22 janeiro 2021

“Para que serviria ser infinitamente misericordioso?”

Castel Gandolfo, 3 de outubro de 2005

(de um discurso preparado para os focolarinos, lido por Natalia Dallapiccola em 24 de outubro de 2005)

Para este Jubileu especial desejado pelo papa Francisco, o comentário feito por Chiara Lubich em 2005 em duas cartas suas dos anos quarenta, desvenda uma confiança ilimitada em Deus que é Perdão.

Um fruto de Jesus abandonado, que não ressaltamos muito, mas que também está presente nas cartinhas de Chiara dos primeiros tempos, é uma fé firme na misericórdia de Deus, a certeza do perdão dos próprios pecados. São significativas estas breves linhas:

«Acredita, acredita no Amor: se Ele deu tudo por ti, já perdoou tudo no instante em que Ele viu em ti o arrependimento. Nada de escrúpulos. Não acreditas que Jesus é capaz de perdoar-te depois que foi abandonado na cruz para o teu bem?» (11 de janeiro de 1945)

«Eu sei: cairás. Também eu caio com frequência e sempre. Mas quando volto o olhar para Ele, e o vejo incapaz de vingar-se, porque está pregado na Cruz por um excesso de Amor, eu me deixo acariciar pela sua Infinita Misericórdia e sei que só ela deve triunfar em mim.

Para que serviria ser infinitamente misericordioso? Para quê? Se não fosse pelos nossos pecados?» (agosto de 1945).

Mais significativo ainda é o trecho da seguinte carta. É endereçada a duas religiosas de Rovereto. O assunto é a união com Jesus e o meio indicado para alcançá-la, paradoxalmente, é único e inesperado: os nossos pecados.

Essa carta é uma clara demonstração de que, na nova vida que se iniciava, não tínhamos nenhuma confiança em nós mesmos. Não nos detínhamos nos nossos pecados, nem nos nossos eventuais méritos. Aliás, nos repugnavam todas as formas de fechamento em nós mesmos, inclusive espiritual. O carisma nos impelia a amar, a “viver fora de nós” e a nos apoiar unicamente em Jesus, com plena confiança nele.

Ainda que expressa com palavras diferentes, essa atitude de total abandono em Deus, é uma vivência límpida do que disse São Paulo em relação à justificação pela fé. Só o amor de Deus revelado em Jesus crucificado e abandonado é que nos salva. Ele se alegra conosco, quando nos colocamos completamente em suas mãos.

«Irmãzinhas minhas, para lhes falar sobre isso (sobre a união com Jesus) gostaria que estivessem aqui ao meu lado, porque gostaria de ver e sentir o quanto essas palavras penetram profundamente na alma de vocês. Mas Jesus assim o deseja e que assim seja.

É Ele quem faz tudo.

Se quisermos nos unir a Jesus (único objetivo da nossa vida, sobretudo da nossa, porque nos consagramos totalmente a Jesus) o único modo é: oferecer-lhe os nossos pecados.

É preciso remover da alma qualquer pensamento. E acreditar que Jesus é atraído por nós somente em virtude da exposição humilde, confiante e cheia de amor dos nossos pecados.

De fato, nós, no que nos concerne, nada mais temos e produzimos que misérias.

Mas Ele, por sua vez, tem uma única qualidade para nós: a Misericórdia.

A nossa alma pode se unir a Ele somente oferecendo-lhe como um presente, como único presente, não as próprias virtudes, mas os próprios pecados!

Porque a alma que ama conhece os gostos do Amado e sabe que Jesus, se veio à Terra, se tornou-se homem, se algo anseia no mais profundo do seu Coração Humano e Divino, é somente:

Ser o Salvador.

Ser Médico.

Nada mais Ele deseja!

“Fogo vim trazer sobre a Terra e o que eu quero senão que se acenda?”

Ele trouxe um Fogo devorador e nada mais deseja que devorar misérias, encontrar misérias para consumir!

“Oh! Meu Jesus, tu sabes quanto sou incapaz! Mas podes realizar o milagre: conquista esses dois corações para que compreendam profundamente a tua Misericórdia!

Sei que o peso da tua Misericórdia, desconhecida, oprime o teu Coração, porque tens para os homens uma Riqueza infinita, que a todos poderia santificar e ninguém sabe usufruir para a tua Glória!

Jesus, Jesus: faze, faze desses dois corações dois Cireneus que te ajudem a carregar o peso da tua Misericórdia e passem pelo mundo distribuindo-a de mãos cheias a todos os corações, de modo que todos, tocados pelo teu Imenso Amor, saibam qual é o Caminho para chegar a Ti, suma Felicidade!”

Irmãzinhas minhas: procurem com frequência Jesus, sempre. A Ele, que vive em seus corações, confessem os seus pecados a cada momento.

Recolham cada imperfeição, cada sentimento imperfeito, cada fruto da humanidade que trazem dentro de si.

E ofereçam tudo a Ele!

Com humildade (= conscientes e certas de que nada mais possuem para lhe dar).

Com amor (= com o espírito voltado para o Amado: certas de que Ele olha para vocês com muito mais amor quanto mais confessarem a Ele as sutilezas do mal que cometeram, dando golpes mais refinados ao amor-próprio).

Com confiança (= certíssimas de que nada mais Ele deseja do que “ser Salvador”, que aproveitar o seu Sangue, que santificá-las! Para que serviria a sua Misericórdia, se não encontrasse misérias? Jesus, Misericórdia, nada mais deseja que misérias!)

Acreditemos.

É a Fé na sua Misericórdia que devemos acender em nós.

É a prática dessa Fé, atuada a cada instante, que devemos deixar se manifestar em nós.

Portanto, unamo-nos a Deus assim:

com confiança (acredito, conheço, sei e ajo segundo a minha fé na sua Misericórdia).

por meio das nossas misérias (recolhidas a cada instante e oferecidas com humildade, confiança e amor).

Então, quanta Graça descerá do Céu! Jesus abrirá assim o seu Lado Santo transpassado e derramará a chuva do milagre! Ele vai nos lapidar e, no lugar de cada miséria, deixará uma Chama de Amor por Ele. Assim o é!» (3 de outubro de 1946).

O perdão como base da unidade

O início do ano é uma boa ocasião para recomeçar nos nossos relacionamentos interpessoais. No texto seguinte Chiara Lubich propõe uma estratégia radical: uma anistia completa no nosso coração para deixar que Jesus viva nele e criar células de unidade no mundo.

É isso que quero enfatizar hoje para todos vocês: a unidade. A unidade deve triunfar: a unidade com Deus, a unidade entre todos os homens.

De que forma? Amando a todos com aquele amor de misericórdia que era característico nos primeiros tempos do Movimento, quando decidimos, a cada manhã, e durante o dia inteiro, ver o próximo que encontrávamos na família, na escola, no trabalho, em qualquer lugar; de modo novo, novíssimo, sem recordar, de nenhuma maneira, das suas pequenas imperfeições, dos seus defeitos, cobrindo tudo, tudo com o amor. Amar exatamente como nos sugere a Palavra de Vida deste mês: perdoar setenta vezes sete (cf Mt 18, 22). Aproximarmo-nos de todos com esta anistia completa no nosso coração, com este perdão universal.

Em seguida, fazermo-nos um com eles em tudo, menos no pecado, menos no mal. Por quê? Para obter o resultado maravilhoso a que Paulo, o Apóstolo, aspirava. Ele dizia: “fiz-me servo de todos – fazer-se um com todos – para ganhar a Cristo o maior número possível” (Cf 1 Cor 9, 19). Se nós “nos fizermos um” com o próximo, facilitados por este perdão, poderemos comunicar o nosso Ideal a todos os outros. E quando já tivermos conseguido isso, poderemos estabelecer a presença de Jesus entre nós e eles, a presença de Jesus Ressuscitado, de Jesus, que prometeu estar sempre conosco na sua Igreja e que, de um certo modo, faz-se ver, ouvir, quando está entre nós.

Esta deve ser a nossa principal obra: viver de tal modo que Jesus viva entre nós; Ele que é o conquistador do mundo. Se nós formos um, realmente, muitos serão um e o mundo poderá um dia ver a unidade.

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