31 maio 2021

Imitar Maria

«No ano dedicado a Maria, deveríamos encontrar o melhor modo de honrar a Mãe de Deus.
Porém, existem várias maneiras de honrá-la.
Podemos honrar Nossa Senhora falando com Ela, louvando-a, rezando, visitando-a nas igrejas dedicadas a Ela, fazendo pinturas ou esculturas que a representam, elevando-lhe cânticos, adornando com flores suas imagens.
Existem muitas maneiras de honrar Maria.
Mas existe uma que supera todas: é a de imitá-la, de se comportar como outra Maria na terra. Creio que seja este o modo que mais lhe agrada, porque dá a Ela a possibilidade de retornar de alguma forma à terra.

Nós, sem excluir todas as outras possibilidades que temos para honrar Maria, devemos privilegiar esta: imitá-la.

Mas como imitá-la? Que aspectos dela devemos imitar?
Imitá-la naquilo que é essencial. Ela é Mãe, mãe de Jesus e, espiritualmente, nossa mãe. Jesus nos deu Maria como mãe quando estava na cruz, na pessoa de João.
Devemos ser outra Maria, como mãe.
Em prática, devemos formular este propósito: durante o Ano Mariano vou me comportar, para com os próximos que eu encontrar ou para os quais vou trabalhar, como se eu fosse sua mãe.
Se fizermos assim, constataremos em nós uma conversão, uma revolução. Não somente porque nos encontraremos às vezes sendo como mãe talvez da nossa mãe ou do nosso pai, mas porque assumiremos uma atitude determinada, específica.
Uma mãe acolhe sempre, ajuda sempre, espera sempre, cobre tudo. Uma mãe perdoa o filho em tudo, ainda que seja um delinquente, um terrorista.
Com efeito, o amor de uma mãe é muito semelhante à caridade de Cristo, de que fala Paulo.
Se tivermos o coração de mãe, ou mais precisamente, se nos propusermos ter o coração da Mãe por excelência, Maria, estaremos sempre prontos a amar os outros em todas as circunstâncias e, assim, a manter vivo o Ressuscitado em nós. Mas também faremos tudo aquilo que nos é solicitado para manter o Ressuscitado entre nós.

Se tivermos o coração desta Mãe, amaremos a todos e não somente os membros da nossa Igreja, mas também os das outras; não somente os cristãos, mas também os muçulmanos, os budistas, os hinduístas, etc. Também os homens de boa vontade. Amaremos também todos os homens que vivem na terra. Pois a maternidade de Maria é universal (cf. LG 79), assim como foi universal a Redenção.
Mesmo se, às vezes, o amor de Maria não é correspondido, Ela ama sempre, ama a todos.
É este, então, o nosso propósito: viver como Maria, como se fôssemos mãe de todos os seres humanos».

De CHIARA LUBICH

30 maio 2021

Todos têm acesso à santidade

Rocca di Papa, 31 de janeiro de 1969

Um sacerdote pergunta a Chiara Lubich: como ser convicto de ter escolhido Deus e ser coerente com esta escolha?

Chiara indica aquilo que deve pautar o nosso dia: a vontade de Deus vivida no presente, como um caminho para todos e que dá imensa alegria.

Somente Maria, a Mãe que ama todos os filhos, poderia nos oferecer tal segredo de santidade.

(…) “Como ter certeza de ter escolhido Deus e ser coerente com esta escolha nas atitudes de cada dia?

Chiara: (…) Podemos ter certeza somente daquilo que vivemos no presente:, agora, eu quero esta vontade de Deus, quero me encontrar com estes sacerdotes, que Maria ama tanto, que Deus ama tanto. Eu quero estar aqui? Sim, quero, com todo o coração! Eu o quero! Mas se neste momento me dissessem: “Chiara, você pode escolher agora: morrer e ir imediatamente para o Paraíso com Jesus e Maria, com todos os membros do Movimento que estão na Mariápolis celeste, com todos os santos, com todos os anjos; porém, não é esta a vontade de Deus. É uma vontade sua. O que você escolhe?” Eu escolho estar aqui com os senhores, porque escolho a vontade de Deus. (…)

(…) Desde que comecei a viver assim, naturalmente recomeçando, recomeçando a cada momento, como sabem, eu entendi que a frase: “o justo peca sete vezes”, quer dizer uma infinidade de vezes, porque estamos sempre fora da vontade de Deus; estamos fora da vontade de Deus, mas é preciso fazer sempre a vontade de Deus. Como experiência própria, eu poderia dizer que a alma estaria sempre em festa se, teoricamente, vivesse não só confirmada em estado de graça, mas confirmada neste estado de união com Deus; estaria sempre em festa, seria o dia inteiro de Deus. Este é um dos aspectos.

Outra experiência que fiz vivendo assim, e digo isso para evidenciar a importância das ações diárias, é que cada ato, o menor deles, como por exemplo, lavar-se, vestir-se, pegar um papel, arrumar uma coisa, encontrar uma pessoa… se torna solene, tudo se torna solene. É maravilhoso, porque esta é uma estrada feita para todos; e realmente deve ter sido sugerida por Maria, porque a mãe… Maria é mãe de todos: dos sacerdotes, dos leigos, das mulheres, dos homens, das crianças, dos idosos, de todos. Ela é a mãe de todos nós, porque é a mãe da Igreja; por isso ela nos indicou um caminho feito para todos. O fato de ela nos ter sugerido um caminho tão universal, que pode ser dado a todos, me enche de felicidade. Os senhores poderão dizer a todas as pessoas: “Você pode viver deste modo”. É algo muito simples, mas que contém tudo (…), contém a realidade de Jesus, caminho, verdade e vida. Como ter mais do que isso! Estar no presente, viver a sua vontade e a sua vontade, entendemos… contém Deus.

Ontem, por exemplo, entendi algo novo. O Evangelho dizia: sejam vigilantes. E me perguntei: “Quem consegue ser vigilante? Quem vive o presente”. Outro dia ouvi que precisamos ser fiéis. Quem é fiel? Quem vive o presente. Quem sai do presente não consegue mais ser fiel. Descubro cada vez mais que, na simplicidade deste caminho, está contida a plenitude…completa. Tanto é verdade que ontem eu disse à Brunetta, que mora comigo: “Você sabe o que é a simplicidade de Deus?”, e ela respondeu: “Não”. “A unidade de Deus”, “Ah, sim, é sempre esta, sempre esta, é um mistério, o mistério de Deus Uno, mas o que existe no Um, o que existe?”

Ora, este caminho tão simples, tão simples, pode ser vivido por todas as crianças, os sacerdotes, as jovens, os homens, as pessoas casadas. É possível oferecer a todos este caminho para a santidade… Todos podem vivê-lo, basta que o desejem, porque não são mais eles que vivem, é Deus que vive neles. Não sei como explicar, mas pensar nisso me dá até mesmo uma sensação de deslumbramento, de tanta alegria. Sinto uma imensa alegria por ter recebido de Maria o segredo da santidade, de uma santidade popular, universal para todo o povo de Deus. Encontramos aqui o caminho que o Concílio deseja, ou seja, que a santidade deve ser para todos e não se limitar apenas aos conventos, a certas categorias de pessoas. E isso é algo extraordinário. Não sei se os senhores entendem. Uma coisa é dizer: “Você pode se santificar num estado de perfeição”; então seja um frade, uma freira, etc. Outra é poder dizer a todos: existe um caminho no qual você pode se santificar; você, que talvez não possa ir à igreja porque as circunstâncias não o permitem; você, que vive além da Cortina de Ferro1, onde não pode ter contato com os sacerdotes; você, que está preso, pode se santificar vivendo bem a vontade de Deus, perdendo tudo: a liberdade, se alguém estiver numa cadeia; o contato com a Igreja, se alguém vive além da Cortina… Você pode.

Isso é algo realmente extraordinário. Somente Maria podia inventar algo deste tipo. Somente Maria. Só uma mãe que ama a todos e a cada um pessoalmente. Somente ela. Eu não consigo explicar isso de outra forma. É fantástico, é fantástico, é extraordinário. Não sei se os senhores entendem. (Aplausos)

Também porque a simplicidade é uma das coisas mais difíceis de ser entendida, não é verdade? Porque é unidade, é misteriosa.

Portanto, como é possível? Primeiramente é preciso escolher Deus; e depois colocar-se neste caminho (…).

29 maio 2021

Céu e terra

Espiritualidade da Unidade

Quadro di Gabriele Marsili: Cielo e terra

A espiritualidade expressa por Chiara Lubich foi muito cedo definida uma espiritualidade “coletiva”, ou melhor, “comunitária”, isto é, em vista da unidade, do “que todos sejam um” (Jo 17,21). Ela se articula em doze pontos fundamentais, encadeados um ao outro:

    Deus Amor
    A Vontade de Deus
    A Palavra
    O irmão
    O amor recíproco
    Jesus Eucaristia
    A Unidade
    Jesus abandonado
    Maria
    A Igreja
    O Espírito Santo
    Jesus no meio

Para Chiara Lubich, cada ponto da espiritualidade da unidade não é nunca a simples formulação de um projeto amadurecido em sua mente, uma reflexão ou um princípio de teologia espiritual.  É, mais que isso, uma espiritualidade que exige uma adesão imediata, decidida e concreta, algo que suscita a vida. No esplendor da história da Igreja, de seus indivíduos, de seus santos e comunidades, uma característica foi sempre constante: é a pessoa, individualmente, que se dirige a Deus. Isto resta verdadeiro também na espiritualidade da unidade, no sentido que a experiência que o indivíduo faz com Deus e em Deus é única e não se pode repetir. Todavia, a espiritualidade trazida pelo carisma da unidade, confiado pelo Espírito Santo a Chiara, acentua, ao lado desta indispensável experiência espiritual pessoal, a dimensão comunitária da vida cristã. Não é uma novidade em absoluto. O Evangelho é eminentemente comunitário. No passado houve experiências que sublinharam o aspecto coletivo da peregrinação para Deus, especialmente as espiritualidades nascidas daqueles que colocavam o amor como base da vida espiritual. É suficiente citar o exemplo de São Basilio e suas comunidades.

Chiara Lubich traz a “sua” espiritualidade, um modo original, comunitário, de ir a Deus: ser uma só coisa em Cristo, segundo as palavras do Evangelho de João: “Como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, estejam também eles em nós” (Jo 17,21). Em Chiara este torna-se um estilo de vida.

Uma “espiritualidade comunitária” havia sido preconizada por teólogos contemporâneos e é mencionada pelo Concílio Vaticano II. Karl Rahner, por exemplo, falando da espiritualidade da Igreja do futuro, a via «comunhão fraterna na qual seja possível fazer a mesma basilar experiência do Espírito». O Vaticano II ao orientar a sua atenção sobre a Igreja como corpo de Cristo e povo reunido no vínculo do amor da Trindade.

Se Santa Teresa d’Ávila, doutora da Igreja, falava de um «castelo interior», a espiritualidade da unidade contribui para edificar um «castelo exterior», onde Cristo esteja presente e ilumine todas as suas partes.

28 maio 2021

Jesus no meio

Desde o início as focolarinas fizeram uma experiência, que logo aprenderam a expressar com a frase “viver com Jesus no meio”. Talvez nada a possa explicar melhor do que as palavras dos discípulos depois do encontro com o Senhor ressuscitado em Emaús: “Não ardia o nosso coração enquanto ele conversava conosco pelo caminho?” (Lc 24,32). Jesus é sempre Jesus, e embora estando presente só espiritualmente, quando está, explica as Escrituras, faz arder no peito a caridade de Cristo: a vida. Quando alguém o encontra exclama, com uma saudade infinita: “Fica conosco, Senhor, porque anoitece” (Lc 27,29).

A experiência dos discípulos de Emaús é essencial para todos os que se referem à espiritualidade da unidade. Porque no Movimento nada tem valor se não se busca repetidamente a presença prometida por Jesus aos seus – “onde dois ou três estão reunidos em meu nome eu estou no meio deles” (Mt 18,20) -, uma presença que vivifica, alarga os horizontes, consola, estimula à caridade e à verdade.

Escreveu Chiara: “Tendo colocado o amor recíproco em ação, percebemos mais segurança na nossa vida, a vontade mais decidida, uma vida plena. Por quê? Foi logo evidente: por este amor concretizavam-se entre nós as palavras de Jesus: ‘Onde dois ou três estão reunidos em meu nome (ou seja, no meu amor) eu estou no meio deles’ (Mt 18,20). Silenciosamente, como irmão invisível, Jesus se havia introduzido no nosso grupo. E agora a fonte do amor e da luz estava lá, em meio a nós, e não queríamos mais perdê-la. Compreendíamos melhor o que era a sua presença quando, por uma falta nossa, ela desaparecia.

Mas não é que naqueles momentos nós quiséssemos voltar ao mundo que tínhamos deixado. A experiência de ter Jesus em meio a nós era forte demais para que fôssemos atraídas pelas vaidades do mundo, que a sua divina presença havia reduzido às suas ínfimas proporções. Muito pelo contrário, como um náufrago se agarra a qualquer coisa para poder salvar a vida, assim nós procurávamos qualquer método sugerido pelo Evangelho para poder recompor a unidade rompida. Como dois pedaços de lenha cruzados alimentam o fogo, consumando-se, se desejávamos viver com Jesus constantemente presente entre nós, era preciso viver momento por momento todas aquelas virtudes (paciência, prudência, mansidão, pobreza, pureza…) exigidas para que a unidade sobrenatural com os irmãos nunca diminuísse. Entendíamos que Jesus em meio a nós não é um estado conquistado de uma vez por todas, porque Jesus é vida, é dinamismo (…).

‘Onde dois ou mais’. Estas palavras divinas e muitas vezes misteriosas na sua atuação pareceram-nos maravilhosas. Onde dois ou mais… e Jesus não especifica quem, Ele deixa o anonimato. Onde dois ou mais… quem quer que sejam: dois ou mais pecadores arrependidos que se unem em seu nome; dois ou mais jovens, como nós éramos; dois, sendo um adulto e uma criança… ‘Onde dois ou mais’, e vivendo-as vimos desmoronarem barreiras de todos os tipos. Dois ou mais de pátrias diferentes: e caiam os nacionalismos. Dois ou mais de raças diferentes: e caia o racismo. Dois ou mais, inclusive entre pessoas que sempre foram pensadas como opostas, por cultura, classe, idade… todos podiam, ou melhor, deviam unir-se no nome de Cristo.

Jesus em meio a nós foi uma experiência formidável. A sua presença premiava de modo superabundante todo o sacrifício feito, justificava todos os passos dados neste caminho, para Ele e por Ele, dava um sentido correto às coisas, às circunstâncias, confortava os sofrimentos, temperava a alegria excessiva. Quem, sem sutilezas e raciocínios, acreditava nas suas palavras com o encanto de uma criança, e as colocava em prática, gozava deste paraíso antecipado, que é o reino de Deus entre os homens unidos no seu nome”.

Chiara Lubich 






27 maio 2021

Honremos o Espírito Santo

Rocca di Papa, 15 de setembro de 1983
O Espírito Santo abre horizontes inimagináveis na vida de quem o ama.

Caríssimos

No pensamento espiritual anterior falamos do Espírito Santo. E é este o assunto que eu gostaria de retomar hoje para que, conhecendo sempre mais este “Deus desconhecido”, possamos amá-Lo, honrá-Lo e obedecer-Lhe.
É incrível o que o Espírito Santo faz. Vejam só os Apóstolos; a Igreja tinha sido fundada por Jesus na cruz, mas eles estavam praticamente emudecidos, tímidos, amedrontados, fechados em casa.

Desce o Espírito Santo sobre eles e eis que, com grande coragem, saem às ruas e praças, a falar com tal ardor que parecem embriagados. Enfrentam corajosamente todas as perseguições e saem pelo mundo afora.
Este é apenas um exemplo, se bem que da máxima importância, daquilo que faz este Espírito divino, para não falar de tudo aquilo que aconteceu depois sob o Seu impulso, durante os vinte séculos de vida da Igreja: milagres de luz, de graças, de transformações, de renovação. Pensemos nos Concílios, pensemos também nos diversos Movimentos espirituais que Ele sempre despertou em momentos oportunos.
E olhando também o nosso Movimento, mesmo com as devidas proporções, vocês não acham que aconteceu também alguma coisa deste gênero com a nossa Obra, conosco, quando este Espírito divino nos investiu com o dom de um carisma todo seu?

Antes que isso acontecesse, qual o horizonte da nossa vida, senão aquele das pessoas que não enxergam além do próprio bairro, com os pensamentos e os afetos limitados quase que exclusivamente ao círculo da nossa própria família, voltados, como estávamos, unicamente em atingir o ponto máximo de uma profissão, ou, quem sabe, em possuir um carro, uma casa… com o desejo de alegrar mais os nossos dias de folga, no máximo com um filme, ou assistindo uma competição esportiva?
E o que foi que aconteceu em nós quando o Espírito Santo se manifestou com este esplêndido Ideal?

Não foi Ele que nos fez sair do mundo fechado de nós mesmos para pensar no próximo, nos outros, dando-nos a esperança e muitas vezes a certeza de que, com a Sua ajuda, muitos dos problemas que atormentam o mundo podem ser resolvidos?
Não foi Ele que nos deu a coragem de falar às multidões, de uma maneira como nunca teríamos imaginado? Não foi Ele que nos deu também a força de deixar espiritualmente – e muitas vezes concretamente – não só o próprio bairro, mas a própria pátria, o próprio continente, para levar o fogo do Seu amor às mais longínquas regiões do mundo?
Não foi ele também que nos deu a força para enfrentar, dia após dia, os desconfortos, as dificuldades, as contrariedades, e muitas vezes, mantendo a alegria no coração?

É porque Ele nos impeliu a agir assim que pudemos constatar, tão frequentemente, a extraordinária Providência do Pai, que pudemos colher os frutos do nosso esforço, e ver a formação de uma imensa família que já cobre o mundo inteiro!
Se algo – ou muito – renovou-se ao nosso redor, não terá sido também por obra do Espírito Santo, que sabe renovar a face da terra? Sim! Foi Ele. É sua a missão de dar movimento e impulso às coisas, de tornar eficaz a graça, a vida divina que Jesus nos proporcionou. É a característica própria dEle dar força e coragem. E então, se é assim, se Lhe devemos tanto, é nosso dever dar mais espaço ao Espírito Santo, na nossa vida espiritual.

Vimos que Ele está presente na nossa alma. Nós somos Seu templo, somos templos do Espírito Santo. Vimos, portanto, como cada um de nós deve escutar a Sua voz que fala dentro de nós.
Hoje queremos concentrar nossa atenção no fato de que Ele está presente também na alma de cada um de nossos irmãos. Também o irmão é templo do Espírito Santo – ou está destinado a sê-lo.

Sendo assim, vocês não acham que este é um novo motivo para amar de modo ainda mais perfeito cada próximo?
Se diante de um sacrário com Jesus Eucaristia nós mantemos o devido respeito, diante de todos os nossos irmãos – que são igualmente Sacrários do Espírito Santo – não podemos deixar de nos comportarmos do mesmo modo.
Que seja este o pensamento que iluminará o nosso caminho daqui para frente: honremos o Espírito Santo, amando, respeitando e servindo todos os nossos próximos.

 Chiara Lubich                                                                                                                                                              

26 maio 2021

Algumas características do amor ao próximo

Castelgandolfo, 1º de novembro de 2002

Chiara: Prezados irmãos e irmãs ou irmãs e irmãos, é com grande alegria que lhes dou as boas-vindas a este nosso Congresso. Que Deus abençoe este Congresso, o acompanhe e permita que dê ótimos frutos para todos nós, participantes.
O tema que devo tratar hoje é para mim de suma importância, se desejamos construir entre nós e entre muitos aquela fraternidade de que hoje o mundo precisa tanto.
Trata-se do amor ao próximo, aquele amor que se encontra nos mais variados âmbitos religiosos e culturais também sob a forma de misericórdia, de benevolência, de compaixão, de solidariedade. Amor ao próximo que para nós, cristãos, não é um sentimento simplesmente humano, mas, enriquecido por uma centelha divina, se chama caridade, ágape: amor de origem sobrenatural.
Para falar do amor, partirei da minha experiência e comunicarei aos senhores como Deus, desde o início do nosso Movimento, concentrou a nossa atenção no amor.
Quando Deus me chamou para me consagrar a ele para sempre, o fascínio desse chamado era tão único e sublime, pelo fato de eu me ter doado totalmente a Deus e de que Deus, o Imenso, o Infinito Amor me tenha acolhido, que jamais teria desejado que uma pessoa ou coisa rompesse o encanto dessa intimidade com Deus. Se naquele dia, por exemplo, me tivessem dito que surgiria um grande Movimento, algo inexprimível e divino teria se rompido em mim. Esta é a minha impressão.
Todavia, sem demora Deus me esclareceu que, amá-lo, implicava ter também uma relação com o próximo: queria dizer amar, por Deus, todos os irmãos do mundo. E a este propósito, é belo o que diz o Alcorão: «Este é o anúncio agradável que Deus dá aos seus servos que acreditaram, que realizaram o bem. Diga: "Eu não lhes peço outra mercê que o amor ao próximo" (Alcorão 42, 23)."
No início do Movimento, impulsionadas sobretudo pelas circunstâncias dolorosas da guerra, endereçamos o nosso amor aos pobres e esta foi uma escola para nós! Não estávamos acostumadas a amar em sentido sobrenatural. O nosso interesse se voltava, quando muito, aos nossos parentes e amigos.
Ao invés, sob o impulso da graça de Deus, confiando em Deus e na sua providência, passamos a dedicar a nossa atenção a todos os pobres da cidade. Procurávamos fazê-los entrar nas nossas casas e sentar à mesa conosco. Íamos visitá-los e lhes dávamos o que tínhamos recolhido. Nós os visitávamos nos cortiços mais descuidados e procurávamos tratá-los com os remédios.
 Os pobres foram o primeiro objeto do nosso amor porque por meio deles podíamos amar Jesus, que disse: «Cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes» (Mt 25,40). Os pobres constituíam o interesse de muitas outras pessoas que tinham sido atraídas pela nossa nova vida. E era um espetáculo ver chegar da Providência de Deus, em grande quantidade: víveres, vestuário e remédios.
A certa altura, quando centenas de pessoas viviam como nós, pareceu-nos que Deus pedisse exatamente a nós, que também nos tornássemos pobres para servir os pobres e todos. Nesse dia fizemos aquilo que chamamos de "trouxa". Num aposento do primeiro focolare, cada uma de nós colocou no meio o que tinha a mais: um casaco, um par de luvas, um chapéu, até mesmo um casaco de pele, eu lembro. De fato, nos fascinava aquela página maravilhosa sobre os primeiros cristãos, quando em Jerusalém eram um só coração e uma só alma e ninguém dizia que era seu o que possuía, pois tinham tudo em comum e não havia mais necessitados entre eles (Cf. At 3,32.34). Não havia mais necessitados entre eles. Esse é o grande ideal que se descortinava diante de nós, que queríamos atingir antes de tudo entre nós e com todos aqueles que nos seguiam. Por isso as primeiras focolarinas, chamadas por Deus a uma doação total, davam tudo; enquanto que os outros davam o supérfluo. E quem possuía pouco ou nada colocava em comum as próprias necessidades. Nascia assim a "comunhão de bens", que depois se desenvolveu, até o atual projeto de Economia de Comunhão, sobre o qual falaremos nesses dias.
Pelo que sei, este amor pelos pobres é também muito ensinado no Islã, que recomenda muito a esmola, até o zakat, um dos cinco pilares do Islã. A esmola é muito louvada no Alcorão, que ameaça de mandar para o Inferno «aquele (...) que não convidava a alimentar o pobre» (69,34)
e que define bom o homem «que dá aos pobres os seus bens, por amor a Deus, aos parentes, aos órfãos, aos pobres, aos viandantes, aos mendigos e para resgatar os prisioneiros» (2,177)Nós, focolarinos, voltando aos primeiros tempos do Movimento, percebemos que este amor para com os pobres – o amor ilumina sempre – nos levou a compreender que não devíamos amar somente a eles, mas todos os homens indistintamente. De fato, o empenho que Deus nos pedia e nos pede ainda hoje é aquele de tender constantemente à fraternidade universal num só Deus, Criador de todos. Trata-se, portanto, de amar a todos sem distinção, como faz Deus, que manda o sol e faz chover sobre os justos e os injustos (cf Mt 5,45). Não escolhíamos entre o simpático e o antipático, entre o feio e o bonito, entre aquele da minha pátria ou o estrangeiro, entre o branco, o negro e o amarelo, o europeu ou o americano, africano ou o asiático, cristão ou hebreu, muçulmano ou hindu. O amor não conhece alguma forma de discriminação. Reconhecemos esta fé no amor que Deus tem pelas suas criaturas também nos irmãos e irmãs de outras religiões, a começar por aquelas, cujo patriarca é Abraão.
Amar a todos, portanto, sem discriminação. Amar os irmãos individual e coletivamente: amar, portanto os próximos um por um e respeitar cada povo. Isso suscita uma mudança radical de mentalidade, uma revolução. Se todos fizessem unicamente isso, a Terra já seria um Céu.
Amar a todos, inclusive o inimigo. Com efeito, o Evangelho nos ensina esta medida de amor, pois convida a rezar pelos próprios perseguidores (cf. Mt 6,44). Mas também na tradição muçulmana se encontram convites semelhantes, como, por exemplo, neste belíssimo versículo do Alcorão: «Pois o bem e o mal não são iguais, mas você rejeita o mal com um bem maior e verá, então, que aquele que era seu inimigo se tornará um caloroso amigo» (41,34).
Existe outra característica do amor que Deus nos ensinou, creio que é a mais exigente de todas, a mais difícil: trata-se de tomar a iniciativa, de sermos os primeiros a nos mover e não esperar que o outro dê o primeiro passo para amar. E talvez foi para nos ensinar a amar assim que no início do Movimento Deus nos impeliu a amar os necessitados, os pobres, os doentes, os presos, os órfãos, isto é, pessoas que não podiam nos amar primeiro, pois esperavam algo de nós. De resto, este é o estilo de Deus, que não esperou ser amado por nós, mas nos demonstrou desde sempre e de mil maneiras que ele nos ama primeiro.
Uma experiência de vida, no primeiro focolare, foi uma aplicação desse "tomar a iniciativa no amor". Nos primeiros tempos não era sempre fácil para um grupo de jovens viver o radicalismo do amor.
Éramos pessoas como as outras, embora amparadas por um dom especial de Deus, para começar o Movimento, e também entre nós podia se depositar uma certa poeira e fazer diminuir a unidade. Isso acontecia, por exemplo, quando percebíamos os defeitos, as imperfeições dos outros e os julgávamos, de forma que a corrente de amor recíproco se esfriava. Para reagir contra essa situação, decidimos um dia fazer um pacto entre nós, que chamamos "pacto de misericórdia". Decidimos ver todas as manhãs o próximo que encontrávamos no focolare, na escola, no trabalho, etc., de modo completamente novo, sem nos lembrarmos dos seus pontos escuros, dos seus defeitos, cobrindo tudo com o amor. Nós nos aproximávamos dele com uma anistia completa do nosso coração, com um perdão universal. Era um compromisso forte, que todas nós juntas vivíamos e que nos ajudava a tomar a iniciativa no amor, imitando Deus misericordioso, o qual perdoa e se esquece. Temos certeza de que, se não tivéssemos feito um pacto de perdão cotidiano, o Movimento não teria caminhado nem de Trento a Rovereto, que fica a meia hora de distância. Em prática, não teria tido a energia necessária para se difundir.
O Alcorão diz: «Perdoem, aliás, anistiem: vocês também não gostariam de ser perdoados por Deus? Deus na verdade é aquele que perdoa, é indulgente» (24,22)

25 maio 2021

Viver bem cada momento presente

Chiara Lubich fala do momento presente: vivendo bem cada momento podemos adquirir bons hábitos, crescem a caridade, o amor mútuo e a união com Deus. Ao longo do dia, a alma encontra-se invadida pela serenidade, paz e alegria.

[…] Todos nós vivemos o momento presente com variações no modo de aplicá-lo, por meio do pensamento do dia. […] Pois bem, podemos observar que um dos resultados desse modo de viver, quando é perseverante e bastante intenso, é adquirir bons hábitos que antes não possuíamos. Dou-lhes alguns exemplos.

É muito frequente oferecer a Jesus as nossas ações com um “Por Ti”, que transforma o nosso dia numa perene oração; porque vivendo o momento presente nós temos uma graça atual que nos lembra de dizer antes de cada ação: “Por Ti”.

Um outro aspecto: vivendo assim, quando nos encontramos diante das tentações, nos sentimos capazes de nos defender com maior rapidez do que antes.

[…] Damos o devido lugar às ações que devemos realizar, sem querer antecipá-las quando são agradáveis e sem adiá-las, caso sejam difíceis, pois muitas vezes acontece assim.

E ainda: do nosso coração brotam palavras espontâneas de encorajamento, de estima, de louvor pelos irmãos com quem vivemos ou por aqueles que, de alguma forma, encontramos ou com os quais nos comunicamos pelo telefone, por exemplo, por carta ou preparando discursos, aulas e assim por diante. Conseguimos reconhecer Jesus neles com maior frequência, de forma que a nossa caridade, crescendo e tornando-se pouco a pouco mais refinada, nos garante uma maior profundidade também na nossa união com Deus.

Um outro aspecto: não nos esquecemos de cumprimentar e adorar Jesus, vivo no sacrário, toda vez que passamos perto dele ou quando uma cruz ou uma imagem sua nos faz lembrar dele.

[…] Não só, percebemos que é mais fácil manter vivo o amor mútuo durante o dia inteiro. Para cristãos como nós, isso é importantíssimo. De fato, a Escritura diz que a atuação do Mandamento novo, nos torna perfeitos: ‘Se nos amamos uns aos outros Deus permanece em nós, e seu amor é perfeito em nós”*.

Temos que reconhecer que antes, mesmo havendo muita boa vontade da nossa parte, a caridade mútua sofria oscilações; é verdade que procurávamos recomeçar sempre, mas havia interrupções.

Tendo-nos tornado mais perfeitos nas pequenas coisas, sabemos realizar de modo melhor também as grandes. Desse modo, ao longo do dia, a alma encontra-se invadida pela serenidade, paz e alegria.

Todos esses hábitos adquiridos são virtudes que embelezam a nossa alma. É exatamente uma bela coleção de virtudes […].

Pois bem, se podemos constatar tudo isso e muito mais em nós, quando vivemos com constância o momento presente, então podemos concluir que estamos no caminho certo. […]

Chiara Lubich

 

(em uma conexão telefônica, Castel Gandolfo 23 de outubro de 2003)

24 maio 2021

Lançar no Pai todas as nossas preocupações

«(…) a nossa espiritualidade é totalmente baseada num ponto que praticamente lhe deu origem: a fé no amor de Deus! Sermos conscientes de que não estamos sós, não somos órfãos, porque acima de nós existe um Pai que nos ama.

Uma das aplicações desta fé acontece quando temos alguma preocupação ou quando estamos apreensivos por algum motivo. Às vezes é o medo do futuro, são as preocupações com a saúde, os alarmes por possíveis perigos, a apreensão pelos nossos parentes ou pelo trabalho, a incerteza quanto a atitudes a tomar, o sobressalto diante de notícias negativas, os temores de toda espécie…

Pois bem, nestes momentos de suspensão, Deus quer que acreditemos no seu amor e pede a nós um ato de confiança. Se somos realmente cristãos, Ele deseja que tiremos proveito destas circunstâncias dolorosas para demonstrar-lhe que acreditamos no seu amor. Isto significa acreditar que Ele é nosso Pai e cuida de nós; significa, portanto, lançar nas suas mãos todas as nossas preocupações; descarregá-las sobre ele.

A Escritura diz: “Lançai sobre Ele toda a vossa preocupação, porque é Ele que cuida de vós” (1 Pd 5,7). (…) O fato é que Deus é Pai e deseja a felicidade de seus filhos. Por este motivo Ele mesmo assume sobre si todos os seus pesos. Além disso, Deus é Amor e quer que os seus filhos sejam amor.

Ora, todas estas preocupações, ansiedades, temores bloqueiam a nossa alma, fecham-na sobre si mesma e impedem que ela se abra a Deus, fazendo sua vontade, e se abra para o próximo, “fazendo-se um” com ele para amá-lo como convém.

Nos primeiros tempos do Movimento, quando a pedagogia do Espírito Santo começava a nos ensinar os primeiros passos no caminho do amor, “lançar todas as preocupações nas mãos do Pai” era algo de todos os dias. De fato, deixávamos um modo meramente humano – que tínhamos mesmo sendo cristãs – para penetrar num modo de viver sobrenatural, divino. Começávamos a amar. E as preocupações são obstáculos ao amor. O Espírito Santo devia ensinar-nos um modo de eliminá-las. E de fato nos ensinou!

Lembro-me que dizíamos: Assim como não podemos segurar uma brasa ardente na mão, mas a largamos imediatamente para não nos queimarmos, do mesmo modo, com a mesma pressa, devemos lançar no Pai cada preocupação. E não me lembro de alguma preocupação entregue ao coração do Pai, de que Ele mesmo não tenha cuidado. (…).

Entreguemos, então, a Ele todas as preocupações e seremos livres para amar. Correremos mais no caminho do amor, o qual, como sabemos, nos conduz à santidade».

C.Lubich, BUSCAR AS COISAS DO ALTO, Editora Cidade Nova, São Paulo 1993, págs. 23-25

23 maio 2021

Não mornos

 O nosso amor precisa ser constantemente reavivado por atos de amor cada vez mais perfeitos e sinceros. Chiara Lubich compara o amor ao próximo a um fogo alimentado pela lenha, para demonstrar a Deus e ao próximo o nosso empenho.


Focalizar novamente […] com maior convicção o nosso ideal, que pode ser resumido no amor recíproco, reforçar a nossa unidade, propondo-nos ampliá-la o máximo possível.

[…] De fato, o fogo – e aqui se trata de fogo – não se mantém se não for continuamente alimentado com lenha, palha, etc. Também o nosso amor tem necessidade de ser constantemente reavivado por atos de amor cada vez mais perfeitos e sinceros.

E disso não tem necessidade apenas aqueles que estão no início da vida espiritual ou um pouco mais adiantados. Mesmo quem tentou praticar por muito tempo a caridade pode cair numa certa rotina da caridade, que deixa assim de ter o esplendor e o calor da chama, mas lentamente vai diminuindo e se escondendo por completo sob as cinzas. É quando, por exemplo, na nossa vida cotidiana, deixa de ser espontâneo declarar entre os irmãos a própria unidade. É quando constatamos que a nossa caridade não surte efeito, a sua irradiação diminui cada vez mais, somos pouco úteis para o Reino, os frutos diminuem; tornamo-nos mornos.

Por isso é necessário nos lembrarmos de reavivar continuamente o fogo, de estarmos sempre prontos a amar.

Sim, porque Deus detesta os mornos. Diz a Escritura: “Não és frio nem quente. Oxalá fosses frio ou quente! Assim, porque és morno, nem frio nem quente, estou para te vomitar de minha boca”*.

Isso é terrível. Mostra a urgência de voltarmos a ser sempre quentes, de possuirmos uma caridade de fato fervente.

[…] Então, vamos em frente! Examinemo-nos com frequência: colocamos lenha no fogo? O nosso amor é fraco ou ardente? Aproveitamos todas as ocasiões para demonstrar a Deus e ao próximo o nosso fervor?

Se assim for, também graças ao nosso esforço, Deus levará para a frente o seu e nosso projeto. […] Lembremo-nos somente destas palavras: não mornos, mas ardorosos.

Chiara Lubich

(em uma conexão telefônica, Rocca di Papa, 28 de fevereiro de 1991)
Tirado de: Chiara Lubich, Conversazioni in collegamento telefonico, Città Nuova Ed., 2019, pag. 422.
* Ap 3, 15-16.

22 maio 2021

Espaço, não revanche

 Maria Voce: “Espaço, não revanche”
12 Janeiro 2018



Entrevistada pelo famoso semanal católico italiano “Famiglia Cristiana”, Maria Voce, presidente dos Focolares, responde sobre os temas do papel da mulher e dos desafios atuais da Igreja.
“As mulheres, o futuro da Igreja?” é o título do artigo-entrevista de Alberto Chiara, em página dupla, ilustrado por amplas fotos, na edição especial de fim de ano da revista publicada pela San Paolo. Mas no decorrer da entrevista o tema se alarga, passando do papel da mulher na Igreja aos desafios abertos pelo pontificado de Francisco para ir ao encontro dos pobres e dos marginalizados, até o empenho de diálogo com as novas gerações, ao qual em outubro será dedicado um Sínodo dos bispos, precedido por uma série de eventos pré-sinodais de grande relevo.
As mulheres salvarão a Igreja? «Ela já foi salva por Jesus Cristo» responde sinteticamente Maria Voce. «Vale aquilo que fazem, juntos, os homens e as mulheres das várias comunidades». O jornalista pressiona, recordando as recentes nomeações do Papa Francisco, em dois Dicastérios chave – aquele para os leigos e aquele para a família e a vida – de duas mulheres, ambas casadas e com filhos, Linda Ghisoni e Gabriella Gambino (docente universitária e Juíza instrutora do Tribunal para as causas de nulidade de matrimônio no Lácio, a primeira; professora de Bioética e Filosofia do Direito na Universidade romana de Tor Vergata e de Ciências do Matrimônio e da Família no Pontifício Instituto Teológico João Paulo II, a segunda). «Tenho a impressão de que no Papa Francisco haja a intenção de afirmar uma relação autêntica, verdadeira, de complementariedade entre a mulher e o homem» rebate Maria Voce. «Naturalmente esta relação sempre existiu. No início “Deus criou o homem, homem e mulher”. Criou dois seres diferenciados os quais, juntos, constituem a humanidade».
Depois de tanto machismo, é tempo de revanche para as mulheres? «O Papa Francisco quer que a mulher tenha, como o homem, a possibilidade de se manifestar dentro da Igreja, assumindo inclusive papéis de responsabilidade crescente, mas sem esmagar o homem, quando muito evidenciando os próprios dotes, aquela particular capacidade geradora e de maternidade. Portanto, nenhuma revanche, mesmo se as mulheres até aqui não tiveram espaço adequado. Na Igreja como na sociedade».
Sobre o estado de saúde da Igreja nesta época, Maria Voce comenta: «Estou muito feliz por viver nesta época, com esta Igreja». «Não poderíamos ter momento melhor». E acrescenta: o traço característico que mais me convence é «a serenidade de fundo que marca a relação entre o Pontífice e o povo de Deus. Francisco é um Papa sempre generoso em acolher, pronto a abrir, atento a compreender as dificuldades da humanidade». Não esconde as dificuldades do momento, inclusive internas da Igreja, mas «cada tempo tem as suas dificuldades. Os nossos dias não fogem à regra. Muitas vezes penso no quanto deve sofrer o papa Bergoglio por não se sentir compreendido, bombardeado com julgamentos severos por palavras reportadas fora de contexto…». Devendo escolher primeiro uma, depois duas palavras que definam o atual pontífice, a presidente dos Focolares indica “caridade” e “verdade”, mas especifica: «Uma não exclui a outra. Bergoglio sabe que algumas coisas que ele diz ou que ele faz podem causar incômodo, podem não ser entendidas completamente por todos. Mas continua, movido por amor, para melhorar, corrigindo certas situações». Sobre os setores de predileção do atual Pontífice, Emmaus observa: «A atenção insistente do Papa para com os pobres, os doentes, os marginalizados, a sua capacidade de se inclinar sobre quem erra, não lhe faz esquecer outras categorias».
Diante de uma Igreja cada vez mais aberta ao diálogo em paridade com todos, Maria Voce exprime um sonho: «Que o Papa promova um dia de oração em comum e convide os chefes das outras Igrejas, ortodoxos, anglicanos, luteranos, metodistas, batistas… para rezarem juntos uma vez por ano, durante a Semana de oração pela unidade dos cristãos ou em outro momento. Creio que se os fiéis vissem os seus chefes rezarem juntos habitualmente, descobririam possível a unidade na diversidade». A conclusão da entrevista é dedicada, com uma frase de efeito, aos jovens, aos quais a Igreja pretende se dedicar este ano com atenção especial: «Nós, adultos, deveríamos ouvi-los».

21 maio 2021

Como crescer na união com Deus

2 de janeiro de 1982

Para realizar plenamente a nossa humanidade, Chiara nos indica dois caminhos que estão na base de qualquer crescimento

Chiara, sinto que, quando rezo, quando faço meditação ou quando amo os outros, não consigo fazê-lo tão profundamente como deveria. O que fazer para poder adquirir uma unidade verdadeiramente profunda com Deus?

No fundo o que você quer saber é como adquirir uma autêntica união com Deus.
Olhe: a estrada é dupla: eu encontrei dois caminhos para chegar a este resultado. O primeiro é abraçar a cruz e a cruz significa ir em profundidade.

Uma planta quanto mais enterra as suas raízes mais cresce em altura, quanto mais se abraça a dor mais se vai em direção a Deus. Fizeram-me muita impressão umas plantas que existem no Japão, muito pequeninas, assim, são plantas anãs, são muito engraçadas, mas não se pode negar que são anãs. Eu soube que, para que sejam assim, cortam-lhes as raízes.
Acontece o mesmo conosco: se cortarmos as raízes do sofrimento (da dor), se não abraçarmos a dor, permanecemos almas anãs, pequenas, sem a amplidão que dá a união com Deus. Se, pelo contrário, abraçarmos sempre a dor que chega no dia a dia, bem, por amor a Jesus abandonado, então a união com Deus aumenta. Outro modo que encontrei, é fazer momento por momento a vontade de Deus. Agora me explico. Você dirá: eu também faço o mesmo; os outros também dirão: eu também quero fazê-la. Mas é preciso fazê-la de uma certa maneira.
É preciso preferi-la acima de todas as outras coisas da terra, que fazemos na terra. Você diz: eu agora vou jogar, por isso faço a vontade de Deus; depois estudo, por isso, faço a vontade de Deus, depois almoço, portanto faço a vontade de Deus. Porém no fundo do coração você gosta mais de estudar ou ir jogar, u ir… e vive o dia inteiro à espera daquele instante. É normal… acontece também comigo.
Por exemplo, eu gosto de trabalhar; mas gosto menos de dormir, gosto menos de comer. Eu entendi que está errado. Se eu amo a Deus sobre todas as coisas, tenho que concentrar a minha atenção na vontade de Deus, tenho que gostar da vontade de Deus e basta. Portanto, lindíssimo aquele jogo, se é vontade de Deus; estupendo descansar, porque é vontade de Deus.
Concentrar ali, a vontade de Deus, colocar o nosso coração ali, na vontade de Deus. Encontro uma pessoa e não quero olhar para ela, mas é vontade de Deus… então você passa a gostar. Se você fizer assim, Deus se sente amado, porque vê que todos os seus prazeres desapareceram e gosta só dele, da sua vontade, seja qual for, gosta dela. Então, Ele se manifesta na oração e você sente a união com Deus.
É bom experimentar e depois verá…

Chiara Lubich

20 maio 2021

Maria

Maria, a Mãe de Deus, esteve presente na vida do Movimento desde os primórdios, e ainda antes, como testemunha o fato de Loreto, em 1939, quando Chiara foi visitar a casa da família de Nazaré. Inúmeras vezes Chiara recordou um episódio, durante um terrível bombardeio que poderia ser fatal para ela suas primeiras companheiras. Naquele instante recordava ter percebido, pessoalmente, algo que se referia a Maria: «Coberta de poeira, que invadia todo o abrigo – ela contava – levantando-me do chão, quase por milagre, no meio dos gritos das pessoas, eu disse às minhas companheiras: “senti uma grande aflição na alma, agora, enquanto estávamos em perigo, a dor de não poder mais recitar, aqui na terra, a Ave Maria”. Naquele momento eu não podia captar o sentido daquelas palavras e daquele sofrimento. Talvez inconscientemente exprimisse o pensamento que, permanecendo ainda vivas, com a graça de Deus, teríamos podido dar graças a Maria com a obra que estava para nascer».

Por isso não surpreende que Obra de Maria seja o nome oficial do Movimento dos Focolares. Nem que tenha chamado “Mariápolis” os seus principais encontros, e que as suas pequenas cidades sejam “Mariápolis permanentes”, e que todos os centros de formação sejam definidos como “Centro Mariápolis”, e que Mariápolis seja também o nome de uma publicação.

Em 2000 Chiara escreveu: «Maria tinha usado para o nosso Movimento o mesmo método que utilizara para a Igreja: manter-se na sombra para dar todo o relevo a quem o devia ter, isto é, o seu Filho que é Deus. Mas quando chegou o momento do seu ingresso – por assim dizer, oficial – no nosso Movimento, ela se mostrou, ou melhor, Deus a revelou grande em proporção de quanto tinha sabido desaparecer. Foi em 1949 que Maria disse ao nosso coração, verdadeiramente algo de si. Aquele foi um ano de graças especiais, talvez um “período iluminativo” da nossa história. Entendemos que Maria, incrustada como rara e única criatura na Santíssima Trindade, era inteiramente Palavra de Deus, era toda revestida da Palavra de Deus. E se o Verbo, a Palavra, é a beleza do Pai, Maria, substanciada de Palavra de Deus, era de uma beleza incomparável.

Foi tão forte a nossa impressão, diante desta compreensão, que até hoje não podemos esquecê-la. Aliás, compreendemos como então nos parecia que somente os anjos poderiam balbuciar algo sobre ela. Vê-la assim nos atraiu e fez nascer um amor novo por Ela. Amor ao qual ela respondeu evangelicamente, manifestando-se mais claramente à nossa alma na sua realidade de Mãe de Deus. Theotókos. Não apenas, portanto, a jovenzinha de Nazaré, a mais bela criatura do mundo, o coração que contém e supera todos os amores das mães do mundo, mas: a Mãe de Deus. E naquele momento – não sem uma graça de Deus – Maria nos revelou uma dimensão de si mesma que, até então, para nós havia permanecido totalmente ignorada. Sim, porque antes víamos Maria diante de Cristo e dos santos – para fazer uma comparação – como no céu se vê a lua (Maria), diante do sol (Cristo) e as estrelas (os santos). Agora não. A Mãe de Deus abraçava, como um enorme céu azul, o próprio sol (…).

Mas esta nova, luminosa compreensão de Maria, não permanecia pura contemplação (…). Tornou-se claro que Maria representava para nós um modelo, o nosso “dever ser”, enquanto víamos cada um de nós como um “poder ser” Maria».

Centro Santa Chiara

19 maio 2021

A Desolada: a Santa por excelência

Maria, aos pés da cruz, naquele dilacerante «stabat» que a torna um mar amargo de angústia, é a expressão mais alta, em uma criatura humana, da heroicidade de toda virtude. Ela é a mansa por excelência, a dócil, a pobre, a tal ponto que perdeu o seu Filho Deus; a justa que não se lamenta de ser despojada daquilo que lhe pertence por mera eleição; a pura no desapego afetivo a toda prova do seu Filho Deus… Em Maria Desolada encontra-se o triunfo das virtudes da fé e da esperança pela caridade que a acendeu durante toda a vida e a inflamou na participação tão viva na Redenção.
Maria, na sua desolação que a reveste de todas as virtudes, ensina-nos a cobrir-nos de humildade e paciência, de prudência e de perseverança, de simplicidade e de silêncio, para que na nossa própria noite, do humano que existe em nós, brilhe no mundo a luz de Deus que habita em nós. Maria no seu sofrimento é a Santa por excelência, um monumento de santidade, que todos os homens que existem e existirão podem contemplar, para aprender a se revestir da mortificação ensinada há séculos pela Igreja e que os santos, com notas diversas, ecoaram em todos os tempos.
Pensamos muito pouco na «paixão» de Maria, nas espadas que traspassaram o seu Coração, no terrível abandono que sentiu no Gólgota, quando Jesus a confiou a outros…
Talvez tudo isso dependa do fato de que Maria soube bem demais cobrir de doçura, e de luz, e de silêncio a sua angustiante e viva agonia.
No entanto: não há dor igual à sua…
Se, um dia, os sofrimentos chegarem a certos ápices em que tudo em nós dá impressão de rebelar-se, porque o fruto da nossa “paixão” parece ter sido tirado das nossas mãos e, mais ainda, do nosso coração, lembremo-nos de Maria.
Será com esse gelo que ficaremos um pouco parecidos com ela; que se delineará melhor em nossas almas a figura de Maria, a toda bela, a Mãe de todos, porque de todos, mormente de seu divino Filho, desapegada por vontade divina.
A Desolada é a Santa por excelência.
Quisera revivê-la na sua mortificação.
Quisera saber ficar sozinha com Deus como Maria ficou, no sentido de que, mesmo entre irmãos, possa sentir-me impelida a fazer de toda a vida um diálogo íntimo entre a alma e Deus.
Devo mortificar palavras, pensamentos e atos que estejam fora do momento de Deus, para engastá-los no instante a eles reservado.
A Desolada é certeza de santidade, fonte perene de união com Deus, vaso transbordante de alegria».
 
Chiara Lubich,

18 maio 2021

Entrevista com Chiara - José Maria Poirier

Rocca di Papa, 19 de fevereiro de 1998

Jornalista: […] A primeira pergunta toca o tema do diálogo inter-religioso. Diálogo que o Movimento propõe e abriu com pessoas de várias convicções religiosas e tradições. 

Chiara:
O fato é este: Jesus, vindo à Terra, redimiu toda a humanidade, todos os homens. Ele constituiu a Igreja. Porém, a sua redenção abraçou todos. Por isso, todos, se tiverem reta intenção, […]  teriam a possibilidade de se salvar. Estamos muito conscientes disso. Portanto, nos aproximamos dessas  pessoas de outras religiões, sabendo que amanhã poderão ir para o Paraíso e nós, talvez, não.
Portanto, a atitude que temos – e este é o ponto importante para nós -, é aquela de amá-los como Cristo os amou e amá-los sem discriminação alguma, dando-lhes tudo aquilo que o amor nos leva a doar. Justamente porque os amamos, fizemos uma grandíssima descoberta. Quase todas as grandes religiões: o budismo, o hinduísmo, o hebraísmo, o islamismo possuem uma fórmula que é tipicamente cristã, porque é uma frase do Evangelho: “Não faça aos outros aquilo que você não gostaria que fosse feito a você; faça aos outros o que gostaria que fosse feito a você”. Todos possuem esta frase que é chamada a “regra de ouro”, porque é de todas as escrituras e de todas essas religiões.

Então, o que fazemos? Nós vivemos o nosso amor sobrenatural, que é uma participação do mesmo amor de Deus, da vida trinitária… Eles nos encontram com o amor que possuem, que não é simplesmente, não sei, a não-violência, mas é uma atitude positiva de amor. […] Nestes encontros nós criamos uma fraternidade que não é a unidade em Cristo, como aquela que pode… existir na Igreja ou entre os cristãos, mas é a fraternidade universal instaurada pelo amor. […]

Jornalista: Na sua opinião, por que o carisma da unidade teve toda essa incidência no mundo, em muitos países e em pessoas de diversas condições sociais e culturais?

Chiara: Porque é Deus o Ideal e Ele tem a ver com todos. É pai de todos, de todas as culturas, de todas as religiões, de todas as nações, de todas as vocações, de ambos os sexos.

Jornalista: O que significou para a senhora, na sua vida pessoal, o carisma da unidade?

Chiara: Tenho que dizer assim, pois nasceu há 53 anos. É um caminho. Procurei assimilá-lo cada vez mais, mais, mais, assim como era capaz. Errando, recomeçando, recomeçando, errando, indo em frente, fazendo progressos. Significou o meu caminho para Deus.

Jornalista: Gostaria de perguntar, Chiara, sobre dois temas centrais da espiritualidade do Movimento dos Focolares: Jesus no meio, a presença de Jesus no meio da comunidade, e o mistério de Jesus abandonado, Cristo na cruz. 

Chiara: Jesus no meio é a realização de uma frase do Evangelho onde Jesus diz que, quando duas ou mais pessoas se unem no seu nome, que significa no seu amor. Ele está ali presente. Mas foi dito também de outro modo: “Onde existe a caridade e o amor ali está Deus”, diz um canto do… e esta é a realização. Portanto, é algo grande, isto é, ter entre nós, talvez na família, no escritório, até no parlamento a presença de Cristo entre nós. Ele nos ajuda, Ele nos guia, Ele nos ilumina. 
Jesus abandonado é a expressão da maior dor que Jesus sofreu na Terra, quando no vértice da cruz gritou: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” Pode-se explicar pelo fato de que Ele se cobriu de todos os pecados do mundo, os quais tinham separado os homens de Deus e entre eles. Ele assumiu toda a separação e por isso gritou: “Meu Deus, por que me abandonaste?” como se Ele fosse a voz da humanidade que está separada de Deus. Encontramos nele a solução para recompor a unidade nas diversas partes do mundo, em todas as situações.

Jornalista: O que a senhora entende dizer por uma espiritualidade coletiva?

Chiara: Entendo dizer que não se vai para Deus sozinho, mas junto com outros. A nossa espiritualidade se baseia no amor e de modo especial também no amor recíproco, que é o mandamento típico de Jesus. Ele disse que é seu, que é novo. Naturalmente, no amor recíproco somos pelo menos dois, porque é preciso… Existe a reciprocidade. Portanto, não é um caminho que percorremos sozinhos, mas um caminho percorrido juntos.

Jornalista: Como almejar, Chiara, a unidade, respeitando as várias culturas?

Chiara: É preciso saber respeitar, mas é o amor que ilumina, que faz compreender o outro, aliás, que faz com que cada um se torne rico do patrimônio do outro. Portanto, é um enriquecimento. Nós dizemos que é preciso se tornar homens mundo, no sentido de contatar todas as pessoas, procurando enriquecer-nos da riqueza do outro e, naturalmente, comunicando também a riqueza que temos dentro de nós, mas não existem obstáculos para quem ama. […]

Jornalista: Em que base se apoia o diálogo entre pessoas de diferentes culturas e diferentes crenças religiosas?

Chiara: Nós temos um diálogo com pessoas de diferentes religiões, inclusive sem fé, porque vemos que, embora não acreditem em Deus, no sobrenatural, acreditam em certos valores. Visto que Jesus é o homem Deus, existe uma parte humana e uma parte divina na única pessoa do Cristo, também todos os valores puramente humanos têm um significado no cristianismo e nós sentimos que, se podemos lhes oferecer o nosso espírito, a nossa espiritualidade, que se concentra ainda numa palavra que é amor, eles podem nos oferecer realmente a experiência de terem vivido, de terem apreciado, de terem trabalhado por muitos valores: a solidariedade, a paz, a unidade, a liberdade, certas vezes, assim.

Jornalista:  Gostaria de perguntar à senhora, que é uma personalidade da vida espiritual: qual é o sentido da dor na vida do homem?

Chiara: A dor tem um grande sentido, um grande sentido. A cruz é o equilíbrio da humanidade. Se não tivermos a cruz, esvoaçamos como as borboletas que não sabem onde pousar; ao passo que a dor dá sentido à nossa vida. Não só, mas é o caminho direto para ter a união com Deus. Quem sofre, ao se recolher, encontra, em geral, a união com Deus e a união com Deus é a base para poder viver como cristão, para poder viver também como ser humano.

Jornalista: Como almejar, Chiara, a unidade, respeitando as várias culturas?

Chiara: É exatamente o que eu disse antes: é preciso respeitar os outros; é preciso amar os outros. Deixar que o outro seja aquilo que é. Para isso, nós devemos viver o não-ser para conseguirmos entrar neles. Alguém disse que é preciso entrar na pele do outro. Um escritor diz que é preciso entrar na pele do outro para compreender as coisas como ele as compreende. Então… assim existe a unidade, porque nós nos fazemos um com o outro e ele se faz um conosco, mesmo na diversidade… De certo modo, é como entre as Pessoas da Santíssima Trindade que são muito diferentes: o Padre não é o Filho, o Filho não é o Pai, um e outro não são o Espírito Santo, mesmo assim são um, porque todas as Pessoas são amor. […]

Jornalista: A senhora é cristã e católica. Alguma vez e conduzida por Deus, encontrou no diálogo profundo com outras religiões certas riquezas que não conhecia ou todas evocavam algo que já havia na senhora?

Chiara: Não, não, encontrei coisas que não conhecia, mas simplesmente porque às vezes nós pensamos, […] também nos séculos passados, que já descobrimos [todo] o cristianismo. Na verdade, nós o descobrimos só até certo ponto; nos próximos séculos ele será descoberto num nível ainda mais profundo, ainda mais profundo, ainda mais profundo. Certas pessoas, em certas religiões chegaram… simplesmente com a religião delas, mas também com a ajuda do Espírito Santo, chegaram a profundidades, em certos particulares, que nós ainda não atingimos. Um dia descobriremos que são as ‘sementes do Verbo’, isto é, também ali existem princípios da verdade, presenças do Verbo de Deus que nós ainda não descobrimos. Não sei, para dar um exemplo. Estive na Tailândia. Encontrei lá uma tal sabedoria, uma tal ascética, um tal desapego de si mesmos, que é difícil encontrar aqui. Assim.

Jornalista: Obrigado, Chiara.

17 maio 2021

Um instrumento indispensável para a fraternidade

No mundo moderno a obediência não é avaliada na sua justa medida. O sopro de liberdade, de fraternidade e de igualdade que dimanou da revolução francesa entrou nos nossos jornais, nos nossos pátios, nas nossas casas e, também, nas nossas paróquias e nos nossos conventos. (…) Não é raro, portanto, encon­trar no nosso inconsciente uma oculta desconfiança no que diz respeito àquela preciosa virtude, como se ela estivesse em contraposição com a descoberta evangélica de que todos somos irmãos em Cristo.
A obediência não implica uma abdicação da própria personalidade, uma humilhação desumana. Ela, ao con­trário, ajuda-nos a sermos verdadeiramente nós próprios, a desenvolver o nosso eu, porque nos insere num contexto social que é indispensável, humana e divina­mente, à verdadeira manifestação das nossas capaci­dades.
Quando a vontade daquele que é superior a mim, legitimamente investido no governo civil ou eclesiástico, me indica aquilo que devo querer, ou aquilo que devo abandonar, ainda que isto choque com os meus projetos, com o meu modo de pensar, eleva-me sempre a um plano mais vasto e geral, ao plano do bem comum.
Aquela limitação que experimento, aquele choque pelo contraste que se gera, é a contribuição neces­sária ao meu desenvolvimento. Naquele momento a minha humanidade cresce, torna-se mais plena. E quanto mais me encontro unido aos outros, mais redescubro a minha fraternidade com os outros. Ela, de fato, é fruto da comunhão. A obediência, longe de estar em oposição à frater­nidade humana, torna-se um meio indispensável para a sua realização.( …)
Muitas vezes, quando se fala desta virtude, são apresentados apenas os aspectos ascéticos: como pro­gride a alma que renuncia à própria vontade, quanto se livra das paixões, etc. É certamente verdadeiro, mas ela nos dá algo melhor: faz-nos participar misticamente da humanidade de Cristo; permite-nos experimentar no nosso coração os mesmos sentimentos de Jesus (Fil. 2, 5).
Maria Santíssima é o modelo por excelência desta obediência interior: quando responde ao anjo: “Eis a serva do Senhor”; quando, para obedecer ao decreto do imperador romano, se dirige a Belém; quando “apressadamente” segue a inspiração e vai assistir Isabel; quando nas bodas de Caná pede a Jesus o milagre; quando no Calvário dá o Filho de Deus ficando com João; quando no meio dos apóstolos reza na espera amorosa do Espí­rito Santo. A sua vida é um contínuo obedecer somente a Deus, justamente obedecendo aos homens e às circuns­tâncias.
Revivendo Maria em nós, participaremos da sua mesma intimidade, da sua mesma docilidade. Como o focolarino André Ferrari que, agonizante, com um sorriso nos lábios, dizia, a quem o preparava para aceitar a vontade de Deus, sorridente com uma serenidade que mani­festava a sua íntima união com Ele: “Aprendemos a reconhecê-la sempre, até mesmo no sinal vermelho de um semáforo.”

De: Pasquale Foresi – Palavras de Vida – Cidade Nova, Portugal 1963 – págs. 80-83

16 maio 2021

Trabalho a dois

Grande sabedoria é passar o tempo de que dispomos, vivendo com perfeição a vontade de Deus, no momento presente.
Mas, às vezes, somos assaltados por pensamentos tão obsessivos, relacionados ao passado, ao futuro, ou ao presente, mas ligados a lugares, circunstâncias ou pessoas, a quem não nos podemos dedicar diretamente, que custa um sacrifício enorme manejar o leme da barca de nossa vida, mantendo a rota no que Deus quer de nós, naquele momento presente.

Então, para viver perfeitamente bem, é necessária uma vontade, uma decisão, mas sobretudo uma confiança em Deus que pode alcançar o heroísmo.

“Não posso fazer nada naquele caso, nada por aquele ente querido, que corre risco ou está doente, nada naquela situação intrincada...
Pois bem, farei o que Deus quer de mim neste momento: estudar direito, varrer direito, rezar direito, cuidar direito dos meus filhos...
E Deus se ocupará de desemaranhar aquela meada, de confortar quem sofre e de resolver aquele imprevisto”.
É um trabalho feito a dois em perfeita comunhão, que exige de nós uma grande fé no amor de Deus por seus filhos e que, pelo nosso modo de agir, dá ao próprio Deus a possibilidade de confiar em nós.

Essa confiança recíproca opera milagres.
O que vai acontecer é que, aonde nós não conseguimos chegar, Outro realmente conseguiu, e fez muitíssimo melhor do que nós.
O ato de confiança heróico será premiado; nossa vida, limitada a um campo só, ganhará nova dimensão; sentir-nos-emos em contado com o infinito, pelo qual ansiamos, e a fé, revigorando-se, fortalecerá em nós a caridade, o amor.
Não lembraremos mais o que a solidão significa. Saltará mais evidente, mesmo porque a experimentamos, a realidade de que somos de fato filhos de um Deus Pai que tudo pode.

Chiara Lubich

15 maio 2021

Não mornos, mas ardorosos

O nosso amor precisa ser constantemente reavivado por atos de amor cada vez mais perfeitos e sinceros. Chiara Lubich compara o amor ao próximo a um fogo alimentado pela lenha, para demonstrar a Deus e ao próximo o nosso empenho.

Focalizar novamente […] com maior convicção o nosso ideal, que pode ser resumido no amor recíproco, reforçar a nossa unidade, propondo-nos ampliá-la o máximo possível.

[…] De fato, o fogo – e aqui se trata de fogo – não se mantém se não for continuamente alimentado com lenha, palha, etc. Também o nosso amor tem necessidade de ser constantemente reavivado por atos de amor cada vez mais perfeitos e sinceros.

E disso não tem necessidade apenas aqueles que estão no início da vida espiritual ou um pouco mais adiantados. Mesmo quem tentou praticar por muito tempo a caridade pode cair numa certa rotina da caridade, que deixa assim de ter o esplendor e o calor da chama, mas lentamente vai diminuindo e se escondendo por completo sob as cinzas. É quando, por exemplo, na nossa vida cotidiana, deixa de ser espontâneo declarar entre os irmãos a própria unidade. É quando constatamos que a nossa caridade não surte efeito, a sua irradiação diminui cada vez mais, somos pouco úteis para o Reino, os frutos diminuem; tornamo-nos mornos.

Por isso é necessário nos lembrarmos de reavivar continuamente o fogo, de estarmos sempre prontos a amar.

Sim, porque Deus detesta os mornos. Diz a Escritura: “Não és frio nem quente. Oxalá fosses frio ou quente! Assim, porque és morno, nem frio nem quente, estou para te vomitar de minha boca”*.

Isso é terrível. Mostra a urgência de voltarmos a ser sempre quentes, de possuirmos uma caridade de fato fervente.

[…] Então, vamos em frente! Examinemo-nos com frequência: colocamos lenha no fogo? O nosso amor é fraco ou ardente? Aproveitamos todas as ocasiões para demonstrar a Deus e ao próximo o nosso fervor?

Se assim for, também graças ao nosso esforço, Deus levará para a frente o seu e nosso projeto. […] Lembremo-nos somente destas palavras: não mornos, mas ardorosos.

Chiara Lubich

(em uma conexão telefônica, Rocca di Papa, 28 de fevereiro de 1991)
Tirado de: Chiara Lubich, Conversazioni in collegamento telefonico, Città Nuova Ed., 2019, pag. 422.
* Ap 3, 15-16.

14 maio 2021

Chiara Lubich aos jovens: almejem grandes coisas!

Alemanha 1998

«Caríssimos jovens, Deus chama para vocações variadas e muitos com missões particulares. Por exemplo, ele chama os jovens para a sublime vocação ao sacerdócio, para serem outros Cristo. Ele chama homens e mulheres para fazerem parte daquele canteiro multicor do jardim da Igreja, que são as Famílias Religiosas, e para perfumarem constantemente a Esposa de Cristo com as mais esplêndidas virtudes. Ele chama homens e mulheres nos modernos Movimentos eclesiais para uma doação completa a Deus, individual e comunitariamente, ou para compor famílias modelo, como muitas pequenas Igrejas.

Lembrem-se: ele chama a qualquer idade. Ele chama também jovens, até crianças. Ele chama em todos os pontos da terra.

Mas como podemos conhecer a nossa vocação?

Por experiência eu lhes digo que é necessária uma particular disposição geral. Dado que o chamado de Deus é um ato de amor seu, se ele encontrar o amor nas almas, será mais livre para chamar. Então, o que é preciso fazer para ouvir a voz de Deus? É preciso amar, mas com um amor verdadeiro. Fazendo assim, facilitamos esta missão de Deus. E se vocês já conhecem a própria vocação, o amor é a melhor maneira de realizá-la. Mas, é necessário o amor verdadeiro. É tão importante viver o amor verdadeiro que, vivendo-o, desencadeamos no mundo uma revolução, a revolução cristã.

O amor verdadeiro tem quatro qualidades: ama a todos, porque Jesus morreu por todos; Maria é mãe de todos. Portanto, um amor verdadeiro não considera se os homens são simpáticos ou antipáticos, jovens ou velhos, brancos ou negros, alemães ou italianos, de uma religião ou de outra, se é amigo ou inimigo. O amor verdadeiro ama a todos. Experimentem vivê-lo. Nós estamos acostumados a amar os amigos, os pais, os parentes. E isso é muito bom! Mas temos no coração um amor que sabe amar a todos? Experimentem, experimentem. É uma revolução. As pessoas não compreendem e depois de algum tempo dizem: «Mas por que você faz assim? Por que me ama? Por que me deu aquela caneta? Por que me ajudou a fazer o dever?»

«Por quê? Porque quero amar a todos», e assim começa o diálogo entre nós, católicos, e com pessoas de outras Igrejas ou de outras religiões. Esse diálogo começa porque o nosso amor suscitou um interesse nas pessoas. Portanto, lembrem-se de que a primeira qualidade do amor verdadeiro é que ama a todos.

Segundo ponto: ser os primeiros a amar. Quando Jesus se encarnou, éramos todos pecadores. Ele nos amou primeiro. Temos que nos aproximar de todos sem esperar ser amados. Amar porque somos amados, não! É preciso ser os primeiros a amar. Foi este amor que o Espírito Santo infundiu no nosso coração. É o mesmo amor presente na Santíssima Trindade, do qual nós participamos. Porém, ele deve ser colocado em prática.

Depois, é preciso ver Jesus em todos. Ele disse que no dia do Juízo Final o nosso exame será este: «A mim o fizeste»/ tudo aquilo que fazemos de bom e – infelizmente – de mau.

Três coisas: amar a todos, ser os primeiros a amar, ver Jesus no irmão. Esse amor não deve ser platônico, sentimental. É um amor concreto e para ser concreto é preciso, como disse São Paulo, «Fazer-se tudo para todos», fazer-se um com quem sofre, fazer-se um com quem está contente e partilhar suas alegrias, dores, necessidades. Partilhar.

Então: amar a todos, ser os primeiros a amar, ver Jesus e amar concretamente.  Isso é o que nós podemos fazer, inserindo no nosso coração o amor verdadeiro. O chamado é a parte de Deus, não é a nossa. O chamado é a parte de Deus.

Caríssimos jovens, Deus não cessa de chamar principalmente se amamos. Cabe a nós responder e compor com a nossa vida aquele divino, maravilhoso desígnio que Deus tem para cada um de nós para o bem de todos.

Sabem o que significa colocar Deus acima de tudo como pessoa consagrada a Ele ou que formará uma bela família? Colocar Deus acima de tudo na vida significa encontrar já aqui a felicidade. É isso que desejo a todos vocês!

Almejem grandes coisas, jovens! Temos uma única vida, que não se repete. Convém usá-la bem».