O ginete
      “Pateando escava o chão,
      ufano de sua força,
      e se lança ao encontro das armas.
      Ri-se do medo, nada o assusta,
      e não recua diante da espada.
      Sobre ele ressoam a aljava,
      a lança faiscante e o dardo.
      Com ímpeto e estrondo devora a distância
      e não para, ainda que soe o clarim.
      Ao toque da trombeta ele relincha!
      Fareja de longe a batalha,
      os gritos de mando e os alaridos” (Jó 39,21-25).
      Abrindo a Sagrada Escritura e lendo no Antigo Testamento a descrição que Deus faz de alguns animais, percebemos que poeta, ou pintor algum, conseguiu cantá-los ou pintá-los de modo tão vivo e esplêndido.
      Era preciso o olho de Quem os criou para inspirar tais descrições majestosas. O nosso talvez não esteja educado para ver o belo, ou só vê o belo de um certo setor da vida humana, e da natureza, porque não educamos a alma.
      A moça do campo, embora sempre em contato com a natureza rica dos sinais de Deus, veste-se nas cores mais excêntricas quando vai à cidade, numa desarmonia que fere a vista. Para ela, o belo é isso e as melhores obras de arte não valem muito, se não nada, porque não as entende.
      Mas, aos olhos de Deus, o que será mais bonito? A criança que te fita com olhinhos inocentes, tão semelhantes à límpida natureza e tão vivos, ou a jovem que resplandece como o viço de uma flor recém-desabrochada, ou o idoso encarquilhado e encanecido, já alquebrado, quase inapto a tudo, talvez tão somente à espera da morte?
          O grão de trigo, tão promissor, quando, mais tênue do que um fio de erva, agarrado aos grãos irmãos, envolvendo e compondo a espiga, espera amadurecer e desvincular-se, só e independente, na mão do agricultor ou no seio da terra, é belo e cheio de esperança!
      Mas é igualmente belo quando, já maduro, é escolhido entre os outros, por ser melhor, para, enterrado, dar vida a outras espigas, ele que, a esta altura, traz a vida. É belo, é o eleito para as futuras gerações das messes.
      Mas, quando enterrado, emurchecendo, reduz o seu ser a pouca coisa, mais concentrada, e lentamente morre, apodrecendo, para dar vida a uma plantinha, diferente dele, mas que dele contém a vida, talvez seja ainda mais belo.
      Belezas diversas.
      Contudo, uma ainda mais bela do que a outra.
      E a última, a mais bela.
      Deus verá assim as coisas?
      Aquelas rugas que sulcam a fronte da velhinha; aquele caminhar recurvo e tremulante, aquelas poucas palavras, densas de experiência e sabedoria; aquele doce olhar de menina e mulher ao mesmo tempo, porém mais bondoso que de uma e de outra, é uma beleza que nós não conhecemos.
      É o grão de trigo que, apagando-se, está prestes a se acender para uma nova vida, diversa da de antes, em novos céus.
      Penso que assim Deus veja as coisas, e que o avizinhar-se do Céu seja de longe mais atraente do que as várias etapas do longo caminho da vida que, no fundo, só serve para abrir aquela porta.
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