28 março 2017

Educação para a Paz

Paris, 17 de dezembro 1996


Discurso de Chiara durante a entrega do prêmio UNESCO de 1996
"Educação para a Paz".


Senhora vice-diretora geral da UNESCO,
Senhor presidente do júri Internacional,
Excelências, Senhoras e Senhores,

Em primeiro lugar uma respeitosa saudação e um caloroso agradecimento a todos aqueles que, neste ano de 1996, pensaram em atribuir a mim o prestigioso prêmio UNESCO pela educação para a paz.
Tomo a liberdade de oferecer, em forma de agradecimento, a esta nobre assembleia algumas ideias.
Não contarei a história do Movimento dos Focolares nem falarei da sua estrutura. O Movimento é um instrumento para fomentar nesta nossa época - ao lado de muitas outras beneméritas e preciosas organizações, iniciativas, obras - a unidade e a paz no nosso planeta. Sobre isso já se deteve a atenção de todos, ao ouvirem as motivações que favoreceram a designação do prêmio.
Quero falar sobretudo do segredo do seu sucesso.
Ele consiste numa nova linha de vida, num novo estilo adotado por milhões de pessoas que, inspirando-se fundamentalmente em princípios cristãos - sem abandonar, aliás, evidenciando valores paralelos presentes em crenças e culturas diferentes -, deu a este mundo, ansioso por reencontrar ou consolidar a paz, justamente a paz e a unidade.
Trata-se de uma nova espiritualidade, atual e moderna: a espiritualidade da unidade.
Mas a unidade e a paz, que é uma sua consequência, são assuntos atuais?
Como todos sabemos e podemos constatar, o mundo hoje é marcado por tensões: entre Norte e Sul, no Oriente Médio, na África; por guerras, ameaças de novos conflitos e por outros males típicos da nossa época. É assim. Mas apesar disso e de tudo, hoje, paradoxalmente, parece que o mundo se encaminha para a unidade e, portanto, para a paz: é um sinal dos tempos.
É o que dizem, por exemplo, as numerosas entidades e organizações internacionais.
No mundo político, como na Europa, é o que afirmam os Estados que tendem a unir-se.
É o que diz, no mundo religioso, a "Conferência Mundial das Religiões pela Paz" e sobretudo, no mundo cristão, é o que diz o Espírito Santo, que impele as várias Igrejas e comunidades eclesiais à unificação, após séculos de indiferença e de luta.
Isso é enfatizado pelo Conselho Ecumênico das Igrejas e pelo Concílio Vaticano II, cujos documentos mencionam repetidas vezes esta ideia.
Indicaram esta tendência do mundo à unidade até ideologias, hoje em parte superadas, que também tendiam a resolver os grandes problemas de hoje de modo global.
Favorecem a unidade os modernos meios de comunicação, que fazem o mundo entrar numa comunidade ou numa família.
Sim, no mundo existe esta tendência. E é neste contexto que o Movimento dos Focolares deve ser enquadrado, inclusive a sua espiritualidade. Ela não é vivida apenas individualmente, mas comunitariamente, por grupos de pessoas. De fato, ela tem uma dimensão comunitária que se evidencia sobremaneira.
Lança suas raízes em algumas frases do Evangelho, que se encadeiam umas às outras.
Cito aqui somente algumas.
Supõe em primeiro lugar que aqueles que vivem essa espiritualidade reconheçam Deus profundamente como aquilo que Ele é: Amor, Pai.
Como se poderia pensar na paz e na unidade no mundo sem a visão de toda a humanidade como uma única família? E como vê-la tal sem a presença de um Pai para todos?
Pede, portanto, que se abra o coração a Deus Pai, que não abandona certamente os filhos ao próprio destino, mas quer acompanhar, proteger, ajudá-los; que, porque conhece o homem no mais íntimo do seu ser, segue cada um em todos os particulares; conta até os cabelos da sua cabeça... que não sobrecarrega de pesos os seus ombros, mas é o primeiro a carregá-los.
Ele não deixa unicamente nas mãos dos homens a renovação da sociedade, mas também é o seu autor.
Acreditar no seu amor é um imperativo nesta nova espiritualidade; acreditar que somos amados por Ele pessoalmente e imensamente.
Acreditar.
E, entre as mil possibilidades, que a existência oferece, escolhê-lo como Ideal de vida. Colocar-se inteligentemente naquela atitude que cada homem assumirá no futuro, quando alcançará o destino para o qual foi chamado: a Eternidade.
Mas é claro que não basta acreditar no amor de Deus, não basta ter feito a grande escolha dele como Ideal. A presença e as atenções de um Pai para com todos, convida cada um a agir como filho, a amar por sua vez o Pai, a atuar cada dia aquele especial desígnio de amor que o Pai pensa para cada um, a fazer, isto é, a vontade dele.
E sabemos que a primeira vontade de um pai é que os filhos se tratem como irmãos, que se queiram bem, que se amem, quer que conheçam e pratiquem o que pode ser definido como "a arte de amar".
A sua vontade é que se ame a todos como a si mesmos, porque "Eu e você - dizia Gandhi -  somos uma só coisa. Não te posso fazer mal sem me ferir".
A arte de amar requer que sejamos os primeiros a amar, sem esperar que o outro nos ame.
Significa ainda saber "fazer-se um" com os outros, isto é, assumir os seus pesos, os seus pensamentos, os seus sofrimentos, as suas alegrias.
Mas se este amor ao outro for vivido por mais de uma pessoa, torna-se recíproco.
E Cristo, o “Filho” do Pai por excelência, o Irmão de cada homem, deixou deixou como norma para a humanidade o amor recíproco. Ele sabia que esse amor era necessário para que exista a paz e a unidade no mundo, para que todos formem uma única família.
É evidente que, para qualquer pessoa que tente remover as montanhas do ódio e da violência, a luta é enorme e árdua. Mas o que é impossível a milhões de homens isolados e divididos, pode se tornar possível para pessoas que fizeram do amor mútuo, da compreensão recíproca, da unidade a motivação essencial da própria vida.
Por que isso? Há um porquê.
Um elemento ulterior desta nova espiritualidade, ligado ao amor mútuo, preciosíssimo, que surpreende e causa admiração, é aquele anunciado também pelo Evangelho. Diz que, se duas ou mais pessoas se unem no verdadeiro amor, Cristo em pessoa, que é a Paz, está presente entre elas e, portanto, nelas.
Que maior garantia, que possibilidade superior pode haver para quem quer ser instrumento de fraternidade e de paz?
Este amor mútuo, esta unidade, que tanta alegria dá a quem o coloca em prática, exige sempre empenho, treinamento diário, sacrifício.
E a esse ponto, em toda a sua luminosidade e dramaticidade, surge para nós cristãos uma palavra que o mundo não quer ouvir pronunciar, porque considerada insensata, absurda, contrassenso.
Essa palavra é cruz.
No mundo nada se faz de bom, de útil, de fecundo sem conhecer, sem saber aceitar o esforço, o sofrimento, em uma palavra, sem a cruz.
Não é uma brincadeira dedicar a própria vida para viver e difundir a paz! É preciso coragem. É preciso saber sofrer.
Mas, se um grande número de homens aceitasse o sofrimento por amor, o sofrimento que o amor requer, ela poderia vir a ser a arma mais potente para dar à humanidade a sua mais alta dignidade, a dignidade de se sentir não tanto um aglomerado de povos um ao lado do outro, muitas vezes em luta entre si, mas um só povo.
Além disso, Deus Pai não nos deixou sem auxílios neste árduo caminho. Conhecemos aquelas que a Igreja sempre teve à disposição de nós cristãos.
Não esqueçamos Maria, amada, venerada, presente também em outras Religiões, Maria, a mãe de Jesus e de cada homem da Terra. Dela podemos receber inspirações, conforto, amparo. É é a função de uma mãe compor e recompor sempre a família.
Esta espiritualidade comunitária não está ligada necessariamente a uma Igreja: ela é universal e, portanto, pode ser vivida por todos.
Com efeito, através dela foram abertos diálogos fecundos com todos os homens, inclusive com cristãos de muitas Igrejas, com fiéis de diversas religiões e com pessoas das mais variadas culturas, que encontram os valores em que creem enfatizados e juntos nos encaminhamos para a plenitude da unidade à qual todos tendemos.
Hoje, através dessa espiritualidade, homens e mulheres de quase todos os países do mundo  estão hoje tentando ser, lenta mas decididamente, ao menos lá onde se encontram, sementes de um povo novo, de um mundo de paz, mais solidário sobretudo com os mais fracos, com os pobres; de um mundo mais unido.
Que Deus, Pai de todos, queira fecundar estes nossos esforços, com aqueles de todos os que estão empenhados no excelso fim da paz. E que se possa, como disse João Paulo II à Assembleia da ONU no quinquagésimo aniversário de sua fundação (e que pode servir também para a mesma celebração da UNESCO): "... Construir no século que está para chegar e no próximo milênio uma civilização digna da pessoa humana, uma verdadeira cultura da liberdade e da paz.
Podemos e devemos realizá-lo! - continuou -. E fazendo isso, poderemos perceber que as ágrimas deste século prepararam o terreno para uma nova primavera do espírito humano"[1].
E também o prêmio que recebo hoje é destinado ao fim da unidade e da paz. Ele servirá para construir numa Mariápolis permanente do Movimento na Ásia, nas Filipinas, que se chama "Paz", uma casa útil para o diálogo inter-religioso.






                WILHELM MÜHS, Parole del Cuore. Milão, 1996, pág. 82.
[1]              L'OSSERVATORE ROMANO, 6 de outubro de 1995, pág. 6.7, ed italiana.

Nenhum comentário: