31 maio 2018

A palavra


Hoje gostaríamos de lhes falar sobre a Palavra de Deus.
“Compreendemos que o mundo tem necessidade de uma terapia de Evangelho. Somente a Boa Nova pode devolver-lhe a vida que lhe falta. E é por isso que vivemos a Palavra de Vida... é por isso que a encarnamos em nós, a ponto de nos tornarmos palavras vivas...”
Assim expressa Chiara Lubich a intuição fundamental que levou os membros do então nascente Movimento dos Focolares a escolher uma frase do Evangelho, comentá-la e vivê-la durante um determinado tempo. Esta prática permaneceu como uma constante e um alicerce da vida dos membros do Movimento.
Não se trata de refletir sobre uma palavra do Evangelho, apenas, e nem mesmo de medita-la, ms, sim de passar à ação, de pô-la em prática em todas as circunstâncias da vida quotidiana, com a convicção de que as palavras de Jesus são “espírito e vida” e uma única palavra do Evangelho posta em prática, pode tornar-se o ponto de partida para a reevangelização de uma vida inteira.
Chiara exprime essa certeza, dizendo: “Bastam umas poucas letras e algumas regras gramaticais para se saber ler e escrever; entretanto, quem não as conhece permanece analfabeto a vida toda. Da mesma forma, as poucas frases do Evangelho são suficientes pra formar, dentro de nós, o Cristo”.
E foi assim que a “palavra de vida” com seu comentário foi recopiada, mimeografada, impressa, mês após mês, a fim de que cada membro do Movimento, cada pessoa que desejasse vivê-la pudesse tê-la à mão, na bolsa, na mesa de trabalho, à cabeceira da cama – em qualquer lugar que lhe parecesse útil, para poder lembrar-se dela, impregnar-se dela, para que vivê-la se tornasse quase um reflexo.
Assim, são hoje distribuídos e vividos no mundo milhares de exemplares da Palavra de Vida.
A expressão “palavra de vida” é tirada de são Paulo, quando diz: “Vós sois portadores da Palavra de Vida” (cf Fl 2,16)
Outro traço característico dos membros do Movimento é o comunicarem uns aos outros a vida suscitada pela palavra. Da mesma maneira que os cientistas, tendo experimentado uma hipótese em laboratório, comunicam uns aos outros os resultados, a fim de contribuir para o progresso da ciência, assim também os que põem em prática a “palavra de vida” compartilham as “experiências” que realizaram ao vivê-la. Não se trata de divulgar sua vida, de comprazer-se com o êxito alcançado, mas de fazer com que outros participem da mesma luz.
Aliás, as experiências assim comunicadas têm seus traços característicos: são circunscritas no tempo, como uma breve história em que Deus atua e se revela. São como um estímulo dirigido a cada um.
Elas mostram que a vida não se divide: ela se desenvolve nas pequenas ações, tanto quanto nas grandes, animando a todos, desde o deputado até à mãe de família, conservando sua originalidade e sua força.
Leonardo nos conta, por exemplo, uma sua experiência sobre a Palavra de vida:
“Indo para a cidade percebo que estou com pressa. Não sei o porque, mas arrastado pelo trânsito intenso nas avenidas, me comportava como todos que recusam em dar a precedência. Tenho a fisionomia tensa. Num certo momento, me lembro da Palavra de vida. Então, em meio às filas de carros, me descontraio, sorrio a uma pessoa que se volta para mim, dou a precedência a um outro, acelero menos na partida, e aos poucos me sinto mais eu mesmo, mais em Deus, calmo, sereno. O tempo já não me oprime e consigo viver o momento presente com intensidade.”
Assim também Marlene:
«Nestes dias minha cunhada estava internada no hospital e algumas vezes fui visitá-la.  No mesmo quarto havia uma velhinha, à qual ninguém dava ouvidos. Numa das primeiras vezes que fui ao hospital, ela começou a chamar-me. Queria ir atendê-la, mas todos, também a minha cunhada, procuravam dissuadir-me: "Não dê importância. É uma velha meio louca e faz assim o dia inteiro".
Estava para me sentar um pouco amedrontada, mas depois lembrei-me da Palavra de vida do mês, onde Jesus dizia: “Tudo aquilo que fizeres ao menor dos meus, a mim o fizeste”. Era como se uma voz me dissesse: "Vai e faz aquilo que te é pedido". Levantei-me, aproximei-me da velhinha superando uma certa repugnância porque estava com as mãos sujas. Faço aquilo que me pede e lhe trago uma bacia com água para que possa lavar as mãos. Depois de ter se lavado, ela tocou nos meus braços e me disse: "Obrigada. Você lavou as mãos de Jesus".
Fiquei surpresa com as suas palavras, mas experimentei uma grande alegria e a confirmação da certeza de que Jesus está presente em cada homem.”
Queremos concluir com uma exortação de Chiara que nos ajudará a viver a Palavra durante este mês:
“Nós vivemos, umas após outras, numerosas palavras da Sagrada Escritura, de tal forma que elas permanecem em nós como um patrimônio indelével. Nossa missão é viver a palavra no momento presente e todos nós podemos vivê-la, seja qual for a nossa vocação, idade, sexo, condição, porque Jesus é a luz para todos os homens deste mundo. Com este meio tão simples, podemos evangelizar nossas almas e, com elas, o mundo...
Sejamos Evangelhos vivos, palavras vividas, outros Jesus. Assim o amaremos verdadeiramente e imitaremos Maria, a mãe da Luz, do Verbo, a Palavra viva,
Não temos outro livro que não seja o Evangelho, nem outra ciência, nem outra arte. É nele que está a vida! E aquele que a encontrar, não morrerá.”


30 maio 2018

A palavra gera Cristo



E agora podemos nos perguntar: como conseguimos penetrar na palavra de Deus e compreendê‑la a ponto de apresentá‑la nova e portadora de uma força vital e revolucionária?
Sem dúvida ‑ agora podemos dizê‑lo ‑ foi em virtude de uma graça especial, graça que ensinava a colocar e a viver em profundidade a presença de Cristo entre as almas.
            O Senhor agiu da seguinte maneira: com a sua pedagogia, de início nos indicou algumas palavras que podem parecer mais fáceis. Todavia, ele tinha um motivo bem determinado para escolher tais palavras. Em geral eram as que diziam respeito ao amor: “Ama ao próximo como a ti mesmo”, “amai‑vos uns aos outros”, “amai o inimigo”, “amai...”; sempre o amor.
Só mais tarde compreendemos o motivo desta escolha: quem ama, adquire a luz, porque o fruto do amor é a iluminação interior.
E tem mais: o amor que Deus coloca dentro da nossa alma é sobrenatural, faz participar o nosso amor do próprio amor de Deus; portanto, é recíproco por sua própria natureza. Na reciprocidade do amor, acontecia que o Senhor, aos poucos, nos acostumava a acolher a sua presença entre nós. E esta presença influía na compreensão da sua palavra. Era ele o nosso Mestre, que nos ensinava como deviam ser entendidas as suas palavras. Era uma espécie de exegese, feita não por um mestre de teologia, mas pelo próprio Cristo.
De fato, diz Santo Anselmo, Doutor da Igreja: “Uma coisa é possuir facilidade de eloqüência e esplendor de palavra, e outra é entrar nas veias e na medula das palavras celestes e contemplar com límpido olhar do coração os mistérios profundos e escondidos. Isto não pode ser dado, de maneira alguma, nem pela doutrina, nem pela erudição do mundo, mas somente pela pureza da mente através da erudição do Espírito Santo. E a presença de Jesus entre nós traz o seu Espírito.
            Por outro lado, lembramos que uma das primeiras páginas do Evangelho que lemos foi o Testamento de Jesus. O acontecimento de grande importância. Está ainda presente em nossas mentes o fato de que, na medida em que passávamos de uma palavra a outra, cada um parecia iluminar‑se; e era ‑ agora percebemos ‑ como se alguém nos dissesse: ‑Olha, na escola, vocês têm de aprender muitas coisas, mas o resumo é isto, isto, isto: consagra‑os na verdade... que todos sejam um... tereis a plenitude da alegria... sereis todos um, como eu e o Pai... etc. O Testamento se nos revelava como a síntese do Evangelho. E entendíamos esta realidade com uma compreensão que só podia ser fruto de uma graça especial. Tendo penetrado o "seu" Testamento ‑ como Deus quis e na medida em que quis ‑ depois nos foi mais fácil entender o resto do Evangelho.
            Amiúde, dávamos este exemplo: imaginem o Evangelho como uma planície, um terreno onde estão todas as palavras: lá no fim, encontra‑se o Testamento de Cristo, que sintetiza todas as outras palavras. 0 Senhor, ensinando‑nos a unidade à qual todas as verdades evangélicas se ligam, fez como que uma perfuração no terreno, para fazer‑nos penetrar e entender o resto do Evangelho por dentro, colhendo‑o na raiz de cada palavra, no seu sentido mais verdadeiro.
            Após viver durante cinco ou seis anos as palavras do Evangelho, percebemos claramente que elas se assemelhavam: havia algo de comum entre todas; cada uma ‑diria ‑ valia tanto quanto qualquer outra, porque os efeitos produzidos nas almas que as viviam eram idênticos, não importando qual fosse a palavra vivida. Por exemplo, para viver a palavra: “Quem vos ouve a mim ouve...”, não ficávamos esperando encontrar algum bispo ou superior para colocá‑la em prá­tica, mas a nossa vida toda, cada segundo da nossa existência, se transformava em obediência àquilo que os sacerdotes nos haviam ensinado através do catecismo, ou àquilo que havíamos aprendido de Deus e depois submetido à Igreja. De modo que, viver esta palavra equivalia a viver todas as outras, como as palavras que pedem para fazer a vontade de Deus, ou amar a Deus ou ao próximo. Por isso, tudo ia se tornando mais simples.
            A esta altura, poderia parecer supérfluo continuar este costume de focalizar em cada semana uma palavra; todavia ‑ e esta pode ser uma experiência de todos, se correspondermos à graça ‑ Deus trabalha as almas ‑ e às vezes manda tão sublimes dons de luz que se tem a impressão de receber uma compreensão mais profunda do Evangelho.
            Sob a influência destas graças, descobre‑se no Evangelho, por exemplo, que toda a vida de Jesus está orientada ao Pai. E então se lê o Evangelho com um novo interesse e se orienta a nossa vida também naquela direção.
            Podem ainda sobrevir graças de trevas escuras como o inferno, onde se duvida de tudo. E a maior dúvida é contra a lógica do Evangelho. Dizemos a nós mesmos - ou melhor, alguém com uma luz diabólica nos insinua: ‑ Se voltar a amar, você verá novamente, E então entrará outra vez no sistema, na vida sobrenatural, que por sua vez será um perigo para a sua liberdade; portanto: Detenha‑se. Não ame e você será você mesmo... O demônio faz de tudo para que não amemos. Mas, se resistirmos e fizermos exatamente o contrário daquilo que a tentação sugere, eis que se abrirá diante dos olhos da alma uma visão ainda mais profunda do Evangelho, Então descobri‑lo‑emos como o único Livro da Vida, entendendo que jamais conseguiremos compreender – “qual é a largura e o comprimento, a altura e a profundidade...” da palavra... Deste modo, o Evangelho permanece o livro eterno do nosso alimento espiritual.
Passemos a outro aspecto.
            A palavra de Deus! A palavra de Deus não é como as outras. Ela não só pode ser ouvida, como também tem o poder de atuar aquilo que ela exprime.
            E, já que a palavra é Cristo, gera Cristo na nossa alma e nas almas dos outros.
            Mesmo antes de viver a palavra, se somos cristãos, a graça habita em nós, a vida de Cristo habita em nós e com ela temos, sem dúvida, a luz de Deus, e o amor, mas um tanto fechados, como numa crisálida. Vivendo o Evangelho, o amor irradia a luz e a luz aumenta o amor. A crisálida começa a se mover até que dela sai a borboleta. A borboleta é o pequeno Cristo que começa a tomar lugar em nós e depois vai crescendo cada vez mais, cada vez mais... de tal modo que nos plenificamos sempre mais dele.
E isto que nos ensina o nosso Ideal. É isto o que pretende fazer a palavra de Deus em nós: formar o Cristo desde agora, de maneira que a preparação para a outra vida nada mais seja que o ponto culminante de uma vida vivida em função daqueles dias, daquela hora, da Vida verdadeira.
Que a palavra gera Cristo em nós, muitos o dizem: os Papas, os Santos, os Padres da Igreja.
Existe uma esplêndida descrição do papa Paulo VI sobre os efeitos da palavra e a maneira como deve ser acolhida. Ele chega até a sugerir um método, que é o mesmo do nosso Movimento. Diz o papa: “...Como Jesus se faz presente nas almas? Através do veículo que é a comunicação da palavra, passa o pensamento divino, passa o Verbo, o Filho de Deus feito Homem. Poder‑se‑ia dizer que o Senhor se encarna dentro de nós quando aceitamos que a sua palavra venha viver dentro de nós. Ouvindo as explicações do Evangelho, seja assíduo o de cada cristão o de apropriar‑se pelo menos de uma preciosa noção; e, voltando para casa, durante toda a semana, nutrir‑se de tão substancioso alimento espiritual: a palavra do Senhor...
            Portanto, antes de tudo, ouvir; depois, conservar. É necessário não apenas um ato passivo de aceitação, mas também uma reação ativa, um ato reflexo. Deve-se meditar.
            Existe um terceiro momento. A palavra deve se transformar em ação e guiar a vida. Ela deve ser aplicada ao nosso estilo, ao nosso modo de viver, de julgar e de falar... De tal maneira, a vida cristã se revela sobremodo atraente...”
E é esplêndido o conceito que Santo Inácio de Antioquia tem da palavra.  Ele sente que nós ‑ tendo saído da mente de Deus ‑ estamos destinados a voltar como Palavra de Deus. Escrevendo aos seus, para que não lhe impedissem o martírio, dizia: “Não quero que vocês procurem o que agrada ao homem, mas aquilo que agrada a Deus, por quem vocês são recebidos com prazer. E eu não terei mais uma ocasião como esta para alcançar a Deus... Se vocês se calarem (se me deixarem ir ao martírio) eu me tornarei palavra de Deus”.
            E São Tiago apóstolo afirma: “Por vontade própria Deus nos gerou pela Palavra da verdade, a fim de sermos como que primícias dentre as suas criaturas”.
Há também uma frase de Jesus no Evangelho que faz pensar. Quando os apóstolos se aproximam dele e lhe dizem que sua mãe e seus irmãos estão à sua espera, ele responde: “Minha mãe e meus irmãos são todos aqueles que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática”. Portanto, existe uma possibilidade admitida por Jesus de sermos, de algum modo, sua mãe. Sim, ele mesmo o disse.
Nós podemos gerar Cristo nas almas, como uma mãe gera, justamente através da palavra .
            Também São Gregório Magno afirma que podemos ser mãe de Jesus: .”Devemos saber que, quem é irmão e irmã de Jesus pela fé, toma‑se mãe por obra da palavra. Se alguém, com sua palavra, faz nascer o amor, do Senhor na alma de um próximo, ele como que gera o Senhor, porque o faz nascer no coração de quem ouve a sua palavra, e se toma mãe do Senhor”.
            Do mesmo modo, São Paulo, em virtude da palavra semeada no coração dos ateus, sente fortemente que se tomou pai deles: “Ainda que tivésseis dez mil pedagogos em Cristo, não teríeis muitos pais, pois fui eu quem pelo Evangelho vos gerou em Jesus Cristo”.
            Santo Agostinho vê as Igrejas geradas pela palavra de Deus: “Os próprios apóstolos, sobre os quais a Igreja foi fundada, seguindo o exemplo de Cristo pregaram a palavra da verdade e geraram as Igrejas”.
A Igreja, pois, é gerada precisamente mediante o anúncio da palavra. E, por sua vez, a Igreja é mãe e gera as almas através da palavra que doa e pelo batismo.
0 mesmo podemos afirmar com relação à nossa Obra. Ela foi gerada pela palavra que Jesus semeou em nosso coração, e é por sua vez mãe de muitas almas, porque as gera, depositando no coração dos homens a palavra, que não é um simples conceito, mas, espírito e vida
A palavra de Deus, portanto, gera Cristo nas pessoas, nas comunidades, nas Igrejas. Por isto, Clemente Alexandrino podia dizer: “....quem obedece ao Senhor e por meio dele segue a Escritura que nos foi dada, se transforma plenamente conforme a imagem do Mestre. Chega a viver como Deus encarnado. Mas, esta altura não podem atingir aqueles que não seguem a Deus que conduz. E ele conduz pelas Escrituras divinamente inspiradas”.
Colocar‑se em contato com a palavra de Deus é, portanto, colocar‑se em contato vital com Cristo, é observar a sua vida. Por isso, fazendo eco ao Cântico dos Cânticos: “Beija‑me com um beijo da sua boca”, podemos afirmar: toda vez em que vivo a palavra é como se desse um beijo na boca de Jesus, aquela boca que diz somente palavras de vida. Ele, que é Palavra, comunica‑se à nossa alma. E nós somos um com Ele! E nasce Cristo em nós.
E também esta a opinião de São Gregório Niceno: “Ora, a fonte é a boca do Esposo, de onde, emanando as palavras de vida eterna, enchem a boca de quem as atrai ... É preciso, pois, que aproxime a boca da água quem deseja conseguir a sua bebida na fonte. Ora, a fonte é o Senhor que disse: “Se alguém tem sede, venha a mim e beba” e é  por isso que a alma quer aproximar a boca da boca de onde brota a vida, dizendo: “Beija-me com o beijo da tua boca”, e aquele que tem esta fonte para todos, e quer que todos sejam salvos, não deixa que nenhum daqueles que se torna purificação de qualquer mancha.
Depois de tudo o que foi dito sobre a palavra de vida, só nos resta tirar uma única conclusão: Quanto tempo de vida ainda teremos? No momento presente vivamos a palavra com aceleração crescente, a fim de que também nós sejamos, para o mundo e para a glória de Cristo, um Deus encarnado.




29 maio 2018

A palavra de Deus


Rocca di Papa, 29 de dezembro de 1974


Deus é amor! Deus é amor!
Foi esta a idéia e a convicção que se manifestou no nosso último Congresso.
Deus é amor! Esta palavra ressoou no mundo inteiro nas Mariápolis realizadas, em numerosos congressos no mundo, em várias reuniões.
Deus é amor! Um número incalculável de pessoas de todas as idades se converteram e entraram na nossa revolução combatendo em todos os campos, onde quer que viva e trabalhe um grupo, uma comunidade do Movimento.
"Deus é amor" foi o grito de uma das Gen de Pelotas, no sul do Brasil, depois que o ônibus em que viajavam caiu num precipício e 6 delas morreram. Esse grito passou de boca em boca em meio ao mar de sangue, entre as Gen feridas no acidente, demonstrando que o amor nessas Gen é mais forte do que a morte.
Naquele momento elas acreditaram heroicamente no amor de Deus.
No último Congresso, falando-lhes de Deus Amor, apresentei-lhes algumas fontes onde podemos nos plenificar de Deus, pois os Gen querem e devem ser jovens "divinos".
Hoje eu gostaria de falar um pouco mais sobre uma dessas fontes, muito importante para a nossa vida.
Vocês querem, Gen, ser revolucionários em todos os sentidos e render o máximo para a causa que escolhemos: derrubar o reino do mal, do demônio – digamos claramente – e restaurar no mundo o reino do amor?
Vocês querem, Gen, impregnar suas mentes e seu próprio ser de uma filosofia que não passa, para terem luz na luta, argumentos na discussão, palavras persuasivas que influenciem as massas?
Apeguem-se, de uma vez para sempre, à Palavra de Deus. Ela é a Palavra que vem do Alto e, portanto, tem a potência do alto: é espírito, é vida. As palavras que vêm da terra, pertencem à terra e têm o destino da terra.
Neste momento importantíssimo eu gostaria que um anjo tomasse o meu lugar para lhes explicar o que é a Palavra de Deus.
Estou certa de que vocês nem sequer o imaginam. Um dia eu tive a felicidade de descobri-lo e mais tarde em Santo Agostinho encontrei a confirmação. Essa frase de Jesus: «As palavras que Tu, Pai, me deste, eu as dei a eles», «as palavras que Tu, Pai, me deste, eu as dei a eles» é comentada assim por Agostinho: «Tudo aquilo que o Pai deu ao Filho ele o fez no ato de gerá-lo... De que outro modo o Pai teria podido dar ao seu Filho alguma palavra, dado que no Verbo Deus disse tudo de maneira inefável?»[1]
A Palavra de Deus, portanto, cada Palavra de Deus é uma presença do próprio Verbo, do próprio Deus.
Imaginem agora a atitude que cada um de nós é chamado a ter em relação a elas.
Antes de tudo, a Palavra de Deus deve ser amada, conhecida e é por isso que nós, durante um certo período, tomamos uma delas em consideração e procuramos entender o seu verdadeiro significado.
Depois deve ser vivida.
Aqui está o nó da questão. A Palavra de Deus nada produz em nós, se não a vivemos. Se a vivermos, fará milagres. Ela substitui o nosso modo de pensar, de querer e de agir em todas as circunstâncias da vida; de modo que, vivendo a Palavra, não somos nós que vivemos, mas Cristo em nós. Esta já é uma revolução.
Depois, visto que é inconcebível para nós um cristianismo individual, devemos comunicar entre nós as experiências da Palavra porque não queremos tanto a perfeição, a santificação, a realização do indivíduo, mas sim da comunidade.
Esta comunhão é de grande vantagem tanto para aquele que ouve quanto para aquele que fala pois somente doando é que se possui realmente.
A Palavra de Deus deve ser vivida. Isso é repetido de todos os modos pelos Padres da Igreja. Com efeito, o anúncio da Palavra sem o testemunho, sem a vida, escandalizava os pagãos assim como escandaliza agora os não cristãos e os leva a criticar a religião, como antigamente levava as pessoas a blasfemar ao invés de se converter. Com efeito, Jesus diz que é necessário antes fazer e depois ensinar.
A Palavra de Deus deve ser vivida momento por momento, a cada momento. Diz Santo Ambrósio: «A nossa mente permaneça sempre com Ele... Jamais se desprenda da sua palavra»[2]. Não devemos deixar espaço na nossa vida espiritual para nenhuma outra coisa que não seja a Palavra de Deus.
E isso significa entrar constantemente em comunhão com a Palavra.
Existe um fato muito importante que nos leva a amar apaixonadamente a Palavra de Deus e a revestir-nos dela como se fosse o nosso distintivo e a nossa couraça. Trata-se de um fato um pouco esquecido hoje, mas que nós, Gen, devemos fazê-lo brilhar em toda a sua beleza.
Vocês sabem, Gen, que importância tinha a Palavra de Deus para os primeiros cristãos? Muitas vezes ela era colocada no mesmo plano da Eucaristia.
Os cristãos dos primeiros séculos nutriam-se tanto de uma como da outra com o mesmo amor. Entre outras coisas diziam: «Nós comemos a sua carne e bebemos o seu sangue na divina Eucaristia, mas também na leitura das Escrituras». Ou então: «Esta leitura é como a consumação do Cordeiro Pascal». Ou ainda: «Meu refúgio é o Evangelho, que é para mim como a carne de Cristo». E o sapiente Orígenes escreve que a Palavra que nutre as almas é uma espécie de corpo, do qual o Filho de Deus também se revestiu.
Se é assim, quantas vezes por dia desejaríamos comungar a Palavra de vida? O maior número possível.
Os efeitos que produz a Palavra de Deus são admiráveis.
E isso é lógico: ela é Palavra única, universal, feita para todos, que produz aquilo que diz, quando encontra o terreno adequado.
Um dos efeitos é este: faz viver. Quem freqüenta um ambiente do Movimento, onde a Palavra é vivida como deve ser vivida, isto é, pelos indivíduos e pela comunidade, tem logo a impressão de que ali se vive. E isso se percebe pela luz inconfundível que emana da fisionomia das pessoas que o recebem, pelos seus gestos, pela prontidão em servir.
Outro efeito: a Palavra torna-nos livres. Sim, porque acima de todos os nossos pensamentos, dos nossos afetos, da nossa vontade, de todas as circunstâncias, está a Palavra, que é a única coisa que realmente nos interessa, porque é Cristo.
A Palavra (outro efeito) atrai o ódio do mundo. E foi o sentimento que notamos até mesmo em pessoas bem próximas de nós, quando começamos esta aventura. Mas o ódio do mundo é herança do cristão.
Em compensação a Palavra produz a santidade. E nós já vimos membros da primeira, segunda e terceira geração morrerem como santos. Podemos repetir como o Cura d'Ars: «No nosso cemitério (que para nós é grande quanto o mundo) dormem santos». Produz a santidade, porque Jesus disse: «Santifica-os na verdade. A tua Palavra é a verdade»[3]. Portanto, santifica-os com a tua palavra.
Outro efeito: a Palavra produz alegria. Diz Santo Ambrósio: «Uma pessoa atenta à Palavra de Deus saberá manter inalterada a alegria de uma reta consciência »[4].
E ainda a Palavra produz obras. Quem pode fazer florescer as obras que já se desenvolvem em várias partes do mundo com a contribuição sobretudo da primeira e da segunda geração, a não ser pessoas que vivem o Evangelho? Sem o Evangelho estas obras não existiriam.
E uma coisa interessante, quem vive a Palavra obtém tudo; Jesus afirma: «Se permanecerdes em mim e as minhas palavras permanecerem em vós, pedi o que quiserdes e vos será dado»[5].
A Palavra vivida faz crescer na alma a árvore da vida interior; a Palavra vivida é também garantia de vida eterna: «Em verdade, em verdade vos digo: se alguém observa a minha palavra não verá a morte eternamente»[6].
A Palavra, a Palavra... Eu não terminaria nunca. É divino demais o tema que me propus explicar para esgotá-lo em tão pouco tempo.
Mas não quero terminar assim. Queridos Gen, existe um fruto da Palavra de Deus que a meu ver supera todos os outros quanto à beleza.
Existe uma frase de Jesus no Evangelho que faz pensar muito. Quando os apóstolos se aproximam de Jesus e lhe dizem que sua mãe e seus irmãos estão à sua espera, ele responde: «Minha mãe e meus irmãos são aqueles que escutam a Palavra de Deus e a colocam em prática»[7].
Existe, portanto, uma possibilidade de ser de certo modo "mãe de Jesus"? Sim, ele mesmo o disse. Nós podemos dar vida a Cristo nas almas assim como uma mãe dá a vida. Na nossa alma, mediante a Palavra, e nas outras almas. E podemos fazê-lo justamente através da Palavra. De fato, a Palavra de Deus não é como as outras. Ela tem o poder, não só de ser ouvida, mas de produzir aquilo que diz.
E já que a Palavra é Cristo, gera Cristo. A Igreja é gerada pelos missionários, por exemplo, exatamente através do anúncio da Palavra. E por sua vez a Igreja (também nós estamos na Igreja) é mãe e gera as almas pela Palavra que doa e pelo batismo. O mesmo podemos dizer do nosso Movimento Gen. Ele foi gerado pela Palavra que Jesus semeou no nosso coração e o Movimento Gen por sua vez é mãe de muitos jovens, porque os gera, depositando no coração deles a Palavra.
Caríssimos Gen, eis o poder divino da Palavra.
O que pode haver de melhor?
Vocês são jovens! E já podem ser mães e pais de muitas outras pessoas jovens e adultas! Semeiem nelas a Palavra, vivida antes por vocês.
Hoje no mundo muitos semeiam palavras. Mas não tenhamos medo. Eu penso como São Jerônimo: «A pregação do Evangelho é a menor entre todas as doutrinas filosóficas. Contudo, ao ser semeada em bom terreno, torna-se uma árvore, enquanto os sistemas dos filósofos, os seus livros, o esplendor da sua eloquência não mostram nada de vivo, mas todos se enfraquecem, flácidos e podres, como hortaliças e ervas que secam e morrem»[8].
Avante, então, com a Palavra que não morre Gen, creio que já lhes disseram mas eu repito. Morro de medo quando saio, porque vocês, correndo, cheios de energia, ultrapassam o portão e pode acontecer uma desgraça como aconteceu com quatro religiosas que foram atropeladas e uma delas morreu. Por favor, não ultrapassem o portão.
O programa dos próximos dias prevê que vocês vejam videoteipes de outros temas que eu fiz sobre a Palavra de Deus, os quais aprofundam o mesmo assunto. Vocês vão ouvir coisas repetidas, mas não faz mal. O importante é que aprendam o que é a Palavra de Deus. No momento em que aprenderem isso, então terei realizado a minha missão, pois sei que vocês estarão sempre em contato com uma presença de Deus. Comungando continuamente a Palavra, é como se comungassem o corpo de Cristo.
Volto a dizer que ouvirão certas coisas repetidas, pois para fazer este tema eu escolhi as partes melhores dos outros temas, se bem que tudo seja muito interessante.
Acabei de saber que prepararam uma canção. Vamos ouvi-la?

Até logo, Gen; viram que sol esplêndido Deus mandou para vocês? Fora parece primavera. É sinal da presença de vocês aqui.




[1]. Santo Agostinho. Em: «Commento al Vangelo di San Giovanni», Discorso CVI, ed. Cittá Nuova, pág. 417;
[2]. Santo Ambrósio. Em: De Abraham, li. II, 22 PL 14, 488 A;
[3].Jo 17, 17;
[4]. Idem;
[5]. Jo 15, 7;
[6]. Jo 8, 51;
[7]. Lc 8, 21;
[8]. São Jerônimo. Em: Matth., PL XXVI, 93 A-C.

28 maio 2018

A imensidão de Deus



Rocca di Papa, 22/01/87.

Caros amigos,

Desta vez gostaria de comunicarlhes uma pequena experiência que vivi nestes dias. Num momento de repouso, assisti a um documentário sobre a natureza. Ao contrário de outras transmissões feitas pela TV, que muitas vezes trazem à alma a poeira do mundo e deixam no coração um vazio (por isso precisamos ter muita prudência no uso deste veículo de comunicação), este programa produziu um grande efeito em minha alma.
            Contemplando a imensidão do universo, a extraordinária beleza da natureza, a sua potência, elevei-me espontaneamente ao Criador de tudo e compreendi de uma maneira toda original a imensidão de Deus. Esta impressão foi tão forte, tão nova, que me veio até mesmo o desejo de me ajoelhar para adorar, para louvar, para glorificar a Deus. Senti necessidade de fazêlo, como se fosse essa a minha vocação atual.
            E, como que se meus olhos se abrissem agora, compreendi mais do que nunca quem é Aquele a quem escolhemos por ideal, ou melhor, Aquele que escolheu a nós. Descobrio tão grande, tão imenso, a ponto de me parecer impossível que Ele tivesse pensado em nós. Esta impressão da sua grandeza permaneceu em meu coração por dias e dias.
            Dizer agora << santificado seja o vosso nome ... >> ou  <<Glória ao Pai, ao Filho, e ao Espírito Santo>> é muito diferente para mim. É uma necessidade do coração.
Caros amigos, Ottorino deixounos menos de três meses após a morte de Lionello. Ambos concluíram a sua Santa Viagem, como também Marilen, Aldo, Margareth e muitas outras pessoas queridas do nosso Movimento 1. Qual a tarefa deles agora no Céu, onde espero se encontrem (inclusive pela ajuda que todos nós juntos pudemos darlhes)?
            Para os habitantes do Céu, a principal tarefa é louvar a Deus, glorificálo, adorálo. Agora eles o vêem e não podem deixar de expressar todo o louvor possível.
            Nós estamos a caminho. Normalmente enquanto viajamos já pensamos no ambiente que nos acolherá na chegada; já pensamos na paisagem, na cidade, já nos preparamos. É assim também que nós devemos fazer agora. No Céu, louvaremos a Deus? Louvemolo então desde já. Deixemos que o nosso coração manifeste a Ele todo nosso amor; que, juntamente com os anjos, com os santos, com os mariapolitas celestes, proclame: “Santo, Santo, Santo!”
            Expressemos nosso louvor com as palavras e com o coração. Aproveitemos para reavivar aquelas orações que fazemos diariamente com esta finalidade. E demos glória a Ele também com todo o nosso ser.
            Sabemos que quanto mais nos anulamos (tendo por modelo Jesus Abandonado *0 que se reduziu a nada), tanto mais gritamos com a nossa vida que Deus é tudo e, portanto, o louvamos, o glorificamos, o adoramos. Mas, agindo dessa forma, também o nosso "homem velho" (cf. Ef 4,22) morre, e com a sua morte vive o "homem novo" (cf. Ef 4,24), a "nova criatura" (cf. Cor 5,17).
            Eis um outro modo de colocar em prática a Palavra de Vida do mês, que fala justamente da nova criatura, de Cristo em nós 2.
            Teremos diante de nós, como de costume, outros quinze dias para viver esta Palavra, se Deus o permitir. Procuremos vários outros momentos durante o dia para adorar a Deus, para louválo. Façamolo durante a meditação, em uma visita ao Santíssimo numa igreja, ou durante a missa. Louvemos a Deus para além da natureza ou no Intimo do nosso coração. E principalmente, vivamos "mortos" para nós mesmos e vivos para a vontade de Deus, para o amor aos irmãos.
            Sejamos, também nós, como dizia Elizabete da Trindade, “um louvor da sua glória” 3.
            Assim anteciparemos um pouco o Paraíso. E repararemos a indiferença que muitos corações hoje no mundo têm para com Deus.



 

1)    Chiara referese a focolarinas e focolarinos * que faleceram na época (n.d.T.).
2)   Se alguém está em Cristo, é nova criatura. Passaram as coisas antigas; eis que se fez uma realidade nova,, Mor 5,17).
3)     Cf. ELISABETE DA TRINDADE. Viver de Amor. São Paulo Cidade Nova,
        1985 (n.d.T.)



27 maio 2018

A quem buscai?


Budapeste, 6 de abril 2003


«A quem buscais?»[1]
«Diálogo do povo»


         Caríssimos, uma saudação, do fundo do coração, a todos vocês, jovens, reunidos neste encontro ecumênico.
Como vocês devem saber, no âmbito da Jornada de hoje, intitulada: «A quem buscais?», eu fui convidada a oferecer-lhes uma experiência singular de um povo, que encontrou realmente o que procurava; um povo que está surgindo em várias partes do mundo, composto por fiéis de 350 Igrejas diferentes. Todos esses cristãos são animados por um modo específico de viver, por uma espiritualidade chamada da "unidade", que alguns consideram ecumênica e que é um dom do Espírito Santo. A "espiritualidade da unidade" que, tendo florescido num Movimento (o Movimento dos Focolares) agora é patrimônio universal porque, por exemplo, João Paulo II já a propôs a toda Igreja católica sob o nome de "espiritualidade de comunhão".
Os principais pontos em que se fundamentam emergiram do Evangelho. Quem a vive, pode tornar-se um instrumento que colabora na realização do testamento de Jesus: «Pai, que todos sejam um» (cf Jo 17,21), isto é, a unidade, e com ela a fraternidade universal; unidade e fraternidade universal, tão necessárias também no nosso tempo. De fato, como vocês sabem, hoje mais do que nunca, com os ameaçadores ventos de guerra e o terrorismo, que realmente aterroriza, o nosso mundo precisa de coesão e de solidariedade. A guerra divide os homens, aliás, os massacra; e o terrorismo produz imensos danos, por rancor ou vingança, causados sobretudo pelo desequilíbrio que existe no mundo entre países ricos e países pobres. Portanto, mais do que nunca é necessário almejar a unidade e suscitar em toda a parte a fraternidade que pode gerar partilha, inclusive de bens.
Como é possível promover no mundo a fraternidade, para que ela faça da humanidade uma única família? Isso é possível, se descobrirmos quem é Deus.
Nós, cristãos, acreditamos em Deus, sabemos que ele existe, mas Deus, embora o vejamos perfeitíssimo, onisciente e todo-poderoso, muitas vezes é imaginado por nós muito distante, inacessível e por isso não temos um relacionamento com ele.
São João Evangelista nos diz quem é Deus: «Deus é amor» (1 Jo 4,8) e por isso é Pai nosso e de todos. Essa afirmação, bem compreendida, muda radicalmente as coisas. De fato, se Deus é Amor e é Pai, ele está muito perto de nós, de mim, de você, de vocês. Ele segue cada passo que vocês dão. Ele se esconde por trás de todas as circunstâncias da vida de vocês, alegres, tristes ou indiferentes. Conhece tudo de vocês e de nós. Por exemplo, é o que diz a seguinte frase de Jesus: «Também os cabelos da vossa cabeça estão contados» (Lc 12,7), contados pelo seu amor, pelo amor de um Pai. Portanto, devemos estar certos de que ele nos ama. Mas não basta: devemos colocar Deus no primeiro lugar do nosso coração, antes de nós mesmos, antes das nossas coisas, antes dos nossos sonhos, antes dos nossos parentes. Jesus disse claramente: «Quem ama o pai e a mãe mais do que a mim não é digno de mim» (Mt 10,37).
E nasce outra pergunta: se Deus é Amor, é nosso Pai, qual deve ser a nossa atitude em relação a Ele? É óbvio: se ele é Pai de todos nós, devemos nos comportar como seus filhos e irmãos entre nós; no fundo, devemos viver aquele amor que é a síntese do Evangelho, isto é, tudo aquilo que o Céu exige de nós.
O nosso amor para com o próximo, porém, não deve ser um amor comum, uma simples amizade ou só filantropia, mas aquele amor verdadeiro que foi derramado nos nossos corações, pelo Espírito Santo, desde o batismo, e é o mesmo amor que vive em Deus. Esse amor tem qualidades especiais.
Agora, peço uma atenção particular, a todos vocês, jovens,!
Esse amor não é limitado, como o amor humano, dirigido quase que exclusivamente aos parentes e aos amigos. Ele é endereçado a todos: ao simpático e ao antipático, ao da nossa pátria e ao estrangeiro, da minha e de outra Igreja, da minha e de outra religião, amigo ou inimigo.
É um amor que impele a ser os primeiros a amar, a tomar sempre a iniciativa, sem esperar ser amado, como seria humano desejar.
Um amor, ainda, não feito de palavras ou de sentimentos. Sabendo sofrer com quem sofre, alegrar-se com quem se alegra, ajudar a todos concretamente.
Um amor que, embora dirigido a um homem ou a uma mulher, deseja amar Jesus neles, aquele Jesus que considera feito a si o bem ou o mal que se faz aos próximos (cf Mt 25,40.45), como nos será dito no dia do Juízo Universal.
E ainda, se somos vários a viver este amor, estabelecemos então o amor recíproco, realiza-se o mandamento de Jesus que diz: «Amai-vos uns aos outros como eu vos amei» (Jo 13,34). Amai-vos reciprocamente é – pode dizer quem o viveu – o Paraíso na Terra. É mesmo assim.
Caríssimos jovens, voltando para as nossas famílias ou comunidades, na escola ou no escritório, tentemos amar a todos desse modo, senão não somos autênticos cristãos. Ao passo que este amor, vivido, pode suscitar no mundo uma revolução, em nós e ao nosso redor: é a revolução cristã.
Este amor, porém, nem sempre é fácil. Dificuldades próprias ou dos outros muitas vezes o abalam e isso causa sofrimento. O que fazer? Parar na dor? Não. O sofrimento tem, para o cristão um nome: chama-se cruz. E Jesus nos disse como nos devemos comportar com as cruzes: «Quem quer vir após mim, (...) tome a sua cruz todo dia (...)» (Lc 9,23). É preciso tomar a cruz, não arrastá-la. É preciso empunhá-la como uma arma, aceitá-la, ir em frente e continuar a amar.
Vamos nos deter um pouco para compreender e acolher no coração uma maravilhosa conseqüência do amor recíproco vivido. Se nós vivermos assim, acontecerá um fato extraordinário: florescerá entre nós a presença espiritual de Jesus no meio. Ele prometeu: «Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome (isso quer dizer: no meu amor), eu estou no meio deles» (Mt 18,20).
Jesus conosco! Vocês já pensaram nisso? Já experimentaram? Talvez não! Pois bem, eu lhes asseguro que, quem viveu assim, experimentou no seu coração um amor novíssimo, uma força nova, luz, alegria, coragem, ardor, e são todos efeitos da sua presença. E se ele está presente, tudo é possível!
Caríssimos jovens, no início eu lhes prometi contar a experiência de um povo novo. Pois bem, é a espiritualidade, o modo de viver, de que tenho falado até agora, que suscitou esta realidade.
Alguns anos depois do nascimento do Movimento dos Focolares na Igreja católica, a espiritualidade da unidade, vivida, teve o grande privilégio de despertar o interesse, tocar e impressionar, sob um aspecto ou outro, fiéis de Igrejas diferentes. Os evangélicos luteranos, por exemplo, em contato conosco, católicos, ficaram admirados, porque não só se falava, mas se vivia com grande intensidade o Evangelho. Eles nos pediram para ajudá-los a difundir esta vida em suas paróquias e comunidades. Os anglicanos, na Inglaterra, foram atraídos pela idéia e pela praxe da unidade e nos convidaram a fazer o mesmo. Os ortodoxos ficaram interessados pelo fato de que sublinhamos a vida e o amor. E os reformados, gostaram da idéia de Jesus em meio, que tanto desejam em seus pequenos grupos. Aos metodistas agradou a tensão à santidade que esta espiritualidade suscita.
E, embora fossem cristãos de Igrejas diferentes, todos foram irmanados por este estilo de vida. Agora, aderem ao Movimento, como já disse, fiéis de 350 Igrejas ou Comunidades eclesiais! E a nossa vida em comum sempre foi abençoada e encorajada pelas autoridades católicas, mas também por autoridades das outras Igrejas. Os efeitos desse modo de viver nas várias Igrejas são os mesmos: conversões a Deus, novas vocações, renovação nas paróquias, nas comunidades, recomposição dos matrimônios, unidade entre as gerações, etc.
Com todos esses irmãos e irmãs das diversas Igrejas, conhecendo-nos e amando-nos, descobrimos também, como que pela primeira vez, quantas grandes riquezas já tínhamos em comum: em primeiro lugar, o batismo, depois o Antigo e o Novo Testamento, os dogmas dos primeiros Concílios, o Credo, os padres da Igreja gregos e latinos, os mártires e outras coisas, como a vida da graça, por exemplo, a fé, a esperança, a caridade, e muitos outros dons do Espírito Santo.
Antes vivíamos quase como se este patrimônio não existisse, agora nos damos conta de que tudo isso, junto com a nova espiritualidade que temos em comum, nas faz sentir de alguma forma "todos um". De fato, apesar de termos que trabalhar muito para recompor a unidade visível entre as nossas Igrejas, sentimos que já formamos "um povo cristão" de leigos, sacerdotes, religiosos, pastores, bispos.
Esta espiritualidade da unidade, ainda, é de luz no caminho para a plena comunhão visível, porque Jesus, se assim desejarmos e se o amarmos, pode estar presente espiritualmente, pelo batismo, entre católicos e evangélicos, assim como entre reformados e ortodoxos, entre metodistas e armênios, entre todos. Este é um vínculo tão forte que nos faz dizer: ninguém poderá nos separar, porque é Cristo mesmo que nos une, nos une naquilo que chamamos "diálogo do povo". Aliás, esperamos que outras formas de diálogo, como aquele da caridade, que era muito vivo, por exemplo, entre Paulo VI e Atenágoras, o diálogo da oração, que é vivido de modo especial na Semana de Oração pela Unidade dos cristãos, além do diálogo teológico, possam ser potencializados por este diálogo: Jesus em meio a pessoas que se amam, pode iluminar sempre.
Caríssimos jovens, o tempo em que vivemos pede a todos nós que façamos todo o esforço e realizar no mundo a fraternidade universal e pede a cada um de nós para recompor a unidade da Igreja, dilacerada há séculos. Deus deseja isso e repete e grita também com as presentes circunstâncias dolorosas que ele permite[2].
Eu mencionei, no início, os ventos de guerra e o terrorismo difundido no nosso planeta. Acreditem: nem tudo é culpa dos terroristas, se estamos vivendo um momento de tamanha emergência. E nem se deve unicamente ao fato de que as nações mais ricas não tenham ajudado e não ajudem outras nações em grande e extrema pobreza, suscitando pensamento de vingança; se bem que ambos os fatores sejam certamente as causas mais graves pelas quais a humanidade sofre hoje. Contudo, há mais alguma coisa: a culpa também é nossa.
Nós sabemos que os cristãos são muito numerosos no mundo. De fato, as estatísticas de 2003 indicam que os católicos atualmente no mundo são 61 milhões. Quantos seremos todos juntos? Um número enorme! Mesmo assim, como vocês sabem, em setembro de 2001, logo depois do atentado às Torres Gêmeas, houve alguém, no mundo hostil a nós, que qualificou os cristãos até de "ateus" e de "infiéis": uma mentira cósmica, certamente, com um fundo de verdade. Jesus, de fato, nos disse que o mundo nos teria reconhecido como seus discípulos e, por nosso intermédio, iria reconhecer a ele como o verdadeiro Deus, graças ao amor recíproco. «Nisso conhecerão que sois meus discípulos, se tiverem amor uns pelos outros» (Jo 13,35). Mas a unidade, como sabem, não foi mantida por nós e ainda não existe plenamente.
Que testemunho de Cristo, da sua verdade e do seu amor, nós demos e podemos dar? Infelizmente, já não somos como os primeiros cristãos, que eram um só coração e uma só alma e, portanto, tinham todos os bens em comum!
Então, o que fazer? Penso que só nos resta formular no coração um sincero propósito: começar amando – como eu disse – a todos, sendo os primeiros, amando concretamente, reconhecendo Jesus em todos, e amando-nos reciprocamente, a fim de que ele esteja presente entre nós, e ele saberá, com certeza, repetir o milagre dos primeiros cristãos.
Coragem, portanto, caríssimos jovens, coragem! Jesus disse: «Eu venci o mundo!» Se nos propusermos a amar, ele nos dará a vitória.




[1].            (Jo 18,7)
[2].            A guerra no Iraque (n.d.t.);

26 maio 2018

O AMOR – SÍNTESE DE TODAS AS PALAVRAS (A ARTE DE AMAR)



         O amor, síntese de todas as palavras do Evangelho.

         Mas o amor que Jesus trouxe à terra é muito rico e, para vivê-lo bem, é necessário conhecer uma arte, ou seja, a arte de amar.
Ela significa um modo de viver, um “coquetel” espiritual, todo especial, no qual são contempladas todas as exigências evangélicas.
Chiara, no seu discurso no Capitólio, na ocasião em que recebeu a cidadania honorária de Roma, fez da Palavra o ponto central da sua mensagem. “A verdadeira arte de amar – afirmou – emerge toda do Evangelho de Cristo (...) É o segredo da revolução que permitiu aos primeiros cristãos invadirem o mundo então conhecido. É uma arte que exige esforço...”
         Ela requer, antes de tudo, que se supere o limitado horizonte do amor natural, dirigido simplesmentee de uma forma quase exclusiva à família, aos amigos. Esse amor deve ser destinado a todos: ao simpático e ao antipático, ao bonito e ao feio, a quem é da minha pátria e ao estrangeiro, da minha religião ou de outra, da minha cultura ou de outra, amigo ou adversário ou até mesmo inimigo. É necessário, portanto, amar a todos como faz o Pai do Céu, que manda o sol e a chuva sobre os bons e sobre os maus” (Mt. 5,45).
         Este, portanto, é o primeiro ponto da arte de amar, como Chiara a propõe: amar a todos, sem distinção.

         Passemos, então, ao segundo ponto da arte de amar, aquele que, à primeira vista, pode parecer o mais árduo, o mais difícil de ser atuado.
         É aquele amor que, na escola do amor, nunca acabamos de aprender. Ele tem uma característica que o torna semelhante ao amor que Deus tem por nós.
         Um amor à imagem e semelhança de Deus: Amor “incriado” nele, amor “criado” em nós, mas um amor que ama primeiro.   
         “Não se pode amar a Deus primeiro, porque Ele nos precedeu e sempre nos precede no amor”, diz Chiara.
         Mas nós podemos, ou melhor, devemos sempre ser os primeiros a amar o nosso próximo. É isso que torna autêntico e desinteressado o nosso amor ao irmão. É um amor que, como o amor de Deus, não espera nada, não espera um gesto, uma palavra, um sorriso, para começar a amar, mas toma sempre a iniciativa.

         Agora, vejamos a terceira exigência: o amor verdadeiro não consiste somente em palavras ou sentimentos, mas é concreto. Atua-se bem o amor “fazendo-se um” com o próximo.
         É este um ponto crucial da arte de amar, que se tornou característica essencial da vida do Movimento.
         “Fazer-se um” são duas palavras mágicas – assim Chiara as definiu - que exprimem o nosso modo de amar.
         A verdadeira interpretação da palavra “amor”, “amar”, é o “fazer-se um”: penetrar na alma do outro o mais profundamente possível; entender verdadeiramente os seus problemas, as suas necessidades: carregar os seus pesos, assumir as suas preocupações e os seus sofrimentos.
         Então, terá significado o dar de comer, dar de beber, dar um conselho, oferecer uma ajuda.
         Chiara nunca escondeu as dificuldades desta práxis evangélica.
“Fazer-se um” – ela adverte – não é uma coisa simples.
         “Fazer-se um” exige um vazio completo de nossa parte: tirar todas as idéias da nossa mente; todos os afetos do coração, afastar tudo da nossa vontade, para nos identificarmos com os outros.”
         Mas, “Ele quer que, a cada dia, a cada hora, nos aperfeiçoemos nesta arte, às vezes cansativa e extenuante, mas sempre maravilhosa, vital e fecunda, de “fazer-se um” com os outros: a arte de amar.”

         E, finalmente, o quarto ponto da arte de amar.
         É necessário amar Jesus no irmão. Esta postura é imediata e clara, se pensarmos no Juízo Final, quando Jesus dirá aos bons: “Vinde benditos do meu Pai, recebei por herança o reino preparado para vós desde o princípio do mundo. Pois tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber. (...)”
         Então, os justos lhe responderão, dizendo: “Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, com sede e te demos de beber? (...)” Respondendo, o rei lhes dirá: “Em verdade vos digo: toda vez que fizestes estas coisas a um só dos meus irmãos menores, fizestes a mim” (Mt. 25, 34-40).
         Quando amamos um irmão ou uma irmã é, portanto, também Jesus que se sente amado neles.


Preparado por Enzo M. Fondi