08 dezembro 2021

Escolher Deus significa escolher Jesus Abandonado

Rocca di Papa, 23 de dezembro de 1983
Jesus se revelou a Chiara como crucificado e abandonado: neste texto ela descreve a origem desta inspiração tão vital para ela e para a sua Obra

(…)
De fato, se nós – estimuladas por um legítimo desejo de saber como as coisas se passaram – mas também pelo conselho da Igreja que, para salvaguardar a genuína pureza das inspirações, convida famílias religiosas e movimentos a voltarem aos tempos em que o Espírito Santo os suscitou; veremos que, ainda antes de termos as primeiras ideias sobre a técnica da unidade e aprendermos a realizar a unidade, nos foi proposto um modelo, uma imagem, uma vida: a vida daquele que verdadeiramente soube “fazer-se um” com todos os homens que existiram, que existem e que existirão; aquele que realizou a unidade, pagando-a com a cruz, com o sangue e com o seu grito; aquele que proporcionou à Igreja a sua presença, como Ressuscitado, todos os dias, até o fim do mundo. Este modelo é Jesus crucificado e abandonado.

Esta realidade de Jesus Abandonado e a sua compreensão precederam, também no tempo, toda e qualquer consideração. De fato, se nós consideramos – e com razão – o dia 7 de dezembro de 1943 (data da minha consagração a Deus) como sendo o início da nossa história, devemos lembrar que no dia 24 de janeiro de 1944 Jesus Abandonado já se havia apresentado à nossa mente e ao nosso coração.
Mas vamos seguir a ordem dos acontecimentos.
Conforme fizemos, ao falar da “unidade”, também no caso de Jesus Abandonado, das primeiras ideias que tivemos sobre Ele, vamos relembrar episódios e circunstâncias e ler breves anotações que se conservaram. São acontecimentos, pensamentos já conhecidos, mas que é necessário rever também hoje para se fazer uma análise mais completa deste assunto.
Um primeiro acontecimento em que Jesus Abandonado se nos revelou, se deu na casa de Dori. Deixemos que ela mesma nos relate o fato:
«Fazíamos visitas aos pobres e, através deles, provavelmente, eu contraí uma infecção no rosto, que se encheu de feridas e os remédios não conseguiam deter a doença. Com o rosto cuidadosamente protegido, continuava a ir à missa e, aos sábados, às reuniões…
Fazia frio e era prejudicial sair naquele estado. Visto que os meus familiares me proibiam de sair, Chiara pediu a um padre Capuchinho que me trouxesse a Comunhão. Enquanto fazia a minha ação de graças, aquele o sacerdote perguntou a Chiara qual era, a seu ver, o momento em que Jesus mais sofrera durante a sua paixão. Ela respondeu ter sempre ouvido dizer que era a dor que sofreu no Horto das Oliveiras. Mas o sacerdote comentou: ‘Eu acho que foi no momento em que, pregado na cruz, Ele gritou: ‘Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?’”1.
Logo que o padre saiu, tendo eu ouvido o comentário de Chiara, dirigi-me a ela, na certeza de que receberia uma explicação. Ela me disse: “Se a maior dor de Jesus foi o abandono por parte de seu Pai, nós vamos escolhê-lo como Ideal, nosso modelo, e segui-lo assim”.
Naquele momento – continua Dori – na minha mente, gravou-se a convicção de que o nosso ideal de vida era Jesus, com o rosto dilacerado que grita ao Pai. E as pobres chagas do meu rosto, que agora pareciam como que uma pequena sombra de suas dores, me davam alegria, porque me tornavam um pouco mais semelhante a Ele. Daquele dia em diante Chiara me falou muitas vezes, ou melhor, sempre, de Jesus Abandonado. Era o personagem vivo da nossa existência».

Uma escolha única e radical: “Jesus Abandonado”.

As cartas da época frisam esta atitude:
«Esquece tudo… também as coisas mais sublimes; deixa-te dominar por uma só ideia, por um só Deus, que deve penetrar em todas as fibras do teu ser: Jesus crucificado» (21.7.1945).
Outra: «Conheces a vida dos santos? Era uma só palavra: Jesus crucificado. As chagas de Cristo eram o repouso deles; o sangue de Cristo, o banho salutar de suas almas; o peito transpassado de Cristo, o precioso cofre onde eles depositavam o seu amor. Pede a Jesus crucificado, por amor do seu angustiante grito, a paixão de sua paixão. Ele deve ser tudo para ti» (21.7.1945).
Jesus Abandonado era o único livro em que se queria ler.
«Sim, é verdade, frequento a universidade, mas nenhum livro, por mais belo e profundo que seja, proporciona ao meu espírito tanta força e sobretudo tanto amor como Jesus crucificado…» (07.06.1944).
E ainda:
«Sobretudo, porém, procura instruir-te num único livro: Jesus crucificado – que todos abandonaram – que grita: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” Oh!, se aquele divino rosto contraído pelos espasmos, se aqueles olhos avermelhados, mas que te fitam com bondade, esquecendo os pecados meus e teus que o reduziram a esse estado, estivessem sempre diante dos teus olhos» (30.1.1944).

E, nos anos seguintes, de tempos em tempos, se renovava esta escolha radical.
Uma carta de 1948 diz:
«…Esquecer tudo na vida: escritório, trabalho, pessoas, responsabilidades, fome, sede, descanso, até mesmo a própria alma… para possuir somente a Ele: Jesus Abandonado. Eis tudo. Amar como Ele nos amou, a ponto de experimentar por nós até o abandono do seu Pai» (14.08.1948).
Em 1949: «Tenho um só Esposo na terra: Jesus abandonado. Não tenho outro Deus senão Ele».
Só se conhecia a Ele. Não se queria conhecer senão a Ele. O Espírito repetia dentro de nós: «Não conheço senão Cristo e Cristo crucificado». O amor por Ele era exclusivo, não permitia comprometimentos.
A escolha de Deus-Amor, que tinha caracterizado o primeiro passo da nossa nova vida, determinava-se com precisão; escolher Deus significava para nós: escolher Jesus Abandonado.

#ChiaraLubich 

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