aqui tem o dedo de Deus, tem o dedo de Deus porque existe o sofrimento”.
Portanto, três coisas: saber que se deve morrer, que nunca construirão nada sem o sofrimento; saber que lhes é necessário, porém que é também um sofrimento redentor, digamos, que ajuda Jesus a redimir o mundo, porque com isto se constrói uma Obra de Deus.
Se vocês assimilarem isto, eu já fico muito satisfeita.

18 maio 2017

Para ser Cristo


      JÁ QUE A PALAVRA É CRISTO, ela gera Cristo em nossa alma e nas almas dos outros.

      Se somos cristãos, mesmo antes de viver a Palavra, existe em nós a graça, portanto, a vida de Cristo e, com ela, temos, sem dúvida, a luz de Deus e também o amor, mas ficamos um tanto fechados, como numa crisálida. Vivendo o Evangelho, o amor desprende luz, e a luz dilata o amor. A crisálida começa a se mexer até que dela sai a borboleta. A borboleta é o pequeno Cristo que começa a ocupar lugar em nós e, depois, a crescer cada vez mais, cada vez mais… de modo a ficarmos cada vez mais plenos dele.

      A COMUNHÃO com Cristo aumenta ao vivermos a sua Palavra.

      SE NÃO VIVO a Palavra, parece que não vivo. Ou sou a Palavra, ou não sou, porque, se não vivo a Palavra sou eu que vivo, e eu sou nada, ao passo que, se sou a Palavra, é Jesus que vive em mim.

      PODEMOS “SER” se vivemos a Palavra, se somos a Palavra viva.

      De fato, as Palavras de Jesus não são meramente exortações, sugestões, orientações, diretrizes, ordens, mandamentos. Na Palavra de Jesus está presente o próprio Jesus que fala, que nos fala. Suas Palavras são Ele mesmo, o próprio Jesus.

      Sendo assim, na Palavra, nós o encontramos. Acolhendo a Palavra em nosso coração, como Ele quer que seja acolhida (isto é, estando prontos a traduzi-la em vida), somos um com Ele, e Ele nasce ou cresce em nós e, assim, somos. Eis, então, o Ser.

      Mas, para tanto, é preciso viver a Palavra, fazê-la nossa; anularmo-nos para sê-la, colocá-la acima de nossos pensamentos e de nossos afetos. Ela é lâmpada para nossos passos, a verdadeira companheira na “santa viagem”, que é a vida (cf. Sl 83[84], 6), pois não podemos ter nenhum companheiro melhor do que Jesus, que nela vive. Por meio dela vamo-nos evangelizando e irradiamos o Evangelho ao nosso redor.

      EXPERIMENTEI que é verdade que a Palavra de Deus é uma presença de Cristo e coincide com o próprio Verbo.

      Então, pensei que essa comunhão com Jesus em sua Palavra eu posso fazê-la a todo instante e, a todo instante, posso nutrir-me dele e fazer que Ele cresça em mim, como uma comunhão contínua.

      Vi o Evangelho não, certamente, como um livro de consolação, em que nos refugiamos nos momentos de dor para nele encontrar uma resposta, mas como o código que encerra as leis da vida, de cada momento da vida; leis que não devem apenas ser lidas e observadas, mas “ingeridas” com a alma e que fazem de nós Cristo em cada instante!

      Experimentei isso de modo tão vital a ponto de que fossem relegadas ao mínimo e ao nada todos os aspectos presentes em cada momento da vida (dolorosos, alegres, comuns, extraordinários) e a ponto de fazer que, confrontando-os entre si, eles me fossem indiferentes, para considerar importante apenas o Cristo que, com sua Palavra, os preenche e os vive.

17 maio 2017

Para amar-Te não tenho senão agora

Às escolas dos focolarinos/as


Loppiano, 22 de junho de 1981 – Introdução […]


Então, sem fazer mais preâmbulos eu lhes digo o que é que eu procuro viver
hoje. Bem, antes uma experiência de ontem. Todos juntos (provavelmente vocês já sabem) tínhamos nos colocado de acordo em nos concentrarmos sobre uma frase de Santa Teresa do Menino Jesus, uma que diz: “Tu sabes meu Deus, que para amar-Te só tenho hoje”. Ela estava consciente de que o passado tinha passado (estava morrendo, parece-me que a disse no fim da vida), naturalmente não sabia que futuro tinha, então estava bem concentrada no “hoje” e repetia: “Tu sabes meu Deus que para amar-Te não tenho senão hoje”. Com os focolarinos do Conselho dissemos: “procuremos viver assim” e é a experiência que estamos fazendo há dois dias: “Tu sabes meu Deus que para amar-Te não tenho senão este dia”. Só que nós a modificamos um pouco, segundo o Ideal, e dissemos assim: “Tu sabes meu Deus que para Te amar não tenho senão agora, já”. Então, eu experimentei viver assim.
E notei, com grande alegria e até com surpresa que, vivendo no momento presente esta frase: “Tu sabes meu Deus que para Te amar não tenho senão agora”, eu me concentrava, “me endireitava” continuamente no sobrenatural, procurando amá-Lo, fazendo a Sua Vontade, com todo o coração, no presente. A minha impressão foi esta: de uma pessoa, uma alma que está de pé, que se endireita, vivendo continuamente assim; repetindo-o a mim mesma muitas, muitas vezes: “Tu sabes meu Deus que para amar-Te não tenho senão agora”. Mas durante o dia se sobrepôs outro conceito: eu poderia dizer em vez de: “Tu sabes meu Deus que para amar-Te não tenho senão agora”, em vez de Deus dizer: Jesus abandonado, porque se vê que há alguma coisa que me atrai para a minha vocação, lembrando-me também que escrevi: “Tenho um só Esposo na terra, não tenho outro Deus senão Ele…”, porque na terra, nós, devemos amar Deus na cruz. Então, durante o dia de ontem procurei mudar e dizer: “Tu sabes Jesus – referindo-me a Abandonado – que para amar-Te não tenho senão agora”. Só que esta ideia de Jesus, esta palavra: “Jesus” colocada no lugar de Deus, concentrava-me mais sobre o que é a dor no momento presente. Por exemplo: a renúncia à minha vontade ou por exemplo a mortificação, se era necessária, o abraçar uma dor que surgisse, uma separação, se fosse preciso… E via realmente que a alma “se endireitava” muito bem: “Tu sabes Jesus que para amar-Te não tenho senão agora”! E uma alegria, que nem lhes digo, porque no fundo do nosso coração se vê que existe este desejo, deve ter sido o Espírito Santo que o colocou sem o qual não estamos saciados, não ficamos satisfeitos: “Tu sabes Jesus que para amar-Te não tenho senão agora”. E constatar que agora eu posso me endireitar, que agora eu posso renunciar, agora posso me mortificar, agora posso fazer uma pequena penitência, neste momento posso me desapegar, que agora posso abraçar o sofrimento para fazer bem a Vontade de Deus no presente. Por exemplo, eu devo me desapegar muito da pressa, porque estou sempre com pressa de fazer coisas demais. Reparei que “me endireitava”. E naquele momento me lembrei de uma imagem que usava Sta. Catarina de Sena, dizia que nós devemos ser como uma chama, mas uma chama reta. Entendi por que ela diz isso: porque realmente, vivendo o Evangelho, que é renegar a si mesmo, fazer a Vontade de Deus, seguir Jesus assim… a alma tem a impressão de “se endireitar”.
Pois, eu queria lhes deixar esta experiência: experimentem, experimentem viver
o dia inteiro assim, recolhendo-se e dizendo a Jesus dentro de vocês: “Tu sabes Jesus, que para amar-Te não tenho senão agora”. Verão que a vida se transforma!
Qual é a diferença entre antes e agora?
A diferença é esta: antes eu também procurava fazer a Sua Vontade e procurava renunciar a mim mesma, renunciar a todas as coisas que não são realmente a vontade de Deus límpida. Porém, no fim do dia eu não estava muito satisfeita, lhes digo a verdade, não estava, me parecia que embora tivesse me concentrado todo o dia, o mais possível, naturalmente com todos os erros, as imperfeições e as fraquezas, para fazer bem a vontade de Deus, no fim me parecia ter amado pouco Jesus, que o tinha amado pouco, não sei porquê. Eu daria esta explicação: porque não era tudo amor puro, porque fazer a sua vontade é belo! (Por exemplo: estar aqui com vocês, é belo, ‘popos’!) Então o que é? Nós o amamos fazendo a sua vontade, mas ao mesmo tempo amamos a nós mesmos.
Mas onde existe um amor realmente purificado é quando se renega a nós mesmos, é onde está a cruz, onde houver mortificação, a renúncia, onde vamos contra nós mesmos.
No entanto, como eu disse nos dias anteriores, quando vamos contra nós próprios são contínuas podas e onde existe a poda, ali está a vida, desabrocha a vida, nasce a vida, exatamente como se passa com as podas das árvores que a seguir têm os brotos! Ontem, eu senti (lhes digo isto como experiência, embora tive que fazer o exame de consciência e dizer: ‘errei aqui, errei ali, errei lá, logicamente) que havia uma diferença substancial entre anteontem e ontem, porque talvez – agora já entendo – provavelmente porque, amando a Deus no Abandono, em Jesus abandonado, a vida é uma contínua poda e é um contínuo jato de vida nova, de um algo de divino que vive em nós. Isto à noite nos faz dizer… faz com que você faça a Visita, diante de Jesus e diga: “Bem, enfim, como é a situação? Olha Jesus, tenho que dar a você também a satisfação, porque surge também a satisfação, me parece mesmo, sinceramente, devo dizer: ‘correu melhor, correu muito melhor; correu melhor, muito melhor. Porém agora não me apego sequer à satisfação, também a ofereço a você, porque não devo me apegar, a ofereço”. E compreendi uma coisa… mas realmente: de felicidade se pode arder! Eu nunca tinha entendido isso, nunca tinha experimentado. Que se pode viver de felicidade, que se pode experimentar a felicidade, pode-se experimentar uma bem-aventurança celeste, mas “arder dentro” de felicidade… experimentem! É assim! […]

16 maio 2017

Viver a Palavra


      NÓS, QUANDO MUITO, meditávamos a Palavra de Deus, nela penetrávamos com a mente, dela extraíamos uma ou outra consideração e, se fôssemos fervorosos, um ou outro propósito.
      Aqui [em nossa comunidade] era bem diferente. A Palavra era esmiuçada em suas mais diversas aplicações, no contato contínuo com a vida, e provocava uma transformação em cada um e no grupo. Quando a vivíamos, não era mais o eu, ou o nós, quem vivia, mas a Palavra em mim, a Palavra no grupo. E isso significava revolução cristã, com todas as suas consequências.
      TODO O NOSSO EMPENHO consistia em viver o Evangelho.
      A Palavra de Deus penetrava profundamente em nós a ponto de mudar a nossa mentalidade. O mesmo acontecia também com todos os que tinham algum contato conosco.
      Essa nova mentalidade, que se ia formando, manifestava-se como uma verdadeira contestação divina ao modo de pensar, de querer e de agir do mundo.
      E provocava em nós uma re-evangelização.
      NÃO NOS BASTAVA viver a Palavra quando tínhamos oportunidade, mas nutríamo-nos dela em todos os instantes da nossa vida. É assim: como o corpo respira para viver, a alma, para viver, vivia a Palavra.
      ENTENDEMOS que o mundo precisa de uma terapia de… Evangelho, porque só a Boa-Nova pode dar novamente a ele a vida que lhe falta. Por isso é que vivemos a Palavra de vida… Encarnamo-la em nós até sermos aquela Palavra viva.
      Bastaria uma Palavra para nos santificarmos, para sermos outro Jesus.
      Pelo tempo afora, vivemos muitas Palavras da Sagrada Escritura, de modo que elas continuam sendo patrimônio indelével de nossa alma.
      Nossa tarefa é viver a Palavra no momento presente da nossa vida.
      Todos podemos vivê-la, qualquer que seja a vocação, qualquer que seja a idade, o sexo, a condição em que estejamos, porque Jesus é Luz para todo homem que vem a este mundo.
      Com esse método simples, re-evangelizamos as nossas almas e, com elas, o mundo…
      AQUELE QUE OUVE a palavra de Deus e a põe em prática é como a casa sobre a rocha.
      Só os cristãos que põem em prática a Palavra de Deus saberão alcançar a vitória em tempos de perseguição. Poderão vir ventos e tempestades, mas eles não se abalarão.

15 maio 2017

A Palavra contém Deus


      JESUS É EXTRAORDINÁRIO! Pouco o conhecemos, se não lemos o Evangelho com amor.
      Muitas vezes, fizemos dele uma imagem nossa, a partir de alguma piedade tradicional medíocre. Mas, no Evangelho, Ele aparece como é: é Deus. Revela-se continuamente: Deus. Um Deus… que fala, que se cansa, que caminha, que tem discípulos… Um Deus-Homem!
      AS PALAVRAS DE JESUS!
      Deve ter sido a sua maior… arte, se assim se pode dizer. O Verbo que fala com palavras humanas. Que conteúdo, que timbre, que voz, que intensidade!
      Haveremos de reouvi-las no Paraíso. Ele me falará, Ele nos falará. Isso será o Céu amanhã, logo.
      O EVANGELHO na Igreja é Jesus histórico explicado: a Revelação.
      AS EXPRESSÕES do Evangelho de João “a tua palavra”, “as palavras que me comunicaste”, “que saí de junto de ti” e “que me enviaste” (cf. Jo 17), de certo modo são sinônimas, ou melhor, as palavras que Jesus disse aos apóstolos são o próprio Verbo gerado pelo Pai, ou melhor, estão todas no Verbo gerado.
      Essa interpretação me dá certa embriaguez espiritual porque, se assim é, a Palavra de Deus que nós vivemos, a qual comungamos, é justamente Jesus. Por isso, se vivemos a Palavra o dia inteiro, estamos em comunhão contínua.
      QUE ABISMOS as Palavras de Deus encerram! Elas contêm o próprio Deus.
      CADA PALAVRA de Vida é Jesus.
      EM CADA PALAVRA está toda a Palavra, do mesmo modo que, na Palavra, está cada Palavra.

14 maio 2017

Cada Palavra é amor


      NO COMEÇO do nosso novo caminho, o Senhor fizera-nos intuir o valor do amor, ao preparar em nós o terreno para ler o Evangelho. Já o havia feito, mas agora, na leitura do Evangelho, punha em evidência máxima as Palavras que dizem respeito ao amor e impelia-nos com força a vivê-las.

      Portanto, podia-se dizer também de nós o que se dizia dos primeiros cristãos: o amor de caridade (amor a Deus e ao próximo) era a primeira coisa que um membro da comunidade aprendia a viver (cf. 1Jo 2,7).

      VIVENDO UMA PALAVRA, depois outra, e mais outra, tínhamos constatado que, pondo em prática qualquer Palavra de Deus, no final, os efeitos eram idênticos. Por exemplo, vivendo a Palavra: “Bem-aventurados os puros de coração…” (Mt 5,8), ou, “Bem-aventurados os pobres em espírito…” (Mt 5,3), ou, “Bem-aventurados os mansos…” (Mt 5,4), ou, “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22,39), ou, “Não faças a ninguém o que não queres que te façam” (Tb 4,15), chegávamos à mesma conclusão, obtínhamos os mesmos efeitos.

      O fato é que cada Palavra, embora sendo expressa em termos humanos e diferentes, é Palavra de Deus. Mas, como Deus é Amor, cada Palavra é caridade. Acreditamos ter descoberto, naquela época, sob cada Palavra, a caridade.

      E, quando uma dessas Palavras caía em nossa alma, tínhamos a impressão de que se transformava em fogo, em chamas, transformava-se em amor. Podíamos afirmar que a nossa vida interior era toda amor.

      SE PENETRAS no Evangelho – e esta é uma bela aventura para ti – te encontras, de repente, como se estivesses na crista de uma montanha. Portanto, já no alto, já em Deus, mesmo se, olhando para o lado, percebes que a montanha não é uma montanha, mas uma cadeia de montanhas, e a vida para ti é caminhar pelo divisor de águas até o fim.

      Cada Palavra de Deus é o mínimo e o máximo que Ele te pede. Por isso, quando lês: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 19,19), tens a medida máxima da lei fraterna.

      VIVAMOS A PALAVRA, que é o Amor Verdadeiro e o Verdadeiro Amor.

13 maio 2017

A entrega

PERCEBO na alma um pensamento que se repete: “Deixe a quem a segue somente o Evangelho. Se assim fizer, o Ideal1 permanecerá.

O que permanece e permanecerá sempre é o Evangelho, que não sofre o desgaste do tempo: ‘Passarão o céu e a terra. Minhas palavras, porém, não passarão’ (Mt 24,35)”.

Se assim fizer, a Obra de Maria2 permanecerá na terra realmente como outra Maria: toda Evangelho, nada mais do que Evangelho, e, posto
        1 Termo empregado pela Autora para designar a Espiritualidade da Unidade. [N.d.E.]
        2 Nome oficial do Movimento dos Focolares.

11 maio 2017

Ser somente Palavra de Deus

SER somente Palavra de Deus. Guardar em si somente a Palavra de Deus.
Ó, BENDITA SANTÍSSIMA TRINDADE que em mim habitas!
Encontrei o “patamar”, o apoio para permanecer radicada em ti, radicada no Verbo de Deus, por meio de Jesus em sua Palavra.
Dá-me a graça de não mais me afastar dele.
Que minha preocupação não seja tanto a de ver continuamente se vivo essa Palavra, já que tenho de estar projetada na divina vontade, quer seja fora ou dentro de mim.
De quando em vez, devo controlar, com um olhar da alma, se vivo naquela Palavra, se conduzo esses dias preciosíssimos. E, se estiver fazendo isso, continuar em paz a vida que me deste.

Compreensão

Procure corrigir com calma aqueles que erram, e saiba relevar as imperfeições dos outros, da mesma forma que espera a compreensão dos outros para os seus erros.

A vida é um intercâmbio de boa vontade mútua, em que recebemos aquilo que damos.

Dê tolerância, e receberá compreensão e amor, tornando-se sua vida um paraíso sem dores nem sofrimentos.

10 maio 2017

Uma graça a mais

 Somos filhos e filhas do nosso tempo.
Se por um lado admiramos, extasiados, suas conquistas técnicas e científicas, por outro, notamos alguns exageros em certas exigências que, se não forem bem ponderadas, podem nos desgastar inutilmente.
Então, torna-se útil fazer uma pequena avaliação para analisar o que em nós está certo e o que não está.
De fato, somos filhos do nosso tempo, um tempo que ama — e quase adora — o ativismo louco, que valoriza quase exclusivamente a eficiência das pessoas, que dá valor a algumas profissões e menospreza outras, quando não as despreza; que encobre no silêncio certos momentos da vida, por medo, na ilusão de eliminá-los...
Esse modo de pensar pode chegar a influenciar aqueles de nós que, ofuscados por tais tendências, desperdiçam inutilmente as próprias energias, criando assim, na sua vida, um desequilíbrio perigoso.
Não podemos generalizar, mas também temos de admitir que, inclusive entre os cristãos mais atuantes, pode existir o perigo de considerar, por exemplo, a própria atividade tão importante, tão original, a ponto de pensar que se torne necessário empregar quase todo o tempo disponível para preparar programas, cartas, encontros, artigos, entrevistas, para fazer palestras, e assim por diante.
Esse pensamento pode prevalecer de tal forma que se chega a conceber como inúteis até mesmo os dias dedicados ao descanso, ou considerar as doenças, que Deus permite em vista de um objetivo de amor preciso, como um empecilho para a própria vida.
Acontece, então, que na hora dedicada diretamente a Deus se reza apressada ou distraidamente, devido aos contínuos pensamentos que voltam e insistem sempre na atividade.
Ou ainda, acontece que não se sabe parar para comunicar as próprias experiências espirituais aos irmãos ou às irmãs e se prefere odiar, acabando depois, na prática, por negligenciar esta importante ajuda mútua.
Estas e muitas outras atitudes, infelizmente, são erros em que podemos cair.
Mas, quando a situação é essa, estamos bem longe de tender àquela perfeição à qual somos chamados, bem longe de atingir a meta que nos propusemos nos momentos de luz da nossa vida!
Sim, porque todos nós somos chamados realmente à santificação e a nos tornarmos santos segundo o Coração de Deus.
Aquele Deus que nos ama um a um com um amor imenso e que sonhou e projetou para nós um caminho específico a seguir e uma meta precisa a ser atingida.
Então, é preciso recolocar-se na vida espiritual, pois o remédio para esses males existe: é chamado de sanatotum (aquilo que cura tudo), e é tão essencial que, só em pronunciá-lo, os santos entram em êxtase.
Ele é: fazer o que Deus quer, a sua vontade, ou seja, obedecer a Deus, pois afinal é este o modo de amá-lo; este ato de obedecer é tão importante que leva santa Maria Madalena de Pazzi a dizer: "Uma gota de simples obediência vale um milhão de vezes mais que um vaso inteiro da mais fina contemplação"[1]. E leva São Nicolau de Flüe a afirmar que a obediência é a mais alta virtude.
Devemos ser conscientes — e este é um grande dom — de que, para cada ação que realizamos desse modo existe uma graça especial que acompanha a "graça santificante"[2] , a assim chamada "graça atual". É uma ajuda para cada momento presente, que "consiste concretamente em iluminações da inteligência e inclinação para o bem, tanto no campo da vontade como no da sensibilidade"[3]. É uma coisa muito grande, sobre a qual talvez pouco refletimos.
Procuremos aproveitar essa graça ao máximo; que ela não se perca, porque a cada momento em que nós vivemos a vontade de Deus, recebemos esta graça.
Assim, nos encontraremos com muitos dons de luz e de força a mais na alma, seremos mais plenos de Deus.
Lembremo-nos: é o sanatotum .



[1] W. Mühs, Per amore del regno , Cinisello Balsamo, 1999, p. 103;
[2] A graça é uma "participação na vida divina"; introduz-nos na intimidade da vida trinitária. Trata-se da "graça santificante" ou "deificante", recebida no Batismo. Em nós ela é a fonte da obra santificadora. A graça santificante é um dom habitual, uma disposição estável e sobrenatural para aperfeiçoar a própria alma e torná-la capaz de viver com Deus, agir por seu amor. As "graças atuais" designam as intervenções divinas, quer na origem da conversão, quer no decorrer da obra de santificação ( Catecismo da Igreja Católica n. 1997-1999-2000);
[3] A. De Sutter, in Dizionario di spiritualità , vol. 1, Roma 1975, p. 912.

09 maio 2017

As minhas Palavras não passarão


      SOMOS EM DEUS mais íntimos do que Deus de si mesmo, porque somos cada um Palavra de Deus, uma Palavra de Deus e, como uma Palavra está na Palavra, do mesmo modo estamos tão em Deus, a ponto de ser o íntimo de Deus. Ele nos viu, nos vê e nos verá no Verbo, no coração do Verbo, no íntimo, portanto, da Trindade.

      O EU (a Ideia de mim) está ab aeterno na Mente de Deus, no Verbo […]. Lá no Alto, sou aquela Palavra de Deus que Deus ab aeterno pronunciou. […]

      E vejo que ab aeterno meu ser estava no Ser e a ideia de mim (Palavra de Deus), no Verbo, a minha vida, na Vida. E Deus me pronunciou por si, como pronunciou ab aeterno o seu Filho, porque vendo-me em si, amou-me e deu-me vida plasmando-me de Espírito Santo.

      AMA A DEUS quem observa a Palavra dele. Durante o dia, devemos pensar que não levaremos para o Paraíso nem as alegrias, nem as dores (até dar o corpo às chamas, sem a caridade, não vale), nem as obras de apostolado (até saber a língua dos anjos, sem a caridade, não vale). Para o Paraíso, levaremos como vivemos tudo isso, ou seja, se vivemos segundo a Palavra de Deus, que nos dá um meio de exprimir a nossa caridade para com Deus.

      Por isso, levantemo-nos felizes todo dia, quer haja tempestade, quer sorria o Sol, e lembremo-nos de que, do nosso dia, valerá o tanto de Palavra de Deus que “ingerimos” ao longo dele. Se assim fizermos, Cristo terá vivido em nós naquele dia, e Ele terá dado valor também às obras que tivermos realizado, ou com a contribuição direta, ou obras de oração, ou de sofrimento; no fim, elas nos seguirão.

      Afinal, estou admirando como a Palavra de Deus, a Verdade, nos torna livres… livres das circunstâncias, livres deste corpo de morte, livres das provações do espírito, livres do mundo que, ao redor, quereria arranhar a beleza e a plenitude do Reino de Deus dentro de nós.

      É ISTO que a Palavra de Deus quer fazer em nós: esculpir o Cristo em nós desde agora, de modo que a preparação para a outra vida não seja uma mutação de vida, mas o ápice de uma vida vivida para aqueles dias, para aquela hora, para aquele momento e, depois, para a Outra vida

      CADA VEZ mais percebo que “passarão o céu e a terra…” (cf. Mt 24,35), mas o desígnio de Deus para nós não passa.

      A única coisa que nos satisfaz plenamente é revermo-nos sempre lá onde Deus ab aeterno nos imaginou.

      E ali permanecemos por toda a eternidade.

      PERMANECE a Palavra que é o Verbo de Deus que é Deus e permanece todo o nada perdido na Palavra.

      No Céu, seremos somente Palavra de Deus e, na unidade entre as nossas almas, haverá a harmonia do cântico novo, que é o Evangelho formado pelo Corpo Místico de Cristo. Cada um de nós será uma Palavra, mas, como cada Palavra é todo o Verbo, cada um de nós será a Palavra, será uma harmonia = uma unidade.