31 julho 2020

Permanecei em mim, como eu em vós

(22 de fevereiro de 1969)

       Permanecei em mim, como eu em vós (Jo 15,4). É o que acontece com a alma se ela permane-cer encravada na vontade de Deus no momento presente.

       Deus não nos pede que corramos, mas que “permaneçamos”. E isto é divino, é estupendo, é um como que ser Deus: moto eterno e eterna quietude (se é possível usar tão pobres palavras em relação a Ele) porque é o Amor.

       Se permanecerdes em mim e minhas palavras permanecerem em vós, pedi o que quiserdes e vós o tereis (Jo 15,7). Aqui está outro lucro enorme por permanecer em Jesus: receber.

       Quantas vezes o coração está cheio de preocupações e sentimos pesar tudo sobre nossos pequenos ombros.

       E então? Eis a solução, toda a solução: pedir e receber. Mas recebemos se permanecemos Nele no presente.

       E recebemos tudo, infinitas coisas, enquanto nos dedicamos a uma só.

       Diz ainda Jesus: Sem mim nada podeis fazer (Jo 15,5).

       Isso é o que devemos cravar bem na mente: fora do momento presente, vã é nossa correria; ela é tudo o que são Paulo diz daquilo que podemos fazer inclusive de aparentemente bom e heróico, mas sem a caridade: é um címbalo que tine.

30 julho 2020

A CADA DIA BASTA O SEU AFÃ

       “Não vos preocupeis, portanto, com o dia de amanhã,
      pois o dia de amanhã se preocupará consigo mesmo.
      A cada dia basta o seu afã.” (cf. Mt 6,34)

       O Senhor, que nunca faz economia, quando se trata de medir a dor, afirma: “A cada dia basta o seu afã”.

       Como Ele não engana, se nos dispusermos — para fazer sua vontade — a cuidar somente dos afazeres de hoje, vai acontecer que as preocupações que pensávamos ter amanhã, muitas vezes não mais existirão.

29 julho 2020

Um ar de solenidade

       Se alguém começa e recomeça a viver bem o presente em sua vida, notamos que seus atos adquirem, com o tempo, um ar de solenidade, embora sem intenção proposital para isso. Assim, observamos que a vida daquele irmão se apóia em um único pilar sobrenatural: o amor por Deus. Mas, ao mesmo tempo, este ar de solenidade caracteriza profundamente cada atividade sua, a ponto de tornar a sua existência sumamente expressiva. Daí decorre que a sua fisionomia espiritual se delineia com precisão cada vez maior.

       Dele podemos dizer, por exemplo, que está imerso em Deus, na oração; que é livre e alegre quando em companhia de outros; é preciso no seu dever, exigente consigo mesmo, fraternal com todos, intransigente na disciplina de quem depende dele, misericordioso com quem cai, convicto como uma rocha do seu nada e da onipotência de Deus, freqüentemente insatisfeito com seus atos, mas, sempre pronto a esperar e recomeçar.

       É justamente este eterno recomeçar, exigência da vida humana, traumatizada pelo pecado original, que ajuda a alma a se revestir de um quê de continuidade, mesmo variando as ações. E isso recende à santidade; pouco, no começo, depois sempre mais.

       Porque santo é quem não vive mais em si, na própria vontade, mas transferido em Outra.

28 julho 2020

Sua tarefa

NÃO julgue pequena demais sua tarefa.
Nenhuma obra de arte pode descurar dos pormenores.
Se as minúcias forem perfeitas, é que podemos denominar alguma coisa de obra-prima.
Não busque tarefas grandiosas de evidência.
Procure dar conta integralmente do serviço pequenino que lhe foi confiado.
Da perfeição com que o executar dependerá sua oportunidade para receber uma incumbência maior.


27 julho 2020

COMO NUM BALANÇO

       É preciso “render-se” à vontade de Deus. Porque, se a ela nos rendemos, sem resistência, a graça atual que temos para viver o momento presente funciona. E funciona sob a forma de inspiração, de estímulo para a vontade; ilumina-a e enche-a de entusiasmo. Vi que realmente é necessário “render-se”, no sentido de que é preciso soltar o último fio de nossa vontade e abandonar-se completamente, como acontece num balanço, quando alguém é largado de um lado e vai todo para o outro

26 julho 2020

Dilatar o coração sobre o Dele

24 de outubro de 1949


       Precisamos dilatar o coração segundo a medida do Coração de Jesus. Quanta labuta! Mas é a única e necessária coisa a ser feita. Isso feito, tudo feito.

       Trata-se de amar a cada um que de nós se achega como Deus o ama. E, dado que estamos no tempo, amemos ao próximo um por vez, sem guardar no coração resquícios de afeto pelo irmão encontrado um minuto antes. Afinal, é o mesmo Jesus que amamos em todos.

       Mas, se o resquício fica, é porque amamos o irmão de antes por nós mesmos ou por ele… não por Jesus.

       E aí está o problema.

       Nossa obra mais importante é manter a castidade de Deus, ou seja, manter no coração o amor como puro Espírito Santo. […]

       Portanto, para sermos puros não podemos tolher o coração e nele reprimir o amor.

       É preciso dilatá-lo segundo a medida do Coração de Jesus e amar a todos. Como basta uma Hóstia Santa entre os bilhões de Hóstias na terra para nos alimentarmos de Deus, basta um irmão – aquele que a vontade de Deus nos põe ao lado – para comungarmos com a humanidade, que é Jesus Místico. E comungar com o irmão é o segundo mandamento, aquele que vem imediatamente após o amor a Deus e como expressão dele.

25 julho 2020

O exame

       Dizíamos entre nós (uma ou outra ainda era estudante): Se, tendo que fazer um exame, soubéssemos por antecipação as perguntas, que sorte a nossa!

       Aqui na terra, orientadas como estamos todas nós ao exame final da vida, como devemos considerar aquilo que Jesus nos revelou!

       “Tinha fome… tinha sede… estava nu…”; sem pestanejar, logo nos dirigimos a ajudar os famintos, os oprimidos da guerra, os mutilados, os órfãos, os sem-teto, os prisioneiros, os doentes. Numa palavra: os necessitados

24 julho 2020

A Mim o fizestes

Do discurso em um congresso de religiosos        
de diversas Ordens e Institutos interessados        
na espiritualidade do Movimento        

Chiara reporta-se à experiência feita pelo Movimento no amor ao irmão.   

Castel Gandolfo, 19 de abril de 1995


       E quais foram as palavras que mais nos tocaram num primeiro momento? As que se referiam ao amor: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 19,19), “Tudo aquilo, portanto, que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles” (Mt 7,12).

       E depois, tendo como pano de fundo o grande afresco do juízo, as frases de Jesus: “Tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber…” (Mt 25,35). “Quando, Senhor…?”. “Cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos” (Mt 25,40).

       Que impressão profunda, aquelas palavras naqueles primeiros dias! Que estímulo fortíssimo para vivê-las com radicalismo e prontidão! Que bondade a de Jesus em no-las revelar!

23 julho 2020

O Crucificado e a Nova Criação

Jesus Abandonado deu ao Pai uma nova criação.        
Às portas do Terceiro Milênio, tudo pode e se deve renovar com a meditação e a vida do mistério de Jesus Abandonado. Como aconteceu no nosso Movimento. 
   

“Eis que eu faço novas todas as coisas”, diz o Espírito (Ap 21,5): homens novos, apóstolos novos, famílias novas, sociedades novas, paróquias novas, cidades novas, gerações novas, palavras novas, músicas novas, Igreja nova, como o Concílio a quer, renovada a partir de seu íntimo. 
       

E onde “as coisas” estiverem velhas, porque carentes do Espírito de Deus ou do conhecimento de Cristo, o Movimento de Jesus Abandonado tem a força de dar novos fiéis à Igreja de Deus. 
       
Em resumo, Jesus Abandonado é tudo. 
       

Nele, existe toda riqueza, que serve para transformar a humanidade, para fazer esperar o impossível, pois que ninguém esperou como Ele. 
       

Aliás, Ele que já recapitulou tudo em si, não espera outra coisa senão a nós. Seguindo-o, possamos dar-lhe a alegria de ver que o seu esforço não foi em vão.


22 julho 2020

O Crucificado para os ateus

       Foi seguindo-o, mas principalmente vivendo-o, que o Movimento dos Focolares se tornou útil à Igreja, e quer sê-lo sempre mais, neste seu período difícil, mas esplêndido, que abriu tantos horizontes novos.      

E, voltando com o pensamento aos nossos irmãos sem fé, estamos convictos de que o Crucificado a ser-lhes apresentado não é o que se mostrava aos chamados pagãos nos primeiros séculos, porquanto a esses nossos irmãos não interessa a salvação, nem a ressurreição, nem o mundo futuro. 
     

É necessário mostrar a eles um Crucificado em que Cristo pareça apenas homem. E é como Ele se apresenta no abandono. 
     

Não só. É necessário fazer que eles se encontrem com cristãos que os amem tanto, a ponto de saberem experimentar a perda de Deus para os homens, como Jesus Abandonado, se assim se pode dizer. 
     

Cristãos que saibam ser crucificados vivos, como “aqueles que vivem sem a Lei [de Deus]” (1Cor 9,21), para salvar os próprios irmãos — como diz são Paulo. Então, esses nossos irmãos vão aos poucos simpatizando com esses homens simples, mas íntegros. E, da simpatia nasce o colóquio. Do colóquio, a comunhão. E, sem que percebam, o divino penetra em suas almas e na sociedade, que, se às vezes não foi construída no nome de Deus, torna-se assim casa de Deus, como os templos pagãos tornaram-se igrejas, no tempo do cristianismo das origens. 
     

Jesus Abandonado é o Crucificado deles porque — como já vimos — por eles se fez ateísmo.

21 julho 2020

Males com nome, mas inomináveis

Também fazem lembrar d’Ele todos aqueles males de hoje, que conhecemos: a multidão de jovens, e não somente eles, escravos do sexo e os que enveredaram pela trilha da droga, do álcool etc. Males com nome, mas inomináveis, como era Jesus Abandonado para os primeiros cristãos: um vértice tal de dor incompreensível, que lhes era difícil nomeá-la.     

Tivemos de nos empenhar também nesses campos. As quase mil obras de caridade e sociais, que o Movimento administra agora no mundo, o atestam

20 julho 2020

Um longo estudo

Em 1947, o bispo de Trento, dom Carlo de Ferrari, havia aprovado o nosso Movimento e um pequeno estatuto do mesmo. Ele era favorável a nós e sempre nos defendera. O fato é que, a um certo ponto, em 1956, eram tantas as pessoas que pediam explicações, que ele tomou a decisão de escrever uma declaração dirigida:        
A quem puder interessar!
       
O que eu penso dos Focolares é simples. Vi-os nascer na minha diocese e sempre os considerei um excepcional grupo de pessoas maravilhosas que, com sua vida — edificante sob todos os aspectos —, com seu genuíno espírito de caridade e com seu ardoroso apostolado, oferecem a “prova cabal” de que, neste pobre mundo “que caminha para a perdição”, ainda existem cristãos capazes de conquistar os mais árduos cumes da virtude e as mais avançadas trincheiras do bem. 
       
Há doze anos que eu os acompanho, vigilante e atento, e não só jamais constatei motivo algum de censura, como sempre encontrei o mais amplo e pleno motivo de conforto e alegria, como raramente me aconteceu em mais de cinqüenta anos de ministério pastoral. Já disse e escrevi outras vezes, e repito: oxalá os focolarinos fossem legiões! 
       
De qualquer modo, alguns anos antes, as autoridades da Igreja em Roma também haviam manifestado suas apreensões a respeito de nossa Obra. 
       
E sabemos como essas coisas podem acontecer: alguém, talvez em boa fé, critica atitudes de outros, as quais lhe parecem suspeitas. Zeloso, previne a autoridade, que não pode deixar de intervir. 
       
Pelo seu dever de discernir, a Igreja age. 
       
Assim, começava para nós uma averiguação longa e aprofundada. 
       
Era uma coisa simples e obrigatória para a Igreja, mas para nós queria dizer angústia e insegurança.

19 julho 2020

A secularização

       Mais ainda: aquele relaxamento, onda longa da secularização que corrompeu a moral e transviou diversos filhos da Igreja, até entre os melhores. E ainda hoje — embora menos do que ontem — sacerdotes e religiosos se laicizam, e freiras deixam os conventos: imagens em que não podemos deixar de vislumbrar Jesus Abandonado, no qual o divino está totalmente oculto.        

Esses e outros filhos, por exemplo, entre os consagrados, que abandonam os seus compromissos, ferem a Mãe-Igreja, empobrecendo-a em si mesma com a perda de quem fora escolhido e mandado para anunciar o Evangelho, decalcando no rosto dela o de Jesus Abandonado, a Verdade que cala. 
       

E ainda, especialmente no Ocidente, mas não só ali, a difusão de idéias que ameaçam a fé pela raiz confinando a religião no âmbito do particular, pondo dúvida em tudo e em todos: outra expressão de Jesus Abandonado, imagem aqui da insegurança. 
       

Por fim, se é que se pode falar de fim dessas coisas, o consumismo, triunfo do ter que deixa os pobres sempre mais pobres, como Jesus Abandonado, imagem dos pobres que se sentem enterrados cada vez mais numa pobreza sem fundo. Consumismo tão distante de Jesus Abandonado, reduzido a nada, a vazio, triunfo do ser, do ser amor.

18 julho 2020

O sonho

       Tive um sonho, numa noite de verão de 1961. Não acredito em sonhos, embora sonhos não faltem em nossa religião, como, por exemplo, no Evangelho. Mas fiquei impressionada com este que tive.

       Um ano antes, um focolarino, André Ferrari, partira para o Céu. Fora um ótimo focolarino. Como ponto central de sua vida, pusera a caridade, que vivenciava inclusive por trás do guichê da agência bancária onde trabalhava.  

Atropelado num acidente e levado ao hospital, uma freira, vendo a situação gravíssima em que ele se encontrava, disse-lhe para prepará-lo para morrer: “É preciso fazer a vontade de Deus!” Ao que ele respondeu: “É, sim! Aprendemos a fazê-la até diante de um sinal de trânsito”. 
     

Aquela vontade de Deus que, se for cumprida com perfeição e perseverança, constitui hoje um critério para examinar se uma pessoa é considerada digna de veneração! 
       

Pois bem, naquela noite sonhei com André. 
       
Alguém depositara em minha mão um santinho com uns dizeres em baixo. 
       
O santinho representava Maria Desolada, com o Filho morto nos braços. 
       
A frase dizia: “Com imenso reconhecimento, anuncio-lhe a aurora radiosa da ressurreição!” 
       
A caligrafia era de André, porém, mais reta, mais em pé. 
       
E a figura de Maria Desolada se dissipava aos meus olhos e se transformava em Jesus ressuscitado. Em lugar de Maria, Ele, justamente, o Ressuscitado. Em lugar de Jesus morto, o sepulcro.

17 julho 2020

O nascimento

       Deus guiava a Igreja e a iluminava para não nos largar no abandono. Ele fora o fundador e o arquiteto da maravilhosa Obra que devia nascer, e alimentara-a com o seu Espírito. Ele, unicamente Ele, a forjara.      

Quando viu que estava bela, quando viu que estava concluída em suas partes essenciais, chegou a hora de nascer, no dia 23 de março de 1962, não isenta da dor que o nascimento comporta. 
     

Entre luzes e restos de sombra, começou para nós um período novo. 
   

Embora continuando a viver pessoalmente e juntos Jesus Abandonado nas dificuldades e dores de todos os dias, começamos a conhecer aquele semblante de Jesus Abandonado que, abandonando-se novamente ao Pai, transforma a separação em unidade, a derrota em vitória, o inferno em Paraíso, a ignomínia em glória

16 julho 2020

Os frutos não faltam

       Neste ínterim, o Senhor nos lapidava. Com o cinzel do seu amor fazia de modo que nos desapegássemos de tudo para ter apenas a Ele. Desapegar-nos do que tínhamos e do que éramos. Era a liberdade dos filhos de Deus: não ter e não ser. Não ter o que pensávamos ser nosso e que sabíamos ser de Deus. Não sermos nós para sermos Ele.

       Os frutos exteriores se multiplicavam com tal extensão que constatávamos ser necessária a cruz para a irradiação do Evangelho.

       Se ela não tivesse existido, não teríamos aquele equilíbrio necessário para levar adiante uma Obra de Deus. De fato, a dor é um meio de que Deus se serve para tirar a prepotência do orgulho e do amor próprio, para deixar que só Deus aja em nós.

       Exultávamos de alegria por causa dos frutos, mas, graças à cruz, não nos exaltávamos.

15 julho 2020

Um só esposo sobre a terra


20/09/1949


Tenho um só Esposo na terra: Jesus Abandonado; não tenho outro Deus além Dele.      
Nele está todo o Paraíso com a Trindade, e toda a terra com a Humanidade. 

Por isso, o seu é meu, e nada mais. 
     
Sua é a Dor universal e, portanto, minha. 
     
Irei pelo mundo à sua procura em cada instante da minha vida. 
     
O que me faz sofrer é meu. 
     
Minha, a dor que me perpassa no presente. Minha é a dor de quem está ao meu lado (ela é o meu Jesus). Meu, tudo aquilo que não é paz, gáudio, belo, amável, sereno… Numa palavra: aquilo que não é Paraíso. Pois eu também tenho o meu Paraíso, mas ele está no coração do meu Esposo. Outros Paraísos não conheço. Assim será pelos anos que me restam: sedenta de dores, de angústias, de desesperos, de melancolias, de desapegos, de exílio, de abandonos, de dilacerações, de… tudo aquilo que é Ele, e Ele é o Pecado, o Inferno. 
     
Assim, dessecarei a água da tribulação em muitos corações próximos 
e – pela comunhão com meu Esposo onipotente – distantes.      
Passarei como Fogo que devora o que há de ruir e deixa em pé só a Verdade. 

Mas é preciso ser como Ele, ser Ele no momento presente da vida.

14 julho 2020

Em nós

       Cada dor nossa nos parecia um semblante de Jesus Abandonado a ser amado e querido para estar com Ele, ser como Ele, a fim de, em união com Ele, darmos também nós a vida a nós e a muita gente, com o nosso sofrimento amado.

       Entrando neste caminho da unidade, escolhêramos só a Ele: em um ímpeto de amor, decidíramos sofrer com Ele, como Ele.

       Pois bem, a experiência que todos fizemos é que Deus, somente amor, não se deixa vencer em generosidade e muda, por uma alquimia divina, a dor em amor. Isso equivale a dizer que nos transformava em Jesus, experimentado em nós pelos dons do seu Espírito, dons que o amor sintetiza.

       Constatávamos que, tão logo desfrutávamos de uma dor qualquer, para ser como Ele abandonado que se abandona novamente ao Pai, e continuávamos depois a amá-lo, fazendo a vontade de Deus do momento seguinte, a dor, se era espiritual, geralmente, desaparecia; se era física, mudava-se em jugo suave.

       Em contato com a dor, o nosso amor puro, isto é, o nosso desfrutar da dor, convertia essa dor em amor. De certo modo, divinizava-a; era como se a divinização que Jesus fizera da dor prosseguisse em nós, se assim podemos dizer.

       E, depois de cada encontro com Jesus Abandonado, amado, encontrávamos Deus de um modo novo, mais face a face, em uma unidade mais plena.

       A luz e a alegria e, com elas, a paz, que são frutos do Espírito, voltavam. Aquela paz especial que Jesus prometeu, para cuja obtenção — assim sentíamos — era necessário fazer do tormento, da angústia, das agonias da alma, das perturbações, das tentações uma ocasião para amar a Deus.

13 julho 2020

Uma presença que encerra um salto de qualidade

A força que nos vinha da união que o amor mútuo operava levou-nos logo a refletir sobre as Palavras de Jesus:      
“Pois onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou ali, no meio deles” (Mt 18,20). 
     
E [levou-nos] a ver os efeitos admiráveis que essa unidade operava principalmente na oração: 
     
“Eu vos digo mais isto: se dois de vós estiverem de acordo, na terra, sobre qualquer coisa que quiserem pedir, meu Pai que está nos céus o concederá” (Mt 18,19). 
     
Portanto, Jesus estava em nosso meio porque estávamos unidas em Seu Nome. 
     
Esse mistério tão delicioso nos forçava a manter firme a nossa unidade para tê-lo sempre entre nós. […]

       

12 julho 2020

Prioridade absoluta da caridade

       Portanto, não dávamos um passo se não estivéssemos todas unidas pela mútua caridade:

       “…ante omnia…” [cf. 1Pd 4,8].

       Portanto, antes de qualquer outra coisa, o amor mútuo.
       E se nos evidenciavam outras Palavras de Jesus no Evangelho: “Portanto, quando estiveres levando a tua oferta ao altar e ali te lembrares que teu irmão tem algo contra ti, deixa a tua oferta diante do altar e vai primeiro reconciliar-te com teu irmão. Só então, vai apresentar a tua oferenda” (Mt 5,23-24. […]
       Uma presença que encerra um salto de qualidade
       A força que nos vinha da união que o amor mútuo operava levou-nos logo a refletir sobre as Palavras de Jesus:
       “Pois onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou ali, no meio deles” (Mt 18,20).
       E [levou-nos] a ver os efeitos admiráveis que essa unidade operava principalmente na oração:
       “Eu vos digo mais isto: se dois de vós estiverem de acordo, na terra, sobre qualquer coisa que quiserem pedir, meu Pai que está nos céus o concederá” (Mt 18,19).
       Portanto, Jesus estava em nosso meio porque estávamos unidas em Seu Nome.
       Esse mistério tão delicioso nos forçava a manter firme a nossa unidade para tê-lo sempre entre nós. […]
     

11 julho 2020

Amar a Deus significa amar um ao outro


       Do artigo “O Natal de uma Ideia”
Fevereiro de 1948


       A narração sobre o tema do amor mútuo, da qual damos aqui um excerto, é, conforme documentação existente, a primeira apresentação da experiência que será chamada “história do Ideal”. Como já foi lembrado, Chiara Lubich e as suas companheiras ainda eram terciárias franciscanas na época; as “almas filhas do Pai Seráfico” mencionadas são as primeiras focolarinas.

       As circunstâncias, vozes de Deus, afastavam tudo do coração daquelas pessoas filhas do Pai Seráfico e as dispunham a gritar com São Clara, “a plantinha”4: “Desejo somente Deus!”

       “Amá-lo” foi o programa.

       Mas, amá-lo significa fazer aquilo que Ele quer: o amor mútuo. Amá-lo significa amar-se com amor prático, efetivo e com amor delicado, afetivo.

       Essas pessoas amaram-se para amá-lo.

       

10 julho 2020

Assim nasce a Igreja

       Tendo-nos gerado naquele grito, aqui nasce a Igreja, o povo novo.

       Aqui é dado o Espírito Santo.

       O Espírito Santo que, como Deus, unia Jesus ao Pai.

       E, no abandono, se obscurece em Jesus o vínculo com o Pai.

       Diz Chardon:

       Sendo o Espírito Santo o verdadeiro Paráclito, isto é, o perfeito Consolador […], produz internamente na alma [de Jesus] uma cruz mais desastrosa [… do que aquela exterior] com a suspensão de suas maravilhosas consolações. (Chardon, 1895, pp. 262.264)

       É o preço do dom que o Espírito Santo nos faz, como vínculo que une todos os homens com Jesus e entre eles, formando o Corpo Místico de Cristo, o Cristo total.

       É no abandono que o sacrifício de Jesus manifesta todo o seu caráter interior, espiritual, divino.

       Dissera Ele à samaritana que se aproximava a hora, e era aquela, em que os verdadeiros adoradores adorariam o Pai em espírito e verdade (cf. Jo 4,23).

       Aqui está em Jesus o Adorador por excelência.

09 julho 2020

Ou sofrer ou morrer

De uma carta dirigida provavelmente às mesmas religiosas

       5 de janeiro de 1947

       Oh, minhas irmãzinhas! Temos somente uma vida, e também ela breve. Depois, o Paraíso! Depois, sempre com Ele. E seguiremos o Cordeiro para onde quer que vá!     

Que o sofrer não as amedronte! 
     

Pelo contrário! 
     

Ou sofrer ou morrer! 
     
Mas busquem o sofrer que a Vontade de Deus lhes oferece, não apenas a que os superiores determinam (nas ordens simples da obediência), mas a Vontade de Deus que é Amor mútuo – o Mandamento Novo – a Pérola do Evangelho! 
     

Façam de tudo, façam tudo o que puderem para “serem um” entre vocês e com todas as irmãs. São próximas de vocês; portanto, amem todas como a vocês mesmas.

08 julho 2020

Amar-nos por Ele

       De uma carta à irmã Josefina e à irmã Fidente      

 A longa carta, pequeno tratado sobre como viver a unidade, é articulada em dois pontos. Transcrevemos um trecho do segundo ponto, intitulado “Sejam entre vocês uma só coisa”. 
      

3 de outubro de 1946 
      

Que uma veja na outra não mais irmã Josefina ou irmã Fidente, mas tão somente Jesus! Digam a Jesus que a prova e a medida do Amor com que o amam é o amor com que vocês se amam por Ele! 
     

Amor quer dizer: vontade total dirigida a Deus, a quem damos todo o coração, toda a mente, toda a alma, momento por momento. E, por Ele, damos à irmã toda a vontade, toda a mente, todo o coração, toda a alma (medida do nosso amor por Deus) da qual queremos a mesma Santidade que desejamos para nós.
     
Amem-se. E terão feito tudo.
     
E, amando-se entre vocês, aprendam a amar igualmente todas as irmãs.

07 julho 2020

Os santos e a cruz

Por estar muito próximo ainda da passagem de Jesus pela terra, Inácio, bispo de Antioquia, interpreta ao pé da letra as palavras “toma a tua cruz” no caminho para o martírio, e escreve aos Romanos:

       Pedi para mim apenas a força interior e exterior, para que eu não só diga, mas queira ser cristão; não só seja chamado, mas de fato o seja. […] Então, quando o mundo não puder mais ver o meu corpo, serei verdadeiramente discípulo de Jesus Cristo. […] É agora que começo a ser um verdadeiro discípulo. Que nenhuma coisa visível ou invisível me impeça de obter a posse de Jesus Cristo! Fogo, cruz, encontro com as feras, dilaceramentos, esquartejamentos, deslocamentos de ossos, mutilações dos membros, trituração de todo o corpo, os mais perversos suplícios do diabo caiam sobre mim, contanto que alcance a posse de Jesus Cristo. […] Ouvi, antes, o que agora vos escrevo, pois é na plenitude da vida que exprimo meu desejo ardente de morrer. Minhas paixões humanas foram crucificadas, não há em mim fogo para amar a matéria. Não há senão a “água viva” que murmura dentro de mim e me diz: “Vem para o Pai”. (Aos Romanos, 1985, pp. 22-23)

       Os santos, que são os cristãos realizados, apreenderam o segredo, o valor da cruz.

       A propósito, assim diz Grignion de Montfort:

       A Sabedoria, enquanto espera o grande dia do seu triunfo no Juízo Final, quer a cruz como distintivo e arma de todos os eleitos. Com efeito, não acolhe filho algum que não a tenha como distintivo, nem recebe discípulo algum que não a traga na fronte, sem enrubescer; no coração, sem desgosto; e nos ombros, sem arrastá-la ou rejeitá-la […]. Não aceita soldado algum que não a empunhe como uma arma para defender-se e atacar, para desbaratar e esmagar todos os seus inimigos. Grita para eles: “Tende coragem: eu venci o mundo!” (Jo 16,33) […]. Eu, o vosso chefe, venci o meus inimigos com a cruz, e vós também o fareis por meio deste sinal! (Grignion de Montfort, 1990, pp. 204-205)

06 julho 2020

Jesus, modelo para os cristãos

      Desde aquele tempo feliz em que Cristo viveu, morreu e ressuscitou, Ele tornou-se o Caminho, o modelo para cada um de nós.     
Como Jesus, o cristão deve amar o Pai e, por isso, fazer a sua vontade, a Ele submeter-se. E a vontade de Deus para o cristão é que ele também chegue à glória, à felicidade, pelo caminho da cruz, como Jesus. 
     
Ele mesmo é quem nos ensina como segui-lo. De fato, diz a todos: “Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz cada dia e siga-me” (Lc 9,23). 
     
Seguir Jesus é, antes de mais nada, uma renúncia. É o renunciar a si mesmo, que não queremos entender no mundo de hoje, na ilusão de existir um cristianismo sem dificuldades. Mas a doutrina de Jesus é clara e forte: não é de modo algum a falta de freios morais! Paulo diz: “Mortificai, pois, os vossos membros terrenos: fornicação, impureza, paixão, desejos maus e a cupidez, que é idolatria” (Cl 3,5), porque aspirar às coisas ter-renas é conduzir-se como “inimigos da cruz de Cristo” (Fl 3,18). 
     
Seguir Jesus quer dizer também tomar a própria cruz cada dia. 
     
Jesus alude a cada dor de cada dia: que sejam aceitos todos os pequenos sofrimentos diários. Mas ao nos exortar a tomar a nossa cruz, deu sentido e valor também ao nosso padecer. 
       
Lembro quão grande foi a minha impressão em Jerusalém, ao nos mostrarem no Calvário o furo onde foi plantada a cruz de Jesus. Joelhos por terra, aniquilada quase em adorador reconhecimento, só uma ideia me veio à mente: se não tivesse havido esta cruz, todas as nossas dores, as dores de todos os homens não teriam tido um nome.      
Mas, “Cristo não mostra apenas a dignidade da dor”, diz Paulo VI. “Ele lança a vocação para a dor… convoca a dor (inclusive a nossa) para sair da sua desesperada inutilidade e, se unida à sua, tornar-se fonte positiva de bem” (Paulo VI, 1964, p. 212)

05 julho 2020

Jesus crucificado

Jesus crucificado!      
O que dizer? Como falar d’Ele de modo apropriado? 
     
É homem como nós, e sabemos disso. Mas é também Deus. E é amor. Veio entre nós por uma obra que a todos nós diz respeito, que toca cada um pessoalmente. Ele nos criou, no entanto arruinamos o dom que nos deu e que deturpamos continuamente. Com a vida, herdamos as lágrimas, o sofrimento e, ao final dela, a morte, a anulação aparente de tanta experiência feita. 
     
Mas eis que Ele entende a situação dos homens, conhece as lamentáveis vicissitudes de sua história, tem compaixão deles e desce à terra, carregando sobre si tudo o que o homem devia suportar. “Deus não quer que o homem se perca” (cf. Jo 6,39) e o salva. Portanto, Jesus sofre e morre pelo homem. 
 
Com o homem, conosco, e como nós morre e depois… ressurge. 
     
“Era necessário” (cf. Mc 8,31), diz Jesus quando se aproxima a hora do padecimento. Mas era necessário o quê? E para quem? 
     
Ele assumira ser necessário encarnar-se, sofrer e morrer por nós, porque é amor! 
     
Eis a vocação extraordinária do Homem-Deus, totalmente diferente, o oposto daquela a que os homens em geral aspiram. 
     
Veio para “dar a sua vida em resgate por muitos” (Mt 20,28). 
     
Tudo fora predisposto pelo Pai. Jesus se sujeita. Mas, como diz Isaías sobre o Servo do Senhor que se ofereceu porque quis Jesus quer a vontade do Pai. Ele a quer porque antes de tudo ama o Pai.
     
E a este amor o Pai corresponde com o seu poder e realiza um ato, que jamais realizara depois da Criação, isto é, a “Nova Criação”: a ressurreição. 
     
Por meio dela, também o corpo de Jesus, “fraco” e passível de dor e de morte, transfigura-se, glorifica-se (cf. 2Cor 13,4), pronto para subir à direita do Pai. 

Assim, o Homem-Deus abre a porta da Trindade para os homens redimidos.

04 julho 2020

Eram “Jesus”

       Lembro os encontros com os pobres pelas ruas da cidade. Caderneta na mão, tomávamos nota dos endereços deles para poder socorrê-los. O nosso maior tesouro eram os pobres. Eram Jesus: “A mim o fizestes”.

       E, consequentemente, o Espírito Santo nos inundava de luz, porque: “A quem me ama (inclusive nos pobres) me manifestarei” (cf. Jo 14,21). […]

       Mas, por causa do amor dedicado aos pobres, sempre iluminante, eis que o Espírito Santo nos faz entender a necessidade de amar não só os pobres, mas todos: “Ama o teu próximo como a ti mesmo”, quem quer que ele seja. E eis uma ideia fantástica e uma decisão: transformar a nossa vida diária, em contato com todo tipo de pessoas, em um leque de obras de misericórdia materiais e espirituais, porque também aqui vale: “A mim o fizestes”.

       Quantos fossem os irmãos que passavam ao nosso lado, víamos em cada um Cristo, que pedia ajuda, conforto, conselho, admoestação, instrução, luz, pão, moradia, roupas, orações…

       Vivíamos no momento presente a obra de misericórdia que Deus nos pedia.

03 julho 2020

Mesmo na dor, nossa vida em eterna mudança


Por Vagner Roberto Cordeschi 
(Artigo que publiquei no site da Faculdades Guarulhos)


Não quero nada do mundo;
Só quero a oportunidade de dizer
Que passei por aqui
E meus rastros estão por aí.
Se alguém atrever-se em segui-los,
Por momentos, perder-se-á...
Mas logo após, encontrará o caminho e a verdade
Que me trouxeram até aqui.

Quando escrevi ‘Meus rastros’ no final dos anos 80, estava num momento de vida que me possibilitava seguir dois caminhos: um pensado e esperado por mim e, outro, na possibilidade que “outros” mudassem minha vida e caminhassem “por mim”, ou melhor, na possibilidade que pegassem minhas mãos e me conduzissem a um caminho que não era o meu.
O desejo de mudanças que aquela década proporcionava a todos os brasileiros, (final dos anos militares; uma nova Constituição sendo construída; abertura da economia brasileira para o mercado externo; novos planos econômicos; uma geração de “cara-pintada” que saía às ruas, pedindo o impeachment de um presidente e tantos outros motivos...) era excelente para irrigar um coração que pulsava e queria novos ares para a Nação. Era o momento de uma vida de mudanças.
Entrei na nova década, sendo o primeiro de minha família que buscou melhorar o conhecimento acadêmico, pois até então, meus familiares estavam no padrão primário ― até a quarta série ou até o colegial ― e depois, o mundo do trabalho. Era a necessidade que exigia e forçava a situação, dificultando as mudanças. Com isto, arrastei outros da família.
Um período que me levou à Graduação; a mudança de país, justamente, para aprender a me relacionar com outras pessoas e outras culturas. Uma década que me trouxe uma esposa e uma filha (as maiores mudanças até hoje).
Tudo faz parte de uma história, a minha história!
Cada pessoa tem o seu rastro a deixar ou já deixou, mas tem a necessidade de buscar o seu rastro com amor, no amor ágape, aquele que se volta para a relação com as pessoas, com seus irmãos; numa relação de cáritas servitus (uma “servidão” de caridade).
A escritora e pensadora italiana Chiara Lubich em um de seus escritos comentou:

... se tentares viver de amor perceberás que, aqui na terra, convém fazeres a tua parte. A outra, não sabes nunca se virá, e não é necessário que venha. Por vezes, ficarás desiludido, porém, jamais perderás a coragem, se te convenceres de que, no amor, o que vale é amar…

Para a mudança de rota, para a mudança de nossa vida, há necessidade de percebermos que somente amando, conseguiremos construir aquilo que vale mais.
Amando nosso próximo, nosso trabalho, nosso estudo; amando nossa família, amando o momento presente (por que o futuro não nos pertence), amando o APRENDER...
O Professor Doutor Cândido Teobaldo de Souza Andrade, o precursor das Relações Públicas no Brasil, relembrava sempre que a sociedade é composta de grupos, que se somam às pessoas e que se tornam públicos. Ele ajudou a entender a necessidade do respeito aos públicos. A perceber a necessidade do diálogo. A perceber, por meio da comunicação, os ganchos que nos prendem na mudança de nossas vidas e também no rumo que uma pessoa, uma associação, uma faculdade, uma empresa, possa tomar.
Ele também recordava que as opiniões são importantes, pois não fomos feitos na mesma forma, somos diferentes (em cultura e gosto). E que também estamos em contínuo processo de mudança: “contínuo processo de formação das diversas opiniões existentes no público...” e também no privado.
Por isso, na minha comunicação, entra um detalhe importante: o saber ouvir. Sim! Ouvir faz parte de uma boa comunicação e a má comunicação se dá quando um emissor passa a informação para um ser receptor e, este, não ouve. Dentro da cabeça dele jaz um buraco negro de ideias. A informação entrou por um lado e saiu pelo outro. Ou, simplesmente, o receptor tem tantas considerações a fazer, que nem espera o emissor terminar a sua fala e já diz: Ok! Entendi... entendi! Entendeu nada!
O grande pulo do gato é: espere. Deixe o outro falar. Ao término diga: - Deixe-me ver se entendi tudo: você disse isso, isto e aquilo. Correto? Estando correto, coloque seu pensamento. Estando incorreto solicite ao emissor para explicar novamente.
As grandes desavenças da humanidade passaram pelas palavras que não foram bem entendidas. Ou que não foram bem ditas... Quando o fogo da ira sai da boca sem passar pela mente e pelo coração, ele queima. Algumas palavras só podem ser ditas quando acalmamos o pensamento e o coração.
Com isso, quero ressaltar que o processo de mudança passa pelo processo de diálogo com o outro, pela aprendizagem da observação da pessoa que está ao nosso lado, ao nosso redor.
Num período de incertezas e contrastes, a observação e o diálogo são o caminho que devemos percorrer para entendermos aquilo que é necessário, para a mudança primordial das nossas necessidades.
Assim construímos um caminho: primeiro, querermos a mudança; segundo, saber que aquilo que vale mais é amar; terceiro, observarmos o nosso ambiente, a nossa sociedade; quarto, a percepção que não estamos sozinhos e devemos construir o diálogo para nos relacionarmos e, quinto, assim podermos mudar o rumo de nossa história.
Mudanças na dor
Quando não temos o controle do nosso rastro, em momento de dificuldade, de dor, de perda, sofremos e, por vezes, perdemos o rumo do nosso caminho. Tudo se torna um peso e os passos não acompanham o nosso corpo - e nossos pensamentos nos levam a andar em sentido inverso do desejado.
A dor e o sofrimento paralisam, mas a coragem de soltar as amarras que nos prendem é necessária. Caso contrário, nos tornamos um pássaro que se deixa abater pela linha agarrada as suas patinhas; ele se enrola cada vez mais. O peso da dor faz com que andemos com grilhões que nos prendem a uma bola de aço imaginária.
        Como mudar se estamos atingidos na dureza do momento? Novamente, devemos levar em conta que temos somente o momento presente para fazer o que é melhor para nós. É o agora! Uma atitude de consciência e de inconsciência ao mesmo tempo. Uma atitude de coragem. Olhar no espelho da alma e dizer: - Essa dor é somente minha! Eu a aceito e com ela vou caminhando. Essa dor me ajuda a perceber que estou vivo! Essa dor pertence ao meu rastro de vida...
        Ah! Mas isso é um pensamento de louco... é ser masoquista, conformista, um iludido. Não! Essa atitude é a de um herói dos dias de hoje, da atualidade. Essa atitude pode mover o mundo. Não é conformismo o fato de alguém se superar. Não é conformismo o fato de andar mais um passo. Não é conformismo o pai que acorda às cinco horas para ir ao trabalho e volta para casa às vinte horas. Não é conformismo o estudante que trabalha o dia todo, pega o ônibus lotado e vai para a faculdade estudar e “sofrer” por seus sonhos. Não! É heroísmo. É vida!
Se estivermos deixando um rastro de luz, não reclamamos, mas olhamos para a estrada, somente para frente. Não olhamos para trás. O caminhar envolve o futuro, o nosso futuro. É como quem dirige: o motorista tem uma grande vitrine em sua frente que mostra a estrada e dois pequenos espelhos que informam como ficou aquilo que passou e se tem alguém mais veloz querendo ultrapassá-lo.
A dor deve tornar-se um combustível em nossas vidas; uma alavanca que nos impulsiona a nos desgrudarmos do chão.
A dor é necessária para o nosso crescimento. Ela não é nossa inimiga. Ela tem o seu vulto próprio, que se chama oportunidade.
Para a escritora Ayn Rand, em seu livro A revolta de Atlas, a dor é retratada pelos personagens que trabalham pelo bem das suas empresas até o limite de suas forças. É o trabalho a força motriz das suas existências. É a força da locomotiva que tem uma meta e um caminho único; chegar lá! Lá na frente. Ir aonde ninguém foi capaz de chegar. Ela tem um ponto de partida e um ponto de chegada. É a capacidade de um caminho pensado e analisado sobre todos os pontos de vistas e todas as possibilidades.
Temos que colocar o mapa de nossa vida sobre uma mesa mental e traçar um caminho a seguir. Devemos analisar os pontos de parada, os pontos de ajustes, os dormentes a serem apertados, a troca de linha que o nosso trem deverá passar. Encontraremos pontes, chuvas, subidas, descidas, calor, frio... dor. A nossa locomotiva deve partir. Piuiiíííí! E partimos!
No ato de querer a mudança, ela já começou em nossas vidas. A dor faz parte do processo.
Todo o nosso discurso, as nossas sensações, emoções não possuem um significado se não temos a consciência de que somente amando é que tudo vale. A dor dá lugar ao amor. É um rasgar o coração, um doer que muda. A força do vulcão demora séculos para transformar a pedra em diamante. Aquela dor que é somente minha pode demorar, mas se transformará em minha riqueza.
Aceitando a dor, amando, o novo passo é a observação do meu, do seu ambiente e com essa observação, direcionar o caminho. Quando estou atento às minhas dores, transformo-as em amor e, por consequência, amo a dor do outro humano. A observação da realidade faz com que me mova a caminho do bem social. Eu faço a mudança. Entro em diálogo, primeiro comigo e depois com a pessoa necessitada. Com a pessoa que convive no mesmo ambiente. Com o professor, com o aluno, com o atendente, com o motorista do Uber, com o porteiro... Eu falo! Eu comunico! Eu manifesto! Eu declaro meu desejo! Sou aceito! Sou rejeitado! Sou triste! Sou alegre!... Mas sou vivo! Eu, agora, vivo!
 Podemos nos perder no caminho? Claro! Somos humanos. Em meu verso eu digo “Por momentos, perder-se-á... Mas logo após, se encontrará o caminho e a verdade ― Que me trouxeram até aqui” Aprendi que tudo é bom! Tudo faz parte do fio de ouro de nossa existência.
Então?! Você se atreve a seguir o meu caminho? Ele vai lhe trazer até aqui, mas o melhor é seguir o seu trilho, seguir o seu caminho, deixar o seu rastro de luz para a humanidade, para sua família, na sua existência.
Nossa vida está em eterna mudança.
Como Fernando Pessoa, podemos dizer: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”.




Bibliografia
LUBICH, Chiara, Meditações, Vargem Grande Paulista: Editora Cidade Nova, 1955,1974,... 2019)
ANDRADE, Cândido T. S, Psicossociologia das Relações Públicas, Petrópolis: Editora Vozes, 1975 - segunda edição em 1989 pela Edições Loyola)
RAND, Ayn, A revolta de Atlas, São Paulo: Editora Arqueiro, 2012


02 julho 2020

Sombras da Sua grande dor

Ele nos atraía a si, e o descobríamos em cada dor física, moral ou espiritual: eram uma sombra da sua grande dor.      
Sim, porque Jesus Abandonado é a figura do mudo. Não sabe mais falar, não sabe mais o que dizer: “et nescivi” (Sl 73[72],22).
     

É a figura do cego, não vê; do surdo, não ouve. 
     
É o cansado que se lamenta. 
     
Parece à beira do desespero. 
     
É o faminto… de união com Deus. 
     
É a figura do traído, do desiludido. Mostra-se fracassado. 
     
É medroso, está desorientado. 
     

Jesus Abandonado é a escuridão, a melancolia, o contraste, é figura de tudo aquilo que é estranho, indefinível, que parece monstruoso porque é um Deus que grita por ajuda!… É a falta de sentido. 
     
É o só, o desamparado… Mostra-se inútil, descartado, chocado…

01 julho 2020

Um crescendo

       Durante aquele período de provação, o amor a Jesus Abandonado era um crescendo: procurá-lo, preferi-lo, amá-lo sem analisar a dor, não desviar jamais d’Ele o nosso olhar, fazer-lhe festa, não suportá-lo mas amá-lo, coabitar com Ele, amá-lo de modo exclusivo.

       Algumas frases daquela época, em anos diferentes, mostram essas várias atitudes da alma em relação a Ele.

       O amor a Jesus Abandonado é o “único necessário” (cf. Lc 10,42) em nossa vida: aquele algo que nos garante seguirmos em frente por esse caminho. Mas é preciso procurá-lo sempre. E procurá-lo no momento presente. É tudo…

       Não se trata de amá-lo quando nada mais podemos fazer pelo fato de a dor nos lembrar d’Ele… mas de preferi-lo sempre, preferi-lo às alegrias e às satisfações até da unidade. […] Entre todos (os) momentos presentes, preferir os dolorosos porque aí está Jesus Abandonado que “desposa” a alma.

       É preciso esconder os olhos da alma no coração de Jesus, em sua intimidade, onde Ele sofreu o abandono mais agudo que Céu e terra conhecem, e dizer-lhe: “Jesus, alegro-me em ser um pouco como Tu és…; quero fazer da minha vida o teu grito vivo para arrastar a ti uma infinidade de almas. É o que eu quero”. Fazer isto sem analisar, sem distinguir “se” ou “mas”. Cada dor é Ele!

       Uma coisa é certa: o que importa é o amor verdadeiro, o amor que é seguro porque nada tem de nosso, mas nele tudo é de Deus, o amor que aprendemos a guardar no coração, não desviando nosso olhar de Jesus Abandonado. Aqui reside o segredo da unidade, do renascer (e do progredir) de nossas almas (e) da Obra. Que Deus feche os nossos olhos a tudo e os abra apenas para Ele…

       Só há um método para estarmos realmente plenos de Deus. É este: abraçar a cruz de cada momento, a cruz que vem até nós, mas com um amor sempre novo, fazendo festa a Jesus Abandonado. Como por encanto, encontrar-nos-emos muito mais no íntimo da Trindade e conosco, conquistados, os irmãos.

       Desposamos Jesus Abandonado? Pois bem, é um amor exclusivo. Não admite outro.