06 dezembro 2021

Entrevista a Chiara de Josè Maria Poirier

Rocca di Papa, 19 de fevereiro de 1998

Jornalista: […] A primeira pergunta toca o tema do diálogo inter-religioso. Diálogo que o Movimento propõe e abriu com pessoas de várias convicções religiosas e tradições. 

Chiara: O fato é este: Jesus, vindo à Terra, redimiu toda a humanidade, todos os homens. Ele constituiu a Igreja. Porém, a sua redenção abraçou todos. Por isso, todos, se tiverem reta intenção, […] teriam a possibilidade de se salvar. Estamos muito conscientes disso. Portanto, nos aproximamos dessas pessoas de outras religiões, sabendo que amanhã poderão ir para o Paraíso e nós, talvez, não.
Portanto, a atitude que temos – e este é o ponto importante para nós -, é aquela de amá-los como Cristo os amou e amá-los sem discriminação alguma, dando-lhes tudo aquilo que o amor nos leva a doar. Justamente porque os amamos, fizemos uma grandíssima descoberta. Quase todas as grandes religiões: o budismo, o hinduísmo, o hebraísmo, o islamismo possuem uma fórmula que é tipicamente cristã, porque é uma frase do Evangelho: “Não faça aos outros aquilo que você não gostaria que fosse feito a você; faça aos outros o que gostaria que fosse feito a você”. Todos possuem esta frase que é chamada a “regra de ouro”, porque é de todas as escrituras e de todas essas religiões.

Então, o que fazemos? Nós vivemos o nosso amor sobrenatural, que é uma participação do mesmo amor de Deus, da vida trinitária… Eles nos encontram com o amor que possuem, que não é simplesmente, não sei, a não-violência, mas é uma atitude positiva de amor. […] Nestes encontros nós criamos uma fraternidade que não é a unidade em Cristo, como aquela que pode… existir na Igreja ou entre os cristãos, mas é a fraternidade universal instaurada pelo amor. […]

Jornalista: Na sua opinião, por que o carisma da unidade teve toda essa incidência no mundo, em muitos países e em pessoas de diversas condições sociais e culturais?
Chiara: Porque é Deus o Ideal e Ele tem a ver com todos. É pai de todos, de todas as culturas, de todas as religiões, de todas as nações, de todas as vocações, de ambos os sexos.

Jornalista: O que significou para a senhora, na sua vida pessoal, o carisma da unidade?
Chiara: Tenho que dizer assim, pois nasceu há 53 anos. É um caminho. Procurei assimilá-lo cada vez mais, mais, mais, assim como era capaz. Errando, recomeçando, recomeçando, errando, indo em frente, fazendo progressos. Significou o meu caminho para Deus.

Jornalista: Gostaria de perguntar, Chiara, sobre dois temas centrais da espiritualidade do Movimento dos Focolares: Jesus no meio, a presença de Jesus no meio da comunidade, e o mistério de Jesus abandonado, Cristo na cruz. 
Chiara: Jesus no meio é a realização de uma frase do Evangelho onde Jesus diz que, quando duas ou mais pessoas se unem no seu nome, que significa no seu amor. Ele está ali presente. Mas foi dito também de outro modo: “Onde existe a caridade e o amor ali está Deus”, diz um canto do… e esta é a realização. Portanto, é algo grande, isto é, ter entre nós, talvez na família, no escritório, até no parlamento a presença de Cristo entre nós. Ele nos ajuda, Ele nos guia, Ele nos ilumina. 
Jesus abandonado é a expressão da maior dor que Jesus sofreu na Terra, quando no vértice da cruz gritou: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” Pode-se explicar pelo fato de que Ele se cobriu de todos os pecados do mundo, os quais tinham separado os homens de Deus e entre eles. Ele assumiu toda a separação e por isso gritou: “Meu Deus, por que me abandonaste?” como se Ele fosse a voz da humanidade que está separada de Deus. Encontramos nele a solução para recompor a unidade nas diversas partes do mundo, em todas as situações.

Jornalista: O que a senhora entende dizer por uma espiritualidade coletiva?
Chiara: Entendo dizer que não se vai para Deus sozinho, mas junto com outros. A nossa espiritualidade se baseia no amor e de modo especial também no amor recíproco, que é o mandamento típico de Jesus. Ele disse que é seu, que é novo. Naturalmente, no amor recíproco somos pelo menos dois, porque é preciso… Existe a reciprocidade. Portanto, não é um caminho que percorremos sozinhos, mas um caminho percorrido juntos.

Jornalista: Como almejar, Chiara, a unidade, respeitando as várias culturas?

Chiara: É preciso saber respeitar, mas é o amor que ilumina, que faz compreender o outro, aliás, que faz com que cada um se torne rico do patrimônio do outro. Portanto, é um enriquecimento. Nós dizemos que é preciso se tornar homens mundo, no sentido de contatar todas as pessoas, procurando enriquecer-nos da riqueza do outro e, naturalmente, comunicando também a riqueza que temos dentro de nós, mas não existem obstáculos para quem ama. […]

Jornalista: Em que base se apoia o diálogo entre pessoas de diferentes culturas e diferentes crenças religiosas?
Chiara: Nós temos um diálogo com pessoas de diferentes religiões, inclusive sem fé, porque vemos que, embora não acreditem em Deus, no sobrenatural, acreditam em certos valores. Visto que Jesus é o homem Deus, existe uma parte humana e uma parte divina na única pessoa do Cristo, também todos os valores puramente humanos têm um significado no cristianismo e nós sentimos que, se podemos lhes oferecer o nosso espírito, a nossa espiritualidade, que se concentra ainda numa palavra que é amor, eles podem nos oferecer realmente a experiência de terem vivido, de terem apreciado, de terem trabalhado por muitos valores: a solidariedade, a paz, a unidade, a liberdade, certas vezes, assim.

Jornalista: Gostaria de perguntar à senhora, que é uma personalidade da vida espiritual: qual é o sentido da dor na vida do homem?Chiara: A dor tem um grande sentido, um grande sentido. A cruz é o equilíbrio da humanidade. Se não tivermos a cruz, esvoaçamos como as borboletas que não sabem onde pousar; ao passo que a dor dá sentido à nossa vida. Não só, mas é o caminho direto para ter a união com Deus. Quem sofre, ao se recolher, encontra, em geral, a união com Deus e a união com Deus é a base para poder viver como cristão, para poder viver também como ser humano.

Jornalista: Como almejar, Chiara, a unidade, respeitando as várias culturas?
Chiara: É exatamente o que eu disse antes: é preciso respeitar os outros; é preciso amar os outros. Deixar que o outro seja aquilo que é. Para isso, nós devemos viver o não-ser para conseguirmos entrar neles. Alguém disse que é preciso entrar na pele do outro. Um escritor diz que é preciso entrar na pele do outro para compreender as coisas como ele as compreende. Então… assim existe a unidade, porque nós nos fazemos um com o outro e ele se faz um conosco, mesmo na diversidade… De certo modo, é como entre as Pessoas da Santíssima Trindade que são muito diferentes: o Padre não é o Filho, o Filho não é o Pai, um e outro não são o Espírito Santo, mesmo assim são um, porque todas as Pessoas são amor. […]

Jornalista: A senhora é cristã e católica. Alguma vez e conduzida por Deus, encontrou no diálogo profundo com outras religiões certas riquezas que não conhecia ou todas evocavam algo que já havia na senhora?
Chiara: Não, não, encontrei coisas que não conhecia, mas simplesmente porque às vezes nós pensamos, […] também nos séculos passados, que já descobrimos [todo] o cristianismo. Na verdade, nós o descobrimos só até certo ponto; nos próximos séculos ele será descoberto num nível ainda mais profundo, ainda mais profundo, ainda mais profundo. Certas pessoas, em certas religiões chegaram… simplesmente com a religião delas, mas também com a ajuda do Espírito Santo, chegaram a profundidades, em certos particulares, que nós ainda não atingimos. Um dia descobriremos que são as ‘sementes do Verbo’, isto é, também ali existem princípios da verdade, presenças do Verbo de Deus que nós ainda não descobrimos. Não sei, para dar um exemplo. Estive na Tailândia. Encontrei lá uma tal sabedoria, uma tal ascética, um tal desapego de si mesmos, que é difícil encontrar aqui. Assim.

Jornalista: Obrigado, Chiara.  

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