02 junho 2020

Jesus Abandonado

       Como uma flor inteiramente aberta, completamente desabrochada, depois de ter dado o próprio sangue, a própria morte natural, (não “depois”, no sentido de tempo, mas como valor) Jesus dá também a própria morte espiritual, a própria morte divina, e dá Deus.

       Esvazia-se também de Deus. E isto se dá no momento do abandono, quando grita: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?” Grito de Jesus que, no tempo, foi interpretado como se ele estivesse repetindo o Salmo 22 (21). Nós sempre pensamos que não é Jesus para o Salmo, mas o Salmo para Jesus. E o Santo Padre João Paulo II confirma isso:

       … as suas palavras não são apenas expressão daquele abandono, que muitas vezes se ouvia no Antigo Testamento, especialmente [… no] Salmo 22(21) […]. Essas palavras sobre o abandono nascem no plano da inseparável união do Filho com o Pai, e nascem porque o Pai “fez cair sobre Ele a iniqüidade de todos nós” (Is 53,6). (SD, 18)

       Abandono real para a humanidade de Jesus, porque Deus a deixa nessa situação sem intervir. Abandono irreal para a sua divindade, porque Jesus, sendo Deus, é Uno com o Pai e com o Espírito Santo e não pode dividir-se; pode, quando muito, distinguir-se. Mas isto não é mais dor: é amor.

       O sofrimento — escreve Jacques Maritain — “existe em Deus de modo infinitamente mais verdadeiro do que o sofrimento existe em nós, mas sem imperfeição alguma, pois em Deus Ele está em unidade absoluta com o amor” (Maritain, 1978, p. 291).

       Com relação ao abandono, agrada-nos pensar assim: Por acaso, Deus não é Uno, distinto em três Pessoas, Uno e Trino simultaneamente, num tempo, por assim dizer, fora do tempo, no qual o Amor vive, no qual o Pai está em perene geração do Verbo, e o Espírito Santo procede perenemente como Pessoa divina também Ele, unindo e distinguindo simultaneamente o Pai e o Filho, de modo que são Uno e são Três?

       A operação do abandono não pode ter sido, então, uma “nova” operação, por assim dizer, do tipo da que aconteceu na Encarnação, quando a Trindade decretou que o Verbo se fizesse carne, ou na ressurreição, quando o poder do Pai ressuscitou no Espírito Santo o Filho encarnado?

       O Pai, ao ver Jesus tão obediente a ponto de se dispor a gerar de novo os seus filhos, a lhe dar uma “Nova Criação” (cf. 2Cor 5,17), viu-o tão semelhante a si, igual a si, quase que um outro Pai, a ponto de distingui-lo de si.

       Estremecimento de nova alegria em Deus-Amor sempre novo. Grito de dor infinita na humanidade do Cristo, “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?” (Mt 27,46; Mc 15,34)

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