“Seja
feita a vontade de Deus” é uma expressão que, na maior parte dos casos, os
cristãos proferem nos momentos de dor, quando não há mais o que fazer e, diante
do inevitável fracasso de tudo o que se pensava, se almejava e se queria, vindo
à tona a fé, se aceita o que Deus estabeleceu. Mas, não é só assim que deve ser
feita a vontade de Deus. No cristianismo, não existe apenas a
“resignação
cristã”.
A
vida do cristão é um fato que tem raízes no Céu, além de tê-las na terra.
Por
sua fé, o cristão pode e deve estar sempre em contato com Alguém que conhece a
sua vida e o seu destino. E este Alguém não é desta terra, mas de outro mundo;
e não é um juiz desapiedado ou um soberano absoluto, que só exige o serviço. É
um Pai. Alguém portanto, que é Pai porque está em relação com outros, neste
caso com filhos, filhos adotados pelo Único Filho que com ele habita por toda a
eternidade.
Portanto,
a vida do cristão não é nem pode ser determinada somente pela sua vontade e
pelas suas previsões. Infelizmente, muitos cristãos acordam pela manhã na
melancolia do tédio, que o dia que desperta trará.
Lamentam-se
de muitas coisas passadas, futuras e presentes, porque são eles que traçam o
programa de sua vida. E este desígnio, fruto da inteligência humana e de previsões
mesquinhas, não pode satisfazer plenamente o homem, ávido de infinito. Eles se
substituem a Deus, ao menos no que lhes diz respeito e, como o filho pródigo,
uma vez tomada à parte que lhes cabe, desperdiçam-na como querem, sem o
conselho do pai, sem a integração na família.
Muito
freqüentemente nós, cristãos, somos cegos que abdicamos da nossa dignidade
sobrenatural, porque repetimos de fato no Pai-Nosso, quem sabe todos os dias:
“Seja feita a tua vontade assim na terra como no céu”; mas não entendemos o que
dizemos, nem fazemos, nós ao menos, o que imploramos.
Deus
sabe e conhece o caminho que deveríamos trilhar em cada instante de nossa vida.
Para cada um ele fixou uma órbita celeste em que o astro de nossa liberdade
deveria girar, se ele se abandonasse a quem criou o astro.
Órbita
nossa, vida nossa que não contrasta com a órbita de outrem, com o caminho de
bilhões de outros seres, conosco filhos do Pai, mas se harmoniza com eles num
firmamento mais esplêndido que o estelar, porque espiritual. Deus deve manobrar
a nossa vida e arrastá-la numa aventura divina que nos é desconhecida, em que,
espectadores e, há um tempo, atores de admiráveis desígnios de amor, damos,
momento por momento, o tributo de nossa livre vontade.
Podemos dar! Não: devemos dar! Ou,
pior ainda: conformamo-nos em dar!
Ele
é Pai e, portanto, é amor. É o Criador, o nosso Redentor, o Santificador. Quem
melhor do que Ele conhece o nosso bem?
“Senhor,
seja feita, sim, seja feita, agora e sempre, a tua vontade divina! Seja feita
em mim, nos meus filhos, nos outros, nos filhos dos outros, na humanidade
inteira.
Tem
paciência e perdão para conosco, cegos que não compreendemos e obrigamos o Céu
a permanecer fechado e a não derramar sobre a terra os seus dons, porque, olhos
cerrados, dizemos com a vida que é noite e o Céu não existe.
Arrasta-nos
pelo raio de tua luz, de nossa luz, aquela que o teu amor estabeleceu quando
nos criaste por amor.
Força-nos
a dobrar os joelhos, a cada minuto, em adoração à tua vontade, a única boa,
agradável, santa, nova, rica, fascinante, fecunda; a fim de que, quando chegar
a hora da dor, possamos ver também, para além dela, o teu amor infinito.
Possamos, plenos de ti, possuir os teus olhos, já aqui na terra, e observar, do
alto, o divino bordado que fizeste para nós e para nossos irmãos, em que tudo
resulta numa trama esplêndida de amor. E que se atenue do nosso olhar, ao menos
um pouco, a visão dos nós que a tua misericórdia, temperada em justiça,
carinhosamente atou, lá onde a nossa cegueira rompeu a tua vontade.
Seja
feita a tua vontade no mundo e a paz na terra descerá segura, pois os anjos já
no-lo disseram: ‘Paz na terra aos homens que ele ama!’ (Lucas 2,14).
E,
se Tu disseste que um só é bom, o Pai, uma única é a vontade boa: a do teu Pai.
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