31 janeiro 2020

Uma oração filial e sacerdotal

      A oração de Jesus é antes de tudo uma oração filial, feita em alta voz, diante do Pai e dos discípulos. Essa dimensão filial aparece nas seis vezes que ressoa intensa a palavra “Pai”, duas delas acompanhadas de qualificação: “Pai santo”, “Pai justo”.
      Constitui, também, uma oração na qual os discípulos são envolvidos, quase imersos, no mesmo círculo de amor trinitário: um dom do Pai a Jesus, um dom de Jesus ao Pai. Eles participam do mesmo dinamismo de amor (“como” Tu me amaste), ainda de modo precário, mas que se tornará definitivo na glória. E com os discípulos são envolvidos todos os fiéis, de todos os séculos… No olhar de Jesus a oração atravessa os séculos e chega até nós.
      É oração sacerdotal, oração de mediador. Jesus coloca-se entre o céu e a terra, com o Pai e com os seus… Há uma referência clara à oblação do supremo sacrifício. É uma oração de oblação de si mesmo. Jesus oferece uma interpretação sacerdotal e sacrifical da sua iminente Paixão, antecipa na oração a sua oblação futura. Essa oração entre a Ceia e a cruz é como a oração do Sumo Sacerdote no dia da expiação no Sancta Sanctorum, segundo uma bela intuição de Edith Stein. Essa oração dá valor à Ceia e à cruz, à Eucaristia que Jesus instituiu e à cruz que é a realização do corpo entregue e do sangue derramado.

30 janeiro 2020

A grande oração de ação de graças

Durante a instituição da Eucaristia, como foi transmitido pelos vários textos dos Sinóticos e de Paulo, Jesus “bendisse”, “deu graças” (Mt 26,26.27; Mc 14,22.23; Lc 22,19; 1Cor 11,24). Tais gestos e palavras de Jesus recordam-nos o gesto da bênção, mas não nos transmitem as palavras precisas que Jesus dirigiu ao Pai.
      Sabe-se como a esse propósito as hipóteses dos estudiosos são diferentes, segundo a colocação da Última Ceia no âmbito de uma verdadeira ceia “pascal” ou de uma cena de adeus.
      O que Jesus disse ao “bendizer” ou “dar graças”, tendo em suas mãos o pão e depois o cálice? Terá Ele pronunciado as palavras rituais que o pai de família usava ao presidir a ceia, segundo a tradição, e das quais temos traços na berakáh dos alimentos ou na grande oração da Páscoa? Ou será que Jesus, consciente da iminência de sua hora, rezou de maneira totalmente original, com palavras próprias, indicadoras do que Ele estava para cumprir na Ceia e na cruz? Tomo esta hipótese como a mais provável.
      São Basílio já se exprimia a esse propósito, com certo pesar, aludindo talvez ao fato de nenhum santo ter conservado as palavras da oração do Senhor ao bendizer o pão e o cálice: “Que santo nos deixou escritas as palavras da epíclese, no momento da consagração do pão da Eucaristia e do cálice da bênção?”
      No entanto, temos uma grande oração de ação de graças e de bênção, registrada na longa e bem articulada oração que é o capítulo 17 de João, que podemos muito bem inserir no contexto eucarístico. Trata-se de uma oração que se expressa em tom eucarístico pleno. Ela revela a psicologia de Jesus, a sua relação íntima com o Pai, os sentimentos com os quais se prepara para doar a vida pelos seus, ao passar deste mundo ao Pai.
      É uma oração que resume quais poderiam ter sido os sentimentos de Cristo na instituição da Eucaristia e na proximidade da sua Paixão. Uma oração, obviamente, relida por João, como, aliás, toda a Paixão de Jesus, com uma particular visão de vitória suntuosa e de glorificação do Pai.

29 janeiro 2020

Entre ceia e a cruz

      A dupla ligação com a Eucaristia e com a paixão redentora dá a esse longo texto de João uma importância decisiva, pois dá sentido profundo à instituição da Eucaristia e à Paixão redentora. É uma espécie de oferta antecipada do sacrifício da cruz, mas com a solenidade de uma oração sacerdotal, complexa e rica; nessa oração Cristo revela a nós o sentido profundo da sua doação ao Pai, por nós, no sacrifício da cruz. É como a oração que nosso sacerdote, Cristo, dirige ao Pai para exprimir com uma riqueza imensurável o sentido do seu sacrifício, antecipado nos gestos da Última Ceia.
      Mesmo João não tendo incluído no relato da Última Ceia a instituição da Eucaristia, é convicção de alguns exegetas que os cinco capítulos da Última Ceia têm um caráter tipicamente eucarístico: do lava-pés à promulgação do novo mandamento, da imagem da videira e dos ramos à oração da unidade; tudo nesses capítulos tem sabor eucarístico. De fato, nesses ensinamentos João focaliza o sentido profundo da Eucaristia vivida, as consequências de uma verdadeira vida eucarística, como um necessário complemento a tudo o que os Sinóticos e Paulo nos revelaram a propósito da Eucaristia.
      Ao mesmo tempo, no capítulo 17 de João, encontramos resposta a uma série de perguntas: com que sentimentos Cristo enfrenta a sua paixão? Com que atitudes Ele está para oferecer o seu sacrifício? Essa oração mostra totalmente a alma de Jesus, revela profundamente os seus sentimentos, diante do Pai e diante dos seus discípulos, na iminência de sua paixão e morte, que Ele vive não só com absoluta liberdade, mas também como um dom livre e total de sua vida em sacrifício.

28 janeiro 2020

Modelo de comunidade cristã

      Penso que não há modelo melhor do que a comunidade cristã primitiva. São quatro os elementos que a caracterizam: o amor recíproco, a comunhão de bens, a oração, principalmente a fração do pão ao redor da mesa eucarística, e a escuta da Palavra dos Apóstolos.
      Nós cristãos somos chamados, hoje, de vários modos, a atuar essas quatro características nas diferentes formas de vida comunitária das nossas comunidades eclesiais, paroquiais e diocesanas.
      Qual é a raiz, a única raiz da qual brotam essas características das primeiras comunidades cristãs? Como já citamos anteriormente, a vida da família natural possui várias características que são efeito do amor recíproco, cimento e alma da família; portanto, elemento que une os membros. O mesmo acontece com a família dos filhos de Deus: o segredo é o amor mútuo. O amor é sempre o segredo da vida cristã, tanto para conservar o efeito da Eucaristia no indivíduo, quanto para conservar este efeito em nós que formamos um Corpo. Naturalmente, como corpo, o amor deve ser recíproco.

27 janeiro 2020

Misericórdia e perdão

De um inscrito antes de 1959

Havíamos dito que queríamos ver somente Jesus no irmão, que trataríamos com Jesus no irmão, que amaríamos a Jesus no irmão, mas agora vem à mente a lembrança de que aquele irmão tem este ou aquele defeito, tem esta ou aquela imperfeição. O nosso olhar se complica e o nosso ser não está mais iluminado. Consequentemente, rompemos a unidade, errando. Talvez aquele irmão, como todos nós, tenha cometido erros; mas como Deus o vê? Qual é, na realidade, a sua condição, a verdade do seu estado? Se está em ordem diante de Deus, Deus não se lembra de mais nada, já cancelou tudo com o seu sangue. E nós, por que lembrarmos? Quem está errado naquele momento? Eu, que julgo, ou o irmão? Eu. Devo, pois, dispor-me a ver as coisas na perspectiva de Deus, na verdade, e tratar de igual modo com o irmão, pois, se por infelicidade, ele ainda não se tivesse congraçado com o Senhor, o calor de meu amor, que é Cristo em mim, induzi-lo-ia à compunção, assim como o sol absorve e cicatriza tantas chagas. A caridade mantém-se com a verdade e a verdade é misericórdia pura com a qual devemos estar revestidos dos pés à cabeça, para podermos nos dizer cristãos.

26 janeiro 2020

Dilatar o coração

Chiara Lubich
100 anos
1920
2020

      Precisamos dilatar o coração segundo a medida do Coração de Jesus. Quanta labuta! Mas é a única necessária. Isso feito, tudo feito. Trata-se de amar a cada um que de nós se achega, como Deus o ama. E, dado que estamos no tempo, amemos ao próximo um por vez, sem guardar no coração resquícios de afeto pelo irmão encontrado um minuto antes. Afinal, é o mesmo Jesus que amamos em todos. Mas, se o resquício fica é porque amamos o irmão de antes por nós mesmos ou por ele… não por Jesus. E aí está o problema.
      Nossa obra mais importante é manter a castidade de Deus, ou seja, manter no coração o amor, amar como Jesus ama. Portanto, para ser puro não é preciso tolher o coração e nele reprimir o amor. É preciso dilatá-lo segundo a medida do Coração de Jesus e amar a todos. Como basta uma hóstia santa entre os bilhões de hóstias na Terra para nos alimentarmos de Deus, basta um irmão — aquele que a vontade de Deus nos põe ao lado — para comungarmos com a humanidade, que é Jesus místico.
      E comungar com o irmão é o segundo mandamento, aquele que vem imediatamente após o amor a Deus e como expressão dele.

25 janeiro 2020

Bela, a mãe!

Chiara Lubich
100 anos 
1920
2020


É tão bela a Mãe, no recolhimento perene em que o Evangelho no-la mostra: “Conservava a lembrança de todos estes fatos em seu coração” (Lc 2,51).Aquele silêncio pleno exerce um fascínio sobre a alma que ama.
Como poderia eu viver Maria no seu místico silêncio, quando a nossa vocação é, por vezes, falar para evangelizar, sempre aos quatro ventos, em todos os lugares, ricos e pobres, dos subterrâneos às estradas, às escolas, em todo canto?
Maria também falou. E deu Jesus. Ninguém jamais no mundo foi apóstolo maior. Ninguém jamais teve palavra como Maria, que deu à luz o Verbo encarnado.
Maria é real e merecidamente Rainha dos Apóstolos.
E ela calou-se. Calou-se porque dois não podiam falar. A palavra há de apoiar-se sempre em um silêncio, como uma pintura sobre um fundo.
Calou-se porque criatura. Porque o nada não fala. Mas sobre aquele nada, falou Jesus e disse: Ele mesmo.
Deus, o Criador e o Tudo, falou por sobre o nada da criatura.
Como então viver Maria, como perfumar a minha vida com o seu fascínio?
Fazendo calar em mim a criatura e deixando falar nesse silêncio o Espírito do Senhor.
Assim vivo Maria e vivo Jesus. Vivo Jesus em Maria.
Vivo Jesus vivendo Maria.

24 janeiro 2020

Desdobrado

22 de setembro de 1951

 Não se pode expressar o amor porque é unidade . Desdobrar um leque significa abri-lo: eliminar as dobras. Não se pode desdobrar o amor porque é unidade. A Trindade é Deus “desdobrado” em Três. Mas cada um é unidade: Deus completo. Só Jesus podia “desdobrar” o amor, porque em cada Palavra Sua estava a unidade; é todo Deus: amor e verdade. Cada Palavra de Vida é Jesus.

23 janeiro 2020

Unidade e desunidade na outra vida

De um escrito 24 de julho de 1949 

Os homens haviam-se apegado, aqui na terra, ao que passa...: reencontrarão lá embaixo aquilo que é vazio e vão, e morto, e dor, e frio, e fogo, tudo aquilo que pode fazer mal, queimando e gelando, porque será um frio (estridor de dentes) que jamais fará unidade com o fogo (fogo eterno) e, por isso, nunca morno, dado que, no Inferno, duas coisas jamais poderão se amar. Haverá todas as coisas, mas paradas, imóveis...; haverá também quem corre, mas sem nunca parar. Ou só movimento, ou só quietude: jamais unidade dos opostos, porque a unidade seria vida.

22 janeiro 2020

Um "trunfo na mão"

      Marino (Palaghiaccio), 10 de maio de 1997


      Supercongresso do Movimento Juvenil pela Unidade


      Tenho a impressão de que, em sua vida, você tenha um “trunfo na mão”, que joga nos momentos difíceis e que faz de você uma pessoa “vencedora”. Poderia revelar-me o seu segredo?
      A coisa está neste pé: de tanto pensar nas coisas belas, nas sobrenaturais, percebi um fato, ou seja, que Jesus, em toda a sua vida, olhava sempre para uma hora específica, preocupava-se sempre com uma hora especial, no final de sua vida: era a hora da dor. Essa hora, Jesus a trazia sempre diante de si.
      Por isso, disse a mim mesma: então, se Jesus tinha sempre à sua frente essa hora como a hora da sua vida, a dor é importante.
      Entendi que é mesmo assim. Jesus até usou a dor para nos resgatar, para nos unir novamente ao Pai, para nos unir entre nós, por isso a dor é muito importante.
      E pensei: Tenho somente uma vida, quero usá-la bem. Farei como Jesus. Olharei sempre para a hora do sofrimento, da dor, do cansaço, porque talvez exista todos os dias uma pequena hora difícil ou exista no final da vida.
      De fato, a alegria faz que eu ande toda radiante; portanto, é fácil amá-la. Mas são as dores e as provações que, às vezes, me freiam. Mas, se as amo, elas se tornam para mim um trampolim, e assim sigo em frente.
      Por isso, você tem razão em pensar que há um trunfo na minha mão que vale a pena jogar.

21 janeiro 2020

E seremos Palavra

De um escrito 20 de julho de 1949 

Nós, no céu, seremos apenas Palavra de Deus e, na unidade entre nossas almas, haverá a harmonia do cântico novo que é o Evangelho formado pelo Corpo Místico de Cristo. Cada um de nós será uma Palavra, mas, como cada Palavra é o Verbo todo, cada um de nós será a Palavra, será uma harmonia = uma unidade. O cântico novo é a harmonia das harmonias! O cântico da Trindade.

20 janeiro 2020

Unidade

Loppiano, 22 de junho de 1981 

Chiara, o que é para você escrever os temas sobre a unidade? 

Quando dissemos que trataríamos sobre o tema da unidade no ano seguinte [...] parecia que os nossos professores – que me mandam material para ver um pouco como inserir na Igreja, no ensino do magistério da Igreja, no Novo e no Antigo Testamento o ponto da espiritualidade que Deus nos deu, – [encontrassem] pouco material sobre isso, que havia pouco ou nada [...]. E estávamos um tanto perplexos por isso. No entanto, eu dizia: esse é o nosso Ideal, é o carisma que Deus deu. [...] O fato é que, nesse ínterim, surgiram tantas e tantas coisas, não somente naquelas que se buscam, mas sobretudo pela vida do Ideal, pela vida do Movimento, que não bastará somente um ano, mas serão necessários pelo menos três anos, senão mais, para poder aprofundar esse tema. Ora, começando a aprofundar esse tema [...], vi que o carisma que Deus deu ao Movimento é um pouco particular, tenho a impressão de ter que dizer isso sinceramente. A unidade não é uma virtude como pode ser a pobreza [...], como pode ser a obediência [...], como pode ser a castidade, a humildade, etc.; a unidade é até mesmo o desígnio de Deus sobre a humanidade, desde quando a humanidade nasceu até o fim, quando Jesus voltar; é o desígnio de Deus sobre a humanidade. Portanto, é toda a vontade de Deus [...], e toda a vontade de Deus se concentra ali, na unidade.

19 janeiro 2020

Vivendo o amor recíproco

      Como toda família tem as suas exigências, também a família natural tem as suas leis. Por exemplo, a característica de toda família natural, de uma boa família desta terra, é a convivência de todos os membros: pai, mãe, filhos e avós que moram sob o mesmo teto. Depois, essa vida comunitária da família é mais evidente em certos momentos quando, por exemplo, todos sentam à mesa. Na família, mesmo que cada um possua algum objeto pessoal, em geral os bens são colocados em comum. Na família, o sofrimento de um membro é sentido por todos. Cada um se preocupa, ajuda, economiza para o outro; alguns trabalham a mais para completar um orçamento insuficiente. A alegria de um é também a alegria de todos. Todos se alegram com uma promoção, com um casamento, com um aniversário.
      Numa boa família, os sábios ensinamentos dos pais tornam-se critério de vida. Sim, em toda família, como Deus a fez, existe a solidariedade, o amor recíproco, a compreensão, a participação.
      Também a família dos filhos de Deus tem suas características. Será que podemos encontrar um modelo, um exemplo no qual nos espelhar para entender como deve ser essa família segundo o pensamento de Deus?

18 janeiro 2020

A unidade é a síntese da Revelação

De um discurso na Jornada Ecumênica com o título “Viver ‘juntos’ o Evangelho” 

Zurique, 10 de setembro de 1994 

A partir daquele momento [após a leitura da oração pela unidade], por meio deste novo carisma que mais tarde foi definido “carisma da unidade”, entendemos o Evangelho, todo o Evangelho, por um ângulo bem preciso, justamente o da unidade. De fato, a oração da unidade resume os desejos divinos de Cristo e, por isso, pode ser definida também como a “síntese do Evangelho”. O Evangelho e o Novo Testamento em geral foram vistos em função da unidade: Jesus viveu, falou, morreu e ressuscitou para que todos os cristãos fossem um Nele e por Ele no Pai; e unidos entre si.

17 janeiro 2020

A Palavra de Deus vivida provoca a unidade

De um discurso em um congresso de Bispos de diversas Igrejas, desejosos de aprofundar a vida e a doutrina da espiritualidade da unidade 

Morges (Suíça), 29 de outubro de 2002

 A Palavra nos torna um: provoca a unidade. Como nas plantas com enxerto, dois ramos descascados, pelo contato vivo das duas partes vivas, tornam-se uma coisa só, assim duas almas descascadas do humano mediante a Palavra de Vida vivida, consumam-se melhor em um. Quem não vive a palavra de Deus, leva uma atmosfera humana, terrena, aonde quer que vá; não fermenta a massa, mas às vezes a deprime até o ponto de se tornar causa de alguma desavença ou divisão. Isso é o que Cipriano temia. E no tratado De unitate , mesmo ocupando-se principalmente da unidade da Igreja, não deixa de fazer contínuos apelos a viver o Evangelho, posto que, justamente por ele não ser vivido, havia cismas na Igreja.

16 janeiro 2020

A Palavra contém Deus


      JESUS É EXTRAORDINÁRIO! Pouco o conhecemos, se não lemos o Evangelho com amor.
      Muitas vezes, fizemos dele uma imagem nossa, a partir de alguma piedade tradicional medíocre. Mas, no Evangelho, Ele aparece como é: é Deus. Revela-se continuamente: Deus. Um Deus… que fala, que se cansa, que caminha, que tem discípulos… Um Deus-Homem.
      AS PALAVRAS DE JESUS!
      Deve ter sido a sua maior… arte, se assim se pode dizer. O Verbo que fala com palavras humanas. Que conteúdo, que timbre, que voz, que intensidade!
      Haveremos de reouvi-las no Paraíso. Ele me falará, Ele nos falará. Isso será o Céu amanhã, logo. 
      O EVANGELHO na Igreja é Jesus histórico explicado: a Revelação. 
      AS EXPRESSÕES do Evangelho de João “a tua palavra”, “as palavras que me comunicaste”, “que saí de junto de ti” e “que me enviaste” (cf. Jo 17), de certo modo são sinônimas, ou melhor, as palavras que Jesus disse aos apóstolos são o próprio Verbo gerado pelo Pai, ou melhor, estão todas no Verbo gerado.
      Essa interpretação me dá certa embriaguez espiritual porque, se assim é, a Palavra de Deus que nós vivemos, a qual comungamos, é justamente Jesus. Por isso, se vivemos a Palavra o dia inteiro, estamos em comunhão contínua. 
      QUE ABISMOS as Palavras de Deus encerram! Elas contêm o próprio Deus. 
      CADA PALAVRA de Vida é Jesus. 
      EM CADA PALAVRA está toda a Palavra, do mesmo modo que, na Palavra, está cada Palavra.

15 janeiro 2020

Professor, não é verdade!

(CHIARA LUBICH 100 ANOS: 1920-2020)

«No ano letivo (1936-1937), chegou na sala de aula de Silvia Lubich o novo professor de filosofia, Girolamo Gaspari¹. Era um bom orador, apaixonado pela disciplina que lecionava e transmitia este fascínio à classe. Mas, isso pouco “fascinava” a Silvia porque havia algo estranho, artificial; eram palavras frias que não deixavam a alma em paz, descreve ela. O que a fazia temer pelo enfraquecimento da fé de suas colegas.
A situação tornou-se insuportável a partir do dia em que o professor, ao explicar um tema, colocou-se a atacar a Igreja. Foi assim que Silvia começou a levantar a mão, não importava quantas vezes, naturalmente sem poder confrontar com a ciência outra ciência, limitando-se tão somente a dizer: “Professor, não é verdade!”.
Com isso, Silvia não somente afrontava uma autoridade da sala de aula, uma pessoa mais velha, como também arriscava perder a bolsa de estudo que possuía, importante para ela e para sua família. Mesmo sem grandes argumentos, o professor a deixava falar, já que em simples palavras tinha tanta convicção que não tinha como impedi-la.
As colegas de Silvia ficaram apreensivas pela possível nota baixa que poderia ter pelo “confronto” com o professor. E para surpresa de todas ao final daquele período foi a única a ter nota 10. Em uma certa conversa, o professor procurou convencê-la das ideias dele, tentativa inútil. Reconheceu que ela o havia vencido. Ao sair dali, Silvia com suas colegas foram à igreja rezar por aquele professor.
A espiritualidade de Chiara, neste período, não tinha características particulares. Era simplesmente uma cristã e como tal vivia o Evangelho ensinado pela Igreja e aprendido com seus familiares, enfatiza.
Silvia já havia terminado o magistério quando, muito tempo depois, pela rua encontrou aquele professor. Dirigiu-se até ele e quando se aproximou, descreve Chiara, “tinha uma expressão de sofrimento tamanha que estava como que desfigurado”. De imediato ele falou: “minha família está arruinada por tanto sofrimento, entrei naquela igreja onde vais sempre e rezei ao Deus que tu amas e espero que ele me ajude”, recorda Chiara. Depois daquele dia nunca mais ela o viu. Durante a segunda guerra aquele professor veio a falecer».

[¹Foi tenente da artilharia da marinha alemã e morreu em março de 1943 em navio que afundou no mar da Sicília, sul da Itália. Era professor de filosofia e pedagogia no período que Chiara frequentou o magistério].

[fonte: trecho do artigo de Oreste Paliotti sobre o livro de Nino Carella, “Silvia prima di Chiara” (“Silvia, antes de Chiara”), revista Città Nuova]

14 janeiro 2020

No trem do tempo

      Nos primeiros tempos do Movimento, podíamos morrer a qualquer momento, porque não estávamos bem protegidas contra os bombardeios. Então, ao nos perguntarmos: quando é que devemos amar a Deus fazendo a sua vontade?, logo entendemos: agora, já, porque não sabemos se haverá um depois.
      O único tempo que nos pertencia era o momento presente. O passado já era passado; o fu-turo, não sabíamos se chegaria a existir. Dizíamos então: o passado não existe mais; coloquemo-lo na misericórdia de Deus. O futuro não existe ainda. Vivendo o presente, viveremos bem também o futuro, quando este se tornar presente.
      Como é insensato — dizíamos — viver pensando no passado, que não retorna, ou no futuro, que talvez nunca venha a existir e que é imprevisível!
      Citávamos o exemplo do trem. Assim como um viajante, para chegar ao seu destino, não fica caminhando para frente e para trás no trem, mas permanece sentado no seu lugar, da mesma forma nós devemos permanecer fixos no presente. O trem do tempo vai por si.
      E, presente após presente, chegaríamos ao momento do qual depende a eternidade.
      Amando a vontade de Deus no presente com todo o coração, toda a alma, todas as forças, poderíamos cumprir, por toda a nossa vida, o mandamento de amar a Deus com todo o coração, toda a alma, todas as forças.

13 janeiro 2020

Exaltar

Não creia que encontrará a perfeição naqueles que o rodeiam. A sublimidade é difícil.

Portanto, se encontrar falhas naqueles que você admira, não se decepcione: dê a eles mais carinho e apoio, para que possam reparar as oportunidades perdidas.

Não despreze a quem erra: procure erguê-lo, exaltando aquelas qualidades que todos têm dentro de si, de modo que ele possa vencer e subir.

11 janeiro 2020

Um único objetivo: sermos um

De um discurso aos Responsáveis do Movimento dos Focolares no mundo Rocca de Papa, 1o de outubro de 1994 Esse amor recíproco – que entendemos um dia, passando por uma ponte (como que o símbolo de um modo novo de ir a Deus) – devia nos levar ao ponto de nos consumarmos em um, até nos fazer experimentar a unidade. Depois, o episódio do porão, que todos conhecem, com a leitura do testamento de Jesus, que nos pareceu a “carta magna” daquilo que estava para nascer. E havia um amor tão radical e totalitário pelo irmão, a ponto de nos fazer perder qualquer outro objetivo (só havia aquele!), até o objetivo de uma santidade [...] individual, como se entendia então. Se, chamadas a um novo caminho, nós o tivéssemos trilhado, esse objetivo não estaria livre de amor próprio e de egoísmo. A santidade pessoal iria se manifestar pelo nosso viver a unidade.

10 janeiro 2020

Cristo, centro da história

Cristo, centro da história, da comunidade cristã e dos corações...

 E tudo isso porque o único princípio, o único meio, o único fim é Jesus. Jesus “em” nós. Jesus “entre” nós. Jesus fim do tempo e da eternidade. Que as mentes humanas se desdobrem para encontrar uma solução ao drama de hoje. Não a encontrarão senão em Jesus. Não somente em Jesus vivido no íntimo de cada um, mas em Jesus que reina “entre” as pessoas. Elas não têm tempo para discutir porque Ele faz ver claro demais a quem está unido aos outros em seu nome – e ali Ele permanece – o que “é preciso fazer” para dar novamente ao mundo a verdadeira paz.

Um novo apostolado

A fé e o amor, que Ele vivia em nós, aproximaram-nos daquelas pessoas que a cada dia Ele nos fazia encontrar; e esse amor, espontaneamente, livremente, trouxe-as para o mesmo ideal. Jamais pensamos em fazer apostolado. Esta não nos parecia uma bela palavra. Alguém havia abusado dela, deturpando-a. Queríamos apenas amar para amá-lo. E logo percebemos que esse era o verdadeiro apostolado. Sete, quinze, cem, quinhentos, mil, três mil e tantas outras pessoas de todas as vocações, de todas as condições. Todo dia, cresciam em volta de Jesus entre nós.

09 janeiro 2020

Um único livro, o Evangelho

Outubro de 1948

 “Se me amais, observareis meus mandamentos” (Jo 14,15): “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22,39). Olhamos uma para a outra e decidimos sem dúvida “amar-nos para amá-lo”. Quanto mais se “vive” o Evangelho, mais se entende. Antes que nos lançássemos para a vida, como as crianças se lançam aos brinquedos, a palavra de Deus, embora não fosse totalmente obscura, não era viva para nossa inteligência, nem sagrada para o coração. Agora, todo dia, havia novas descobertas no Evangelho, que já se tornar a nosso único livro, única luz de vida.

08 janeiro 2020

Uma prece única, antes de morrer

Do artigo O testamento de Jesus

 15 de dezembro de 1959

    Se tiveres a sorte de ir à Terra Santa durante a primavera, dentre as mil coisas que Jerusalém oferece à tua contemplação e à tua meditação, uma delas toca de modo particular pelo que evoca em sua extrema simplicidade. Resistindo ao tempo e lavada pelas intempéries de dois mil anos, uma longa escada de pedra, pontilhada aqui e ali por papoulas vermelhas como o sangue da Paixão, estende-se qual fita encrespada, descendo límpida e solene para o vale do Cedron.

    Ficou nua ao relento, bordejada por uma moldura de relva, como se nenhuma abóbada de templo pudesse substituir o céu que a coroa. Dali – conta a tradição – Jesus desceu naquela última noite, após a ceia, quando, “levantando os olhos ao céu” repleto de estrelas, rezou: “Pai, chegou a hora...”.

    Causa impressão pôr os nossos pés onde os pés de um Deus tocaram, e a alma transborda dos olhos ao contemplar a arcada celeste que os olhos de um Deus olharam. A impressão ali pode ser tão forte, que a meditação nos fixa em adoração.

    Foi uma oração única, a Dele, antes de morrer. E quanto mais esse “Filho do homem”, que tu adoras, resplandece Deus, mais o sentes como homem e te enamoras. O discurso Dele foi entendido plenamente somente pelo Pai. No entanto, Ele o fez com voz clara, talvez para que um eco de tão grande melodia chegasse até nós.

07 janeiro 2020

Reconstruir em Cristo

      2 de junho de 1945


      Hoje, fala-se de reconstrução em toda parte.
      Mas, somente quem constrói sobre a Pedra angular, CRISTO, pode proporcionar A RECONSTRUÇÃO que perdura.
      Viver a Vida de Jesus: eis aí cada aspiração nossa.
      Se vivemos Cristo, seremos filhos do Pai Celeste. Mas o Pai Celeste não nos reconhece como tais, se não vê em nós o seu Filho Dileto.
      Em Jesus, toda atividade era dirigida pelo Espírito Santo, que é Espírito de Amor.
      Para viver como Jesus e realizar o Ideal, é necessário viver sob a direção do Espírito Santo.
      Peçamos ao Pai que, em nome da promessa explícita de Jesus, nos faça essa dádiva imensa.
      Só assim poderemos AMAR imensamente e IMENSAMENTE FAZER AMAR o Amor.
      Mas Jesus quer antes, e sobretudo, o meu Amor.
      E eu poderei chegar a amá-lo assim, contemplando-o ABANDONADO: Ele doou-se copiosamente a mim; eu devo também fazer o mesmo, doando-me totalmente a Ele.
      Não posso mais ter vontade minha. A minha vontade é a Dele.
      Viverei, fazendo, fidelíssima, a Vontade Dele, inclusive nas pequenas coisas, pois se faltam essas, nada fiz por Ele.
      Ou TUDO OU NADA. Se não dei tudo, é como se não tivesse dado nada, pois que o tudo compreende também as pequenas coisas.

06 janeiro 2020

A unidade: efeito da eucaristia

O amor verdadeiro, a arte de amar, em seu ponto culminante , é amarmo-nos mutuamente. Amarmo-nos mutuamente de tal modo que mereçamos o dom da unidade. Porque nós não sabemos fazer a unidade. Jesus rogou ao Pai pela unidade, mas não a preceituou. Podemos fazer nossa parte, que é a parte ascética, amar-nos, mas a parte mística da unidade, a presença de Cristo em nosso meio, deve vir do Céu. Nós, em nossa experiência, vimos que a unidade é efeito da Eucaristia. É lá que somos realmente deificados, que todos nos transformamos em Deus (por participação), que nos tornamos um, Nele.

05 janeiro 2020

O irmão, uma mina preciosa

Reconhecer o semblante de Jesus no rosto de cada irmão, e amá-lo. Saber que quando encontramos um irmão, é como se nos achegássemos a uma mina de onde podemos extrair algumas pepitas de ouro. Porque, amando aquele irmão, enriquecemos nossa alma. “A todo aquele que tem [amor] será dado” (cf. Mt 25,29). Também santo Agostinho tem a mesma convicção: “No amor ao próximo, o pobre é rico; sem o amor ao próximo, o rico é pobre”

04 janeiro 2020

Desde a manhã

Podemos amar Jesus também nos familiares que cumprimentamos com um bom-dia, com os quais rezamos, quem sabe, a oração da manhã e tomamos café. Podemos amar Jesus no próximo durante o dia, inclusive atrás da mesa de professor onde ensinamos, ou do balcão da loja ou do guichê do Banco onde trabalhamos… Podemos amar o próximo reconhecendo Jesus nele até em casa, quando passamos o pano de chão ou a vassoura, quando lavamos a louça ou saímos para as compras. Podemos amar Jesus quando escrevemos uma carta, damos um telefonema, participamos de um congresso ou escrevemos um artigo. Podemos amar Jesus no próximo quando rezamos. Sempre dispomos dessa maravilhosa possibilidade e podemos ter certeza de que Ele nos diz a todo momento: “A mim o fizeste”.

03 janeiro 2020

Olho simples

Ter um olho simples: ver um único Pai; servir a Deus no próximo; ter um só irmão: Jesus. O olho simples divisa em cada pessoa “um Cristo em potencial”. Põe-se a serviço de todos… para que Cristo se forme e cresça neles. Vê em cada pessoa um Cristo que nasce, que deverá crescer e viver, realizando o bem — qual novo filho de Deus —, que morrerá, ressuscitará e será glorificado… Com seu contínuo serviço, a pessoa não se pode dar paz enquanto não reconhecer no irmão a fisionomia espiritual do Cristo. Por isso, vivendo ela o Cristo… serve a Cristo no próximo para que Ele cresça em idade, sabedoria e graça… É por isso que a pessoa só conseguirá realizar o seu Ideal (único ideal de Jesus) — “ut omnes unum sint” — quando produzir frutos no momento presente a serviço do próximo…

02 janeiro 2020

O fascínio das palavras do Evangelho

      No pequeno círculo entre as pedras dos abrigos e a umidade da rocha, à luz de uma vela, líamos com amor o livro divino, e aquelas palavras saltavam aos olhos da nossa alma com uma luminosidade insólita. Jamais, até então, ele nos parecera tão único e fascinante e jamais, como naquele tempo, nos havia falado de modo tão novo.
      Escrito de maneira divinamente escultórica, oferecia ao nosso espírito “Palavras de Vida” reais, que se poderiam traduzir em vida; diante delas, até as melhores palavras lidas nos livros de devoção pareciam aguadas, enquanto as que enchiam os nossos livros de cultura e de filosofia dissipavam-se no vazio. A Palavra de Deus possuía um respiro amplo, com possibilidade de aplicação universal.
      Eu, tu, os brancos, os negros, o homem do século I, o do século XXI, a mãe e o deputado, o agricultor e o prisioneiro, a criança e o avô: todo homem que veio ao mundo poderia viver a Palavra de Deus, toda Palavra de Deus. “Se a vossa justiça não for maior do que a dos escribas e dos fariseus não entrareis no reino dos céus” (Mt 5,20) “Perdoa setenta vezes sete…” (Mt 18,22) “Dá a quem te pede…” (Mt 5,42).

01 janeiro 2020

... crer, suportar tudo

“Fazer-se um” contém todas as qualidades que são Paulo enumera em seu hino à caridade. De fato, para “fazer-se um” é necessário ser longânime, que etimologicamente significa falto de toda impaciência. Quando “nos fazemos um”, certamente queremos o bem. Muito longe de tal atitude está a inveja. Para “nos fazermos um”, não podemos nos inchar de orgulho, mas, ao contrário, é preciso esvaziar-nos de nós mesmos. Pensamos só no outro e, assim, não há lugar para a ambição ou para o egoísmo. Quando “nos fazemos um” não nos irritamos, porque é necessária muita calma; não pensamos mal, porque “nos fazemos um” esperando justamente que no outro triunfe o bem, a justiça, a verdade. “Fazer-se um” é sofrer, crer, suportar tudo.