26 maio 2021

Algumas características do amor ao próximo

Castelgandolfo, 1º de novembro de 2002

Chiara: Prezados irmãos e irmãs ou irmãs e irmãos, é com grande alegria que lhes dou as boas-vindas a este nosso Congresso. Que Deus abençoe este Congresso, o acompanhe e permita que dê ótimos frutos para todos nós, participantes.
O tema que devo tratar hoje é para mim de suma importância, se desejamos construir entre nós e entre muitos aquela fraternidade de que hoje o mundo precisa tanto.
Trata-se do amor ao próximo, aquele amor que se encontra nos mais variados âmbitos religiosos e culturais também sob a forma de misericórdia, de benevolência, de compaixão, de solidariedade. Amor ao próximo que para nós, cristãos, não é um sentimento simplesmente humano, mas, enriquecido por uma centelha divina, se chama caridade, ágape: amor de origem sobrenatural.
Para falar do amor, partirei da minha experiência e comunicarei aos senhores como Deus, desde o início do nosso Movimento, concentrou a nossa atenção no amor.
Quando Deus me chamou para me consagrar a ele para sempre, o fascínio desse chamado era tão único e sublime, pelo fato de eu me ter doado totalmente a Deus e de que Deus, o Imenso, o Infinito Amor me tenha acolhido, que jamais teria desejado que uma pessoa ou coisa rompesse o encanto dessa intimidade com Deus. Se naquele dia, por exemplo, me tivessem dito que surgiria um grande Movimento, algo inexprimível e divino teria se rompido em mim. Esta é a minha impressão.
Todavia, sem demora Deus me esclareceu que, amá-lo, implicava ter também uma relação com o próximo: queria dizer amar, por Deus, todos os irmãos do mundo. E a este propósito, é belo o que diz o Alcorão: «Este é o anúncio agradável que Deus dá aos seus servos que acreditaram, que realizaram o bem. Diga: "Eu não lhes peço outra mercê que o amor ao próximo" (Alcorão 42, 23)."
No início do Movimento, impulsionadas sobretudo pelas circunstâncias dolorosas da guerra, endereçamos o nosso amor aos pobres e esta foi uma escola para nós! Não estávamos acostumadas a amar em sentido sobrenatural. O nosso interesse se voltava, quando muito, aos nossos parentes e amigos.
Ao invés, sob o impulso da graça de Deus, confiando em Deus e na sua providência, passamos a dedicar a nossa atenção a todos os pobres da cidade. Procurávamos fazê-los entrar nas nossas casas e sentar à mesa conosco. Íamos visitá-los e lhes dávamos o que tínhamos recolhido. Nós os visitávamos nos cortiços mais descuidados e procurávamos tratá-los com os remédios.
 Os pobres foram o primeiro objeto do nosso amor porque por meio deles podíamos amar Jesus, que disse: «Cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes» (Mt 25,40). Os pobres constituíam o interesse de muitas outras pessoas que tinham sido atraídas pela nossa nova vida. E era um espetáculo ver chegar da Providência de Deus, em grande quantidade: víveres, vestuário e remédios.
A certa altura, quando centenas de pessoas viviam como nós, pareceu-nos que Deus pedisse exatamente a nós, que também nos tornássemos pobres para servir os pobres e todos. Nesse dia fizemos aquilo que chamamos de "trouxa". Num aposento do primeiro focolare, cada uma de nós colocou no meio o que tinha a mais: um casaco, um par de luvas, um chapéu, até mesmo um casaco de pele, eu lembro. De fato, nos fascinava aquela página maravilhosa sobre os primeiros cristãos, quando em Jerusalém eram um só coração e uma só alma e ninguém dizia que era seu o que possuía, pois tinham tudo em comum e não havia mais necessitados entre eles (Cf. At 3,32.34). Não havia mais necessitados entre eles. Esse é o grande ideal que se descortinava diante de nós, que queríamos atingir antes de tudo entre nós e com todos aqueles que nos seguiam. Por isso as primeiras focolarinas, chamadas por Deus a uma doação total, davam tudo; enquanto que os outros davam o supérfluo. E quem possuía pouco ou nada colocava em comum as próprias necessidades. Nascia assim a "comunhão de bens", que depois se desenvolveu, até o atual projeto de Economia de Comunhão, sobre o qual falaremos nesses dias.
Pelo que sei, este amor pelos pobres é também muito ensinado no Islã, que recomenda muito a esmola, até o zakat, um dos cinco pilares do Islã. A esmola é muito louvada no Alcorão, que ameaça de mandar para o Inferno «aquele (...) que não convidava a alimentar o pobre» (69,34)
e que define bom o homem «que dá aos pobres os seus bens, por amor a Deus, aos parentes, aos órfãos, aos pobres, aos viandantes, aos mendigos e para resgatar os prisioneiros» (2,177)Nós, focolarinos, voltando aos primeiros tempos do Movimento, percebemos que este amor para com os pobres – o amor ilumina sempre – nos levou a compreender que não devíamos amar somente a eles, mas todos os homens indistintamente. De fato, o empenho que Deus nos pedia e nos pede ainda hoje é aquele de tender constantemente à fraternidade universal num só Deus, Criador de todos. Trata-se, portanto, de amar a todos sem distinção, como faz Deus, que manda o sol e faz chover sobre os justos e os injustos (cf Mt 5,45). Não escolhíamos entre o simpático e o antipático, entre o feio e o bonito, entre aquele da minha pátria ou o estrangeiro, entre o branco, o negro e o amarelo, o europeu ou o americano, africano ou o asiático, cristão ou hebreu, muçulmano ou hindu. O amor não conhece alguma forma de discriminação. Reconhecemos esta fé no amor que Deus tem pelas suas criaturas também nos irmãos e irmãs de outras religiões, a começar por aquelas, cujo patriarca é Abraão.
Amar a todos, portanto, sem discriminação. Amar os irmãos individual e coletivamente: amar, portanto os próximos um por um e respeitar cada povo. Isso suscita uma mudança radical de mentalidade, uma revolução. Se todos fizessem unicamente isso, a Terra já seria um Céu.
Amar a todos, inclusive o inimigo. Com efeito, o Evangelho nos ensina esta medida de amor, pois convida a rezar pelos próprios perseguidores (cf. Mt 6,44). Mas também na tradição muçulmana se encontram convites semelhantes, como, por exemplo, neste belíssimo versículo do Alcorão: «Pois o bem e o mal não são iguais, mas você rejeita o mal com um bem maior e verá, então, que aquele que era seu inimigo se tornará um caloroso amigo» (41,34).
Existe outra característica do amor que Deus nos ensinou, creio que é a mais exigente de todas, a mais difícil: trata-se de tomar a iniciativa, de sermos os primeiros a nos mover e não esperar que o outro dê o primeiro passo para amar. E talvez foi para nos ensinar a amar assim que no início do Movimento Deus nos impeliu a amar os necessitados, os pobres, os doentes, os presos, os órfãos, isto é, pessoas que não podiam nos amar primeiro, pois esperavam algo de nós. De resto, este é o estilo de Deus, que não esperou ser amado por nós, mas nos demonstrou desde sempre e de mil maneiras que ele nos ama primeiro.
Uma experiência de vida, no primeiro focolare, foi uma aplicação desse "tomar a iniciativa no amor". Nos primeiros tempos não era sempre fácil para um grupo de jovens viver o radicalismo do amor.
Éramos pessoas como as outras, embora amparadas por um dom especial de Deus, para começar o Movimento, e também entre nós podia se depositar uma certa poeira e fazer diminuir a unidade. Isso acontecia, por exemplo, quando percebíamos os defeitos, as imperfeições dos outros e os julgávamos, de forma que a corrente de amor recíproco se esfriava. Para reagir contra essa situação, decidimos um dia fazer um pacto entre nós, que chamamos "pacto de misericórdia". Decidimos ver todas as manhãs o próximo que encontrávamos no focolare, na escola, no trabalho, etc., de modo completamente novo, sem nos lembrarmos dos seus pontos escuros, dos seus defeitos, cobrindo tudo com o amor. Nós nos aproximávamos dele com uma anistia completa do nosso coração, com um perdão universal. Era um compromisso forte, que todas nós juntas vivíamos e que nos ajudava a tomar a iniciativa no amor, imitando Deus misericordioso, o qual perdoa e se esquece. Temos certeza de que, se não tivéssemos feito um pacto de perdão cotidiano, o Movimento não teria caminhado nem de Trento a Rovereto, que fica a meia hora de distância. Em prática, não teria tido a energia necessária para se difundir.
O Alcorão diz: «Perdoem, aliás, anistiem: vocês também não gostariam de ser perdoados por Deus? Deus na verdade é aquele que perdoa, é indulgente» (24,22)

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