21 outubro 2019

O primeiro dever

      De uma conferência telefônica
      Castel Gandolfo, 29 de abril de 1999

Um dia, eu, como espero outros, havia-me proposto, como Jesus diz e quer, a “rezar sempre” [cf. Lc 18,1], oferecendo a Ele cada ato, precedido por um “Por ti”. Com a graça de Deus, tinha sido particularmente fiel a esse compromisso. De modo que, como conclusão do dia, perguntei a Deus numa conversa com Ele se estava satisfeito comigo ou, caso não estivesse, que me corrigisse.
      Tive a impressão de perceber a sua resposta no fundo do coração, que pode ser expressa assim: “O teu modo de viver hoje, oferecendo a Deus cada ato teu com um ‘Por ti’, foi sem dúvida do meu agrado, mas poderia ser muito bom também o modo de qualquer um que segue uma espiritualidade individual. Tu és chamada para outra coisa. De ti, quero algo diferente. Tua vocação requer que coloques, acima de tudo, como base de cada ação tua, embora oferecida com um ‘Por ti’, o amor mútuo com tuas irmãs e teus irmãos. Por isso, tua primeira obrigação deve ser: estar sempre disposta a dar a vida por eles, para que a unidade triunfe”.
      Entendi a lição.
      Certamente, depois de tantos anos de vida espiritual, eu havia procurado, inclusive naquele dia, viver o Mandamento Novo, mas não como minha primeira obrigação.
      Então, procurei logo quem estava perto de mim, disposta a estar pronta a morrer também por ele, por ela e, portanto, a assumir todos aqueles comportamentos coerentes de modo a poder oferecer a Jesus, baseada unicamente nisso, cada ato com um ‘Por ti’.
      São mais de cinquenta anos que digo a mim mesma e digo a vocês que a “norma das normas”, portanto, também a regra básica para poder rezar, é a unidade.
      Mesmo assim, é necessário sempre reavivar no coração essa obrigação nossa, é necessário sempre recomeçar. […]
      Façamos todo o esforço para não esquecer isso, ou melhor, para não esquecer Aquele que deve preceder cada coisa. É Ele a grande novidade que somos chamados a oferecer ao mundo.
      Que honra poder viver essa vocação! Que plenitude de alegria!

20 outubro 2019

Reavivar os relacionamentos

      De uma conferência telefônica
      Rocca di Papa, 26 de maio de 1988
      Há uma página do Evangelho que encontra uma ressonância particular em nós e nos aponta o que fazer [para viver como cristãos autênticos]. Jesus diz: “Se observardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor”. “Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros” (Jo 15,10.12).
      Portanto, tudo está contido no amor mútuo.
      Vivendo assim, encontramos o meio de ser Ideal vivo3.
      Nessas últimas semanas, esforçamo-nos para amar com as obras.
      Mas existe modo e modo de praticar obras.
      A grande e, ao mesmo tempo, simples revolução que o nosso Movimento trouxe, e traz, ao mundo é justamente esta: com relação às obras, viver conforme o pensamento de Cristo, e não diferentemente. Eram, e são, muitos aqueles que agem, e agem, num ativismo não inteiramente cristão. Vale para eles a admoestação de Paulo: “Se eu gastasse todos os meus bens no sustento dos pobres […], mas não tivesse amor, de nada me aproveitaria” (1Cor 13,3).
      O Senhor nos concedeu a graça de nos impelir sempre a colocar o amor mútuo na base de qualquer outra coisa: “Sobretudo, cultivai o amor mútuo, com todo o ardor” (1Pd 4,8).
      “Sobretudo”. É assim que nossa ação adquire valor.
      E é para isso que convido todos, nesses próximos quinze dias. Assim como numa fogueira é necessário, de vez em quando, mexer as brasas com um ferro para a cinza não as cobrir, também […] é necessário, de tempos em tempos, dedicar-nos a reavivar o amor mútuo entre nós, reavivar os relacionamentos, para não serem encobertos pela cinza da indiferença, da apatia, do egoísmo. […]
      Reavivar os relacionamentos: aproveitar todas as ocasiões do dia para fazer saírem chamas de amor incandescente de nossos corações e dos corações dos irmãos.
      Desse modo, veremos todas as expressões do nosso Movimento revitalizarem-se, reavivarem-se, rejuvenescerem-se, e todos nós nos tornarmos mais fervorosos, mais belos, mais nós mesmos, como Deus nos quer.

19 outubro 2019

O que é “como eu vos amei”

      De uma conferência telefônica
      Rocca di Papa, 22 de fevereiro de 1996
      Entre nós, no Movimento, onde já atuamos, ou devemos atuar, o amor que vai e o amor que volta, dediquemo-nos a viver o amor mútuo, mas de modo novo.
      Na realidade, algumas sugestões já nos foram dadas a esse respeito por meio do segundo tema sobre a espiritualidade coletiva: devemos viver esse mandamento com o “algo a mais” que a nossa espiritualidade comunitária exige1.
      […] “Algo a mais” porque aquele “como” do Mandamento Novo deve ser interpretado e vivido por nós de modo especial, ou seja, segundo o modelo de Jesus Abandonado. Aquele “como” que, se vivido assim, gera a unidade.
      Em Jesus Abandonado, aquele “como” significa não apenas a prontidão – se nos for solicitada – em dar a vida um pelo outro, mas o total morrer diário diante dos irmãos, em um despojamento exterior e interior, das coisas materiais às espirituais.
      Entre as espirituais, ele engloba inclusive o desapego do nosso pensamento. “A altíssima pobreza de mente”, diria são Francisco.
      Desapego que possibilita entender o pensamento do irmão até o fim e exige a doação de nosso pensamento ao irmão com generosidade e delicadeza.
      Desapego que gera a unidade de pensamento.

18 outubro 2019

Viver o Mandamento Novo

De uma conferência telefônica
      Rocca di Papa, 18 de outubro de 1984

      [Tenho] um desejo ardente, que pretendo agora comunicar-lhes, de viver cada vez melhor [o Mandamento Novo], procurando aperfeiçoá-lo, dirigindo para isso todo o esforço ascético da renúncia cristã, da qual nos devemos revestir; porque amar assim não é uma coisa meramente natural, mas sobrenatural.
      Como, então, dar a Deus o que é de Deus?
      Reconvertendo-nos a cada momento ao Mandamento Novo, não com as palavras, mas com os fatos.
      Poderemos tranquilizar a nossa consciência por termos feito a nossa parte, por termos feito tudo.

16 outubro 2019

A antessala do céu

Do artigo “Deus o quer”
      Março-abril de 1947

      Jesus desceu do Céu trazendo-nos a “sua” Ideia, a vida do “seu” ambiente: o Céu. Lá no alto, ama-se a Deus numa indescritível harmonia de espíritos e todos se amam numa Unidade que é perfeição de felicidade. Veio entre nós. Queria deixar-nos o “seu” perfume, o “seu” ambiente: fazer da terra a antessala do Céu.

15 outubro 2019

A base de toda a vida cristã

      Do diário
      26 de outubro de 1980
      Algumas vezes, pensando no compromisso de fazer a vontade de Deus, temos a impressão de ter de reduzir a nossa vida apenas a uma série de atos perfeitos.
      Mas não é bem assim.
      Sabemos que Jesus assumiu o lugar que a Lei tinha no Antigo Testamento. Qual é, então, a vontade de Deus que Jesus manifesta? Qual é a Lei agora?
      Ela está sintetizada no Mandamento Novo.
      Então, viver a vontade de Deus é viver sobretudo aquele mandamento, que deve ser posto como fundamento de toda a vida do cristão. […]
      Portanto, o pacto continua atual, continuam atuais todas aquelas ações (comunhão dos bens materiais e espirituais, admoestação mútua etc.) necessárias para cumpri-lo.
      Uma série de atos um pouco mais ou um pouco menos perfeitos pode ser a vida espiritual de quem não conhece a nossa espiritualidade. Para nós (que tivemos essa graça) é outra coisa: certamente devemos cumprir a vontade de Deus no presente com todo o coração, a alma e as forças, mas no contexto do mandamento de Jesus, tendo como base o amor mútuo. Isso é o que Jesus quer de nós.

14 outubro 2019

Um pequeno choque espiritual

      De uma conferência telefônica
      Castel Gandolfo, 20 de fevereiro de 2003

      Esses dias, peguei um livro que me presentearam, que talvez vocês também conheçam. Seu título é O segredo de Madre Teresa, de Calcutá (Gaeta, 2002). Abro-o no meio, onde fala de “mística da caridade”. Leio esse capítulo e outros. Mergulho com grande interesse naquelas páginas: tudo o que se refere a essa próxima santa interessa-me pessoalmente. Durante anos, ela foi uma amiga minha preciosíssima.
      Logo me vem à mente, muito claro, o radicalismo extremo de sua vida, de sua vocação sem meias medidas, que impressiona, e quase que amedronta, mas, sobretudo, estimula-me a imitá-la naquela dedicação peculiar, radical e sem meias medidas que Deus me pede. De fato, cada carisma é uma flor maravilhosa, única, que não se repete, diferente dos outros como, aliás, madre Teresa pensava. Quando tínhamos ocasião de nos encontrar, ela me repetia: “O que eu faço você não pode fazer. O que você faz eu não posso fazer”.
      Movida por essa convicção, tomo nas mãos o nosso Estatuto, convicta de que lá encontraria a medida e o tipo de radicalismo de vida que o Senhor me pede. Abro e, logo na primeira página, tomo um pequeno choque espiritual, como que causado por uma descoberta do momento (e são quase sessenta anos que o conheço!). Trata-se da “norma das normas, a premissa de qualquer outra regra” da minha e da nossa vida: gerar – assim se expressava o Papa Paulo [VI] – e manter, primeiro e acima de tudo, inclusive nos grandes empreendimentos, inclusive nos compromissos extraordinários, inclusive nos sucessos para o Reino, manter Jesus entre nós com o amor mútuo.
      Porque, entendo logo, este é o meu e o nosso dever mais importante, especialmente hoje.

13 outubro 2019

Cristo em nós que ama com a caridade

De um discurso aos dirigentes do Movimento dos Focolares
      Rocca di Papa, 24 de outubro de 1978

      O Senhor usou de toda uma pedagogia para nos ensinar a amar o irmão, permanecendo no mundo sem ser do mundo. De imediato, fez-nos entender que era possível amar o irmão, sem cair no sentimentalismo ou em outros erros, por que Ele mesmo podia amar em nós, com a caridade. […]
      A caridade é uma participação no “ágape” divino. […]
      Depois de ter dito que Deus nos amou, são João não conclui – como teria sido mais lógico – que, se Deus nos amou, devemos amá-lo em troca, mas diz: “Caríssimos, se Deus nos amou assim, nós também devemos amar-nos uns aos outros” (1Jo 4,11).
      E, somente porque a caridade é participação no “ágape” de Deus, podemos ultrapassar os limites naturais e amar os inimigos, e dar a vida pelos irmãos.
      É por isso que o amor cristão é próprio da era nova, e o mandamento é radicalmente novo e introduz uma “novidade” absoluta na história humana e na ética humana. Como escreve Agostinho: “Este amor nos renova, para que sejamos homens novos, herdeiros do Testamento Novo, cantores do cântico novo” (cf. Io. Evang. tract. 65,1; PL 34-35).

12 outubro 2019

Aí está Deus

De uma palestra aos seminaristas

      Castel Gandolfo, 30 de dezembro de 1989

      O Mandamento Novo vivido produz efeitos extraordinários.
      Quem começa a colocá-lo em prática, percebe, antes de tudo, um salto de qualidade em sua vida espiritual. Por exemplo, experimenta, de maneira nova, os dons do Espírito Santo: conhece uma alegria nova, uma paz, uma benevolência, uma magnanimidade nova… […]
      Porque “onde está a caridade, aí está Deus”.

11 outubro 2019

Cultivai o amor mútuo

De um discurso no congresso de cristãos ortodoxos

      Castel Gandolfo, 30 de março de 1989


      Uma das Palavras que ficou fortemente gravada dentro de nós e que nos ajudou a manter o amor mútuo foi a de Pedro: “Mas sobre tudo” – sobre tudo, sobre tudo – “cultivai o amor mútuo” (cf. 1Pd 4,8). “Sobre tudo”: nada se pode fazer sem que esse amor exista, seja garantido. Não íamos trabalhar, não íamos rezar, não íamos dormir, não íamos comer, se antes não estivéssemos certas de que havia esse amor entre nós.

10 outubro 2019

O Seu Testamento na terra

Da palestra aos estudantes de teologia

      Berlim, 7 de julho de 1960

      Havia em nosso coração este desejo: que Jesus visse o seu testamento realizado na terra, ao menos entre nós, e que esse testamento sempre se realizasse, porque nos lembramos daquilo que a Escritura diz: “Ante omnia, antes de tudo, a mútua e contínua caridade” [cf. 1Pd 4,8]. Antes de tudo, portanto, antes do estudo, antes do trabalho, antes da vida, antes de qualquer coisa nossa que acalentássemos, antes de todas as coisas, a mútua e contínua caridade.

09 outubro 2019

Partilhar

Da palestra aos estudantes de teologia

      Berlim, 7 de julho de 1960

      Se a medida do nosso amor mútuo era a cruz, tudo o mais que devíamos dar-nos mutuamente era pouca coisa, era bem pouca coisa!
      Assim, começamos a pôr em comum os poucos bens que tínhamos, começamos a partilhar as dores uma com a outra, começamos a partilhar as alegrias entre nós, a pôr em comum as nossas roupas, porque, diante da medida que nos havíamos proposto, tudo isso era muito simples, muito pouco.

08 outubro 2019

O estilo do Mandamento Novo

De uma palestra aos jovens da Jornada Mundial da Juventude

      Santiago de Compostela, 17 de agosto de 1989

      Então, formamos um círculo – éramos sete, oito moças – e, olhando-nos uma para a outra, dissemos: “Eu estou pronta a morrer por você”. A outra: “Eu estou pronta a morrer por você”. “Eu, por você”. “Eu, por você”. Todas, por qualquer uma.
      E começamos esse novo estilo de vida, o estilo do Mandamento Novo, prontas a morrer: portanto, prontas a ceder também as pequenas coisas que tínhamos, prontas a talvez passar a noite em claro para ficar ao lado de uma que estivesse de cama doente, prontas a ceder um pouco de pão, a ceder uma roupa, porque estávamos prontas a morrer uma pela outra.

07 outubro 2019

Reconciliar-se com teu irmão

Das palestras preparadas para o encontro de férias (Mariápolis) de 1959

      A partir de 1955, os encontros do Movimento foram denominados “Mariápolis”, ou seja, cidades de Maria.
      Sabíamos que Deus nos havia amado até morrer por nós; portanto, devíamos estar prontas a morrer uma pela outra. Com isso deu-se uma espécie de conversão em nossa alma, porque, a essa altura, já tínhamos no coração a decisão de colocar como base de nossa vida, qualquer que fosse ela, a mútua e contínua caridade.
      Também de manhã, antes de irmos à missa ou à Comunhão, nos perguntávamos: “Estamos prontas a morrer uma pela outra?” Porque o Evangelho nos sugeria: “Portanto, quando estiveres levando a tua oferta ao altar e ali te lembrares que teu irmão tem algo contra ti, deixa a tua oferta diante do altar e vai primeiro reconciliar-te com teu irmão”.

06 outubro 2019

Este é o meu Mandamento...

De um discurso aos muçulmanos

      Nova York, Mesquita de Harlem, 18 de maio de 1997

      Pensamos um dia, sempre diante da morte: existe uma vontade sua que ele considera de modo especial? Gostaríamos de pôr em prática justamente essa, antes de morrer.
      No nosso Evangelho, encontramos esta frase de Jesus: “Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros como eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (cf. Jo 15,12-13). Era um mandamento que Ele dizia ser “novo” e “seu”. Exatamente do que precisávamos.
      Então entendemos que, se até aquele momento, o ensinamento do Evangelho nos havia impelido a amar os outros, agora devíamos voltar a atenção também uma para a outra e nos amar assim: até estarmos prontas a morrer uma pela outra.

05 outubro 2019

Aquele que dá a vida

De um discurso à Comunidade de Santo Egídio

      Roma, Basílica de Santa Maria in Trastevere, 11 de dezembro de 1997

      Questionamo-nos: Mas deve haver uma vontade de Deus que seja do agrado particular de Jesus, porque nesse passo podemos morrer de um momento a outro. Tudo bem, temos vinte anos, temos quinze anos, temos vinte e três anos, mas nesse passo podemos morrer. Haverá uma vontade de Deus? Queríamos chegar diante Dele, tendo cumprido justamente aquela, no final da vida.
      E lembro que abrimos o Evangelho e encontramos: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos amigos”.

04 outubro 2019

Será o nosso Mandamento

Berlim, 7 de julho de 1960

      Jesus havia dito muitas coisas que para nós eram vontade de Deus, e nasceu em nosso coração um desejo. Uma vez que podíamos morrer de um momento a outro, porque não estávamos absolutamente protegidas da guerra, tivemos este desejo no coração: saber, estudar, ver se havia uma vontade de Deus a que Jesus dava especial importância, porque nosso coração realmente se inflamara por Deus e queria terminar os últimos momentos do melhor modo possível.
      Então, lembramo-nos de que Jesus disse, antes de morrer: “Dou-vos um Mandamento Novo: amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. E Ele disse que é o seu mandamento: o meu mandamento. Então, por amor a Jesus, por amor a Deus, dissemos: será o nosso mandamento.

03 outubro 2019

Prioridade absoluta da caridade

      Portanto, não dávamos um passo se não estivéssemos todas unidas pela mútua caridade:
      “…ante omnia…” [cf. 1Pd 4,8].
      Portanto, antes de qualquer outra coisa, o amor mútuo.
      E se nos evidenciavam outras Palavras de Jesus no Evangelho: “Portanto, quando estiveres levando a tua oferta ao altar e ali te lembrares que teu irmão tem algo contra ti, deixa a tua oferta diante do altar e vai primeiro reconciliar-te com teu irmão. Só então, vai apresentar a tua oferenda” (Mt 5,23-24. […]

02 outubro 2019

Uma presença que encerra um salto de qualidade

      A força que nos vinha da união que o amor mútuo operava levou-nos logo a refletir sobre as Palavras de Jesus:
      “Pois onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou ali, no meio deles” (Mt 18,20).
      E [levou-nos] a ver os efeitos admiráveis que essa unidade operava principalmente na oração:
      “Eu vos digo mais isto: se dois de vós estiverem de acordo, na terra, sobre qualquer coisa que quiserem pedir, meu Pai que está nos céus o concederá” (Mt 18,19).
      Portanto, Jesus estava em nosso meio porque estávamos unidas em Seu Nome.
      Esse mistério tão delicioso nos forçava a manter firme a nossa unidade para tê-lo sempre entre nós. […]

01 outubro 2019

Deus em Deus

6 de novembro de 1949


      Deus, que em mim reside, que a minha alma plasmou, que nela repousa como Trindade (com os santos e com os anjos), também reside no coração dos irmãos.
      Portanto, não é razoável que eu o ame só em mim. Se assim fizesse, meu amor ainda manteria um quê de pes­soal, de egoísta: amaria Deus em mim e não Deus em Deus, porquanto a perfeição é: Deus em Deus (que é Unidade e Trindade).
      Por conseguinte, a minha cela (como diriam as almas íntimas a Deus) é nós: o meu Céu está em mim e, do mesmo modo que está em mim, está na alma dos irmãos.
      E, como o amo em mim, ao recolher-me nesse meu Céu – quando estou só –, amo-o no irmão quando ele está junto a mim.
      Então, não amarei o silêncio, amo a palavra (expressa ou tácita), ou seja, a comunicação do Deus em mim com o Deus no irmão. Se os dois Céus se encontram, existe aí uma única Trindade, em que os dois estão como Pai e Filho e, entre eles, está o Espírito Santo.
      É necessário, sim, recolher-se sempre, inclusive na presença do irmão sem, contudo, esquivar a criatura – mas recolhendo-a no próprio Céu e recolhendo-se no Céu dela.

30 setembro 2019

Jesus abandona-se novamente ao Pai

Mas, justamente porque humanidade e divindade em Cristo são uma coisa só, pois Jesus é Deus, Ele tem a força de superar esta imensa provação, grande como Deus, e, no mesmo grito, em que todo o poder do Amor onipotente está velado mas abrangido, abandona-se novamente ao Pai, unindo-se de novo com Ele.
Não fora Jesus Deus, isto não teria sido possível. Por isso é que no abandono Ele mais do que nunca se revela Deus1.
Nessa dor, e por ela, é que Jesus cumpre tudo o que devia: “Consummatum est”.
Diz João Paulo II, sempre na Salvifici doloris:
Junto com esse peso horrível medindo o mal “total” de voltar as costas a Deus, contido no pecado, Cristo, mediante a divina profundidade da união filial com o Pai, percebe de modo humanamente inexprimível este sofrimento que é o desapego, a repulsa do Pai, o rompimento com Deus. Mas exatamente por meio deste sofrimento, Ele realiza a redenção e pode dizer, ao expirar: “Tudo está consumado” (cf. Jo 19,30). (SD, 18)
Por esta dor também a sua humanidade ressurgirá glorificada e será digna de subir à direita do Pai. E, por esta dor, particularmente, os homens se tornam filhos de Deus.
É o pensamento de são João da Cruz:
Nessa hora em que sofria o maior abandono sensível, [Ele] realizou a maior obra que superou os grandes milagres e prodígios operados em toda a sua vida: a reconciliação do gênero humano com Deus, pela graça. (João da Cruz, 1996, p. 207)

29 setembro 2019

A cruz

  “Tome a sua cruz…” (Mt 16,24).
      Estranhas e únicas essas palavras. Também essas, como as demais palavras de Jesus, têm algo daquela luz que o mundo não conhece. São tão luminosas que os olhos apagados dos homens, inclusive dos cristãos lânguidos, ficam ofuscados e, portanto, cegos.
      Nada talvez seja mais enigmático, mais difícil de entender, do que a cruz. Ela não penetra na cabeça nem no coração dos homens. Não entra porque não é compreendida, porque nos tornamos muitas vezes cristãos de nome, apenas batizados; talvez praticantes, mas imensamente distantes daquilo que Jesus queria que fôssemos.
      Ouve-se falar da cruz na Quaresma, beija-se a cruz na Sexta-Feira Santa, pendura-se a cruz nas salas de aula. Ela marca com seu sinal alguns atos nossos, mas não é compreendida. Talvez o erro esteja todo aqui: no mundo não se compreende o amor.
      Amor é a palavra mais bela, porém, a mais deformada, a mais deturpada. É a essência de Deus, é a vida dos filhos de Deus, é o alento do cristão, e tornou-se patrimônio, monopólio do mundo; está nos lábios daqueles que não teriam o direito de pronunciá-la.
      É verdade; no mundo, nem todo amor é assim. Ainda existe, por exemplo, o sentimento materno que enobrece o amor — porque misto de dor —; existe ainda o amor fraterno, o amor nupcial, o amor filial, bom, sadio: vestígio, talvez inconsciente, do Amor do Pai, Criador de tudo. Mas, o que não é compreendido é o amor por excelência, é entender que Deus, que nos fez, desceu até nós, homem entre os homens, viveu conosco, ficou conosco, e deixou-se pregar na cruz por nós, para nos salvar.
      É sublime demais, belo demais, divino demais, pouco humano demais, por demais sangrento, doloroso, agudo, para ser entendido.
      Talvez se entenda alguma coisa através do amor materno, pois amor de mãe não são só afagos, beijos; é sobretudo sacrifício.
      Assim também Jesus: o amor o levou à cruz, por muitos considerada loucura.
      Mas só aquela loucura salvou a humanidade, plasmou os santos.
      De fato, os santos são homens capazes de entender a cruz. Seguindo Jesus, o Homem-Deus, eles aceitaram a cruz de cada dia como a coisa mais preciosa da terra; brandiram-na, às vezes, como uma arma, tornando-se soldados de Deus; amaram-na por toda a vida, conheceram e experimentaram que a cruz é a chave, a única chave que abre um tesouro, o tesouro. Abre pouco a pouco as almas à comunhão com Deus. E assim, através do homem, Deus mostra-se de novo ao mundo, e repete — embora de modo infinitamente inferior, mas parecido — os atos de outrora, quando, homem entre os homens, bendizia a quem o maldizia, perdoava a quem o insultava, salvava, curava, pregava palavras de Céu, saciava famintos, fundava sobre o amor uma nova sociedade, mostrava o poder Daquele que o enviara. Em suma, a cruz é o instrumento necessário através do qual o divino penetra no humano e o homem participa da vida de Deus com maior plenitude, elevando-se do reino deste mundo ao Reino dos Céus.
      Mas, é preciso “tomar a própria cruz…”, despertar pela manhã aguardando-a, sabendo que só através dela nos chegam aqueles dons que o mundo não conhece, aquela paz, aquele gáudio, aquela noção de coisas celestes, pela maioria desconhecidas.
      A cruz… coisa bem comum. Tão fiel, que não falta ao encontro nem um só dia. Bastaria aceitá-la para tornarmo-nos santos. A cruz, símbolo do cristão, que o mundo rejeita, acreditando que, fugindo dela, foge da dor, e não sabe que ela escancara a alma, de quem a entende, para o Reino da Luz e do Amor. Aquele amor que o mundo tanto busca, mas não possui.

28 setembro 2019

Torna-nos perfeitos na unidade

Jesus Abandonado era quem nos tornava perfeitos na unidade . Jesus dissera em seu testamento: “Eu neles e Tu em mim, para que sejam perfeitos na unidade” ( Jo 17,23). Se Jesus estava em mim , se Jesus estava no outro , se Jesus estava em todos, seríamos, naquele instante, perfeitos na unidade. Mas — repito — para que Jesus estivesse em nós devíamos amar Jesus Abandonado em todas as dores, vazios, fracassos e tristezas da vida. Se Jesus estava em mim e nos outros, encontrando-nos, reconhecíamo-nos um no outro e sentíamo-nos irmãos. E a graça nos estimulava a viver este ideal com decisão e perseverança justamente para que jamais faltasse a perfeição da unidade.

27 setembro 2019

Na catedral de Trento, em busca da verdade

    De respostas a jovens que se preparavam para entrar no focolare

    Estudante do Instituto de Ensino Superior Rosmini de Trento, Chiara ficou fascinada principalmente pela filosofia. É daquele período um episódio que revela a sua relação profunda com Jesus Eucaristia.

    Rocca di Papa (Roma), 30 de dezembro de 1976

    Quando fazia filosofia, ia estudar na catedral. Havia um cantinho no fundo iluminado por uma fresta, como as de um presídio, e à luz daquela pequena abertura, eu estudava filosofia olhando para Jesus Eucaristia, a fim de que Ele me iluminasse sobre como entender a verdade. A passagem de uma verdade humana – como, por exemplo, o sistema kantiano – para uma verdade sobrenatural aconteceu em contato com Jesus Eucaristia. E já ali, Jesus Eucaristia agia.

26 setembro 2019

A audiência com o Onipotente

De uma palestra aos gen

    Em 1947, depois de o novo Movimento ter recebido a aprovação do bispo de Trento, as “autoridades da Igreja em Roma manifestaram apreensões” – conta a própria Chiara – “quanto a essa nova realidade. Começou, então, um estudo longo e aprofundado por parte da Congregação para o Santo Ofício8, que se concluiu em 1962 com a aprovação pontifícia. Era uma coisa simples e obrigatória para a Igreja, mas para nós queria dizer angústia e insegurança”9. Angústia e insegurança agravadas pela morte de Pio XII, que era favorável ao novo Movimento. Mais uma vez, a presença de Jesus Eucaristia se revelou determinante, como Chiara explicaria aos jovens do Movimento.

    Rocca di Papa, 9 de julho de 1974
    O Ideal que nascia era novo demais e tinha de passar por um estudo aprofundado por parte da Igreja. Viver na angústia era para nós o pão de cada dia. “Será que estamos no caminho certo?” O coração nos dizia que sim, mas somente a Igreja nos podia confirmar isso. […]
    Quem nos deu a coragem para seguir em frente? Quem nos sustentou? Jesus Eucaristia. Pensávamos: ainda não conseguimos ter uma audiência com o papa, com o vigário de Cristo; mas todos os dias, em todas as horas, podemos ter uma audiência com o próprio Cristo. E, indo até Jesus, lhe dizíamos: No fundo, o papa é teu vigário; ordena-lhe e diz a ele que somos seus filhos, que a nossa Obra quer servir somente a Igreja.
    E Jesus fez isso de modo impressionante: as aprovações que vieram, escritas e orais, quase nem se podem contar.
    Vocês entendem que com Ele somos onipotentes?
    Os gen devem ter o reto sentido dos valores e assumir esta ideia: nós temos a possibilidade de tratar todos os dias com Ele, o Onipotente, das nossas dificuldades, podemos contar a Ele as nossas alegrias, podemos confiar a Ele o Movimento Gen, a Igreja, a unidade dos cristãos, dos povos...

25 setembro 2019

Tu és tudo, eu sou nada

De respostas a jovens que se preparavam para entrar no focolare

O primeiro grupo de jovens que Chiara atraiu ao redor do seu Ideal, dos quais surgiram pouco a pouco os membros do Movimento nascente, reunia-se todo sábado na sala Massaia, que os frades capuchinhos puseram à disposição da Ordem Terceira Franciscana de Trento. Lá, ela fazia as suas palestras, preparando-se de modo original.

    Rocca di Papa, 30 de dezembro de 1976

Antes de falar às primeiras focolarinas, o Senhor havia posto dentro de mim o seguinte: que eu não me devia preparar. Por quê? Se me preparar – pensava – vou dizer uma coisa humana; se, no entanto, eu deixar o Espírito Santo falar, direi uma coisa divina. […]
Aos sábados, numa sala, eu me encontrava com aquelas que depois se tornariam as primeiras focolarinas; uma hora antes, eu ia diante da Eucaristia e dizia a Jesus: “Tu és tudo, eu sou nada. Tu és tudo, eu sou nada”, porque sabia que era assim. “Tu és tudo, eu sou nada. Tu és tudo…”, durante uma hora. Depois, saía a todo vapor e me via diante desse grupo de moças – eram somente moças, mas depois vieram também os rapazes – e, ali, abria a boca e falava.

24 setembro 2019

Os santos e a cruz


      Por estar muito próximo ainda da passagem de Jesus pela terra, Inácio, bispo de Antioquia, interpreta ao pé da letra as palavras “toma a tua cruz” no caminho para o martírio, e escreve aos Romanos:
      Pedi para mim apenas a força interior e exterior, para que eu não só diga, mas queira ser cristão; não só seja chamado, mas de fato o seja. […] Então, quando o mundo não puder mais ver o meu corpo, serei verdadeiramente discípulo de Jesus Cristo. […] É agora que começo a ser um verdadeiro discípulo. Que nenhuma coisa visível ou invisível me impeça de obter a posse de Jesus Cristo! Fogo, cruz, encontro com as feras, dilaceramentos, esquartejamentos, deslocamentos de ossos, mutilações dos membros, trituração de todo o corpo, os mais perversos suplícios do diabo caiam sobre mim, contanto que alcance a posse de Jesus Cristo. […] Ouvi, antes, o que agora vos escrevo, pois é na plenitude da vida que exprimo meu desejo ardente de morrer. Minhas paixões humanas foram crucificadas, não há em mim fogo para amar a matéria. Não há senão a “água viva” que murmura dentro de mim e me diz: “Vem para o Pai”. (Aos Romanos, 1985, pp. 22-23)
      Os santos, que são os cristãos realizados, apreenderam o segredo, o valor da cruz.
      A propósito, assim diz Grignion de Montfort:
      A Sabedoria, enquanto espera o grande dia do seu triunfo no Juízo Final, quer a cruz como distintivo e arma de todos os eleitos. Com efeito, não acolhe filho algum que não a tenha como distintivo, nem recebe discípulo algum que não a traga na fronte, sem enrubescer; no coração, sem desgosto; e nos ombros, sem arrastá-la ou rejeitá-la […]. Não aceita soldado algum que não a empunhe como uma arma para defender-se e atacar, para desbaratar e esmagar todos os seus inimigos. Grita para eles: “Tende coragem: eu venci o mundo!” (Jo 16,33) […]. Eu, o vosso chefe, venci o meus inimigos com a cruz, e vós também o fareis por meio deste sinal! (Grignion de Montfort, 1990, pp. 204-205)

23 setembro 2019

Uma relação esponsal


      DO SACRÁRIO, Jesus me ensinava que eu devia atraí-lo a mim com o amor, como que aspirá-lo em mim, e que Ele era Palavra de Vida, e que eu, vivendo a Palavra, o teria amado como Esposa e Ele teria sido eu… Vivendo a Palavra cada momento.
      CADA MOMENTO que vivo a Palavra é um beijo na Boca de Jesus, aquela Boca que só disse Palavras de Vida.
      E, de Boca a boca, a Palavra passa. Ele comunica si mesmo (que é Palavra) à minha Alma. Eu sou una com Ele! E nasce Cristo em mim (cf. Ct 1,2).      
      TODA A MINHA VIDA deve ser apenas uma relação de amor com meu Esposo. Tudo aquilo que foge disso é vaidade. Tudo aquilo que não é a Palavra vivida é vaidade.
      PARA NÓS, para cada um de nós, a Palavra de Vida é a vestimenta, a roupa nupcial da nossa alma esposa de Cristo.       
      A PALAVRA DE DEUS é como a roupa que vestimos todos os dias: o uniforme do cristão, que exterioriza o conteúdo evangélico do nosso ser filhos de Deus. Protege e mantém o fogo que a graça e a caridade acenderam em nós, preserva dos ímpetos excessivos dos inimigos da alma que correm pelo mundo, fora e dentro de nós, e principalmente coloca o nosso espírito em posição de conquista e não de defesa.

22 setembro 2019

A Palavra contém Deus

JESUS É EXTRAORDINÁRIO! Pouco o conhecemos, se não lemos o Evangelho com amor.
Muitas vezes, fizemos dele uma imagem nossa, a partir de alguma piedade tradicional medíocre. Mas, no Evangelho, Ele aparece como é: é Deus. Revela-se continuamente: Deus. Um Deus… que fala, que se cansa, que caminha, que tem discípulos… Um Deus-Homem!
AS PALAVRAS DE JESUS!
Deve ter sido a sua maior… arte, se assim se pode dizer. O Verbo que fala com palavras humanas. Que conteúdo, que timbre, que voz, que intensidade!
Haveremos de reouvi-las no Paraíso. Ele me falará, Ele nos falará. Isso será o Céu amanhã, logo.
O EVANGELHO na Igreja é Jesus histórico explicado: a Revelação.
AS EXPRESSÕES do Evangelho de João “a tua palavra”, “as palavras que me comunicaste”, “que saí de junto de ti” e “que me enviaste” (cf. Jo 17), de certo modo são sinônimas, ou melhor, as palavras que Jesus disse aos apóstolos são o próprio Verbo gerado pelo Pai, ou melhor, estão todas no Verbo gerado.
 Essa interpretação me dá certa embriaguez espiritual porque, se assim é, a Palavra de Deus que nós vivemos, a qual comungamos, é justamente Jesus. Por isso, se vivemos a Palavra o dia inteiro, estamos em comunhão contínua.
QUE ABISMOS as Palavras de Deus encerram! Elas contêm o próprio Deus.
CADA PALAVRA de Vida é Jesus.
EM CADA PALAVRA está toda a Palavra, do mesmo modo que, na Palavra, está cada Palavra.

21 setembro 2019

Ser família, vivendo o amor recíproco

      Como toda família tem as suas exigências, também a família natural tem as suas leis. Por exemplo, a característica de toda família natural, de uma boa família desta terra, é a convivência de todos os membros: pai, mãe, filhos e avós que moram sob o mesmo teto. Depois, essa vida comunitária da família é mais evidente em certos momentos quando, por exemplo, todos sentam à mesa. Na família, mesmo que cada um possua algum objeto pessoal, em geral os bens são colocados em comum. Na família, o sofrimento de um membro é sentido por todos. Cada um se preocupa, ajuda, economiza para o outro; alguns trabalham a mais para completar um orçamento insuficiente. A alegria de um é também a alegria de todos. Todos se alegram com uma promoção, com um casamento, com um aniversário.
      Numa boa família, os sábios ensinamentos dos pais tornam-se critério de vida. Sim, em toda família, como Deus a fez, existe a solidariedade, o amor recíproco, a compreensão, a participação.
      Também a família dos filhos de Deus tem suas características. Será que podemos encontrar um modelo, um exemplo no qual nos espelhar para entender como deve ser essa família segundo o pensamento de Deus?