30 abril 2021

Para que reines em meu íntimo

Muitas vezes, por hábito, aflora espontaneamente em nossos lábios: “Meu Deus e meu Tudo”, ou alguma outra oração como esta: “Amo-te com todo o coração”. Mas depois, durante o dia, analisando a nossa alma para ver se o que lhe importa é sobretudo Deus e a sua vontade, notamos que nem sempre é assim.

Frequentemente, gostamos de arrastar um trabalho, ao menos por um pouco, além do tempo devido, em vez de começar o novo; disso fica evidente que amamos aquele encargo, aqueles papéis, aquelas pessoas, aquelas notícias… infelizmente mais do que a Deus!

E aqui constatamos os fracassos de nossa vida consagrada a Deus, medidos exatamente pelo termômetro da “vontade de Deus”. Se ela flutua qual rainha de todas as outras coisas, que também posso e devo amar, então Deus é o rei do meu coração.

Se ela afunda para deixar reinar outra coisa qualquer, ou pessoa ou ideia, Deus permanece em meu coração como um rei destronado pelo meu eu.

Do Diário
9 de outubro de 1965

Hoje, causou-me grande impressão a frase: “Nem todo aquele que me diz: ‘Senhor, Senhor’” (Mt 7,21). Nem… E quantas vezes o nosso amor a Deus é feito de implorações, de palavras… de amor, não ressaltados com igual decisão e força pela vontade de fazer a sua vontade.

Essa sua vontade deve ser uma coisa muito importante, para que o Senhor a afirme nitidamente, sobre uma negação clara de outra atitude da alma.

É que, para Ele, a sua vontade para cada um de nós, em cada momento, é coisa divina, acho; parte, pedrinha necessária de um mosaico, que só contemplaremos em toda a sua completude no “lado de lá”, enquanto que, do lado de cá, por graça sua, é-nos dado vê-lo, de vez em quando, em fragmentos.

Jamais entenderemos o suficiente o que significa estar no momento presente, plenamente, na sua vontade… […]

A ideia para hoje: a sua vontade feita bem, como uma ideia que não me deve abandonar jamais, que impregna até as fibras do meu ser.

29 abril 2021

Harmonia e ambiente

«Cada objeto, para nós, deve ter um porquê», dizia sempre Marilen Holzhauser, uma das primeiras focolarinas. Para as primeiras companheiras de aventura de Chiara, a sobriedade, a essencialidade, eram um estilo de vida, uma forma de decorar, de vestir. A beleza revela o mistério de uma flor que consome apenas o que precisa e desse modo mostra a sua real beleza. E o belo torna-se esplendor da verdade. A harmonia da essencialidade faz descobrir «a beleza que salvará o mundo» e qual mundo salvará a beleza.

Na carta a Diogneto, a propósito dos primeiros cristãos, lê-se: «Vivendo em cidades gregas ou bárbaras, como coube a cada um, e adequando-se aos costumes do lugar nas roupas, nos alimentos, e em tudo, testemunham um método de vida social admirável e, sem sombra de dúvida, paradoxal».

Tudo isso tem reflexos na vida concreta de quem adere ao “espírito da unidade”. Por exemplo, os “Centros Mariápolis”, onde se fazem congressos e cursos de formação, e as Mariápolis permanentes, 22 em todo o mundo, são concretizações que miram restaurar as relações sociais, em sua integridade humana. Da mesma forma as produções dos Centros Ave e Azur, e os encontros de “Art’è”, e assim também as obras de arte de pintores, musicistas, pianistas, bailarinos… querem exprimir a contínua novidade de Deus, fonte de beleza e harmonia

Chiara Lubich escreveu: «O verdadeiro artista é um grande. O artista assemelha-se de certo modo ao Criador. O verdadeiro artista possui a sua técnica quase inconscientemente, e se serve das cores, das notas, das pedras, como nós nos servimos das pernas para caminhar. O ponto de concentração do artista está em sua alma, onde contempla uma sensação, uma ideia, que ele quer exprimir fora de si. Por isso, nos limites infinitos de sua pequenez de homem em comparação com Deus, e, portanto, na infinita diversidade das duas coisas “criadas”, digamos assim, o artista é de certo modo alguém que “recria”, cria novamente. E as obras-primas de arte que outros homens produziram poderiam ser uma verdadeira “recriação” para o homem. Infelizmente, por falta de verdadeiros artistas, o homem recreia-se quando muito em extravagâncias vazias de cinemas, teatros, variedades, onde a arte frequentemente tem pouco lugar.

O verdadeiro artista, com suas obras-primas, que são brinquedos diante da natureza, obra-prima de Deus, de certa maneira nos faz sentir quem Deus é e nos faz relevar na natureza a marca trinitária do Criador: a matéria, a lei que a conforma, como que um “evangelho da natureza”, a vida, como que consequência da unidade das duas primeiras. O conjunto, depois, é algo que continuando a “viver”, oferece a imagem da unidade de Deus, do Deus dos vivos. As obras dos grandes artistas não morrem, e nisso está o termômetro da sua grandeza, porque a ideia do artista, de certo modo, se exprimiu perfeitamente na tela ou na pedra, compondo algo vivo».

28 abril 2021

A Santa viagem

A partir de uma frase da Escritura, Chiara Lubich reflete sobre a Santa Viagem da vida, convidando-nos a verificar periodicamente diante de Deus em que momento estamos na nossa caminhada.

O motivo que me leva a dirigir-me a vocês é o desejo de avaliarmos juntos a que ponto estamos em relação à nossa santificação. Um destes dias uma focolarina mostrou-me uma lindíssima frase dos Salmos, que anuncia uma bem-aventurança que eu não conhecia: “Bem-aventurado o homem que põe a sua confiança em ti e decide no seu coração a Santa Viagem”.*

“A Santa Viagem”. De que viagem fala a Escritura? Certamente da caminhada do homem em direção a Deus, em direção ao Céu. A viagem, portanto, da própria santificação, que nos abre o Paraíso. […]

E agora? Será que também nestes momentos, estamos verdadeiramente encaminhados na Santa Viagem?

[…] Paremos um pouco e façamos um breve exame, sozinhos diante de Deus, apenas para dar-lhe glória. Quais foram os resultados? Será que melhoramos, por exemplo, no fazer a vontade de Deus? No amor, no amor recíproco? […] Se a resposta é sim, agradeçamos a Deus e sigamos adiante. Se for não, agradeçamos-lhe por ainda termos a vida para recomeçar. E então, avante! Queremos muito saborear, juntos, a bem-aventurança da Santa Viagem!

Chiara Lubich

27 abril 2021

O carisma da unidade e a pedagogia


Washington, 10 de novembro de 2000
(Extraído da aula ministrada em 10 de novembro de 2000 na Catholic University of America, de Washington, por ocasião da outorga do doutorado honoris causa em pedagogia.)

[…]

O nosso Movimento pode ser visto também sob os aspectos teológico, filosófico, cultural, social, econômico, educativo e artístico, bem como sob o aspecto ecumênico ou inter-religioso. Tentarei agora expor algumas consequências pedagógicas dos pontos mais significativos de sua espiritualidade.

De fato, o nosso Movimento e a nossa história podem ser vistos como um grande e extraordinário evento educativo. Nele estão presentes todos os fatores da educação e também é evidente a presença de uma teoria da educação, de uma pedagogia bem delineada que fundamenta a nossa ação educativa.

Mas – perguntemo-nos logo – o que é a educação?

Ela pode ser definida como o itinerário que o educando (indivíduo ou comunidade) percorre, com a ajuda do educador ou dos educadores, na direção de um dever ser, de um objetivo considerado válido para o homem e para a humanidade.

Quais são os elementos característicos da nossa pedagogia ligados aos principais pontos da espiritualidade que vivemos?

Se considerarmos o primeiro ponto: a revelação – passe a palavra – de Deus como Amor, constatamos que, na nossa história, desde o seu início, sempre esteve presente um único educador, o Educador por excelência, precisamente Ele: Deus-Amor, Deus Pai. Foi Ele que tomou a iniciativa em relação a nós, que nos acompanhou, que nos renovou regenerou – com a intencionalidade que orienta o verdadeiro educador – ao longo de um itinerário riquíssimo de formação pessoal e comunitária.

Foi Ele que nos fez recuperar (a nós e a muitos) o sentido da Paternidade Maior: uma descoberta de alcance enorme se pensarmos que uma determinada cultura tenta afirmar – nos planos teórico e prático – que “Deus está morto”. Esse eclipse de Deus Pai favoreceu também um eclipse da figura do pai de família, o qual perdeu a autoridade no campo das relações humanas e educacionais, favoreceu um relativismo moral, uma ausência de regras na vida individual, nas relações interpessoais e sociais, muitas vezes com consequências graves, como formas de violência, etc., praticamente dando razão a Dostoiévski, quando afirma que «matar Deus é o suicídio mais horrível» e também «se Deus não existe, então tudo é permitido». Nós tivemos a graça de conhecer Deus. Ele, que é Amor, não é certamente um juiz distante, um inimigo ciumento que aniquila o homem com a sua potência ou que não se preocupa com ele. Pelo contrário, é um educador que reconhece o homem em sua identidade única e irrepetível, que o exalta. Ele ama o homem e por isso é também exigente. Como verdadeiro educador, pede e educa para a responsabilidade, para o compromisso. 

Deus é Amor, e por isso nos libertou da escravidão maior, reabrindo-nos as portas de sua Casa. E sabemos o preço que seu Filho pagou por esse resgate. Nenhum educador jamais considerou tanto o homem, quanto um Deus que morreu por ele. Deus-Amor elevou o homem, cada homem, à dignidade altíssima de filho e herdeiro. Cada homem!

Era justamente na constatação de que todos somos filhos do mesmo Pai que se baseava a ideia-forte de Comenius, grande representante da pedagogia moderna. Ele disse: é preciso “ensinar tudo a todos”.

Outro ponto fundamental da nossa espiritualidade é a Palavra de Deus.

Foi dito «ensinar tudo a todos», mas para tanto é necessário usar – dizia o próprio Comenius – a regra pedagógica da gradação. Pensando bem, o Pai sugeriu essa gradação a nós, focolarinas, quando, desde os primeiros dias, nos impeliu a viver a sua Palavra, escolhendo uma frase por vez do Evangelho, para ser posta em prática durante um mês, na vida de cada dia. Mas isto logo nos deu “Tudo”, porque em cada Palavra está presente Jesus todo; ao mesmo tempo, como crianças nutridas por sua Palavra, dela nos revestimos cada vez mais, crescendo assim como adultos na fé e na vida.

Com esta técnica pedagógica muito simples da gradação e da plenitude, a luz do nosso Ideal se difundiu e continua a difundir-se muito além de nós, como experiência espiritual e educacional forte e em contínua expansão.

A unicidade da Palavra de Deus é que ela é Palavra de Vida, que se torna experiência num mundo, inclusive o pedagógico, muitas vezes poluído de verbalismo. 

Experimentamos a força educacional – alternativa e contestatória – desta Palavra sempre viva e sempre nova. Pouco a pouco, impressa em nossa vida, ela lhe conferiu – desmedida tarefa, típica da educação – uma unidade existencial, favorecendo a superação da fragmentação-esfacelamento que o homem muitas vezes sente na sua relação consigo mesmo, com o outro, com a sociedade e com Deus, fazendo emergir ao mesmo tempo, a unicidade, a originalidade de cada um.

E por esta unidade existencial entre Palavra e Vida, entre dizer e fazer, que a nossa experiência é digna de crédito, convincente, para muita gente; provoca mudanças profundas na existência pessoal e por isso aciona um verdadeiro processo educacional em muitas pessoas.

Outro ponto é a vontade de Deus.

A fidelidade à Palavra de Deus nos acostumou também a “perder a nossa má vontade”, aquela que ainda nos une às estreitas modalidades existenciais do eu autocentrado, bem como a seguir a vontade de Deus, que nos leva ao contínuo autotranscender-nos, a um superar-nos para o tu que nos enriquece e liberta.

Na educação moral da pessoa, normalmente passamos de forma gradativa da necessária fase inicial de dependência, para a moralidade autônoma. Também em nossa experiência, percebíamos a passagem educacional da adesão inicial para uma outra vontade, para a sua Lei (que se manifesta de várias maneiras) – Lei, à qual nos  agarramos qual criança que se confia totalmente à orientação do adulto –, para a forte percepção de liberdade pela interiorização da própria Lei, quando sentimos que ela se tornou a nossa lei, quando ela está tão gravada em nós a ponto de nos fazer sentir adultos exatamente porque capazes de dizer: «Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim» (Gl 2,20).

Outro ponto ainda, Jesus quando grita: «Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?» (Mt 27,46; Mc 15,34). Jesus Abandonado é o nosso segredo, a nossa ideia-chave, também para a educação. Ele nos indica o limite sem limites da nossa ação pedagógica, nos mostra até que ponto e com que intensidade ela deve atuar.

Quem é Jesus Abandonado, por quem decidimos ter um “amor preferencial”? Ele é a figura do ignorante, pois pergunta “por quê?” (a sua é a ignorância mais trágica, a pergunta mais dramática); do desfavorecido, do desadaptado, do deficiente, do não-amado, do desprezado, do marginalizado, de todas aquelas realidades e experiências humanas e sociais que exigem, mais do que outras, uma urgente e especial necessidade de educação. Jesus Abandonado é o paradigma de quem, carente de tudo, precisa de alguém que lhe dê tudo e por Ele faça tudo. Por isso, é também a ideia-limite, o parâmetro do educando, que requer a responsabilidade do educador. Ele nos mostra assim o limite sem limites de tal necessidade e, ao mesmo tempo, o limite sem limites de nossa responsabilidade em ajudar e em educar. 

Mas Jesus Abandonado, que superou a sua dor infinita completando: « Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito» (Lc 23,46), ensina-nos também a ver a dificuldade, o obstáculo, a provação, o empenho, o erro, o fracasso, o sofrimento, como algo a ser enfrentado, amado, superado. Nós, homens, em qualquer campo de atividade, geralmente tentamos evitar tais experiências com todos os meios. Inclusive no campo educacional, de muitas maneiras, com tipos de hiper proteção, a tendência é  preservar as crianças de qualquer dificuldade, habituando-as a ver a vida como uma estrada em descida, fácil, cômoda. Na realidade, nós as deixamos inseguras perante as inevitáveis provações da vida e, em particular, as tornamos passivas e relutantes com relação às responsabilidades que cada ser humano deve assumir diante de si mesmo, do próximo e da sociedade.

Para nós, porém, graças justamente à escolha de Jesus Abandonado, cada dificuldade deve ser amada e encarada. A educação para o difícil, como empenho que envolve o educando e o educador é, portanto, outro ponto fundamental da nossa pedagogia.

Há também outros dois pontos que quero considerar: a unidade e Jesus em nosso meio.

Aqui poderemos nos perguntar: qual a finalidade deste processo educacional?

A nossa finalidade é a mesma de Jesus, que poderíamos definir como a sua finalidade educacional: «que todos sejam um». Portanto, a unidade, profunda e sincera com Deus e entre os homens. 

A unidade é uma aspiração muito atual. Apesar das inúmeras tensões do mundo contemporâneo, o nosso planeta, quase que paradoxalmente, tende à unidade: a unidade é um sinal e uma necessidade dos tempos.

Todavia, este impulso íntimo – como no e-ducere (extrair, fazer sair) da educação –, deve vir à tona positivamente. Por isso, é imprescindível, uma ação educacional coerente com as exigências da unidade, em todos os planos do agir humano, para fazer do nosso mundo não uma Babel sem alma, mas uma experiência de Emaús, de Deus conosco, capaz de abraçar a humanidade inteira. Parece um projeto utópico, mas toda pedagogia autêntica é portadora de uma força utópica, a ser entendida como  ideia reguladora para estabelecer entre nós um território que ainda não existe, mas  deveria existir. Neste enfoque, a educação é vista como meio para nos aproximar do objetivo utópico.

Em nossa pedagogia, pela qual o plano espiritual e o humano se entrelaçam e se unificam (pela Encarnação), a Utopia não é nem sonho, nem ilusão, muito menos meta inacessível. Ela está entre nós e percebemos os seus frutos, quando atualizamos o «Onde dois ou mais estiverem reunidos no meu nome, ali estou eu no meio deles». Isto faz com que a finalidade, a meta mais elevada, seja realidade.

Aqui experimentamos a plenitude da vida de Deus que Jesus nos doou, uma relação trinitária, a socialidade mais autêntica, em que se concretiza uma síntese maravilhosa entre a instância pedagógica da educação do indivíduo e a instância pedagógica da construção da comunidade. Acreditamos que em nossa experiência de espiritualidade comunitária trinitária se realizem plenamente as ideias defendidas por muitos expoentes da história da pedagogia que, embora partindo muitas vezes de premissas diferentes, insistiram na importância da educação na construção da sociedade fundada em relacionamentos autenticamente democráticos. Pensamos, só para citar um nome, na grande contribuição que os Estados Unidos oferecem ao mundo pedagógico, por meio de John Dewey. Encontramos muitas consonâncias também com a recente “pedagogia de comunidade”, em que se proclama a necessidade de conjugar a promoção do indivíduo e a promoção da comunidade.

Naturalmente, a nossa experiência de vida comunitária se baseia no convite de Jesus: «Amai-vos como eu vos amei… Que todos sejam um», motivação esta de natureza religiosa, mas de efeitos extraordinários no plano educacional. 

A finalidade atribuída desde sempre à educação (formar o homem, a sua autonomia), se desenvolve, quase paradoxalmente, em formar o homem-relação, que para nós é o homem ícone da Trindade, capaz de autotranscender-se continuamente na realidade de Jesus em nosso meio. É através dessa práxis espiritual e educacional do amor recíproco, do consumar-se em um – práxis que é seguida por todos os membros do Movimento, chamados a viver a experiência comunitária em pequenos grupos –, que nós agimos para a finalidade das finalidades, expressa na oração-testamento de Jesus: «Que todos sejam um»: a utopia-realidade para a qual nós, como instrumentos por Ele guiados, pretendemos dedicar a nossa vida.

É por meio de uma educação séria que, como indivíduos e como comunidades, podemos nos tornar capazes de colaboração, de diálogo, de encontro com outras pessoas, com outros Movimentos etc. É, enfim, por meio de uma educação séria que – com a graça de Deus – podemos almejar a santidade pessoal e comunitária.

Maria é o exemplo de como viver de maneira excelsa os pontos pedagógicos aos quais fiz referência.

E naturalmente Jesus, que soube percorrer este itinerário pedagógico, este vaivém entre o abandono e a Trindade, e que, na sua experiência terrena, viveu com intensidade excelsa a relação interpessoal, pondo em prática a empatia, a aceitação, a esperança, a luta educacional, a vida de unidade com o Pai, e “com os seus”. Ele é o testemunho mais autêntico e mais exigente do que significa ser educador.

Personalidades presentes, prezados amigos, espero que essa breve mensagem tenha sido suficiente para explicar a experiência pedagógica que emerge do nosso Movimento e possa também demonstrar a minha grande alegria e honra por este diploma em pedagogia. 

Obrigada pela atenção dispensada. Que Jesus Mestre forme em todos nós verdadeiros e eficazes educadores. 

Chiara Lubich

26 abril 2021

Com coração de mãe

Façamos este propósito: vou comportar-me com todas as pessoas de quem me aproximar, ou para quem trabalhar, como se fosse a mãe delas.

A mãe sempre acolhe, sempre ajuda, sempre espera, tudo cobre. A mãe perdoa tudo ao filho, mesmo que ele seja um delinquente ou um terrorista.

De fato, amor de mãe é muito semelhante à caridade de Cristo, de que fala Paulo.

Se tivermos um coração de mãe ou, mais especificamente, se nos propusermos a ter o coração da Mãe por excelência, Maria, estaremos sempre prontos a amar os outros em todas a circunstâncias.

Amaremos a todos e não apenas aos membros da nossa Igreja, mas também aos membros das outras. Não apenas os cristãos, mas também os muçulmanos, os budistas, os hinduístas etc. Inclusive os homens de boa vontade, inclusive cada homem que vive na terra. Porque a maternidade de Maria é universal, como universal foi a Redenção.

25 abril 2021

Servir

Amar quer dizer servir. Jesus nos deu o exemplo. Primeiro, com a morte de cruz favoreceu a humanidade inteira que foi, que é e que será. Mas depois, deu-nos também o exemplo quando lavou os pés. Era Deus, e nos lavou os pés, a homens. Portanto, também nós podemos lavar os pés dos nossos irmãos.

Podemos, não. Devemos. Isso é o cristianismo: servir, servir a todos, reconhecer patrões em todos. Se nós somos servos, os outros são patrões.

Servir, servir. Procurar alcançar a primazia evangélica, sim, mas pondo-nos a serviço de todos.

A serviço… Eis uma ideia que pode revolucionar o mundo. O cristianismo não é uma brincadeira, o cristianismo é uma coisa séria, não é uma mão de verniz, um pouco de compaixão, um pouco de amor, um pouco de esmola.

O cristianismo é exigente, é plenitude de vida.

24 abril 2021

A caridade

Amar. Deus convoca todos os cristãos a amar. É porque, no cristianismo, o amor é tudo.

Santo Agostinho, mestre da caridade, diz em tom muito forte:

“Só o amor diferencia os filhos de Deus…

Se todos fizessem o sinal da cruz (que é um ato religioso), se todos dissessem amém e cantassem o aleluia (ou seja, se praticassem as liturgias, que são muito importantes, mas só fizessem isso…); se todos recebessem o batismo e entrassem nas igrejas, se mandassem erguer as paredes das basílicas, permaneceria o fato de que só a caridade distingue os filhos de Deus…

Quem possui a caridade nasceu de Deus, quem não a possui não nasceu de Deus. Eis o grande critério de discernimento.

Se tu tivesses tudo, mas te faltasse essa única coisa, de nada serviria o que tens. Se não tens outras coisas, mas possuis essa, cumpriste a lei…”

23 abril 2021

Trabalho a dois

Grande sabedoria é passar o tempo de que dispomos, vivendo com perfeição a vontade de Deus, no momento presente.

Mas, às vezes, somos assaltados por pensamentos tão obsessivos, relacionados ao passado, ao futuro ou ao presente, mas ligados a lugares, circunstâncias ou pessoas, a quem não nos podemos dedicar diretamente, que custa um sacrifício enorme manejar o leme da barca de nossa vida, mantendo a rota no que Deus quer de nós, naquele momento presente.

Então, para viver (…) bem, é necessária uma vontade, uma decisão, mas sobretudo uma confiança em Deus que pode chegar ao heroísmo.

“Não posso fazer nada naquele caso, nada por aquele ente querido, que corre risco ou está doente, nada para aquela situação intrincada…

Pois bem, farei o que Deus quer de mim neste momento: estudar bem, varrer direito, rezar direito, cuidar direito dos meus filhos…

E Deus se ocupará de desemaranhar aquela meada, de confortar quem sofre e de resolver aquele imprevisto”.

É um trabalho feito a dois em perfeita comunhão, que exige de nós uma grande fé no amor de Deus por seus filhos e que, pelo nosso modo de agir, dá ao próprio Deus a possibilidade de confiar em nós.

Essa confiança recíproca opera milagres.

O resultado é que, aonde nós não conseguimos chegar, Outro realmente conseguiu, e fez muitíssimo melhor do que nós.

O ato de confiança heroico será premiado; nossa vida, limitada a um campo só, ganhará nova dimensão; sentir-nos-emos em contato com o infinito, pelo qual aspiramos, e a fé, revigorando-se, fortalecerá em nós a caridade, o amor.

Não lembraremos mais o que a solidão significa. Saltará mais evidente, mesmo porque a experimentamos, a realidade de que somos de fato filhos de um Deus Pai que tudo pode.

Chiara Lubich

 Tirado de: Chiara Lubich, Ideal e Luz, Editoras Brasiliense e Cidade Nova, São Paulo 2003, pág. 75-76.

4 Abril 2020

22 abril 2021

A coragem do perdão

As restrições causadas pela pandemia, especialmente os momentos de isolamento, frequentemente causaram ou aumentaram as tensões nos relacionamentos pessoais. É necessário o perdão. Mas o perdão requer força, coragem e treinamento.

Muitas vezes as famílias se desagregam porque não sabemos nos perdoar. Ódios antigos dão continuidade à divisão entre parentes, entre grupos sociais, entre povos. Às vezes até encontramos pessoas que ensinam a não esquecer as injustiças sofridas, a cultivar sentimentos de vingança… E um rancor surdo envenena a alma e corrói o coração.

Há quem pense que o perdão é uma fraqueza. Não. Ele é a expressão de uma coragem extrema; é amor verdadeiro, o mais autêntico por ser o mais desinteressado. “Se amais somente aqueles que vos amam, que recompensa tereis?” – diz Jesus. Isso todos sabem fazer. Mas vós, “amai os vossos inimigos.”

Também a nós Ele pede que, aprendendo dele, tenhamos um amor de pai, um amor de mãe, um amor de misericórdia para com todos os que encontramos no nosso dia, sobretudo para com aqueles que erram. E àqueles, então, que são chamados a viver uma espiritualidade de comunhão, ou seja, a espiritualidade cristã, o Novo Testamento pede ainda mais: “Perdoai-vos mutuamente”[2]. O amor mútuo exige, de certo modo, um pacto entre nós: estarmos sempre prontos a nos perdoarmos um ao outro. Só assim poderemos contribuir para criar a fraternidade universal.


21 abril 2021

Chiara Lubich: saúde, repouso e esporte

Chiara Lubich. Saúde, repouso, esporte.
No livro-entrevista – publicado na Itália pela editora Città Nuova – Eli Folonari, que morou por mais de 50 anos com Chiara, conta alguns detalhes da sua vida, talvez desconhecidos pela maioria. Uma pequena amostra.

Que valor Chiara dava à saúde, ao repouso e ao esporte? Ela sempre teve uma vida com muitos compromissos e não priva de dificuldades, porque o seu Ideal era uma novidade até para a Igreja. Uma vida espiritual intensa não deixa de ter reflexo inclusive no físico. Pessoalmente Chiara fez a experiência que a saúde, esse bem que Deus nos concedeu, deve ser defendida, e que o corpo também tem as suas necessidades de repouso e de recreio. Queria que todos cuidassem da alimentação, das horas de sono, das terapias…

De vez em quando interrompia o trabalho que estava fazendo e convidava: «Vamos dar um passeio no jardim», por 15 minutos ou meia-hora. Depois retomava o trabalho.

Ela gostava mais das montanhas do que do mar… Sim, mesmo se às vezes, quando estávamos em Roma, íamos a Torvaianica, Óstia, Fregene. Ela não repousava muito na praia. Mas um dia – creio que foi em Rimini – observou: «O mar traz um sentimento de infinito, enquanto que as montanhas limitam. Porém – acrescentou – levam para o alto». Em suma, ela preferia as montanhas. Chiara lembrava de quando subiu a montanha Paganella, com seu pai, ou quando, nos arredores de Trento, sentava-se aos pés de um pinheiro para conversar com uma ou outra de suas primeiras companheiras.

Gostava de andar? Caminhava mais do que todas nós, no início até passeios longos. A hérnia de disco que a acometeu em 1973 aconteceu ao pegar um atalho, porque teve que descer por um caminho muito ríspido e acidentado.

E remar? Não, não era da água, como uma boa trentina. Mesmo se, durante as férias na Suíça, os longos e lindos passeios de barco no lago de Genebra ou de Brienz, eram ocasiões para falar de “coisas belas” aos seus primeiros companheiros.

Andar de carro era repousante para ela? Sim, ela relaxava bastante. Mas com frequência também trabalhava no carro, escrevia ou lia.

Como repousava no ritmo do dia-a-dia? Raramente escutava música ou fazia alguma leitura leve. Era mais comum ver TV ou assistir algum filme, não só de temas religiosos, ela gostava do estilo policial: “O Inspetor Derrick”, “O tenente Colombo”… ou então, na TV, assistia a algum evento esportivo. Não torcia por nenhum time em especial, mas sabia distinguir quem jogava bem ou mal.

Ela organizava momentos de recreação? Sim, tendo uma vida muito intensa, ela gostava de passar algum tempo com os primeiros e as primeiras companheiras, para descansar um pouco; mas isso não tira o fato que para ela fosse sempre… um compromisso. Às vezes dizia: «Virão algumas pessoas para o almoço, é preciso sustentar duas horas… preparem alguma coisa». E então, enquanto Doni procurava alguma anedota eu me encarregava de encontrar, nos relatórios, algum fato interessante para contar.

Tinha um prato preferido? Ela gostava de presunto cru e de macarrão. Não gostava muito de carne e de peixe, nem de comidas muito elaboradas. Preferia coisas simples, como batatas. Sua mãe contava que quando era pequenina e ainda não sabia quase falar, já dizia “ba-ta-ta”. Também gostava bastante de sorvetes.

Desde muito jovem, como percebe-se pelos seus diários, Chiara sempre teve muito presente a ideia da morte. E isso a impulsionava a viver mais intensamente o momento que tinha à disposição, como preparação para a outra vida. Sim, a viver com mais intensidade. Nas cartas dos primeiros tempos o leit motiv era sempre o mesmo: tudo passa, a vida é breve e temos pouco tempo. Chiara escreveu à sua mãe: «Se eu morrer continue você o meu Ideal».

Retirado de “A partitura escrita no céu. Cinquenta anos com Chiara Lubich”, Giulia Eli Folonari, Città Nuova Editrice, 2012.


20 abril 2021

O amor do próximo e as doze estrelas

Sierre, 18 de agosto de 1983
Chiara e os santos… Aqui fala de São João da Cruz.

Caros amigos,


[…]

Vocês se lembram das doze estrelas de São João da Cruz? Segundo ele, aquele que é perfeito, aquele que é santo, tem na alma o brilho das doze estrelas. São elas: o amor de Deus, o amor do próximo, a castidade, a pobreza, a obediência, a oração, o coro (isto é, a oração em comum), a humildade, a mortificação, a penitência o silêncio e a paz.

Nestes dias pude constatar como estas doze estrelas resplandecem mais na nossa alma quando amamos o próximo. E para melhor nos convencermos, vamos retomá-las, uma a uma.

O amor de Deus. Será que este amor se torna mais vivo no nosso coração, quando amamos o próximo? Certamente que sim. Vocês conhecem o exemplo da plantinha que, quanto mais afunda suas raízes no terreno, mais se lança em direção ao sol. Assim, quanto mais amamos o próximo, mias brilhará em nós a estrela do amor de Deus.

Segunda estrela: o amor do próximo. É justamente aquilo que nós queremos praticar bem.

Terceira: a castidade. O próprio Estatuto do Movimento dos Focolares afirma que a melhor  salvaguarda da castidade é o amor do próximo. O que é compreensível: quando alguém ama, pensa nos outros, e não fica procurando satisfazer as próprias paixões.

Quarta estrela: a pobreza. Como todos nós sabemos, nós não amamos a pobreza em função dela mesma. A pobreza típica dos membros do Movimento é justamente aquela que nasce do fato de dar ao próximo algo nosso. Somos pobres porque doamos aos outros, porque colocamos em comum com os outros, de várias maneiras, tudo aquilo que possuímos.

Quinta estrela: a obediência. A primeira obediência é devida a Deus, ao carisma que o Espírito Santo nos doou. Esse carisma nos ensina que o nosso caminho é justamente amar o próximo. Portanto, praticando a caridade aperfeiçoa-se a obediência.

Sexta estrela: a oração. Sabemos que esta atitude de alma cresce em perfeição, sublima-se, à medida que se desenvolve a união com Deus. Mas esta, por sua vez,  é incrementada através do amor ao próximo. Portanto, também a estrela da oração brilha mais quando praticamos o amor para com os irmãos.

Sétima estrela: o coro. O amor ao próximo é um estímulo para a oração em comum. Quando amamos o irmão, realmente, como a nós mesmos, quando somos um com ele, não sentimos, por acaso, o desejo ou quase a exigência de senti-lo unido conosco também na oração?

Oitava estrela: a humildade. A verdadeira humildade é a anulação de si mesmo, apagar-se completamente. E isso se realiza perfeitamente quando amamos, quando vivemos o outro.

Nona estrela: a mortificação. Amando o próximo como Jesus quer não somente estaremos “mortificados”, mas “mortos”.

Décima estrela: a penitência. A primeira penitência que Deus ama e quer de nós é aquela que está implícita no amor ao próximo.

Décima primeira estrela: o silêncio. Com o amor ao próximo pratica-se o silêncio e se evitam as palavras inúteis. Primeiramente porque, para “fazer-se um”, é preciso fazer calar tudo dentro de nós. E este é o silêncio mais sublime.

Em segundo lugar porque, existindo o amor no nosso coração, estará presente também o Espírito Santo, que é justamente quem difunde o amor nos corações; e quanto mais nós o amamos, mais fortemente Ele fala em nós. E entre outras coisas Ele nos diz: “Cala-te aqui, cala-te ali…”.

Décima segunda estrela: a paz. Amando o próximo, adquire-se realmente a paz. Ela é fruto do Espírito Santo que se encontra justamente lá onde existe o amor.

Caros amigos, amemos, portanto! Amemos sempre! Amemos ainda! Que possamos admirar essas doze estrelas mais luminosas no firmamento da nossa alma.

Se fizermos um exame do estado de nossa alma veremos que é exatamente assim. E é isso que eu desejo a todos de todo o coração.


Chiara Lubich 
(C.LUBICH, A VIDA, UMA VIAGEM, São Paulo, 1984, p. 116-119)

19 abril 2021

Prontos a pôr a vida em jogo

De uma conferência telefônica
Mollens, 19 de agosto de 1982


Ao procurar amar a Deus e aos irmãos, entendi que nós, cristãos, só somos realmente o que devemos ser se amamos, ou seja, se não pensamos em nós mesmos, mas em Deus, na sua vontade, que é principalmente esta: que amemos o próximo.

Deus nos pede isto: para sermos, para sermos realmente o que devemos ser, para “nos realizarmos” como cristãos, devemos não ser, devemos viver fora de nós mesmos, viver, por assim dizer, “extáticos” [“em êxtase”]. Viver não a nossa vontade, mas a de Deus. Viver o irmão. Então, somos realmente o que devemos ser. Caríssimos, pois eu também procurei viver assim, amar. Mas percebi que existe amor e amor.

Vi que possuirmos uma determinada compreensão dos outros, interessarmo-nos um pouco por suas dores, procurarmos carregar de algum modo as suas opressões, […] não é suficiente para sermos como Jesus nos quer. Deus nos pede um amor, atos de amor que tenham (ao menos na intenção e na decisão) a medida do seu amor: “Amai-vos”, disse Ele, “como eu vos amei” (cf. Jo 13,34).

Por isso, é preciso estar sempre prontos a morrer pelo irmão, e o que fizermos para lhe demonstrar concretamente o nosso amor, momento por momento, deve ser animado, sustentado, por essa vontade, por essa decisão.

Só um amor assim agrada a Jesus; não um amor qualquer, não um verniz de amor, mas um amor tão grande a ponto de colocar a vida em jogo. […]

E então? […] Toda vez que encontrarmos um próximo, ou falarmos com ele por telefone, ou entrarmos em contato com ele por carta, ou prepararmos para ele uma palestra, ou executarmos a seu serviço o nosso trabalho diário, perguntemo-nos sempre: Estou pronto a morrer por ele?

Agindo assim – estou certa –, a nossa vida de amor dará um salto de qualidade, um grande salto de qualidade. Então é isso. Dez, vinte vezes ao dia (toda vez que fizermos alguma coisa pelo próximo), perguntemo-nos: Estou pronto a dar a vida por ele?

18 abril 2021

A medida do “fazer-se um”

De uma conferência telefônica
Rocca di Papa, 21 de outubro de 1982

Estamos ainda no clima de festa que marcou a canonização do padre Maximiliano Kolbe.

Os jornais a noticiaram, a televisão projetou filmes sobre ele, suas biografias, novas e velhas, estão em circulação. E nós também ficamos tocados.

Entretanto, ao folhearmos uma dessas biografias, o que mais nos impressionou foi o fato de que o novo santo (tão próximo a nós pelo seu amor apaixonado a Nossa Senhora e por ter amado com a medida de Jesus, até dar a própria vida), diante de um prisioneiro destinado a morrer de fome no bunker da morte – pessoa que ele não conhecia, mas que se tornou seu próximo naquele momento presente de sua vida –, esqueceu, de repente, toda a grande obra (que estava realizando, não por interesse próprio, mas em benefício do Reino de Deus), toda a vasta atividade editorial, as suas cidadezinhas da Imaculada, os seus filhos [espirituais], as suas cartas (vi-o, em uma foto, diante de uma escrivaninha abarrotada), para tomar o lugar de outro.

Será que padre Maximiliano Kolbe não podia pensar que, com aquela Obra, que ele suscitara na Igreja, ele poderia glorificar mais a Deus estando vivo do que morto? Mas, ao contrário, ele não titubeou e ofereceu a sua vida para salvar a vida de um pai de família.

Caríssimos, muitas vezes também cumprimos obrigações durante o dia, que são importantes, ao menos aos nossos olhos. E, às vezes, no momento em que estamos dedicados a isso, somos “perturbados” – é o que pensamos – por algum próximo, que entra, imprevisto, em nossa vida pedindo-nos algo, ou pessoalmente, ou por telefone, ou por carta, ou de outra forma.

Então, “inchados” pela importância (assim nos parece) do trabalho que estamos realizando, não lhe dirigimos sequer um olhar, não damos atenção a um pedido seu, dispensamo-lo, quando não deixamos de tratá-lo bem.

Vem então padre Kolbe dar-nos uma lição solene a esse propósito. Não é assim que amamos o próximo, não é assim que servimos: diante de cada um, devemos saber esquecer (embora por poucos segundos, se o dever nos chama para outra coisa) tudo o que fazemos de bom, e de grande, e de útil, e estar prontos a “nos fazermos um” com ele totalmente, a “nos fazermos um” com a medida do saber morrer pelo outro. Isso é vida cristã.


17 abril 2021

Melhorar o “fazer-se um” com a obediência

De uma conferência telefônica

Rocca di Papa, 24 de dezembro de 1987


A obediência tem um lugar importante na nossa espiritualidade, antes de tudo porque, sendo uma espiritualidade cristã, não pode deixar de abranger todas as virtudes.

Depois, porque a caridade que, indiscutivelmente, nos caracteriza, gera a obediência.

Vocês sabem que a caridade é mãe de todas as virtudes. Pois bem, de modo particular, ela é mãe da obediência.

Santa Catarina de Sena diz que a obediência e a paciência “nasceram da caridade […]. E, entre essas, a principal é a verdadeira e perfeita obediência”.

E é compreensível: quando alguém ama, mesmo sem perceber, obedece à pessoa amada. Fazemos assim com Deus porque, justamente por querer amá-lo, esforçamo-nos em obedecer-lhe na sua vontade. Fazemos assim com relação ao irmão, porque amar significa justamente identificar-se com os pensamentos, os gostos, os desejos dos outros.

16 abril 2021

Melhorar o “fazer-se um” com uma profunda união com Deus

De uma conferência telefônica

Rocca di Papa, 27 de junho de 1996

Hoje vamos ver de que forma o amor a Deus, a Jesus dentro de nós, é raiz para uma florescência exterior.

Veremos que, se vivermos intensamente a nossa vida interior, acumulando paz com o amor a Jesus Abandonado e a Maria Desolada8 e tornarmos a nossa união com Deus cada vez mais viva e constante, o mundo florescerá ao nosso redor.

É óbvio que, quanto mais temos a união com Ele, mais Ele nos comunica a sua vida, que é caridade, e podemos cumprir melhor aquela operação do “fazer-se um” com os outros, do mergulhar nos outros, que é sinônimo de amar os outros.

15 abril 2021

Conciliar o "fazer-se um"

 De anotações para respostas aos moradores de Loppiano

Rocca di Papa, 27 de março de 1974

Em nosso relacionamento com os outros, no focolare e no apostolado, como conciliar o “fazer-se um” com o “caminhar contra a corrente”?

“Fazer-se um” e ir contra a corrente são duas posições bem precisas que devem ser assumidas em circunstâncias diferentes.

No focolare e no apostolado, devemos sempre “fazer-nos um” em tudo, exceto no pecado.

No focolare e também no apostolado, quando se trata de pecado, devemos sempre ir contra a corrente.

Portanto, não se trata de “conciliar”, mas de tomar duas atitudes diferentes. E tanto “fazer-se um” quanto ir contra a corrente são amor, porque “fazer-se um” é a atitude da caridade e ir contra a corrente é ódio ao pecado, ou seja, é amor a Deus e é aquela obra de amor, de misericórdia direta ou indireta que se costuma chamar de admoestar os pecadores.

14 abril 2021

O que é “fazer-se um” e até onde “fazer-se um”?

De uma conferência telefônica

Rocca di Papa, 18 de fevereiro de 1982

Alguém nos perguntou: até que ponto devo “fazer-me um” com cada próximo para amá-lo, para servi-lo, para, mais cedo ou mais tarde, chegar à unidade? É o próprio Jesus quem dá a resposta. Ele “se fez um” conosco fazendo-se homem; depois, experimentou o nosso cansaço, o nosso sofrimento, experimentou até mesmo a morte. Experimentou tudo do nosso modo de ser, menos o pecado. Assim, também nós: devemos “fazer-nos um” com quem quer que encontremos no momento presente da vida. Devemos viver as suas preocupações, as suas dores, as suas alegrias; tudo, exceto o pecado.

Então, e só assim, esse modo cristão de amar será abençoado e será fecundo.


13 abril 2021

Perfeitos como o Pai

Um grão-mestre budista da Tailândia, Ajahn Thong, tinha ficado tocado pelo espírito do Movimento dos Focolares – especialmente pelo amor ao irmão – durante um encontro de diálogo inter-religioso em 1995. Em seguida, convidou Chiara a falar para oitocentos jovens estudantes da Universidade Budista Manachulalongkork de Chiang Mai, no norte da Tailândia.
Após ter dado o seu testemunho, Chiara respondeu às perguntas dos estudantes, ressaltando “as sementes do Verbo” (cf. Concílio Vaticano II, Ad gentes 11,15; Gaudium et spes 3) que se encontram no budismo.

Chiang Mai (Tailândia), 6 de janeiro de 1997


Em sua opinião, qual é o objetivo mais alto da vida, o verdadeiro objetivo?

O objetivo último da vida humana é a perfeição. É preciso ser perfeito.

Nós, cristãos, cremos em Deus, em Deus perfeitíssimo. É preciso viver perfeitamente e ser perfeito, possivelmente semelhante a Ele, como Ele: “Sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito” está escrito em nossos livros [cf. Mt 5,48).

Mas a perfeição é alcançada somente com a compaixão, somente com o amor. Não com o egoísmo, com o permanecer fechado em si mesmo, mas com o dedicar-se aos outros. Essa é a perfeição.

Li […] que toda manhã, quando Buda acordava, pensava sempre: “A quem farei o bem hoje?”

É isso; nós também devemos fazer sempre assim: acordar todas as manhãs e dizer: “A quem farei o bem hoje?” E, depois, fazê-lo.

12 abril 2021

A entrega

PERCEBO na alma um pensamento que se repete: “Deixe a quem a segue somente o Evangelho. Se assim fizer, o Ideal(1) permanecerá.

O que permanece e permanecerá sempre é o Evangelho, que não sofre o desgaste do tempo: ‘Passarão o céu e a terra. Minhas palavras, porém, não passarão’ (Mt 24,35)”.

Se assim fizer, a Obra de Maria (2) permanecerá na terra realmente como outra Maria: toda Evangelho, nada mais do que Evangelho, e, posto

1 Termo empregado pela Autora para designar a Espiritualidade da Unidade. [N.d.E.]

2 Nome oficial do Movimento dos Focolares.

 

11 abril 2021

Ser somente Palavra de Deus

SER somente Palavra de Deus. Guardar em si somente a Palavra de Deus.

Ó, BENDITA SANTÍSSIMA TRINDADE que em mim habitas!

Encontrei o “patamar”, o apoio para permanecer radicada em ti, radicada no Verbo de Deus, por meio de Jesus em sua Palavra.

Dá-me a graça de não mais me afastar dele.

Que minha preocupação não seja tanto a de ver continuamente se vivo essa Palavra, já que tenho de estar projetada na divina vontade, quer seja fora ou dentro de mim.

De quando em vez, devo controlar, com um olhar da alma, se vivo naquela Palavra, se conduzo esses dias preciosíssimos. E, se estiver fazendo isso, continuar em paz a vida que me deste.

 

10 abril 2021

As minhas Palavras não passarão

SOMOS EM DEUS mais íntimos do que Deus de si mesmo, porque somos cada um Palavra de Deus, uma Palavra de Deus e, como uma Palavra está na Palavra, do mesmo modo estamos tão em Deus, a ponto de ser o íntimo de Deus. Ele nos viu, nos vê e nos verá no Verbo, no coração do Verbo, no íntimo, portanto, da Trindade.

O EU (a Ideia de mim) está ab aeterno na Mente de Deus, no Verbo […]. Lá no Alto, sou aquela Palavra de Deus que Deus ab aeterno pronunciou. […]

E vejo que ab aeterno meu ser estava no Ser e a ideia de mim (Palavra de Deus), no Verbo, a minha vida, na Vida. E Deus me pronunciou por si, como pronunciou ab aeterno o seu Filho, porque vendo-me em si, amou-me e deu-me vida plasmando-me de Espírito Santo.

AMA A DEUS quem observa a Palavra dele. Durante o dia, devemos pensar que não levaremos para o Paraíso nem as alegrias, nem as dores (até dar o corpo às chamas, sem a caridade, não vale), nem as obras de apostolado (até saber a língua dos anjos, sem a caridade, não vale). Para o Paraíso, levaremos como vivemos tudo isso, ou seja, se vivemos segundo a Palavra de Deus, que nos dá um meio de exprimir a nossa caridade para com Deus.

Por isso, levantemo-nos felizes todo dia, quer haja tempestade, quer sorria o Sol, e lembremo-nos de que, do nosso dia, valerá o tanto de Palavra de Deus que “ingerimos” ao longo dele. Se assim fizermos, Cristo terá vivido em nós naquele dia, e Ele terá dado valor também às obras que tivermos realizado, ou com a contribuição direta, ou obras de oração, ou de sofrimento; no fim, elas nos seguirão.

Afinal, estou admirando como a Palavra de Deus, a Verdade, nos torna livres… livres das circunstâncias, livres deste corpo de morte, livres das provações do espírito, livres do mundo que, ao redor, quereria arranhar a beleza e a plenitude do Reino de Deus dentro de nós.

É ISTO que a Palavra de Deus quer fazer em nós: esculpir o Cristo em nós desde agora, de modo que a preparação para a outra vida não seja uma mutação de vida, mas o ápice de uma vida vivida para aqueles dias, para aquela hora, para aquele momento e, depois, para a Outra vida.

CADA VEZ mais percebo que “passarão o céu e a terra…” (cf. Mt 24,35), mas o desígnio de Deus para nós não passa.

A única coisa que nos satisfaz plenamente é revermo-nos sempre lá onde Deus ab aeterno nos imaginou.

E ali permanecemos por toda a eternidade.

PERMANECE a Palavra que é o Verbo de Deus que é Deus e permanece todo o nada perdido na Palavra.

No Céu, seremos somente Palavra de Deus e, na unidade entre as nossas almas, haverá a harmonia do cântico novo, que é o Evangelho formado pelo Corpo Místico de Cristo. Cada um de nós será uma Palavra, mas, como cada Palavra é todo o Verbo, cada um de nós será a Palavra, será uma harmonia = uma unidade.

 

09 abril 2021

A família e Maria

21 de abril de 1984,

A família: tema altíssimo e frequente no pensamento e na vida de Chiara Lubich. Este escrito de 1984 insere a família no seu desígnio, ou seja, no fato de ela ser, no plano de Deus, igreja doméstica, «morada acolhedora para todos os filhos dispersos».  Olhar para Maria, para viver, segundo o seu exemplo e com a sua ajuda, «o fascinante e luminoso projeto de Deus para a família em todas as suas expressões».

No dia da Anunciação, por ocasião do Jubileu do Ano Santo das famílias, João Paulo II consagrou e entregou a humanidade ao Coração Imaculado de Maria. A coincidência com este acontecimento não é casual. Existem, de fato, profundas relações entre Maria e a família, sem dúvida pelo fato de que tanto uma como outra são grandes conhecedoras do amor. 

Maria conheceu o amor, também no plano simplesmente natural, nos seus mais variados aspectos como filha, noiva, esposa, mãe, embora sendo virgem, e viúva. A família é o reino do amor. Nela nasce, cresce e se desenvolve o amor filial, esponsal, materno, paterno, fraterno. 

Maria, mãe do belo Amor, conheceu muito bem o amor sobrenatural: nascendo cheia de graça, foi envolvida pelo Amor feito pessoa, o Espírito Santo, no momento no qual o Verbo se encarnou em seu seio. Foi depois envolvida pelas suas chamas no Pentecostes, quando se tornou plenamente mãe espiritual de todos nós cristãos. Devido a estes dois nascimentos, ela é modelo, tipo, forma da Igreja. A família, lugar do nascimento daqueles que, uma vez batizados são filhos de Deus, foi santificada pelo Espírito Santo, Espírito de amor, com o grande sacramento do matrimônio, e tornou-se miniatura e coração da Igreja.

Quando o Papa leu o ato de entrega da humanidade a Maria começou com estas palavras: «A família é o coração da Igreja. Deste coração eleva-se hoje um ato de particular entrega ao coração da Mãe de Jesus». E assim, de coração a coração, nesta intensa comunhão, que se criou com a celebração da Eucaristia, elevou-se, do coração do Pai universal um grito pleno de solicitude pelas necessidades da humanidade, a oração de consagração à Virgem Maria, a fim de que cuide de modo especial de toda a família humana.

O Papa estava ali, ajoelhado diante da estátua branca de Nossa Senhora de Fátima.

Naquele momento, o pensamento de muitos de nós ali presentes,  dirigiu-se ao dia 13 de maio de 1981, dia do atentado. O Santo Padre escolheu esse dia para anunciar a toda a Igreja a constituição do Pontifício Conselho para a Família.

Agora, na Praça de São Pedro, completamente lotada, ao lado dele, diante da imagem de Nossa Senhora de Fátima, como uma flor desabrochada do seu sofrimento e do seu sangue, estavam reunidas, simbolicamente, todas as famílias da Igreja, expressão de todas as famílias do mundo. 

O Santo Padre, como supremo Pastor, podia contar, no momento em que entregou o mundo a Maria, não só com a comunhão de todos os Pastores da Igreja, «constituindo um corpo e um colégio», mas também com a plena adesão dos filhos da Igreja, representados por tantas famílias de muitas nações.

Todos sabemos como João Paulo II, na sua incansável dedicação ao serviço da Igreja, fala sempre da família. Ele coloca na família as esperanças da humanidade; entrega a ela o destino da vida. 

Com seu característico carisma de paternidade espiritual, que se manifesta também na sua dramaturgia, como por exemplo, naquela pérola que é a Raggi di paternità, representada na Sala Paulo VI diante do Autor, no mesmo dia do Jubileu das famílias, ele sente que as ameaças do mal e as esperanças do bem passam através daquele coração da Igreja, ou seja, da família. E, agora, neste dia solene, entregando o mundo à Mãe de Deus, não deixou de recomendar que a humanidade seja libertada de alguns males que afligem a família, rezando também desta forma: «Livrai-nos dos pecados contra a vida do homem desde o seu início!».

E na oração conclusiva da sua homilia – oração que escreveu para o Sínodo de 1980 que teve como tema de estudo a família – pediu esta graça: «Que o amor, fortalecido pela graça do sacramento do matrimônio, se manifeste mais forte do que todas as fraquezas e crises que, às vezes, afligem as nossas famílias». 

Todas estas significativas coincidências e expressões nos permitem perceber no ato de entrega do Papa à Nossa Senhora, uma especial referência às famílias, a todas as famílias da terra, principalmente àquelas dos «povos que, devido à própria situação, são especial objeto do teu amor e da tua solicitude». E isso, para consagrar e confiar aquele coração pulsante de vida, ou seja, a família, ao amor misericordioso de Deus; para abrir esta célula básica da humanidade ao dom sobrenatural do amor de Deus que redime e santifica, que perdoa e eleva a família e o amor  conjugal à sua dignidade. E ainda mais, para implorar a Deus que liberte a família de todos os perigos e pecados que a ameaçam.

O sentido profundo desta consagração não pode deixar de levar todas as famílias cristãs a viverem – com a ajuda e o exemplo de  Maria – o luminoso e fascinante projeto de Deus para a família em todas as suas expressões: o amor conjugal, segundo o plano divino, sinal do amor de Cristo pela Igreja até o total dom de si, a paternidade e a maternidade, como participação ao amor fecundo do Criador; a paz e a harmonia na superação de todas as tensões e dificuldades, como frutto de uma caridade sempre viva e incansável, propensa a manter a presença espiritual de Cristo na família e, com Ele, a unidade de pensamento e de ação; uma abertura de comunhão e de serviço a outras famílias.

O Papa, falando às Famílias Novas do Movimento dos Focolares, assim delineou e definiu a imagem ideal da família, Igreja doméstica: «Com as suas vidas, com a convivência, com o seu estilo de vida, vocês constroem a Igreja na sua menor e, ao mesmo tempo, fundamental dimensão: a “Ecclesiola”!» 1.

Se esta Igreja doméstica – esta «Ecclesiola» – deve ser o «coração da Igreja», como afirmou o Papa, deve espelhar a atitude de Maria Santíssima, à qual agora é consagrada, sendo, como Maria, transparência da vontade de Deus. Deve assumir como própria a simples mas total doação de si mesma ao plano divino, que é sempre um plano de redenção e de salvação. O gesto do Santo Padre é, de fato, um convite dirigido a todas as famílias para viverem particularmente consagradas a Maria, entregando a ela todas as angústias e alegrias da vida familiar, tendo nela o ponto de referência para um empenho comum de vida evangélica.

A mensagem de Fátima, que chama todos nós à conversão e à fidelidade ao Evangelho, torna-se assim a resposta da consagração da família, um empenho de renovação para que resplandeça sempre mais a fisionomia da Igreja que tem, de certa forma, na família cristã, a marca do seu ser «família de Deus», morada acolhedora para todos os filhos dispersos, chamados novamente à casa do Pai e convidados a entrarem nela por meio do coração materno da Mãe de Jesus.


(Em: « L’Osservatore Romano », 21 de abril de 1984, p. 5. )

08 abril 2021

O esplendor da natureza

 «Contemplando a imensidão do universo, a extraordinária beleza da natureza, a sua potência, pensei espontaneamente no Criador de tudo e compreendi numa forma nova a imensidão de Deus. Esta impressão foi tão forte, tão nova que num ímpeto me ajoelharia para adorar, para louvar, para glorificar a Deus. Senti a necessidade de fazê-lo, como se essa fosse a minha vocação atual.

E, como que se meus olhos se abrissem agora, compreendi como nunca quem é Aquele a quem escolhemos por Ideal, ou melhor, Aquele que nos escolheu. Eu o descobri tão grande, tão imenso, a ponto de me parecer impossível que Ele tivesse pensado em nós. Esta impressão da sua grandeza permaneceu em meu coração por alguns dias. Dizer agora «santificado seja o vosso nome…» ou «Glória ao Pai, ao Filho, e ao Espírito Santo» é muito diferente para mim: é uma necessidade do coração». (Rocca di Papa, 22.1.87)

«[…] contemplar, quem sabe, uma extensão de mar sem fim, uma cadeia de montanhas altíssimas, uma geleira imponente ou uma abóbada do céu pontilhado de estrelas… Que imponência! Que imensidão! E, através do esplendor ofuscante da natureza, nos voltássemos para aquele que é o seu autor: Deus, o Rei do universo, o Senhor das galáxias, o Infinito. […] Deus está presente em toda parte: nos reflexos de um riacho, no desabrochar de uma flor, num alvorecer luminoso, num rubro ocaso, num pico de montanha coberto de neve…

Nas nossas metrópoles de concreto, construídas pela mão do homem, em meio ao barulho do mundo onde raramente a natureza pôde se salvar. No entanto, se quisermos, basta um pedacinho de céu azul percebido entre os arranha-céus, para nos recordar Deus, basta um raio de sol, que não deixa de penetrar nem mesmo entre as grades de uma prisão. Basta uma flor, um prado, o semblante de uma criança…

[…] Isto nos ajudará a voltar revigorados para o convívio humano, onde é o nosso lugar, revigorados, assim como, certamente, era Jesus quando, após ter rezado ao Pai a noite inteira sobre o monte, sob o céu estrelado, retornava em meio aos homens para realizar o bem». (Mollens, 22.9.88)


07 abril 2021

Nada é impossível a Deus.

Ao nos relembrarmos disso nos momentos mais críticos, a Palavra de Deus nos mandará aquela energia que ela encerra, fazendo-nos participar de algum modo da própria onipotência de Deus. Porém, com uma condição: que vivamos a sua vontade, procurando irradiar ao nosso redor aquele amor que foi depositado em nossos corações. Assim estaremos em uníssono com o Amor onipotente de Deus pelas suas criaturas, para o qual tudo aquilo que contribui para a realização dos seus planos, em cada pessoa e em toda a humanidade, é possível.

Mas há um momento especial para poder viver esta Palavra e experimentar toda a sua eficácia: é na oração.

Jesus disse que qualquer coisa que pedirmos ao Pai em seu nome, Ele nos concederá. Portanto, experimentemos pedir-lhe aquilo que mais desejamos ou necessitamos, com a certeza de fé que a Ele nada é impossível: da solução dos casos mais desesperadores até a paz no mundo; da cura de doenças graves até a solução de conflitos familiares e sociais.

E se formos duas ou mais pessoas, unidas em pleno acordo pelo amor mútuo, a pedir a mesma coisa, então será o próprio Jesus em nosso meio quem pedirá ao Pai; e, como Ele prometeu, obteremos o que pedirmos.

Certo dia, também nós pedimos, com essa fé na onipotência de Deus e no seu Amor, que o tumor diagnosticado em N., por meio de uma radiografia, “desaparecesse”, como se fosse um erro ou um fantasma. E, de fato, isso aconteceu.

Essa confiança ilimitada, que faz com que nos sintamos nos braços de um Pai ao qual tudo é possível, deve acompanhar sempre os acontecimentos da nossa vida. Isso não significa que toda vez obteremos aquilo que pedirmos, porque a onipotência de Deus é a de um Pai, e Ele a usa tão somente para o bem de seus filhos, tenham eles consciência disso ou não. O importante é vivermos alimentando a certeza de que para Deus nada é impossível. E isso nos fará provar uma paz que nunca experimentamos antes.


06 abril 2021

Orientar a bússola

A escolha de amar Jesus no seu abandono na cruz e de preferi-lo a qualquer outro amor, tornou-se para Chiara Lubich como uma bússola que orientou a sua vida e a libertou de tantas preocupações.

[…] Verificamos que o chamado a seguir Jesus Abandonado de maneira radical não se deu de uma só vez, ou seja, apenas no início do Movimento.

Com efeito, no decorrer destes anos, periodicamente o Senhor enfatizava este chamado, por meio de episódios ou de particulares reflexões.

Assim aconteceu comigo, em 1954.[…] Pela primeira vez, um focolarino se ordenava sacerdote. Eu devia viajar de Roma a Trento para participar da ordenação do Pe. Foresi, ministrada pelo arcebispo de Trento. Porém, como eu não estava muito bem de saúde, quiseram que eu fizesse a maior parte da viagem de avião. Logo que embarquei, uma aeromoça muito gentil, para facilitar a viagem, me convidou para conhecer a cabina de comando. Chegando naquele lugar fiquei imediatamente encantada com o magnífico panorama que se podia observar: amplo, plenamente visível pela carlinga toda de vidro.

Mas não foi o panorama o que mais tocou meu espírito. Na verdade, foi uma breve explicação do piloto sobre o que é importante para pilotar um avião. Ele me disse que, para se fazer uma viagem direta e segura, era necessário, antes de tudo, orientar a bússola na direção do ponto de chegada. Depois, durante o percurso, seria preciso vigiar para que o avião nunca se desviasse da rota estabelecida.

Seguindo estas explicações, fiz imediatamente dentro de mim, um paralelo entre uma viagem de avião neste mundo e a viagem da vida que, hoje, eu chamaria de “Santa Viagem”. E me pareceu entender que também na viagem da vida é necessário, desde o início, fixar com precisão a rota, o caminho da nossa alma, que é Jesus Abandonado. A seguir, no decurso de toda viagem, devemos fazer uma única coisa: permanecer fiéis a Ele. Sim, o caminho ao qual Deus chama todos nós é somente este: amar Jesus Abandonado sempre.

Isto significa abraçar todas as dores da própria existência. Significa colocar em prática o amor, adequando sempre a nossa vontade à Sua […]. Amar Jesus Abandonado quer dizer conhecer a caridade, saber como se faz para amar os próprios próximos: como Ele amou, até o abandono.

Amar Jesus Abandonado sempre significa colocar em prática todas as virtudes que, naquele momento, Ele viveu manifestamente de modo heroico. […]

Penso poder afirmar que apontar a agulha da bússola da nossa alma para Jesus Abandonado é tudo o que de melhor podemos fazer para continuar e terminar a Santa Viagem, e até para empreendê-la com uma certa facilidade.

Se o piloto, que observei estar totalmente livre nos seus movimentos, não usava rédeas como as que se usam para guiar uma carruagem, nem volante, daqueles que se usam para dirigir automóveis, também nós, se orientarmos a agulha da nossa bússola espiritual para Jesus Abandonado, não teremos necessidade de outro recurso para chegarmos com segurança à meta.

E assim, como numa viagem de avião não nos deparamos com as surpresas das curvas, porque se voa no espaço aéreo, nem temos que afrontar montanhas, porque nos colocamos logo numa boa altitude, também na nossa viagem, com o amor a Jesus Abandonado, nos colocamos imediatamente nas alturas. Os imprevistos não nos assustam, nem sentimos muito os esforços da subida, porque, por Jesus, surpresas, cansaços e sofrimentos já são todos previstos e esperados!

Portanto, apontemos fixamente a bússola para Jesus Abandonado e permaneçamos fiéis a Ele.

De que modo? Pela manhã, ao despertarmos, apontemos nossa agulha para Jesus Abandonado com o nosso “Eis-me aqui!”. Depois, durante o dia, de vez em quando, vamos dar uma olhada: observemos se estamos sempre na rota certa para Jesus Abandonado. Se não estivermos, corrijamos a rota com um novo “Eis-me aqui!” e o sucesso da viagem não ficará comprometido. […]

Se fizermos a viagem da vida em companhia de Jesus Abandonado poderemos, também nós, no final dela repetir a famosa frase de Santa Clara: “Vai segura, alma minha, enquanto tiveres um bom companheiro no teu caminho. Vai que Aquele que te criou sempre cuidou de ti e te santificou”. […]


(em uma conexão telefônica, Rocca di Papa, 5 de janeiro de 1984)


Tirado de: “Fissare la bussola”, in: Chiara Lubich, Conversazioni in collegamento telefonico, Città Nuova Ed., 2019, 


05 abril 2021

Até os 100%

Amar a Deus e o próximo quando estamos bem é muito fácil. Mas quando sofremos, inclusive fisicamente, pode se tornar um grande desafio. Chiara Lubich propõe um programa de treinamento, para nos prepararmos bem, um programa que também prevê o fracasso.

Todos sabemos que o nosso Ideal pode ser definido com uma só palavra: amor. O amor é toda a nossa vida. O amor é a alma da nossa oração, do nosso apostolado, de todas as expressões da nossa existência.

O amor é também a saúde da nossa vida espiritual individual, assim como o amor recíproco é a nossa saúde enquanto comunidade, como Corpo Místico de Cristo. Quando amamos, nada nos falta, nos encontramos “inteiros”, diante de Deus, quer gozamos de boa saúde, quer estejamos doentes.

Mas, amar quando gozamos de saúde é fácil. É fácil amar a Deus e os irmãos. Amar quando estamos doentes é mais difícil. […]

[Gostaria] de fazer a mim mesma e a vocês a seguinte pergunta: É justo que uma pessoa, mesmo encontrando-se em momentos tão difíceis de sua vida terrena, viva com tanto empenho o matrimônio de sua alma com Jesus Abandonado, enquanto nós, com mais saúde física, vivemos com mediocridade a nossa “tensão à santidade”? Será que devemos esperar que Deus nos mande provações especiais, daquelas que nos fazem chegar ao limite de nossas forças, para nos decidirmos a amá-Lo de modo total? […]

Mas então […] não podemos perder mais tempo! Todos nós temos o Espírito Santo no coração e conhecemos suas exigências e indicações. É Ele que nos diz: Agora é preciso amar Jesus Abandonado, nesta dor, neste cansaço. Nesta outra situação devemos preferi-Lo vivendo uma virtude, como o amor fraterno, por exemplo. Nesta outra, ainda, devemos escolhê-Lo num aspecto da Obra, da Igreja ou da humanidade…

Devemos cumprir o propósito de amá-Lo dia após dia, sempre, até os 100%, […]. E […], antes de cada ação, devemos repetir: “Por Ti, Jesus!”

Se uma vida assim tão comprometida nos causa medo […], recordemo-nos da frase de Jesus: “A cada dia basta o seu afã” (Mt 6,34). Amemos, portanto, aquele aspecto de Jesus Abandonado que encontramos hoje, a cada momento. Para o amanhã teremos outras graças.

Deste modo poderemos acumular dias totalmente plenos, consagrados a Ele e com os quais construiremos a nossa santidade.

Se, porém, fracassarmos, se O trairmos, se nos bloquearmos, saibamos que também por trás de todas estas circunstâncias existe o seu semblante.

Que no fim de cada dia possamos responder a nós mesmos, ou melhor, a Jesus, que nos interroga no fundo do coração sobre o andamento do dia: “Hoje foi bom, foi 100%!” […] Abraçando 100% Jesus Abandonado, o Ressuscitado resplandece em nós e entre nós e dá testemunho. […]

04 abril 2021

Para sermos um povo de Páscoa

Caros amigos, aproxima-se a Páscoa: a maior festa do ano e, com ela, a Semana Santa repleta dos mais preciosos mistérios da vida de Jesus. Esses mistérios, lembrados principalmente na Quinta, na Sexta-Feira Santa, no Sábado de Aleluia e no Domingo de Páscoa, representam para nós alguns aspectos centrais da nossa espiritualidade. […]

Como viver, então, às portas da Semana Santa e durante aqueles dias abençoados?

Eu creio que se vivermos a Páscoa, ou seja, se deixarmos que o Ressuscitado viva em nós, celebraremos do melhor modo todos esses acontecimentos.

De fato, para que o Ressuscitado resplandeça em nós, devemos amar Jesus Abandonado e estar sempre – como costumamos dizer – “além da sua chaga”[1], onde a caridade reina. É a caridade que nos impulsiona a sermos o Mandamento Novo vivido, que nos leva a aproximarmo-nos da Eucaristia, […]. É a caridade que nos leva a viver a unidade com Deus e com os irmãos. É através dela que podemos ser, de certa forma, “outra” Maria. […]

Desta forma, todos juntos, seremos realmente aquele “povo de Páscoa” que alguém entreviu no nosso Movimento. […][2]

03 abril 2021

Como distinguir a vontade de Deus da minha?

Descobrir a vontade de Deus é um anseio comum entre nós

Corresponder aos desígnios de Deus é sempre um desejo do coração daqueles que, de alguma forma, já experimentaram Seu amor. É por isso que frequentemente ouvimos alguém dizer: “Eu gostaria de saber qual é a vontade de Deus para minha vida”.

Esses dias, um jovem abriu o coração comigo, falando de seus sonhos, medos, lutas e conquistas. Ele parecia não estar satisfeito, nem demonstrava entusiasmo diante das últimas realizações. Havia uma sombra de tristeza e apreensão em seu olhar, o que me levou a lhe perguntar: “O que está lhe faltando agora?”. Ele prontamente respondeu: “Eu quero distinguir a vontade de Deus da minha”. Por providência, eu tinha acabado de ler alguns escritos de Chiara Lubich falando sobre isso, então, transmiti-lhe algumas palavras de incentivo. Depois, continuei pensando no assunto.

Sei que aquele jovem não é uma exceção. Na verdade, descobrir a vontade de Deus é um anseio comum entre nós. Pois sabemos que estar na vontade de Deus é caminho certo para a felicidade, e ser feliz é tudo o que o ser humano mais almeja neste mundo.

Chiara Lubich, fundadora dos focolares, afirma que não é difícil saber qual é a vontade de Deus e nos indica o caminho:

“É preciso ouvirmos bem dentro de nós uma voz delicada, a qual, muitas vezes, sufocamos, e que se torna quase imperceptível. Mas se a ouvirmos bem, é a voz de Deus. Ela diz-nos que aquele é o momento de estudar ou ajudar quem tem necessidade, de trabalhar, vencer uma tentação ou cumprir um dever de cristão, de cidadão. Convida-nos a dar atenção a alguém que nos fala em nome de Deus, ou a enfrentar com coragem situações difíceis. Temos que a ouvir. Não façamos calar essa voz, ela é o tesouro mais precioso que possuímos. Sigamo-la!”

Depois dessa descoberta, temos uma segunda etapa, que também é muito importante: coragem de assumir a vontade de Deus, fazendo dela o nosso projeto de vida! A condição para isso é dar os passos exigidos a cada instante. Por vezes, são coisas bem simples no início, e, ao longo da caminhada, surgem exigências maiores, que, aliás, são sempre possíveis de realizar. Deus nunca nos pede algo que não podemos realizar com Sua graça.

Segundo Chiara, a vida nos oferece duas direções: fazer a nossa vontade ou fazer a vontade de Deus. A primeira opção, que logo vai ser decepcionante, é como escalar a montanha da vida só com as nossas ideias limitadas, com os poucos meios que temos, com os nossos pobres sonhos, contando só com as nossas forças. A partir daí, mais tarde ou mais cedo, chegar à experiência da rotina de uma existência cheia de tédio, de mediocridade, de pessimismo e, às vezes, até de desespero. Uma vida monótona, apesar do nosso esforço por torná-la interessante, que nunca chegará a satisfazer o nosso íntimo mais profundo. A segunda possibilidade é quando também nós repetimos com Jesus: «Não se faça a minha vontade, mas a Tua» (Lc 22, 42).

Para compreendermos isso melhor, podemos comparar Deus a um sol. Deste sol partem muitos raios que se projetam sobre cada um de nós. E esses raios representam a vontade de Deus. Durante a vida, somos chamados a caminhar em direção a esse “Sol”, seguindo a luz do raio, que nos é próprio, diferente e distinto de todos os outros. E podemos realizar o projeto maravilhoso, pessoal, que Deus tem para cada um de nós: a vontade d’Ele. Se assim o fizermos, vamos nos sentir envolvidos numa divina aventura, nunca antes imaginada.

Seremos, ao mesmo tempo, atores e espectadores de coisas grandiosas que Deus realizará em nós e, através de nós, na humanidade. Tudo o que vier a acontecer-nos, como os sofrimentos e as alegrias, graças e desgraças, fatos importantes ou insignificantes, tudo vai adquirir um significado novo, porque nos é oferecido pela mão de Deus, que é Amor. Tudo o que Ele quer ou permite é para o nosso bem. Se acreditamos nisso apenas com a fé, veremos depois, com os olhos da alma, que existe um fio de ouro a ligar acontecimentos e coisas, a compor um magnífico bordado: é o projeto de Deus para cada um de nós.

Pode ser que, diante disso, você se decida sinceramente a dar um sentido mais profundo à sua vida. Então, comece agora a fazer a vontade de Deus, pois, se pensarmos bem, o passado já não existe e não podemos voltar a tê-lo. Só nos resta colocá-lo na misericórdia de Deus. O futuro ainda não chegou. Havemos de vivê-lo quando se tornar atual. Em nossas mãos, só temos o momento presente. É nele que devemos optar por fazer a vontade de Deus. Como? Escutando aquela suave voz que nos fala ao coração, lembrando que Deus não nos pede algo irrealizável. Estaremos juntos!

02 abril 2021

Sobre a Sexta-feira Santa: Heróica lição de amor

Ele havia dado tudo: uma vida ao lado de Maria, em meio aos incômodos e na obediência. Três anos de pregação revelando a Verdade, dando testemunho do Pai, prometendo o Espírito Santo e fazendo todo tipo de milagres de amor.

Três horas na cruz, desde a qual perdoa os verdugos, abre o Paraíso ao ladrão, dá-nos a sua Mãe e, finalmente, seu Corpo e seu Sangue depois de ter-nos dado misticamente, na Eucaristia. Restava-lhe a divindade.

Sua união com o Pai, a dulcíssima e inefável união com Ele, que o havia tornado tão potente na terra, como Filho de Deus, e ainda na cruz mostrava sua realeza, este sentimento da presença de Deus, devia ir desaparecendo no fundo de sua alma, até não senti-lo mais; separá-lo de algum modo d’Aquele do qual disse que era uma só coisa com Ele: «O Pai e eu somos um» (Jo 10, 30). Nele, o amor estava anulado, a luz apagada; a sabedoria calava.

Ele se tornava nada, então, para tornar-nos partícipes do Todo; verme da terra (Salmo 22, 7), para tornar-nos filhos de Deus. Estávamos separados do Pai. Era necessário que o Filho, no qual todos nos encontrávamos, provasse a separação do Pai. Tinha de experimentar o abandono de Deus para que nós nunca mais nos sentíssemos abandonados. Ele havia ensinado que ninguém tem maior caridade que aquele que dá a vida pelos amigos. Ele, a Vida, dava tudo de si. Era o ponto culminante, a expressão mais bela do amor.

Seu rosto está detrás de todos os aspectos dolorosos da vida; cada um deles é Ele.

Sim, porque Jesus que grita o abandono é a figura do mundo: já não sabe falar.

É a figura do cego: não vê; do surdo: não ouve.

É o cansado que se queixa.

Aparece a desesperança.

É o faminto de união com Deus.

É a figura do desiludido, do traído, parece ter fracassado.

E medroso, tímido, desorientado.

Jesus abandonado é a treva, a melancolia, o contraste, a figura de tudo o que é raro, indefinível, que parece monstruoso, porque é um Deus que pede ajuda. É o solitário, o desamparado. Parece inútil, um descartado, transtornado. Podemos vê-lo em cada irmão que sofre. Aproximando-nos dos que se parecem com Ele, podemos falar-lhes de Jesus abandonado.

Aos que se descobrem semelhantes a Ele e aceitam compartilhar seu destino, Ele se converte, para o mundo, na palavra; para quem não sabe, a resposta; para o cego, a luz; para o surdo, a voz; para o cansado, o descanso; para o desesperado, a esperança; para o separado, a unidade; para o inquieto, a paz. Com Ele, as pessoas se transformam e o absurdo da dor adquire sentido.

Ele havia gritado o porquê, ao qual ninguém havia dado resposta, para que tivéssemos a resposta a cada porquê.

O problema da vida humana é a dor. Qualquer tipo de dor, por mais terrível que seja, sabemos que Jesus o fez seu e transforma, por uma alquimia divina, a dor em amor.

Por experiência, posso dizer que apenas nos alegramos por uma dor para ser como Ele e depois continuamos amando fazendo a vontade de Deus; a dor, se é espiritual, desaparece, e se é física, converte-se em jugo suave.

Nosso amor puro em contato com a dor a transforma em amor; de certa forma a diviniza, quase continuando em nós – por assim dizer – a divinização que Jesus fez da dor.

E depois de cada encontro com Jesus abandonado, amado, encontro Deus de um modo novo, mais face a face, mais evidente, em uma unidade mais plena.

A luz e a alegria voltam e, com a alegria, a paz, que é fruto do Espírito.

A luz, a alegria, a paz que nascem da dor amada causam impacto e conquistam as pessoas mais difíceis. Pregados na cruz se é mãe e pai de almas. A máxima fecundidade é o efeito.

Como escreve Oliver Clément, «o abismo, que por um instante abriu aquele grito se vê cumulado pelo grande sopro da ressurreição».

Anula-se qualquer tipo de desunião, a separação, e as rupturas são curadas, resplandece a fraternidade universal, há lugar a milagres de ressurreição, nasce uma nova primavera na Igreja e na humanidade.