(PENSAMENTOS DE IGINO GIORDANI)
29 de junho de 1948
O destino da árvore frutífera dá um pouco a imagem do
homem que frutifica na sua estação fecunda. Até quando floresce, ao redor da
árvore há cantos e trinos, zéfiro e sol;
Da mesma forma, como naquele frio e naquela solidão, a
árvore prepara a nova primavera, concentra calor e seiva, assim o homem pode
fazer daquele afastamento invernal de amigos e de forças a concentração de um
vigor pleno de uma nova existência: utilizar aquele abandono dos homens para
aderir a Deus, preencher aquela perda de humanidade com a graça divina. E
então, dentro do silêncio agigantado pela ingratidão e avareza, sobre a velhice
descamada e fria, pode encher-se do calor de Deus, ascender interiormente
enquanto declina externamente: dar aos homens um fruto que não se conta na
economia, mas se calcula na teologia. No inverno do homem começa a primavera de
Deus.
21 de junho de 1965
O tronco torna-se sempre mais desfolhado, nu.
Desaparecendo as flores, cortados os frutos (quem os comeu?...), caíram às
folhas, romperam-se os ramos. Humanamente, haveria lugar para o desespero.
Divinamente, ao invés, podemos ter esperança poIs que
esta diminuição é uma diminuição do homem a fim de que Deus nele cresça: sempre
há compensação — há quase a teandria[1]
— mas à parte de Deus cresce anelando fazer-se tudo, até que chegue o
dia em que não existas mais; existe Ele, e te tomas parte d’Ele, e do nada te
fazes tudo.
2 de janeiro de 1960
Com o passar dos anos, os velhos, em muitos casos,
retornam á religião ou se tornam mais religiosos. Esta evolução é chamada
involução, este progresso, regresso, senilidade. No entanto, é um aviso
instintivo da aproximação de Deus, ou melhor, da casa.
Da árvore caem as folhas, o tronco abre os ramos para
o céu; recebe água, é envolta pela névoa, ferida pelos raios; olha para o alto,
não mais iludida com a folhagem, não mais iludida com aquilo que passa, já
habituada, prelibando o que permanece. A minha pessoa morada de Maria, situada
na sua vontade, recolhe-se, sempre mais, à morada do amor Eterno, cuja
obra-prima é a Mãe.
24 de agosto de 1960
Aparece nos jornais, com freqüência, que algum velho —
quase sempre aposentado — sobe ao sétimo andar e dali se jogam no vazio para
pôr fim à vida. Ou, mais exatamente, à solidão que sofria, a doença dos velhos,
criaturas arrancadas da massa para o isolamento, do rumor para o silêncio.
É uma solução lógica, embora errada.
A velhice é uma reviravolta critica, decisiva: a fase
de preparação para o encontro com o Tudo, com o Eterno, com a Beleza: o
encontro com o calor da juventude que não morre. É um período de evolução que
chamam involução; de progresso que chamam regresso; de juventude do espírito
que chamam senilidade.
O mal-estar físico e moral denota a inquietude diante
da proximidade de Deus. Nessa idade avançada, a existência humana aparece como
uma árvore no inverno. Ao cair das folhas, o tronco abre os ramos nus e secos
para o céu e recebe água, nuvens e raios sem nenhum amparo. Mas, livre do
ornamento do verde, olha direto para o alto, não mais iludido pela folhagem nem
por aquilo que, florescendo de repente, cresce e morre.
E habitua-se a conversar com o céu, a sondar as
nuvens, explorar as estrelas, percebendo, aos poucos, um mundo novo sem rumores
e aparências.
23 de junho de 1958
Ao observar, cheio de pena, o cair das folhas (ilusão
de fama, poder e amizade) da árvore da minha vida, neste outono que caminha
para o inverno, percebo, melhor, que a solidão, sempre mais profunda e densa,
que me rodeia é causada para efetuar um encontro amoroso mais intenso com Deus:
a alma encontra finalmente tempo e conforto para estar com o Esposo. Chamam —
esta — solidão, de aproximação da morte, mas é um encaminhamento para a vida.
Agora, finalmente, posso deixar a minha alma escutar o Espírito Santo, conviver
com os anjos e bem-aventurados, unir-se a Cristo, unir-se a Deus. E Deus é a
vida. Antes, inúmeras distrações e interrupções impediam a passagem do espírito
divino, que é a Vida; agora, a união, aos poucos, torna-se constante. Aprendo e
preparo a vida do paraíso.
Sempre quis atingir Deus porque sempre tive fome de
vida. No entanto, mesmo ao aproximar-me d’Ele, como válvulas, intercalava os
meus estudos, as minhas amizades, os meus hábitos. Freqüentemente comprazia-me
neles, parava diante das criaturas e dos fantasmas, sacrificava o essencial ao
acessório, o divino ao humano.
15 de novembro de 1957
Estou chegando ao outono da vida: os últimos frutos
foram colhidos e consumidos, as últimas folhas levadas pelas ondas frias do
vento. Bem sei que a juventude interior resiste fortificada pelas provações. A
carência de afetos e contentamentos vindos dos homens a temperaram e quase a
aguçaram, proa que avança rumo ao mistério. De tal maneira que a flor fecha-se
ao anoitecer da vida para reabrir-se na eternidade.
6 de dezembro de 1957
Se a existência física é uma combustão, façamos do
nosso corpo um turíbulo onde se versa, sem trégua, o incenso da oração. Assim,
por um outro aspecto, é a união do humano e do divino, do corpo e do espírito;
sempre uma projeção da unidade, do Homem-Deus. Todo ato de caridade derramado
sobre aquelas brasas há de acender uma chama. Toda dor que nos for oferecida
produzirá cinza e será uma consumação, como a chama do altar, se todo o amor, o
sofrimento — o sofrimento transformado em amor
— for destinado para onde a gravitação o transporta:
ao Amor Eterno. A química torna-se suporte da mística. Dá-se à natureza a
possibilidade de libertar-se, abre-se a sua boca à oração. Também a matéria e
as células foram criadas para voltar ao Criador.
26 de fevereiro de 1957
Têm razão quando comparam o ciclo da existência com o
ciclo das estações. Ela é como a árvore que cresce, floresce e frutifica
enquanto entre seus ramos, os pássaros fazem seus ninhos. Depois vem a má
estação, os trabalhos e o tempo, e desfolha os ramos e os resseca: até que o
divino podador os poda. Poda e reduz a planta ao essencial: a uma cruz.
15 de novembro de 1957
Caem as folhas e os frutos, e nas ervas secas do chão
floresce outra primavera. Na solidão dilatada pelo próximo inverno, Deus
aparece, aproxima-se, e com Ele, o relacionamento se torna mais íntimo e
imediato. Na medida em que perdemos na economia humana, adquirimos na economia
divina. As criaturas se distanciam para que eu me enlace ao Criador. Não
encontro amor para encontrar o Amor.
A estação findará, findará também a ação com a reação
dos homens, quando, finalmente, estiver com Deus. Nele não há mais história,
que é um registro do tempo, quase uma crônica fúnebre. Na eternidade, a vida é
pura e plena porque se desenvolve em unidade com Deus. E Deus está além do
tempo com suas estações, frutos e folhas.
Vista assim, a existência é uma árvore que cresce para
o céu a fim de florescer na eternidade. Estações e tragédias, desilusões e
sofrimentos são podas. A árvore cresce sob uma amarga chuva (água e sol, o
pranto) para mondar-se, até tornar-se pura haste elevada da terra ao céu.
A vida não é senão um processo de amadurecimento pela
purificação que a dor traz. Quando amadurece, é Deus quem colhe o fruto,
transplantando a árvore ao paraíso.
24 de junho de 1960
O amor é a linfa que faz a flor crescer. No homem,
alimenta a liberdade; a vida no amor revela-se como um desenvolvimento na
liberdade: processo de libertação. Somos de tal maneira ligados aos nossos
limites, como galhos ao tronco, que quando estes aos poucos, vão sendo podados,
parece-nos uma perda, mas na verdade é um ganho.
(Diário de Fogo —
Igino Giordani, 1980)
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