31 março 2017

NO MUNDO DE HOJE O QUE DIRIA JESUS?

Sabemos que Deus, ser espiritual por excelência, é amor. Portanto, o amor é o elemento espiritual mais desejado: aquele amor que Deus, ao fazer-se homem, trouxe à terra.
Imaginemos ver passar diante dos nossos olhos algumas cenas sintomáticas do mundo de hoje. (…) E nos perguntemos: o que diria Jesus se aparecesse no meio delas? Estamos certos de que hoje, como no seu tempo, falaria novamente de amor. «Amai-vos — diria — como eu vos amei». Somente juntos, na concórdia e no perdão, é que podemos construir um futuro sólido.            
Como em uma sequência de projeções que se dissolvem uma na outra, imaginemos transferir-nos para outros lugares, como um país da América Latina, por exemplo. De um lado, arranha-céus, muitas vezes como modernas catedrais erigidas ao deus-consumo, e, do outro, barracos, favelas e miséria: miséria física e moral; e doenças de toda espécie.
O que diria Jesus diante desta visão desoladora? «Eu vos tinha dito que vos amásseis. Não o fizestes e eis as consequências.»
E se outros quadros, como numa colagem, nos oferecessem visões de cidades, conhecidas como as mais ricas do mundo, ou com as mais avançadas tecnologias e, simultaneamente, panoramas de ambientes desérticos com homens, mulheres e crianças morrendo de fome. Que diria Jesus se aparecesse bem ali no meio? «Amai-vos.» Ou se víssemos imagens de lutas raciais com flagelos e violações de direitos humanos… Ou intermináveis conflitos armados… Que diria Jesus diante de tantos dramas? «Eu vos tinha dito que é preciso querer-se bem. Amai-vos como eu vos amei.» Sim, diria isso diante destas e das mais graves situações do mundo atual.
(…) E o que Jesus diz é de uma importância enorme, porque este «Amai-vos uns aos outros como eu vos amei» é a chave principal para a solução de todo problema, é a resposta fundamental para todo mal que atinge o homem.          
(…) Jesus definiu o mandamento do amor como “meu” e “novo”: é um mandamento tipicamente seu, visto que lhe deu um conteúdo único e novíssimo. «Amai-vos — disse Ele — como eu vos amei». E Ele deu a vida por nós.          
Por conseguinte, o que está em jogo neste amor é a vida. E um amor para com os irmãos, disposto a dar a vida, é o que Ele pede também de nós.          
Para Jesus não é suficiente a amizade ou a benevolência para com os outros; não lhe basta a filantropia, nem a mera solidariedade. O amor que ele pede não se resume na não-violência. É algo ativo, ativíssimo. Exige que não se viva mais em função de si mesmo, para viver pelos outros. E isso requer sacrifício, esforço. Exige que todos se transformem de pessoas covardes e egoístas, concentradas nos seus próprios interesses e nas suas próprias coisas, em pequenos heróis da vida cotidiana: pessoas que dia após dia estão a serviço dos irmãos, prontos a dar até mesmo a vida por eles.
E este é o chamado da vocação de vocês, se não quiserem ver seus ideais dissiparem-se em meras utopias.               
 Vocês devem amar desse modo, viver o amor mútuo desse modo, começando  a dar testemunho deste amor antes de propô-lo aos outros.          
Testemunhas, modelos, para que o mundo veja como vocês se amam e possa repetir aquilo que foi dito a respeito dos primeiros cristãos: «Vede como se amam e estão prontos a morrer uns pelos outros».
Deste modo teremos colocado bases sólidas; estará plantada a raiz da árvore que queremos ver florescer.
De fato, este amor recíproco entre vocês terá conseqüências de um valor — diríamos — infinito, porque onde existe o amor, lá está Deus; e como disse Jesus: «Onde dois ou três estão reunidos em meu nome (ou seja, no seu amor), ali estou eu no meio deles».
Vocês terão então Cristo entre vocês, o próprio Cristo, o Onipotente; e dele vocês podem esperar tudo.
Será Ele mesmo a trabalhar com vocês porque Ele de certa forma voltará ao mundo, a todos os lugares onde vocês estiverem, através do amor recíproco, da unidade vivida entre vocês.
Ele os iluminará a respeito de tudo o que deve ser feito, será o seu guia e sustento; Ele será a força, o ardor, a alegria de vocês.
  Por meio dele o mundo que os rodeia se converterá à concórdia, e toda divisão será sanada. Foi Ele quem disse: «Que sejam um a fim de que o mundo creia».
            Vocês assumiram um compromisso grandioso. Não pode ser outro, senão Ele, o líder nessa luta. Portanto, amor entre vocês e amor semeado em muitos cantos da terra, entre as pessoas, entre os grupos, entre as nações, com todos os meios, para que se torne realidade a “invasão de amor” da qual sempre falamos, e tome consistência — também mediante a contribuição de vocês — a civilização do amor que todos desejamos.
É isto que vocês são chamados a viver. E haverão de ver grandes coisas.
           (…) Sigam em frente sem hesitação. A vida que vocês devem irradiar não  deve conhecer meias medidas, é generosa. Não a desperdicem!         
Todos, de mãos dadas, tenham certeza: a vitória será nossa.

30 março 2017

A RESSURREIÇÃO E O COSMO

Falando ainda da ressurreição, no Movimento às vezes se apresenta este singular modo de pensar a respeito do hábitat do homem, isto é, o cosmo.
Jesus que morre e ressuscita é certamente a causa verdadeira da transformação também do cosmo. Mas, dado que São Paulo nos revelou que nós, homens, completamos a paixão de Cristo e que a natureza anseia pela revelação dos filhos de Deus, pode ser também que Jesus espere a contribuição dos homens, cristificados pela Eucaristia, para realizar a renovação do cosmo.
Se a Eucaristia é causa da ressurreição do homem, não será possível que o corpo do homem, divinizado pela Eucaristia, está destinado a corromper-se debaixo da terra para ajudar a realizar a ressurreição do cosmo? Portanto, poderíamos dizer que em força do pão eucarístico o homem se torna “Eucaristia” para o universo, no sentido de que é, com Cristo, germe de transfiguração do universo.
A terra nos comeria, portanto, como nós comemos a Eucaristia, não para nos transformar em terra, mas a terra em «céus novos e terra nova».
É um nosso pensamento.
No Movimento cuidamos com dedicação dos lugares onde foram depositados os corpos de seus membros, destinados à Ressurreição. As Palavras de Vida, que iluminaram as suas existências, são inscritas nas suas sepulturas. E as pessoas do Movimento, visitando o cemitério e lendo-as, se edificam.
Queremos ainda que os nossos cemitérios sejam belos como jardins. Assim, também as sepulturas “falam”. Sabemos de alguém que, passando de uma a uma, e vendo nelas o amor que continua, a certa altura chorou.
O cosmo vai perdurar, sofrerá uma transformação, mas vai durar (...). Portanto, esta deve ser a nossa visão desde já: as galáxias, o crepúsculo, as flores, os pinheiros, os prados, o céu devem ser admirados com a idéia de que tudo isso permanecerá. Inclusive todas as obras do homem permanecerão, ainda mais se foram feitas por amor, pois assim já estão purificadas, se foram feitas por Jesus dentro de nós e entre nós. E as coisas feitas por Jesus perduram.
E como será o Paraíso? Será como a terra, porém transformada: não se sabe se acontecerá uma espécie de catástrofe, que vai originar uma nova terra e céus novos, ou se sofrerá apenas uma transformação. Temos a propensão de pensar numa transformação desta mesma terra, destes mesmos céus. É o que pensamos.
Estas idéias nos fazem valorizar também a ecologia que no Movimento é muito considerada. Temos que conservar bem a terra, por respeito, dado que também ela tem um papel no futuro.


29 março 2017

6 de novembro de 1949


      Deus, que em mim reside, que a minha alma plasmou, que nela repousa como Trindade (com os santos e com os anjos), também reside no coração dos irmãos.

      Portanto, não é razoável que eu o ame só em mim. Se assim fizesse, meu amor ainda manteria um quê de pes­soal, de egoísta: amaria Deus em mim e não Deus em Deus, porquanto a perfeição é: Deus em Deus (que é Unidade e Trindade).

      Por conseguinte, a minha cela (como diriam as almas íntimas a Deus) é nós: o meu Céu está em mim e, do mesmo modo que está em mim, está na alma dos irmãos.

      E, como o amo em mim, ao recolher-me nesse meu Céu – quando estou só –, amo-o no irmão quando ele está junto a mim.

      Então, não amarei o silêncio, amo a palavra (expressa ou tácita), ou seja, a comunicação do Deus em mim com o Deus no irmão. Se os dois Céus se encontram, existe aí uma única Trindade, em que os dois estão como Pai e Filho e, entre eles, está o Espírito Santo.


      É necessário, sim, recolher-se sempre, inclusive na presença do irmão sem, contudo, esquivar a criatura – mas recolhendo-a no próprio Céu e recolhendo-se no Céu dela.

28 março 2017

Educação para a Paz

Paris, 17 de dezembro 1996


Discurso de Chiara durante a entrega do prêmio UNESCO de 1996
"Educação para a Paz".


Senhora vice-diretora geral da UNESCO,
Senhor presidente do júri Internacional,
Excelências, Senhoras e Senhores,

Em primeiro lugar uma respeitosa saudação e um caloroso agradecimento a todos aqueles que, neste ano de 1996, pensaram em atribuir a mim o prestigioso prêmio UNESCO pela educação para a paz.
Tomo a liberdade de oferecer, em forma de agradecimento, a esta nobre assembleia algumas ideias.
Não contarei a história do Movimento dos Focolares nem falarei da sua estrutura. O Movimento é um instrumento para fomentar nesta nossa época - ao lado de muitas outras beneméritas e preciosas organizações, iniciativas, obras - a unidade e a paz no nosso planeta. Sobre isso já se deteve a atenção de todos, ao ouvirem as motivações que favoreceram a designação do prêmio.
Quero falar sobretudo do segredo do seu sucesso.
Ele consiste numa nova linha de vida, num novo estilo adotado por milhões de pessoas que, inspirando-se fundamentalmente em princípios cristãos - sem abandonar, aliás, evidenciando valores paralelos presentes em crenças e culturas diferentes -, deu a este mundo, ansioso por reencontrar ou consolidar a paz, justamente a paz e a unidade.
Trata-se de uma nova espiritualidade, atual e moderna: a espiritualidade da unidade.
Mas a unidade e a paz, que é uma sua consequência, são assuntos atuais?
Como todos sabemos e podemos constatar, o mundo hoje é marcado por tensões: entre Norte e Sul, no Oriente Médio, na África; por guerras, ameaças de novos conflitos e por outros males típicos da nossa época. É assim. Mas apesar disso e de tudo, hoje, paradoxalmente, parece que o mundo se encaminha para a unidade e, portanto, para a paz: é um sinal dos tempos.
É o que dizem, por exemplo, as numerosas entidades e organizações internacionais.
No mundo político, como na Europa, é o que afirmam os Estados que tendem a unir-se.
É o que diz, no mundo religioso, a "Conferência Mundial das Religiões pela Paz" e sobretudo, no mundo cristão, é o que diz o Espírito Santo, que impele as várias Igrejas e comunidades eclesiais à unificação, após séculos de indiferença e de luta.
Isso é enfatizado pelo Conselho Ecumênico das Igrejas e pelo Concílio Vaticano II, cujos documentos mencionam repetidas vezes esta ideia.
Indicaram esta tendência do mundo à unidade até ideologias, hoje em parte superadas, que também tendiam a resolver os grandes problemas de hoje de modo global.
Favorecem a unidade os modernos meios de comunicação, que fazem o mundo entrar numa comunidade ou numa família.
Sim, no mundo existe esta tendência. E é neste contexto que o Movimento dos Focolares deve ser enquadrado, inclusive a sua espiritualidade. Ela não é vivida apenas individualmente, mas comunitariamente, por grupos de pessoas. De fato, ela tem uma dimensão comunitária que se evidencia sobremaneira.
Lança suas raízes em algumas frases do Evangelho, que se encadeiam umas às outras.
Cito aqui somente algumas.
Supõe em primeiro lugar que aqueles que vivem essa espiritualidade reconheçam Deus profundamente como aquilo que Ele é: Amor, Pai.
Como se poderia pensar na paz e na unidade no mundo sem a visão de toda a humanidade como uma única família? E como vê-la tal sem a presença de um Pai para todos?
Pede, portanto, que se abra o coração a Deus Pai, que não abandona certamente os filhos ao próprio destino, mas quer acompanhar, proteger, ajudá-los; que, porque conhece o homem no mais íntimo do seu ser, segue cada um em todos os particulares; conta até os cabelos da sua cabeça... que não sobrecarrega de pesos os seus ombros, mas é o primeiro a carregá-los.
Ele não deixa unicamente nas mãos dos homens a renovação da sociedade, mas também é o seu autor.
Acreditar no seu amor é um imperativo nesta nova espiritualidade; acreditar que somos amados por Ele pessoalmente e imensamente.
Acreditar.
E, entre as mil possibilidades, que a existência oferece, escolhê-lo como Ideal de vida. Colocar-se inteligentemente naquela atitude que cada homem assumirá no futuro, quando alcançará o destino para o qual foi chamado: a Eternidade.
Mas é claro que não basta acreditar no amor de Deus, não basta ter feito a grande escolha dele como Ideal. A presença e as atenções de um Pai para com todos, convida cada um a agir como filho, a amar por sua vez o Pai, a atuar cada dia aquele especial desígnio de amor que o Pai pensa para cada um, a fazer, isto é, a vontade dele.
E sabemos que a primeira vontade de um pai é que os filhos se tratem como irmãos, que se queiram bem, que se amem, quer que conheçam e pratiquem o que pode ser definido como "a arte de amar".
A sua vontade é que se ame a todos como a si mesmos, porque "Eu e você - dizia Gandhi -  somos uma só coisa. Não te posso fazer mal sem me ferir".
A arte de amar requer que sejamos os primeiros a amar, sem esperar que o outro nos ame.
Significa ainda saber "fazer-se um" com os outros, isto é, assumir os seus pesos, os seus pensamentos, os seus sofrimentos, as suas alegrias.
Mas se este amor ao outro for vivido por mais de uma pessoa, torna-se recíproco.
E Cristo, o “Filho” do Pai por excelência, o Irmão de cada homem, deixou deixou como norma para a humanidade o amor recíproco. Ele sabia que esse amor era necessário para que exista a paz e a unidade no mundo, para que todos formem uma única família.
É evidente que, para qualquer pessoa que tente remover as montanhas do ódio e da violência, a luta é enorme e árdua. Mas o que é impossível a milhões de homens isolados e divididos, pode se tornar possível para pessoas que fizeram do amor mútuo, da compreensão recíproca, da unidade a motivação essencial da própria vida.
Por que isso? Há um porquê.
Um elemento ulterior desta nova espiritualidade, ligado ao amor mútuo, preciosíssimo, que surpreende e causa admiração, é aquele anunciado também pelo Evangelho. Diz que, se duas ou mais pessoas se unem no verdadeiro amor, Cristo em pessoa, que é a Paz, está presente entre elas e, portanto, nelas.
Que maior garantia, que possibilidade superior pode haver para quem quer ser instrumento de fraternidade e de paz?
Este amor mútuo, esta unidade, que tanta alegria dá a quem o coloca em prática, exige sempre empenho, treinamento diário, sacrifício.
E a esse ponto, em toda a sua luminosidade e dramaticidade, surge para nós cristãos uma palavra que o mundo não quer ouvir pronunciar, porque considerada insensata, absurda, contrassenso.
Essa palavra é cruz.
No mundo nada se faz de bom, de útil, de fecundo sem conhecer, sem saber aceitar o esforço, o sofrimento, em uma palavra, sem a cruz.
Não é uma brincadeira dedicar a própria vida para viver e difundir a paz! É preciso coragem. É preciso saber sofrer.
Mas, se um grande número de homens aceitasse o sofrimento por amor, o sofrimento que o amor requer, ela poderia vir a ser a arma mais potente para dar à humanidade a sua mais alta dignidade, a dignidade de se sentir não tanto um aglomerado de povos um ao lado do outro, muitas vezes em luta entre si, mas um só povo.
Além disso, Deus Pai não nos deixou sem auxílios neste árduo caminho. Conhecemos aquelas que a Igreja sempre teve à disposição de nós cristãos.
Não esqueçamos Maria, amada, venerada, presente também em outras Religiões, Maria, a mãe de Jesus e de cada homem da Terra. Dela podemos receber inspirações, conforto, amparo. É é a função de uma mãe compor e recompor sempre a família.
Esta espiritualidade comunitária não está ligada necessariamente a uma Igreja: ela é universal e, portanto, pode ser vivida por todos.
Com efeito, através dela foram abertos diálogos fecundos com todos os homens, inclusive com cristãos de muitas Igrejas, com fiéis de diversas religiões e com pessoas das mais variadas culturas, que encontram os valores em que creem enfatizados e juntos nos encaminhamos para a plenitude da unidade à qual todos tendemos.
Hoje, através dessa espiritualidade, homens e mulheres de quase todos os países do mundo  estão hoje tentando ser, lenta mas decididamente, ao menos lá onde se encontram, sementes de um povo novo, de um mundo de paz, mais solidário sobretudo com os mais fracos, com os pobres; de um mundo mais unido.
Que Deus, Pai de todos, queira fecundar estes nossos esforços, com aqueles de todos os que estão empenhados no excelso fim da paz. E que se possa, como disse João Paulo II à Assembleia da ONU no quinquagésimo aniversário de sua fundação (e que pode servir também para a mesma celebração da UNESCO): "... Construir no século que está para chegar e no próximo milênio uma civilização digna da pessoa humana, uma verdadeira cultura da liberdade e da paz.
Podemos e devemos realizá-lo! - continuou -. E fazendo isso, poderemos perceber que as ágrimas deste século prepararam o terreno para uma nova primavera do espírito humano"[1].
E também o prêmio que recebo hoje é destinado ao fim da unidade e da paz. Ele servirá para construir numa Mariápolis permanente do Movimento na Ásia, nas Filipinas, que se chama "Paz", uma casa útil para o diálogo inter-religioso.






                WILHELM MÜHS, Parole del Cuore. Milão, 1996, pág. 82.
[1]              L'OSSERVATORE ROMANO, 6 de outubro de 1995, pág. 6.7, ed italiana.

27 março 2017

ONDE ESTÁ A ESCRAVIDÃO?

Sinto tanta alegria no coração, Senhor, talvez porque, neste momento, tudo te dei.
Não ter e não ser: não ter o que acreditava meu e o que sabia teu. Não ser para ser Tu.
Sei que ainda muito me espera para sofrer por ti, mas Tu, que és luz e alegria, vida e ressurreição, verdade e beleza, faz que eu te veja e te sinta sem véu de cruz, sob o véu da cruz.
Porque eu sei que a cruz leva um Deus, sei que não há vazio imaginável que Tu não possas preencher, sei que a tua redenção foi plena e abundante.
Faz que eu exprima com a minha vida a liberdade que Tu pagaste, que eu seja dela um testemunho teu, pois, se por tua causa, a dor é amor, a treva é luz e a solidão é povoada e plenificada por teu Reino, onde está a escravidão que merecemos, onde estão as correntes?


26 março 2017

CADA PALAVRA É AMOR


NO COMEÇO do nosso novo caminho, o Senhor fizera-nos intuir o valor do amor, ao preparar em nós o terreno para ler o Evangelho. Já o havia feito, mas agora, na leitura do Evangelho, punha em evidência máxima as Palavras que dizem respeito ao amor e impelia-nos com força a vivê-las.
      Portanto, podia-se dizer também de nós o que se dizia dos primeiros cristãos: o amor de caridade (amor a Deus e ao próximo) era a primeira coisa que um membro da comunidade aprendia a viver (cf. 1Jo 2,7).
      VIVENDO UMA PALAVRA, depois outra, e mais outra, tínhamos constatado que, pondo em prática qualquer Palavra de Deus, no final, os efeitos eram idênticos. Por exemplo, vivendo a Palavra: “Bem-aventurados os puros de coração…” (Mt 5,8), ou, “Bem-aventurados os pobres em espírito…” (Mt 5,3), ou, “Bem-aventurados os mansos…” (Mt 5,4), ou, “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22,39), ou, “Não faças a ninguém o que não queres que te façam” (Tb 4,15), chegávamos à mesma conclusão, obtínhamos os mesmos efeitos.
      O fato é que cada Palavra, embora sendo expressa em termos humanos e diferentes, é Palavra de Deus. Mas, como Deus é Amor, cada Palavra é caridade. Acreditamos ter descoberto, naquela época, sob cada Palavra, a caridade.
      E, quando uma dessas Palavras caía em nossa alma, tínhamos a impressão de que se transformava em fogo, em chamas, transformava-se em amor. Podíamos afirmar que a nossa vida interior era todo amor.
      SE PENETRAS no Evangelho – e esta é uma bela aventura para ti – te encontras, de repente, como se estivesses na crista de uma montanha. Portanto, já no alto, já em Deus, mesmo se, olhando para o lado, percebes que a montanha não é uma montanha, mas uma cadeia de montanhas, e a vida para ti é caminhar pelo divisor de águas até o fim.
      Cada Palavra de Deus é o mínimo e o máximo que Ele te pede. Por isso, quando lês: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 19,19), tens a medida máxima da lei fraterna.
      VIVAMOS A PALAVRA, que é o Amor Verdadeiro e o Verdadeiro Amor.


25 março 2017

Em Cristo Vida


    Na moldura majestosa da criação o homem está ao lado do homem e é verdadeiro o provérbio: “um homem vale tanto quanto outro homem...”
    Somos todos homens: nascemos, vivemos, morremos.
    Mesmo se o espírito do mundo leva — e levou várias vezes na história — a fazer de alguns dos nossos semelhantes um mito, um semideus; a mesma história, depois, fez justiça, reduzindo-os a pá, assim como todos os outros.
    Somos apenas homens ao lado de outros homens e nada mais, mesmo se com funções diferentes.
    E é justamente esta igualdade que clama por uma realidade superior; é este povo que exige o seu chefe, o seu rei, o seu Deus.
    O homem, os homens, têm sentido se na vida se encontram com o seu Senhor e Criador.
    A vida, então, é Vida. Porque no encontro está o abraço, a fusão, e a criatura vive no seu Senhor, e o seu Senhor na criatura.
    A vida é Vida, então, e é por Deus que é a Vida. “Eu sou a Vida”, disse Cristo, que é Deus vindo do Céu.

    E isto é verdade. E se é verdade, é preciso tirar daí as conseqüências para não correr o risco de transformar a vida numa fatigante busca de algo que nunca será possível alcançar.

24 março 2017

EM CRISTO VERDADE

      “Quem é fiel nas coisas mínimas,
      é fiel também no muito.”  (Lc 16,10)


      Se a Escritura ensina a fazer bem as pequenas coisas, esta é mesmo a característica de quem, com todo o coração, não faz outra coisa senão o que Deus lhe pede no presente.

      Se alguém vive o presente, Deus vive nele, e se Deus está nele, nele está a caridade. Quem vive o presente é paciente, é perseverante, é meigo, é pobre de tudo, é puro, é misericordioso, porque possui o amor na sua expressão mais alta e genuína; ama realmente a Deus com todo o coração, com toda a alma, com todas as forças; é iluminado interiormente; é guiado pelo Espírito Santo e, por conseguinte, não julga, não faz mau juízo, ama o próximo como a si mesmo, tem a força da “loucura” evangélica de “oferecer a outra face” e de “caminhar duas milhas” (cf. Mt 5,39.41).

      Encontra-se, muitas vezes, na situação de “dar a César o que é de César” (cf. Mt 22,21), pois deverá viver plenamente a sua vida de cidadão em muitas ocasiões. E assim por diante. Afinal de contas, se quem vive o momento presente está no Caminho e na Vida, está também em Cristo Verdade.

      E isto sacia a alma, que sempre anseia por tudo possuir em cada instante de sua existência.



23 março 2017

Do Castelo interior de Teresa ao Castelo exterior de Chiara

Castelgandolfo, 27 de agosto de 2002

 Padre Jesús Castellano no Instituto Superior de Cultura:

Então, renovando entre nós o Pacto de Unidade, que nos permitiu contemplar as maravilhas de Deus no carisma de Teresa, a qual nos explicou o castelo interior, agora vamos contemplar as maravilhas de Deus por meio da luz do Ideal, que nos apresenta o castelo exterior.
Para mim, essa é uma lição inédita. Eu já falei várias vezes sobre o castelo interior, mas do castelo exterior só algumas vezes e com grande trepidação, pois é preciso estar muito unidos a Chiara e não desvirtuar aquilo que ela queria dizer. É por isso que, nesta lição, vamos procurar ouvir sobretudo Chiara.
Porém, por si só a expressão "castelo exterior" nos fascina e, por outro lado, suscita em nós uma curiosidade: o que é este "castelo exterior"?
Na escola, onde ensino, de vez em quando digo, quando falo de Santa Teresa, que «alguém falou do 'castelo exterior'» e todos aguçam os ouvidos: «O que será este "castelo exterior"?»
Certamente é uma expressão nova na história da espiritualidade.
Muitos falaram de interioridade: Santo Agostinho, Ruysbroek, muitos estudiosos de Santa Teresa. Mas de um "castelo exterior" propriamente dito até agora só Chiara falou. Por isso, temos que ouvir sobretudo o que ela pensa e ler alguns dos seus escritos.
A primeira intuição, espiritual e nova, que nasce de uma experiência, do carisma da unidade, da espiritualidade coletiva, da vivência com Jesus em meio, encontramos nos escritos de Chiara sobre o Paraíso, cuja data é 8 de novembro de 1950.
É incrível, mas 7 dias antes Pio XII proclamou o dogma da Assunção de Maria, isto é, no dia 1º de novembro de 1950 e Chiara estava presente. Quem sabe se a proclamação da Assunção de Maria aos Céus com o corpo – alguém referiu que foi este o pensamento de Chiara naquele momento –, não a tenha influenciado a deixar uma sua presença especial aqui na terra, para construir também o Reino de Deus, o Reino de Deus na terra por meio do carisma da Obra de Maria.
Nesta data nós lemos:
«É admirável o projeto de Deus: o Reino dos Céus, o "castelo exterior" no qual Deus está entre nós»[1]. O Reino de Deus é um "castelo exterior": Deus está entre nós.
A distância de anos, Chiara relê este texto e anota, tal como lemos no livro[2] que Chiara confiou aos membros da Escola Abbá:
«Aqui, já (...) aparece a idéia do "castelo exterior", como prelúdio da realidade da Obra, onde Cristo está presente e a ilumina em todos os seus ângulos. Provavelmente, eu já conhecia algo da doutrina do "castelo interior" de Santa Teresa D'Ávila, mas aqui não intenciono fazer nenhuma comparação com ela».
Vejam com que respeito, com que estima Chiara se coloca diante deste texto.
É um momento muito importante na vida de Chiara. Depois de ela ter vivido a experiência do Paraíso de 49 e esta grandíssima unidade com Deus, com as outras focolarinas, Chiara entendeu que tudo deve ser vivido segundo o modelo da vida trinitária. É tão forte a experiência de comunhão que Deus lhe proporcionou que, quando voltou, digamos, daquele Paraíso trentino, mas também celeste, começou um pouco a espelhar-se nos autores espirituais e eles de alguma forma a decepcionam.
Mas a espiritualidade, que Deus ensinou a Chiara, não é aquela que se encontra nos manuais de teologia espiritual. É algo mais novo, autenticamente novo. E Chiara tem sempre alguma correção a fazer sobre esta mística, esta teologia espiritual. A nossa mística – ela dirá – é aquela de Jesus, de Maria, do corpo místico, da Igreja. Não é uma mística de êxtase. É uma mística totalmente humana, equilibrada. A aventura e o fascínio do mundo moderno: viver embebidos de Deus neste momento. Para ela, a espiritualidade e a mística devem estar sempre inseridas numa espiritualidade de corpo místico. Chiara procurava esse estilo e não encontrou. Quando encontra algo em algum santo ou santa, Chiara alarga sempre a visão: castelo interior, mas também "castelo exterior"; a noite escura, mas também a noite de Deus. São João da Cruz era interpretado assim.
Então, devemos enquadrar tudo neste momento, no qual não existe somente a experiência, mas também um confronto, que ajudará as outras espiritualidades a se integrarem no carisma da unidade e serem, de certa forma, revistas pelo "que todos sejam um" – como Padre Fábio disse hoje –, fazendo jorrar também dessas espiritualidades novas possibilidades.
Por exemplo, é muito belo que Chiara diga: este «admirável projeto de Deus». Portanto, o projeto de Deus. Gérard, por exemplo, fez uma leitura comparativa entre certas coisas do Paraíso e a Carta de São Paulo aos Efésios, onde existe o projeto de Deus comunitário em Cristo, que abraça tudo: a humanidade e a criação.
Este é «o projeto de Deus: o Reino dos Céus – é o Reino dos Céus aqui na terra - este "castelo exterior" em que Deus está entre nós».
Comentando este trecho, eu digo: para Teresa d'Ávila era muito mais espontâneo (porque era uma mística e era uma espiritualidade individual e pessoal) escutar a palavra de Jesus «O Reino de Deus está dentro de vocês». Em latim se dizia assim: «Regnum Dei intra vos est», mas agora lemos este trecho a partir do grego: «o Reino de Deus está em meio a vocês». Então, é como a nova proposta de Deus: o Reino de Deus está em meio a vocês, está entre vocês.
Tudo isso, obviamente, para Chiara, é Jesus em meio, é a vida de comunhão, é a vida "trinitizada", é a experiência de Deus em nosso meio. É claro, poderei dizer que cada um de nós é um castelo interior. Mas se eu contemplo também os outros (até aqui chegou Santa Teresa com um castelo interior), então vejo no outro a morada de Deus, eu o vejo como a imagem e semelhança de Deus. Portanto, a estima, o respeito, o amor por cada um: cada um de nós é um castelo interior. Portanto, não só eu sou um castelo interior, também o outro. Logo, os olhos se iluminam para contemplar a dignidade do outro e fazer unidade. Até aqui chegou Santa Teresa. Mas Chiara vai além. Ela diz: «Não; o "castelo exterior" é esta relação de Deus entre nós, é Jesus em meio, é a relação com a qual nos olhamos reciprocamente e nos doamos Deus, nos amamos uns aos outros. É este o projeto de Deus, o Reino de Deus aqui na terra, entre nós, com esta espiritualidade nova, coletiva, trinitária, de comunhão».
Não só o Reino de Deus em meio a nós se exprime por meio de uma relação, mas também toda a Obra. É a "rosa mística". Os focolares também vivem esta dinâmica do "castelo exterior", que se encontram, e depois dilatam o Reino de Deus. É toda a Obra, as diversas vocações, são os diversos ramos, são as Mariápolis permanentes. Loppiano é um "castelo exterior". São também os relacionamentos que nascerão com as inundações. É o Reino de Deus que avança aqui na terra, cobrindo tudo com Deus que é tudo em todos. Aqui identificamos a originalidade, a abertura, e diria, a realização da idéia do "castelo interior", que se torna "castelo exterior": Deus que vive em meio a nós com toda a sua luz, mas também com todo o aspecto da encarnação.
É claro que Teresa falou de um "castelo interior" onde a pessoa é transformada e são transformadas também as suas obras. Porém em Teresa, por exemplo, não temos as inundações e só algumas vocações. Não existe todo este dinamismo trinitário, onde os relacionamentos são infinitos como é infinito o amor de Deus. Como vamos ouvir de Chiara, esta idéia do "castelo exterior", do Reino de Deus, que está em meio a nós, não representa só a Obra de Maria, mas também a Igreja que, por meio da Obra de Maria, transforma-se num belíssimo "castelo exterior".
Devemos compreender bem o que significa esta palavra "exterior", porque é a comunhão, a interação, a reciprocidade. É a luz de Deus Trindade refletida, mas encarnada em muitas obras de Deus, que se tornam obras de concretização trinitária, onde tudo está em relação, tudo é comunhão. Então, vêem como estamos diante de um carisma, que dá uma interpretação do "castelo exterior" apropriada para o nosso tempo, para a nossa época.
Eu procurei escrever algumas coisas que acho importantes para compreender esta primeira intuição de Chiara. Por exemplo, a idéia do "castelo exterior" compreende a espiritualidade da Obra, mas também a sua concretização, a sua dimensão visível, exterior, pois Deus não se encontra unicamente dentro, mas também fora, transparece e nos une.
No centro está a presença de Cristo que é uma presença em meio a toda a Obra, que ilumina todas as suas partes. Creio que Chiara certas vezes disse que é como um diamante, esta luz que ilumina tudo, não é? No centro está este sol, que ilumina tudo e os raios iluminam todos; todos somos iluminados. No "castelo interior" é a presença de Deus que ilumina tudo; no "castelo exterior" é uma presença também exterior, uma luz que se encarna em obras, em ramos, em vocações, em aspectos. Os aspectos (que sempre me fascinam, como digo a Chiara), os aspectos[3] são mesmo a concretização, a encarnação, a harmonia, o equilíbrio, o divino no humano. Também isso é "castelo exterior". É Deus em meio a nós ou, se assim desejarem, a dimensão trinitária.
Obviamente, a novidade da intuição inicial de Chiara é evidente. Teresa pensa na alma, a qual ela vê iluminada pela presença de Deus, que entra na Trindade e, participando de Deus que é comunhão, comunicação (as Pessoas se comunicam), também ela torna-se comunicação externa, uma espécie de projeção para fora. Portanto, a alma, que é invadida por Deus Trindade, torna-se uma extensão de Deus Trindade que se comunica. É o que fazem os santos. Mas aqui há algo a mais. Isto é, o protagonista do "castelo exterior" é a Alma, com A maiúsculo, é o grupo; portanto, todos aqueles que estão, onde? No seio do Pai. Estamos, por vocação, no seio do Pai. Creio que também aqui podemos dizer o que Santa Teresa disse: «Primeiro, procure a você em mim». Procuremos Jesus em meio, mas depois devemos dizer: «procure a você em mim». No sentido de procurarmos e nos encontrarmos todos no seio do Pai, na Trindade.
Vejam que também este inverso é importante: «Sabe onde estamos?» Nós estamos neste "castelo exterior" que é a Trindade. Desse modo, estamos uns com os outros, nessa expressão de total comunhão: é a nossa morada. Nesta nossa morada, somos iluminados dentro e fora.
Acho que isso também é importante, pois a pessoa cresce, amadurece, santifica-se e atinge esta plenitude não só graças ao esforço pessoal, se bem que ajudada pelos amigos de Deus, pelos confessores, por outras pessoas, mas na Alma, como grupo. Temos muita sorte! E isso quer dizer, por exemplo, que para vocês, gen, teria sido um esforço estar sozinhos na própria cidade, no próprio país, na universidade. Deveriam percorrer todas essas moradas: a primeira, a segunda, a terceira, e acabariam se desanimando. Assim que entram no castelo, ouvem as sirenes externas: «Mas é melhor sair, pois todos estão fora. Por que eu devo me esforçar para entrar neste castelo? Deus ainda está tão longe!» Mas eis que chega uma grande graça na Igreja, que é uma graça coletiva, para todos, e nos conduz ali. Apesar de todas as nossas dificuldades e misérias, quando nos colocamos nessa altura, estamos nesse ambiente do "castelo exterior": é uma graça coletiva, é uma graça para o nosso tempo, é uma graça para as nossas fragilidades. Eis a força, a beleza, eu diria, a chegada providencial dessa graça coletiva, porque senão estaríamos sozinhos, coitados, percorrendo um caminho pessoal e não conseguiríamos. Ao invés, juntos conseguimos. Chiara nos chama e nós participamos do collegamento, vivemos a Palavra de vida; se nos afastamos um pouco, com a graça da unidade, voltamos para o "castelo exterior" e reencontramos também o nosso "castelo interior", porque também amadurecemos.
Creio que essa seja uma intuição bela. Creio que digo algo que Chiara pensa.
Este "castelo exterior", esta presença de Deus entre nós e este entrar em Deus é a pérola preciosa, é o tesouro escondido. Chiara fala de tesouro escondido. Jesus em meio é o nosso tesouro, é a pérola preciosa, é o diamante, é a unidade.
Santa Teresa diz que, para adquirir este tesouro e pérola, que é Deus dentro de nós, é preciso dar tudo, vender tudo. Para ter a unidade, é preciso dar tudo. Deus não se dá totalmente, como unidade, se nós não nos doarmos totalmente, também deixando tudo para viver na unidade.
Chiara não escreveu nenhum livro sobre o "castelo exterior". Existe um livro, publicado há pouco por Cidade Nova, intitulado Construindo o "castelo exterior", mas não se enganem, pois são muitas meditações, muito belas. São os pensamentos espirituais de Chiara sobre os pontos da espiritualidade, mas não se trata de um tratado sobre o "castelo exterior". Chiara não escreveu nenhum tratado, não foi preciso.
O "castelo exterior" é como uma intuição global, belíssima, também à luz da tradição espiritual da Igreja, expressa por Chiara... que fala de tudo o que é a Obra: a espiritualidade, as vocações, as inundações, a presença do mundo.
Chiara não escreveu um livro sobre o "castelo exterior", mas está construindo o "castelo exterior". A intuição torna-se, como em todas as coisas da Obra não uma teoria, mas uma graça, uma praxe, uma vida. O "castelo exterior" somos nós aqui. O Instituto Superior de Cultura é um "castelo exterior", onde juntos aprendemos a sabedoria de Deus. As Mariápolis permanentes são "castelos exteriores". É este Centro Mariápolis, que se enche de vida, pelas pessoas que chegam do mundo inteiro. "Castelo exterior" é toda a Obra de Maria. Não é preciso escrever um tratado, porque nesta intuição nós podemos tecer tudo: espiritualidade, aspectos, vocação, obras, inundações.
E não é que se constrói somente a Obra, mas também a Igreja – como Chiara dirá a alguns bispos – que se torna, graças à Obra de Maria, um "castelo exterior", a cidade santa, a Jerusalém celeste que desce do céu.
É esta a grande intuição, porque, vejam, não é somente a Obra de Maria, mas toda a Igreja – até aqui Santa Teresa não chegou –, toda a Igreja se tornou... Teresa certamente pensou que os mosteiros das suas monjas são "castillitos de Dios", ela dizia em espanhol, "castelinhos de Deus". Mas nesse caso há algo mais.
Então, como podemos comentar esta intuição de Chiara que, como vêem, é central; como todas as palavras do Paraíso são palavras que precisam ser escavadas e é preciso descobrir tudo o que contêm.
Como eu dizia, esta é a originalidade da espiritualidade coletiva, de Jesus em meio, do "trinitizar-se", são todas as obras.
Chiara não escreveu um livro, mas está construindo o "castelo exterior" conosco, de pedras vivas, por toda a parte, também com a esplêndida comunicação da espiritualidade da Obra, também das suas formas. Um collegamento reúne todo o "castelo exterior" da Obra e com ela a Igreja.
Mas desejo ler alguns textos que Chiara dedicou a este tema do "castelo exterior". Por exemplo, citei aqui uma página que sempre me impressionou muito, porque fala de Teresa. Olhem, quando Chiara fala dos meus santos, de São João da Cruz, de Santa Teresa, ou quando fala a um franciscano de São Francisco, a um dominicano de São Domingo... Sabem o que acontece conosco? Ela nos faz vibrar.
Lembro-me ainda que numa Mariápolis na Espanha, depois que Chiara recebeu o Prêmio Templeton, foi lido o discurso de Chiara, o qual terminava com uma frase de São João da Cruz: «Onde não há amor, coloca amor e encontrarás amor». Um meu confrade, que também é um religioso da Obra, disse: «Eu senti um golpe no coração. Todo o meu ser vibrava», por quê? Porque o que vibra em nós é o carisma, é o carisma espiritualizado, é como um sangue novo, o Espírito dentro de nós. Então, eu li esta página com uma emoção grandíssima:
«No ano de 1961 Deus nos tinha concentrado particularmente numa frase da Escritura: "É vontade de Deus a vossa santificação" (1Ts 4,3). Compreendemos claramente que a santificação pessoal não se referia apenas a pessoas excepcionais como os Santos, mas era vontade de Deus para todos os cristãos. No mesmo ano, lendo os livros espirituais da grande contemplativa espanhola Teresa D'Ávila, pudemos aprender que a vida da alma passa, como a vida do corpo, por diversas idades, por diversas etapas com características especiais, com provações por parte de Deus bem precisas, e com efeitos típicos depois de se ter superado cada provação»[4].
Se não me engano, acho que no patrimônio da Obra existem também as transcrições das leituras que Chiara fez com as focolarinas sobre o "castelo interior" de Santa Teresa.
Esta foi como que uma iluminação. Chiara falou também da espiritual amizade que nos une aos santos do Carmelo.
E Chiara continua:
«Pois bem, com grande surpresa e admiração, conhecendo o caminho espiritual dos membros do Movimento, observamos que também eles, vivendo a espiritualidade evangélica da unidade, passam pelas mesmas etapas, por provações análogas e experimentam efeitos muitas vezes idênticos aos descritos por Teresa D'Ávila. Embora a nossa via se realize em meio ao mundo e aquela de Teresa num convento, o crescimento da vida da alma era análogo. Esta constatação nos admirou, nos encheu de gratidão e nos impeliu a continuar com empenho crescente a estrada que estávamos percorrendo»[5].
Santa Teresa ajuda Chiara e as suas companheiras a reler, à luz de Deus, todo aquele crescimento na vida espiritual. Depois, Chiara obviamente falou da Via de Maria[6], porque disse: eu não posso apresentar as etapas de Santa Teresa, porque a nossa é uma espiritualidade no mundo, uma espiritualidade universal, não é específica, devemos ter um modelo universal, que é a Via de Maria. Contudo nasceu desta perspectiva. Portanto, o caminho de Maria com as etapas que vocês estudaram, que estudarão, é um fruto maduro, original. Os italianos dizem que uma coisa puxa outra. Isso é muito belo, não é? Isto é, de coisas de Deus nascem coisas de Deus, a visão do caminho espiritual.
Mas há outra expressão deste "castelo exterior" e é o que Chiara diz, falando aos bispos amigos do Movimento:
«Este caminho (...) que se percorre juntos, no qual se procura a santidade do outro como a própria, porque o que conta é a glória de Deus». Santos juntos, santidade popular. Não santos, mas o Santo. Contagiar-nos uns aos outros, ajudar-nos, apreciar mais a santidade do outro que a nossa. Assim se cresce juntos. É um caminho do "castelo exterior". Este caminhar juntos. «E o que dá um decisivo impulso também à santificação pessoal é mesmo a presença de Cristo entre os cristãos, é uma presença cada vez mais plena, maior, que invade cada vez mais profundamente a pessoa»[7].
Então, vejam, embora Chiara não tenha escrito as etapas do "castelo exterior", ela fala deste caminho de santidade progressiva, que se percorre juntos, se cresce, se amadurece; as pessoas tornam-se luminosas. E são assim, porque estes são os efeitos que vemos nos membros da Obra.
E faço mais uma observação sobre a novidade desta santidade e deste caminho. Outro trecho:
«Um castelo interior, portanto, como Santa Teresa chamava a realidade da alma habitada por Sua Majestade, que deve descobrir e iluminar tudo, é ótimo». Isso quer dizer: é também um caminho. «É o ápice da santidade num caminho individual. Talvez tenha chegado o momento de descobrir – de fazer esta grande descoberta com um carisma –, de iluminar – portanto, de oferecer também toda uma teologia espiritual ao "castelo exterior" –, de edificar por Deusportanto, com todas as obras – também o seu "castelo exterior", digamos, com ele entre os homens», entre todos. Vejam, da Obra se passa à Igreja e à humanidade. «Se observarmos bem, ele nada mais é que a Igreja, ali onde estamos, a qual, também em virtude desta espiritualidade, pode se tornar cada vez mais ela mesma, mais bela, mais esplêndida, como mística esposa de Cristo, antecipação da Jerusalém celeste, da qual está escrito: "Eis a morada de Deus com os homens! Ele vai morar entre eles e eles serão o seu povo e ele será o Deus-com-eles (Ap 21,3)»[8]
Isso é esplêndido! Agora é a Igreja, toda a Igreja, por meio da Obra de Maria e de Maria na Obra, que se transforma num grande "castelo exterior", todo iluminado, todo ocupado por Deus, habitado por Deus, com a ordem, com a beleza, com a caridade, com todas aquelas intuições que vêm do Espírito Santo e que, pouco a pouco, se realizam por meio de todas as obras e inundações.
Num texto semelhante – vejam, procuro ser fiel às palavras de Chiara –, falando da espiritualidade coletiva e dos seus instrumentos, Chiara acrescenta esta consideração:
«Nós vemos toda a Obra como um "castelo exterior", onde Cristo está presente e ilumina as suas partes, a partir do centro, onde está o Centro da Obra, à periferia»[9]
Portanto, em cada célula do Movimento, da Obra de Maria, está este "castelo exterior". Mas do centro da Obra – onde se vive este carisma vive com Chiara e as suas companheiras – irradia-se em tudo. Esta é a grande construção, esta é a novidade. Novidade para o nosso tempo, onde a presença de Deus não pode ser apenas uma presença encerrada na alma, nem sequer num convento ou só na Igreja. A presença de Deus deve brilhar no mundo, porque todo o mundo é de Deus e, por meio dos diálogos e dos aspectos, é onde se fazem todas essas conexões, que nada mais são que a dilatação do amor de Deus trinitário, a fim de que todos sejam um, neste grande "castelo exterior", onde os relacionamentos são trinitizados e nos ajudamos uns aos outros, mas onde se edifica também exteriormente este Castelo.
Acho que esta seja uma bela intuição e explicação de Chiara, que frisa a novidade da espiritualidade comunitária, ou coletiva, da unidade. É o paradigma do "castelo exterior" como experiência e realização do desígnio da Igreja, povo de Deus que vive neste mundo, mas será uma transformação de tudo; é o Reino de Deus aqui na terra; é o paraíso terrestre também aqui na terra.
Essa é uma nova perspectiva, bela; encontra-se num discurso dirigido aos bispos, aos quais Chiara lhes fala de uma "mística eclesial", de uma Igreja como um grande e belo "castelo exterior", da morada de Deus entre os homens. Uma Igreja que, junto com todos os que a compõem, torna-se a esposa santa – como a Alma, a esposa, que Chiara viu casada com Deus no Paraíso, no início –, uma esposa santa, uma Igreja morada de Deus, como a Jerusalém celeste. Chiara, de fato, acrescenta:
«Se pensarmos que a nossa espiritualidade – e isso é cada vez mais evidente, também através da história da Obra –, se difunde também fora da estrutura da Obra, como por exemplo, em meio aos bispos, animando a colegialidade entre eles com o Santo Padre, compreenderemos logo que este carisma faz não só da Obra um "castelo exterior", mas tende a fazer o mesmo da Igreja. Este é o nosso sonho. Assim, por ele, a Igreja é mais una e mais santa»[10].
O "castelo exterior" não é somente uma graça, é um dever, é um sonho, é o projeto de Deus. E é para isso que a Obra vive: para fazer da Igreja e da humanidade um lugar habitado pelo amor de Deus, amor trinitário que diz respeito a tudo, inclusive à criação. Eis a grande intuição, que vai muito além – eu ouso dizer – do "castelo interior" de Teresa e é uma aventura fascinante para todos nós, que somos chamados, pessoalmente, a viver assim, a viver juntos esta vocação.
Ainda mais recentemente – o texto encontra-se também neste livrinho: Construindo o "castelo exterior" –, Chiara fez outras alusões ao "castelo", indicando a necessidade de viver a espiritualidade pessoal no caminho da unidade. Ainda um escrito de Chiara:
«Desde que o nosso Movimento nasceu ficou claro para nós que o caminho espiritual, que nos era indicado pelo Céu, era um caminho coletivo. A seguir, ao longo dos anos, vimos que, com ele, íamos edificando o "castelo exterior" ao contrário do castelo interior, fruto do caminho mais pessoal de Santa Teresa d'Ávila. Mas para construir autenticamente o "castelo exterior" – e gostei desta anotação de Chiara; a graça coletiva nos ajuda também a construir pessoas novas, castelos interiores que formam o grande "castelo exterior" com as pessoas, as obras – (isto é, a nossa unidade com os irmãos, na realidade do Corpo místico de Cristo, em que todos estamos inseridos) somos conscientes de que é preciso o nosso esforço para melhorar cada dia, com a graça de Deus, também a nossa vida interior, pessoal»[11].
Estamos mesmo no tempo da comunhão, da espiritualidade de comunhão.
E como é belo naquela Carta Apostólica Novo Millennio ineunte, onde o Papa fala também de Santa Teresa e de São João da Cruz, ver que o caminho individual da mística está sendo superado por esta mística coletiva, com a comunhão e a prática coletiva. O "castelo exterior" de Chiara é mais atual do que nunca. E nós podemos nos considerar felizardos por sermos chamados por Deus a viver esta aventura, também em favor dos outros, construindo esse castelo.
Existe um segundo ponto, que não tenho tempo de analisar aqui; provavelmente Gérard lhes dirá algo. Isto é, quando se fala também da novidade. Eu lhes expliquei que existe um caminho. Nesse caminho da vida espiritual alguns autores, seguindo Dioniges, o Aereopagita, disseram que existe um momento de purificação: via purificativa; de iluminação: via iluminativa; e depois de união: via unitiva. Santa Teresa não usou esta terminologia, mas São João da Cruz sim. Porém, Chiara, a certa altura, compreendeu que esses caminhos são relativos. Existe um único caminho, que é o do amor. Nós não somos chamados a percorrer sete moradas, uma após outra. Somos chamados a caminhar no vértice da montanha, na altura do amor. E quando caminhamos juntos, nessa altura do amor, no alto da cordilheira, se vivermos o amor e o amor recíproco, esse amor purifica. Portanto, não devemos esperar: primeiro, vivo o caminho purificativo; depois, começo a amar. Não. O amor ilumina e, por meio do amor, nós entramos nos projetos de Deus, nos segredos de Deus, somos iluminados. Nós nos iluminamos também reciprocamente com o amor, doamos os nossos tesouros, o tesouro que é Deus. E o amor une. Então, Chiara nos disse: este "castelo exterior" é um castelo que se vive segundo esta lógica do amor, onde, vivendo o amor, nós somos purificados profundamente, somos iluminados, nos purificamos uns aos outros, nos iluminamos reciprocamente. E depois, de alguma forma, estamos unidos uns aos outros, vivendo no amor. Porém, é preciso viver no amor.
A nossa tentação é descer da cordilheira, voltar ao vale. Mas o convite que o Ideal nos faz continuamente é permanecer no alto e viver assim. É caminhar juntos. De certa forma, podemos dizer que é um caminho inédito, novo; é uma forma muito nova de dizer as coisas na teologia espiritual e também um desafio que Chiara propõe a toda a teologia espiritual, a este modo velho de traduzir os caminhos do espírito. Não se passa primeiro pela purificação? Não, se você amar, já está purificado e iluminado, já está unido a Deus.
Eu queria dizer que me impressionou também encontrar em Chiara a aplicação daquilo que dizemos sobre o bicho da seda. Chiara falou sobre isso com os bispos amigos do Movimento, sem fazer alusão a Santa Teresa de Jesus, mas com a mesma lógica, ela explicou uma coisa muito importante: como nos tornarmos pessoas novas, neste escrito:
«A Palavra é uma presença de Cristo que gera Cristo na nossa alma e nas outras almas – isso é novo: a Palavra vivida, gera Cristo na nossa alma e na alma dos outros –, é verdade: antes mesmo de viver a Palavra com empenho somos cristãos, Cristo vive em nós e com ele temos a luz de Deus e o amor; porém, muitas vezes somos fechados como uma crisálida», que ainda deve se tornar borboleta. Martin Buber diz: «O eu é a crisálida, o tu é a borboleta»: é a comunicação. Então: «vivendo o Evangelho, o amor desprende luz e a luz aumenta o amor: a crisálida começa a se mover até que sai a borboleta. A borboleta é o pequeno Cristo que começa a tomar lugar dentro de nós e depois a crescer cada vez mais, mais, até sermos plenamente ele»[12].
Viram essas consonâncias quanto são belas! Elas nos fazem compreender que também nós, aqui, deveríamos dizer: vivemos juntos em Cristo. E, vivendo juntos em Cristo, é mais fácil morrer a nós mesmos; morre o homem velho e nos tornamos pessoas novas, mas é sempre a lógica da Palavra. É a lógica de perder a nós mesmos para nos tornarmos pessoas que são totalmente transformadas.
E digo também: se o "castelo interior" tem as suas leis e os seus instrumentos, o "castelo exterior" também tem os seus instrumentos: o silêncio e a palavra, a comunicação, a hora da verdade, a comunhão de almas, etc. e tem também todos os instrumentos, todos os aspectos, as inundações, para que se possa mesmo chegar a este "castelo exterior" de Deus sobre a terra, nesta Igreja, neste mundo.
Então, termino dizendo: pensei sempre que o "castelo interior" de Santa Teresa era um livro para o terceiro milênio, uma aventura fascinante, como vocês perceberam. Mas agora sinto que este "castelo interior" não me é suficiente. Uma cidade não basta: um castelo interior não basta. Precisamos de muitas cidades. Eu penso que a grande aventura, a que Deus nos chama no terceiro milênio com este carisma da unidade, é mesmo o "castelo exterior", onde Deus vive no nosso meio. E, vivendo no nosso meio, nos faz construir o Paraíso aqui sobre a terra. Obrigado! 

[1].            De escritos inéditos de Chiara;
[2].            Chiara mandou preparar um volume com os escritos sobre o Paraíso e cada um dos membros da Escola Abbá tem um;
[3].            Quando se fala dos "aspectos", são as cores;
[4].            Chiara Lubich, Cristo dispiegato nei secoli. Testi scelti e presentati da F. Ciardi, Roma, Città Nuova, 1994, p. 195;
[5].            Chiara Lubich, Cristo dispiegato nei secoli. Testi scelti e presentati da F. Ciardi, Città Nuova, 1994, p. 195;
[6].            Via Mariae;
[7].            Idem.
[8].            Idem.
[9].            Chiara Lubich, La spiritualità e i suoi strumenti, in Unità e Carismi, nº 3-4, maggio-agosto 1999, p. 19;
[10].          Idem;
[11].          Chiara Lubich, Costruendo il castello esteriore, Roma, Città Nuova, 2002, p. 63;
[12].